CAPÍTULO V
*** GUSTAVO FORTUNA ***
— Puta que pariu! -Grunho para mim mesmo depois de bater a porta do apartamento e me lançar sobre o sofá ainda com a xícara vazia nas mãos. Mulherzinha terrível! Expiro com força, expulsando todo o ar dos meus pulmões antes de puxar uma nova remessa. A voz de Rodrigo, me alertando sobre o perigo do jogo que eu pretendia fazer, sopra em minha cabeça, e eu repito a já conhecida frase: odeio quando meu irmão está certo. Eu sabia que não deveria ir até ele pela segunda vez hoje. Não quando eu ainda não tinha um plano sobre como lidar com o loiro pronto em minha mente. Mas não consegui, foi mais forte do que eu.
A vontade de provocá-lo era absurda, e eu não sou o tipo de homem que se nega os próprios caprichos. Era simples, bater em sua porta sem camisa, desestabilizá-lo, brincar com seu desejo e, depois, sair, como se não fosse nada demais, o que, se formos sinceros, poderia, até mesmo ser chamado de justiça, já que, hoje, por duas vezes, ele me deixou com o pau na mão. O que seria uma pequena provocação? Nada... Não deveria ser nada, mas o homem se recusou a se manter passivo e, sem nem mesmo estar tentando, deixou-me tão rendido quanto vi em seus olhos que ele estava. Seu olhar vidrado, lábios entreabertos, sua pele quente e arrepiada tão próxima, me puxaram para a perdição, e suas palavras e postura de combate fizeram o restante do trabalho, quase derrotando-me em meu próprio jogo.
Deus sabe o quão difícil foi me afastar quando tudo o que eu queria era agarrar aquele corpo, prender suas pernas ao redor da minha cintura e fazer com ele exatamente o que disse que faria, fodê-lo até que gritasse meu nome para cada morador desse prédio ouvir. O mais seguro seria me afastar, porque se Eric pode ser um problema se deixado sozinho, me envolver com ele tem se mostrado, no curto período de tempo de um dia, poder se tornar um problema ainda maior. Eu deveria me sentir alertado por isso, mas sinto-me apenas eletrizado, eu e minha maldita obsessão por riscos.
Se o corpo de Eric cede a cada movimento que faço em sua direção, sua mente deixa claro que erguerá uma barreira tão poderosa quanto a muralha da China. E isso me excita mais do que qualquer reação de seu corpo, mesmo que elas façam um belíssimo trabalho em me deixar duro. A cada resposta que aquela boca esperta me dá, a vontade de lhe dar coisas mais interessantes para fazer do que me responder, cresce.
Não é que eu não goste de suas afrontas, eu adoro suas palavras ácidas e perguntas sarcásticas, porra! Eu adoro, ainda que eu tenha começado a ouvi-las somente hoje. A sensação é de que, na verdade, nos conhecemos há meses. É como se a cada noite que fui mantido cativo por seus gemidos, eu o estivesse conhecendo, e, me pergunto se ele se sente da mesma forma com relação a mim, mas isso soa absurdo visto sob qualquer que seja o ângulo. Afasto o pensamento. Nós nãos nos conhecemos, é só uma atração irrefreável, acho que todo mundo passa por isso uma vez na vida.
E é claro que, na minha vez, tinha que ser com o homem que quer me foder, e não do jeito que eu gostaria de ser fodido. Olho para baixo, me deparando com a ereção dolorida entre as pernas, louco para ligar o foda-se, passar pela porta, e colocar a do apartamento vizinho abaixo, até que ele abra e eu ceda aos meus próprios desejos, aos nossos próprios desejos, não importa o quanto ele esteja disposto a negar. Mas não posso. Eu preciso de um plano, um bem calculado. Eric é um cara inteligente, e, claramente, passional, mas, ainda assim, inteligente. Acredito que em algum momento els vá cair em si de que sua frustração com a perda do apartamento não é motivo o suficiente para me causar problemas, mas, até lá, preciso garantir que não seja tarde demais para que ele desista.
Então, resta-me apenas uma opção, manter sua mente ocupada, comigo. Sem conseguir me impedir, sorrio. Porque eu vou adorar cada segundo dessa ocupação, principalmente aqueles que eu passar dentro dele. Existem apenas dois obstáculos, o primeiro, a determinação do homem. Sou bom em ler pessoas, e algo que está estampado por toda a atitude de Eric é que seduzi-lo não é uma possibilidade, porque não importa o quanto ele deseje, ainda que se entregue, ele não vai se render. Não, Eric precisa da sensação de controle, ele precisa acreditar que é ele quem está dando as cartas.
O segundo obstáculo, “o companheiro”. Um gosto amargo se espalha pela minha boca. Mas, sendo honesto, ele devia me agradecer, porque se o meu homem reagisse a qualquer outro homem como Eric reage a mim, eu deveria saber que ele não é meu.
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Rolo na cama, sozinho, de um lado para o outro. Uma semana inteira sem que qualquer pessoa pise nesse quarto. Bufo. Mas para o meu plano dar certo, Eric precisa estar receptivo a mim, e, claramente, ouvir minhas fodas não fez nada nesse sentido até agora, então, até segunda ordem, minhas atividades noturnas estão banidas desse apartamento, o que é uma porra, mas vai valer a pena.
O teto branco e liso atrai a atenção dos meus olhos, mas não a mantém por muito tempo, porque minha cabeça está obcecada, fixa em uma única coisa. No vizinho. Sozinho, pude ficar atento à movimentação no corredor e, tenho quase certeza de que não ouvi nenhuma porta abrir ou fechar, o que quer dizer que o tal companheiro não veio hoje. Uma coincidência bem-vinda, se me perguntarem.
Eu poderia bater em sua porta, mas tenho amor à vida. Tenho certeza de que se o fizesse, ele me acertaria com alguma coisa depois do meu pedido de ontem. Sorrio com o pensamento, o bastardo é um risco à minha vida, definitivamente, meu tipo de homem.
Expiro com força, sentindo-me energizado pelo desafio implícito nessa brincadeira de gato e rato. Uma semana. Rio, porque a impressão que tenho é que se passaram muito mais. Eu não planejava bater em sua porta todos os dias na última semana inteira, mas a vontade de falar com ele, de provocá-lo, é quase tão grande quanto a que sinto de tocá-lo, de sentir seu cheiro, de beijá-lo. É uma porra louca e inexplicável, mas se nunca questionei meus impulsos antes, não será agora que vou começar, não justamente com esse que tem o par de pernas mais gostoso em que já pus meus olhos.
Sento-me na cama. Desistindo de dormir. Olho ao meu redor, o quarto, em tons de azul marinho e madeira, é bonito, confortável, mas não se parece com estar em casa.
Já que um dos meus vícios está fora do meu alcance, por enquanto, decido alimentar o outro, cafeína. Em poucos passos chego à cozinha, o apartamento não é minúsculo, mas porra! Eu sinto falta da minha casa! Ainda que eu tenha feito questão de equipá-lo com tudo o que eu gosto, ainda que eu tenha feito questão de decorá-lo, para garantir meu próprio conforto, sabendo que isso quase poderia ser chamado de desperdício, uma vez que, cedo ou tarde, esse prédio ruirá, não é a mesma coisa. Mas em toda conquista, sacrifícios são necessários. E, o que seriam alguns poucos meses, certo? Errado.
Eu pretendia voltar para casa no mais tardar, duas semanas após o início da compra dos imóveis, mas, ao que parece, o vizinho de sobrenome problema vai me manter aqui por mais tempo. Ah, mas ele vai me recompensar por isso. Ah, se vai! Eu só preciso descobrir uma forma de fazê-lo acreditar que essa é uma decisão sua... Vamos lá, Gustavo! Você é um homem inteligente, camarada... Divago comigo mesmo enquanto aperto os botões, programando meu café do jeito que gosto, forte, com uma mistura de diferentes grãos moídos na hora.
Apoiado na ilha da cozinha, cruzo os braços na frente do corpo, olhando para frente e não vendo absolutamente nada. O pensamento que domina minha cabeça tem a pele clara, os cabelos loiros, olhos verdes, e lábios capazes de enlouquecer qualquer homem com imaginação: “o que será que Eric está fazendo agora?” “Será que já dormiu?” “Em que parte do apartamento está?”
Desvio meu olhar para o relógio e constato que falta pouco para meia noite. Aguço os ouvidos, tentando ouvir algo no apartamento ao lado, mas tudo parece silencioso e, ao mesmo tempo em que fico satisfeito por seu maldito companheiro provavelmente não ter aparecido hoje, sinto-me decepcionado, porque não terei minha dose diária dos seus gemidos.
Honestamente, me admirei de ter continuado a ouvi-los depois de ele ter parecido tão genuinamente surpreso com o fato de que eu a ouço. Porque, baseado nas pequenas doses de sua personalidade que recebi, o louco seria perfeitamente capaz de parar de transar apenas para não me dar mais esse prazer. Estalo a língua e apoio as mãos atrás da cabeça.
Louco. Completamente louco, passional, determinado, porra! Só de imaginar tudo isso na cama, fico duro. Se eu tivesse seu telefone, ligaria para ele só para provocá-lo sobre ouvir seus gemidos ou não essa noite. É impossível impedir o sorriso que se espalha pelo meu rosto. Mas eu não tenho... Eu poderia procurá-la no grupo de whatsapp do condomínio... E produzir provas contra você mesmo de que está assediando um morador, Gustavo? Não! Definitivamente não, porque eu sei que suas ameaças não foram da boca para fora. Aquele cara é capaz de me processar, e esse é justamente o tipo de problema que estou tentando evitar com tudo isso, meu grilo falante interior me olha com uma sobrancelha arqueada, em deboche.
— Foda-se! -digo para ninguém além de mim mesmo, e a cafeteira apita, avisando que o café, cujo cheiro já inunda o apartamento inteiro, está pronto.
Precisaria ser anônimo, algo que fizesse com que ela soubesse que sou eu, sem que eu dissesse de maneira explícita... Puta que pariu! Eu estou parecendo a porra de um adolescente, mas e daí? Qual é o grande problema disso? A psicologia não vive dizendo que devemos manter nossa criança interior viva, saudável e feliz? É exatamente o que estou fazendo...
Tudo bem, admito, talvez, levar um cara para a cama não seja exatamente uma tarefa infantil, mas, implicar com ele para isso, definitivamente é. É como no jardim de infância, quando puxar o cabelo de uma garota significava que gostávamos dela. Nada mudou, só que, agora, ao invés de puxões de cabelos, jogamos palavras ácidas, e ao invés de isso querer dizer que gostamos dele, quer dizer que queremos transar com ele.
Sirvo uma quantidade generosa de café e penso em formas anônimas de me comunicar com o loiro bravo. Eu poderia passar bilhetes por baixo da sua porta, mas, outra vez, provas contra mim mesmo. Algo mais difícil de rastrear seria... A lembrança de ter dito exatamente a palavra anônimo para Eric assalta minha mente, e eu quase posso ver os papéis espalhados no batente da sua porta da primeira vez em que estive lá, inclino a cabeça para o lado, revendo, dentro da minha própria cabeça, os panfletos que a encrenqueira pretendia espalhar por aí, e são eles quem me dizem exatamente o que fazer.
Gargalho, porque ele não perde por esperar. Ele vai ficar tão puto! Não tenho dúvidas. Armado com minha dose extragrande de cafeína, vou para o quarto que uso como home office no apartamento. Me sento diante do computador e, em cinco minutos tenho um novo e completamente anônimo endereço de e-mail: anonimoqueteouvegemer@linket.com.
É impossível me impedir de rir, definitivamente, um moleque. Uma rápida pesquisa em um site de buscas me dá o que eu quero, e depois de anexar a imagem escolhida ao corpo do e-mail, junto com a mensagem curta, mas eficiente, digito o endereço bobo e impossível de esquecer desde que o vi impresso sobre a imagem de um imenso diabo segurando uma bola de demolição. Então, clico em enviar.
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*** ERIC VIANA ***
Basta sair do elevador para que eu veja. Um imenso vaso de flores sobre o capacho do meu apartamento. Reviro os olhos, porque sei exatamente de quem vieram, depois de quinze dias de uma perseguição insistente, e de uma enxurrada de e-mails que, embora anônimos, não poderiam ser mais óbvios nem se tentassem, não poderiam ser de qualquer outra pessoa além de Gustavo.
Duas semanas desde que eu bati a porta em sua cara pela primeira vez. Sete malditos dias tendo que lidar com sua presença física insistente, e outros sete recebendo todo tipo de e-mail absurdo e sem noção. Começou na noite em que ele apareceu sem camisa na minha porta com a desculpa de precisar de uma xícara de açúcar. No dia seguinte, ele precisava de sal, no outro, de café, no quarto dia, era feijão, no sexto, arroz, no sétimo, não havia xícara em suas mãos. O cretino me pediu um sabonete e teve a pachorra de dizer que preferia um que eu já tivesse usado.
Não importava o quanto minha cara fosse de poucos amigos ao abrir a porta, ele estava sempre sorrindo. No oitavo dia, achei que minhas ameaças de o processar por assédio haviam surtido efeito, porque ele não apareceu, e para meu próprio desespero, lamentei por isso. Ainda não fui capaz de compreender como e porque, de repente, brigar com Gustavo se tornou um ritual do qual eu senti falta.
Mas minha paz/incompreensão interior não durou muito tempo. Depois de sete dias sem ouvir nenhum som despudorado através da parede do quarto, achei que poderia concluir que não mais os ouviria. Por alguma razão sobre a qual eu não queria refletir, Gustavo teve a decência de me dar sossego, pelo menos na realidade, já que nos meus sonhos ele continuava sendo figurinha marcada.
Rolei para um lado e para o outro na cama, apertei meus olhos, me cobri até a cabeça, me descobri, deixei todo o corpo quentinho, menos meus pés, e, depois, os cobri também, mas não adiantou. Nada fez com que o sono viesse, minha mente continuava alerta, se questionando o porquê de ele não ter aparecido para me importunar hoje, e me julgando por estar tão preocupado com isso também. Por isso, quando ouvi o zumbido da vibração na mesinha de cabeceira, agradeci à santa dos gays insones pela benção, se fosse uma solicitação de orçamento, eu me levantaria imediatamente para responder, mas não era.
Franzi as sobrancelhas ao constatar que o e-mail havia sido enviado para o endereço anônimo que criei para os cartazes, porque ninguém, exceto eu, sabia de sua existência. Ao ler o nome do remetente, engasguei com a minha própria saliva, tamanho foi o meu choque com o sujeito. Anônimo que te ouve gemer era o nome do remetente e eu soube imediatamente que eu não era, de fato, a única que tinha aquele endereço. Havia mais uma pessoa no mundo todo que o tinha também, e, como ele parece adorar fazer, decidiu invadir mais esse pedaço da minha vida que deveria ser de meu único e exclusivo acesso.
Contra o meu bom senso, deixei que a curiosidade me vencesse e, ao abrir a mensagem eletrônica, me deparei com a imensa foto de um anjo nu, com a legenda:
anonimoqueteouvegemer@linket.com:37h
“Eu prometo que posso te levar ao céu... Deixa?”
— CRETINO! -gritei, esperando que ele ouvisse, mas acho que não funcionou, porque quando se deu conta de que eu não tinha a menor intenção de responder, chegou uma segunda mensagem, me perguntando o que eu estava fazendo, e que foi devidamente ignorada, assim como a primeira.
E, confirmando minhas suspeitas de que o babaca é alimentado por negativas, isso o estimulou a mandar uma terceira, dizendo que estava ansioso pelo nosso encontro. Essa fez com que eu erguesse minhas sobrancelhas e com que meus dedos coçassem para responder “QUE ENCONTRO, SEU LUNÁTICO?”
Mas não o fiz, mantive meu tratamento de silêncio, e ele, o seu de insistência. Perto das duas da manhã, chegou uma quarta que perguntava se eu ainda estava acordado, ou se estava no nosso lugar de sempre. Eu queria dormir, juro que queria, mas enganei-me ao achar que não me obrigar a ouvir suas fodas, ou a olhar para o seu rosto diabolicamente lindo, Gustavo estaria me fazendo um favor. Porque apesar da ausência de gemidos, passei aquela noite e todos os dias que se seguiram, recebendo e-mails incômodos de tantas maneiras diferentes, que chega a ser difícil descrever.
São incômodos, porque vêm dele, porque são inconvenientes e sem sentido. São incômodos, porque eu quero, desesperadamente, me afastar desse homem e ele continua empurrando sua presença em minha vida por todos os lugares em que vê uma passagem, não importa o quão estreita seja.
São incômodos, porque não se limitaram àquela noite, começaram a chegar já durante a manhã seguinte, me desejando bom dia, dizendo que havia sentido falta dos meus gemidos, já que me recusei a dar isso a ele, dormindo na sala, e que mal podia esperar para ouvilos enquanto olhava em meus olhos.
São incômodos, porque durante os últimos sete dias, o maldito deus nórdico corredor/ vizinho barulhento/ CEO ladrão de apartamentos duramente conquistados, continuou me mandando emails ao longo de todo o dia com toda sorte de coisas, desde cumprimentos a fotos simples da sua rotina e eu não conseguia entender o porquê.
São incômodos porque mais de uma vez, me vi querendo responder e conversar com ele, porque uma parte miserável de mim, no fundo, bem fundo mesmo, na lama da minha consciência, queria saber mais sobre aquele que foi o objeto dos meus desejos e fantasias por tanto tempo e, muitas outras vezes, me peguei ansioso, esperando por qual outro pedacinho de si mesmo ele me daria sem que eu precisasse dar o braço a torcer e pedir.
São incômodos, porque fazem a minha parte racional questionar qual é a razão para ele estar se esforçando tanto. Não nos conhecemos, ele não sabe nada, ou quase nada a meu respeito, assim como eu não sei nada sobre ele, além de que é um cafajeste. Então, porque, depois de tanto tempo me desejando através da parede, como disse, ele decidiu que agora é uma boa hora para me importunar? Talvez, porque ele queira mostrar que não é nenhum tipo de monstro... Um cafajeste, com certeza.... Mas, talvez, você esteja exagerando em suas declarações de ódio eterno...
O escorpiano que existe em mim duela com essa parte da minha consciência gritando “Cortem-lhe a cabeça!” e apontando o dedo em riste enquanto deixa claro que não, esse homem não pode ser uma boa pessoa, e se está se esforçando tanto, certamente tem motivos escusos e não, não devemos dar a ele a chance de explicar qualquer coisa, principalmente, porque ele nem mesmo pediu por essa chance! Eu o acusei de tentar roubar meu apartamento e tudo o que ele fez foi me perguntar se eu gritaria quando me fodesse contra uma parede.
Balanço a cabeça de um lado para o outro, sentindo meu corpo estremecer com a lembrança que atravessa minha mente pela milionésima vez desde que aconteceu, assim como a imagem criada por essas palavras. Pego o vaso com as flores mais coloridas, exóticas, e lindas que já vi. Achei que alguém como ele mandaria rosas, porque mais genéricas do que elas, impossível.
Entro no apartamento, coloco o vaso sobre a bancada da cozinha e estico os dedos sobre o arranjo, passando-os sobre as pétalas que embora tenham a textura aveludada, não são delicadas e se apresentam em diferentes formatos, envolvidas e embrenhadas em folhagens verdes de diferentes tons. Sua última mensagem reclamava da minha falta de educação, dizendo que meu jeito antissocial era selvagem.
Como se eu o estivesse ignorando por falta de traquejo social, Deus! Está para nascer um homem mais cretino do que esse. Do meio das flores e folhas, retiro um envelope branco. Mordo o lábio, perguntando-me se devo ou não ler. A curiosidade vence a birra, e eu abro o cartão.
“Selvagens, estupidamente lindas, e únicas, me lembraram você...
Franzo o cenho para o papel grosso e branco, a letra corrida é feia, e eu quase comemoro, porque alguma coisa nesse homem precisava ser. Deslizo os olhos para baixo e a dúvida que se assentava, lentamente, rastejando pela minha consciência como uma verdadeira cobra, sobre eu poder estar sendo muito radical em afastá-lo, sem jamais realmente ouvi-lo, é morta com uma estaca bem no meio de sua cabeça quando meu olhar encontra o restante das palavras no bilhete.
“Me diz que não estar ouvindo seus gemidos por uma semana tem um lado bom, e significa que você e seu “companheiro” terminaram? Gustavo Fortuna.”
Expiro com força, movendo a cabeça para um lado e para o outro. Qual é o problema desse homem?! “Você, Eric! Você é meu problema” sua voz grossa e rouca invade meus pensamentos.
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— Não é possível, Lívia! Eu preciso poder fazer alguma coisa quanto a isso! Isso é assédio, droga! -reclamo com minha irmã e ela solta um suspiro cansado.
— Eric, eu te disse isso da primeira vez que você me ligou, e vou dizer de novo, e continuarei dizendo... Você não tem provas. O e-mail é anônimo, e você disse que ele nunca mais bateu na sua porta.
— É claro que não! Ele encontrou uma outra forma de me importunar! O maldito não me deixa em paz, Lívia, são pelo menos dez e-mails por dia, eu preciso poder fazer alguma coisa!
— Eu já disse... - soa exausta por ter que se repetir: ͞ Você pode fazer um boletim de ocorrência sobre o assédio virtual que está sofrendo, mas não vai conseguir acusá-lo, já que não tem provas de que está vindo dele!
— Você é advogada! Faz alguma coisa! Pelo amor de Deus! - brado, ao mesmo tempo que imploro, e minha irmã mais nova não demonstra nenhum dos dois sentimentos que eu gostaria de ter provocado, nem disposição para obedecer a minha ordem, nem pena da minha súplica. Ela apenas suspira antes de me responder com um tom irritadiço.
— Eu sou advogada corporativa, Eric! Definitivamente, esse não é o tipo de trabalho que eu faço! Pelo amor de Deus digo eu, tenha dó de mim! Se você tem um problema com o seu vizinho, bata na porta dele e resolva!! -Passo a mão pelos cabelos, afastando-os do rosto enquanto faço um verdadeiro contorcionismo pra vestir uma blusa com uma mão só.
— Muito obrigado por nada! -Grito e desligo o telefone! Odiando o fato de ela estar certa sobre a minha impotência, sobre o fato de que, se eu quiser resolver isso, vou precisar falar com o maldito, porque tenho certeza de que isso é justamente o que ele queria. Não foi coincidência que no momento em que os e-mails começaram, ele tenha sumido, ou que você tenha parado de ouvi-lo transar...minha mente irritante sussurra e eu a calo, olhando para ela de cara feia.
Saio do meu quarto e, na sala, olho para o meu quadro, analisando meus próximos prazos de entrega enquanto meus pensamentos continuam fixos na mesma questão, aquela que me fez ligar para Lívia pela décima vez essa semana para falar do mesmíssimo assunto. Eu não quero vê-lo.
Deus, definitivamente não quero. Não confio em mim perto daquele homem que deixou de preencher minhas noites e passou a preencher meus dias. Agora, não são mais relegados a ele os pensamentos que tenho quando estou inconsciente e vulnerável, sua presença, cheiro e a quantidade absurda de sensações que atravessaram meu corpo quando me tocou, mesmo que tão rapidamente, assaltam minha mente constantemente quando estou acordado, roubando meu tempo e dignidade.
Eu odeio pensar nele. Odeio a forma como meu corpo reage às lembranças, ou como minha cabeça parece amar projetar suas palavras em imagens vívidas que repete, em qualquer oportunidade que tenha, em um looping infinito, diante dos meus olhos, sendo muito mais perturbador do que músicas chiclete de comerciais de televisão.
Odeio que o queira tanto, odeio que eu não possa tê-lo porque ele é um bastardo, odeio que ele, de alguma forma, me olhe como se me conhecesse, e, mais do que tudo, odeio a sensação de que o conheço, quando, na verdade, não importa por quanto tempo eu tenha fantasiado com ele, faz apenas quinze dias que sei seu nome. Tudo o que tive antes disso foram seus gemidos e grunhidos para outros caras, ou momentos roubados em que eu gostava de imaginar que ele me olhava.
Desde a segunda noite de e-mails, fico acordado até tarde da noite, vergonhosamente, esperando pelo próximo, e, provavelmente por isso, não tenho mais sonhos. Odeio que ele tenha esse tipo de poder sobre mim, o de me deixar suspenso em expectativa, fosse pelo horário da sua corrida diária, que eu, aliás, tenho me recusado a assistir, mesmo que não tenha tido coragem de desligar o desativar o despertador, ou pela próxima mensagem sobre o seu dia, ou perguntando sobre o meu, ou com qualquer coisa absurda, mesmo que eu não tenha a intenção de responder.
Como se atraído pelos meus pensamentos, o celular vibra em minha mão e eu já nem espero que seja qualquer outra coisa que não mais um e-mail. Baixo os olhos para tela e lá está: Anônimo que te ouve gemer. Perdi as contas de quantas vezes, na última semana, pensei em excluir o endereço de e-mail que se tornou completamente inútil para mim, mas assim como me falta coragem para desativar o lembrete de que a hora da corrida está prestes a começar, me falta para isso também.
Deslizo o dedo pela tela do aparelho, desbloqueando-o e, ao abrir o aplicativo de e-mails, me deparo com a foto de uma flor, uma igual a alguma das muitas que compõem o arranjo que enfeita a bancada da minha cozinha neste exato momento. Eu quis jogá-lo fora, mas bem, sabemos que coragem não é exatamente o meu forte. Inclino a cabeça para o lado, lendo a mensagem curta escrita sob a foto enviada:
anonimoqueteouvegemer@linket.com:11h
“Tão linda quanto você, mas o seu cheiro só você tem...”
Expiro, cansado do conflito de sentimentos constante em que passei os últimos dias. Mordo o lábio, e passo alguns minutos desviando os olhos entre o arranjo de flores e o celular na palma das minhas mãos. Decido assumir o controle, nem que seja apenas um pedacinho dele.
juntossomosmaisfortesedfuno@linket.com –– 15:11h
“Por que você está fazendo isso?” Digito e toco em enviar.
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*** GUSTAVO FORTUNA ***
O celular vibra sobre a mesa e eu mal posso acreditar! Porra, finalmente! Gargalho, satisfeito. Pego-o com pressa, abrindo o email que eu espero há quase uma semana. Confesso, achei que ele levaria menos tempo, mas as flores, definitivamente, foram uma boa jogada, mesmo que enviá-las não pudesse ter sido mais natural. A verdade é que na última semana eu me tornei um verdadeiro perseguidor.
Encontrei e vasculhei as redes sociais de Eric de ponta a ponta, vi cada foto, post ou compartilhamento, quis curtir muitos, comentar em todos, mas controlei-me, seguindo o mesmo princípio de não criar provas contra mim mesmo. Afinal, saber de alguma coisa, não significa que você pode comprová-la, não é esse, afinal, o princípio que move toda a política e corrupção brasileiras? Sabemos que eles roubam, mas, como não podemos provar, eles continuam fazendo... Eric sabe que eu o estou perseguindo, mas como não pode provar, nada pode fazer para me impedir, e eu continuo fazendo...
Comecei precisando de mais informações sobre ele, mais material para as dezenas de e-mails que envio para ele diariamente, mas, depois, isso deixou de ser necessário, porque me vi perguntando coisas sobre ele que eu realmente queria saber, e contando para ele pequenos detalhes do meu dia, e de mim. O anonimato, mesmo que falso, me deu uma sensação de segurança difícil de explicar. Mas continuei a vasculhar suas redes sociais apenas pelo prazer de ver seu rosto e corpo em várias fotos, de conhecer um pouco mais de seus pensamentos, saber os lugares que frequenta, e seus gostos e desgostos.
Descobri algumas coisas: ele vai sempre à mesma boate, sempre com o mesmo grupo de amigos, trabalha para si mesmo há dois anos, seu doce preferido é cheesecake, ama a família e, baseado nas fotos que vi, tem uma excelente relação com eles. Eric não é o tipo de pessoa que posta tudo o que faz, mas, olhando suas redes sociais é possível ter um contorno de quem eld é. Isso, é claro, se tudo o que estiver lá não for uma grande mentira, como costuma ser, em muitos casos.
Mas, sinceramente, o homem que conheci não me parece ser esse tipo de pessoa. Não o que não mente, o que montaria toda uma vida falsa apenas para que as pessoas tivessem aquela ideia sobre ele. Mas houve um aspecto importante que me chamou atenção.
Vasculhei anos de postagens em diferentes redes, e sabe o que não encontrei? O companheiro desaparecido que não dá as caras há exatos sete dias. O último namoro de Eric parece ter terminado há um ano e meio atrás, que é quando ele parou de postar qualquer coisa relacionada a um homem moreno de estatura mediana.
Desde então, nada. Isso me fez pensar em quando confrontei Eric sobre o tipo de relação que ele mantinha com o homem que a fazia gemer. Passo a língua sobre os lábios e sacudo a cabeça, afastando as imagens que querem tomar conta dela com o simples piscar da cena diante dos meus olhos. Quando confrontado, ele pareceu não saber de quem eu estava falando, e, depois, repentinamente, atirou a palavra companheiro contra mim, como se tivesse um significado muito diferente daqueles que lhe ofereci antes.
Cheguei a duas possibilidades, a primeira é que Eric esteja mentindo sobre a existência desse tal companheiro, e isso só fez com que eu me perguntasse o porquê ele faria isso. A segunda, é que eles não tenham exatamente um relacionamento, o cara é só uma foda casual. Qualquer uma das duas opções me servem, independente de eu entender ou não a primeira.
Deslizo as mãos pelo rosto, encarando na tela os primeiros passos do meu plano de aproximação finalmente dando certo. Quando vi as flores, naturalmente pensei em Eric, foi mais forte do que eu parar o carro e enviá-las para ele. Nem mesmo passou pela minha cabeça que eu poderia ter pedido à minha secretária que enviasse quaisquer outras flores de quaisquer outras floriculturas.
Aquelas pareciam ter seu nome escrito nelas, e seriam aquelas que eu enviaria, ainda que isso fizesse com que eu me atrasasse para uma reunião importante. Eu me tornei a porra de um maldito Stalker. Na loja, a primeira frase a ser escrita no cartão veio fácil e, contrariando minhas expectativas de mim comigo mesmo, a segunda também.
Me importava sim saber se existia ou não um merda que o fazia gemer, e logo me vi acrescentando ao cartão a pergunta de um milhão de dólares: “Seu caso acabou?” Guardei a de dois milhões para mim mesmo: “Ele algum dia existiu?”
“Por que você está fazendo isso?” questiona o primeiro e-mail que ele me manda e a resposta desliza pela ponta dos meus dedos sem que eu precise me esforçar.
anonimoqueteouvegemer@linket.com:13h
“Por que você me odeia sem me conhecer. Eu não sou o lobo mau, Eric. Você está sendo injusto, e eu só quero a chance de te provar isso...”
Não é mentira, é uma meia verdade. Se não fosse pelo empreendimento, eu ainda iria querer transar com ele, mas, com certeza, me preocuparia muito menos em ser discreto para conseguir o que quero. Olho para o aparelho sobre a mesa, ansioso por sua próxima resposta, que, como se ele tivesse a intenção de me castigar, só chega quase quinze minutos depois.
juntossomosmaisfortesedfuno@linket.com –– 15:14h
“Não é o que parece quando você me persegue com e-mails por UMA SEMANA depois de eu ter deixado muito claro que não gosto de você e que não quero falar com você.” -Sorrio, porque esse cara, porra...
anonimoqueteouvegemer@linket.com:14h
“Você sabe que eu nunca admitiria isso, certo?”
Ergo uma sobrancelha, ainda que ele não possa ver.
juntossomosmaisfortesedfuno@linket.com –– 15:14h
“Você é um cretino!”
anonimoqueteouvegemer@linket.com:15h
“Não nego!”
juntossomosmaisfortesedfuno@linket.com –– 15:15h
“Qual é o seu problema, porra?”
Balanço a cabeça de um lado para o outro, você está tornando as coisas muito fáceis, Eric...
anonimoqueteouvegemer@linket.com:16h
“Achei que já tivéssemos estabelecido isso... Você! Você era meu problema há duas semanas atrás e continua sendo nesse exato momento!” juntossomosmaisfortesedfuno@linket.com –– 15:16h
“*carinha revirando os olhos*... Você precisa parar com esses emails!” anonimoqueteouvegemer@linket.com:16h
“Se eu estivesse te mandando e-mails, coisas que eu não estou, eu aceitaria parar se você aceitasse jantar comigo...” juntossomosmaisfortesedfuno@linket.com –– 15:17h
“Isso também seria um crime, chama-se chantagem...” anonimoqueteouvegemer@linket.com:17h
“Eu chamo de negociação...”
juntossomosmaisfortesedfuno@linket.com –– 15:17h
“Uma negociação chantagista...” anonimoqueteouvegemer@linket.com:17h
“Uma negociação que te daria paz... Do que você tem medo,
Eric?” juntossomosmaisfortesedfuno@linket.com –– 15:18h
“Eu não tenho medo de nada!”
anonimoqueteouvegemer@linket.com:18h
“Então janta comigo...”
juntossomosmaisfortesedfuno@linket.com –– 15:18h
“Eu sei o que você está fazendo! E não vai funcionar!” anonimoqueteouvegemer@linket.com:19h
“Entendo... Bom... Sendo assim, é melhor a gente parar com essa conversa... Preciso enviar alguns e-mails...” juntossomosmaisfortesedfuno@linket.com –– 15:19h
“Você sabe que eu vou contar os segundos pra isso acabar se eu aceitar esse jantar, certo?” anonimoqueteouvegemer@linket.com:20h
“Estou contando com isso, porque depois do jantar, vem a melhor parte! A sobremesa!” juntossomosmaisfortesedfuno@linket.com –– 15:20h
“Você é um Stalker pervertido! Eu não vou sair com você!! Isso seria perigoso!” anonimoqueteouvegemer@linket.com:21h
“Rsrsrs... Então que bom que estou te convidando para jantar no meu apartamento, vizinho... Cem porcento seguro!” juntossomosmaisfortesedfuno@linket.com –– 15:22h
“Você acabou de me dizer quem é!!! *carinha orgulhosa*” anonimoqueteouvegemer@linket.com:22 h
“Quantos vizinhos você tem, Eric?”
juntossomosmaisfortesedfuno@linket.com –– 15:23 h
“Você é inacreditável!”
anonimoqueteouvegemer@linket.com:22 h “Vou te esperar às 20:00hs. Até mais tarde, problema!” juntossomosmaisfortesedfuno@linket.com –– 15:25 h
“Vou levar uma confissão de que você é o vizinho que está me assediando, e você vai ter que assinar!” anonimoqueteouvegemer@linket.com:25h
“Assino, depois da sobremesa...”
juntossomosmaisfortesedfuno@linket.com –– 15:25h
“Adeus, Gustavo!”
Um sorriso vitorioso se estende de ponta a ponta em meus lábios e é assim que Rodrigo me encontra ao entrar na sala sem bater. Desvio meu olhar para ele, e seus olhos se estreitam para mim.
— Que porra de sorriso maníaco é esse no seu rosto? -Sorrio ainda mais largamente.
— Eric aceitou jantar comigo...
— Gustavo...
— Não! Nós estamos conversando sobre isso há dias, e eu não vou mudar de ideia, Rodrigo. É uma solução viável. Só aceita...!
Ele bufa.
— Mas depois não diga que eu não avisei! Eu juro por Deus, Gustavo! Se essa merda toda explodir na sua cara, eu vou pedir demissão e você vai ter que lidar com as consequências sozinho!
— Tudo já está dando certo, Rodrigo! Tudo já está dando certo!
****************
Mesa posta, ok. Menu encaminhado, ok. Vinho escolhido, ok. Lugares lado a lado, ok. Imaginar a reação de Eric, ao se dar conta de que terá que se sentar tão perto de mim, faz um sorriso largo surgir em meu rosto, mas saber que possivelmente passarei todo o jantar de pau duro, não é lá uma ideia muito confortável.
Sacudo a cabeça, lido com isso quando for a hora. Engulo, sentindo uma sensação incômoda no fundo do estômago, algo que se parece com ansiedade. É a mesma sensação de quando estou prestes a fechar um grande negócio. Mas não é o jantar a causa da minha ansiedade, é a expectativa pela batalha que eu sei que está por vir. Eric não vai se render facilmente a estar aqui, e isso vai ser uma delícia.
A campainha toca e eu me dirijo até a porta, abro-a de uma vez e a visão que encontro não poderia ser mais inesperada. Gargalho, jogando a cabeça para trás e completamente sem controle do meu próprio corpo. Depois de alguns minutos, minha barriga dói e lágrimas escorrem pelos cantos dos meus olhos, e eu nem mesmo consigo abri-los. Ouço o bufo indignado que ele dá, luto para recuperar o controle sobre mim mesmo, mas basta olhar para ele e o riso volta a me dominar. Puta que pariu, ele é foda!
— Quer que eu volte mais tarde? -questiona, azedo, no entanto, tenho certeza de que sabia exatamente o que estava fazendo ao escolher o que vestir.
Seu corpo é praticamente engolido por uma calça larga de moletom e por uma imensa camiseta, que um dia foi branca, mas hoje está encardida, e não tenho dúvidas, com alguns furos. Seus cabelos estão amontoados no alto da cabeça em um coque desleixado, seus pés estão descalços.
Luto comigo mesmo, tomo inspirações profundas, buscando controle. Querendo acabar com minha crise de risos, mantenho os olhos fechados, porque sem olhar para ele vai ser mais fácil. Quando finalmente recobro o controle sobre as minhas próprias emoções, meu olhar encontra aquele par de pedras verde amareladas encarando-me sob uma única sobrancelha arqueada, e uma expressão entediada no rosto.
Sorrio largo e dou um passo na direção do homem que decidiu me afrontar desde o primeiro segundo do jantar. Ele dá um passo para trás naquilo que está se tornando nossa coreografia ensaiada. Mais um passo para frente, mais um para trás.
— Você sabe que meu apartamento fica do outro lado, certo? ironizo.
— Sim, mas não é minha culpa se você está tentando me encurralar! Eu concordei em jantar com você, não em deixar você me tocar! -Deixo que meus olhos passem por todo o seu corpo e passo a língua sobre seus lábios em uma provocação deliberada.
— Tem tanto medo do meu toque que precisa se esconder atrás de roupas ridículas e se manter a pelo menos um braço de distância de mim?
— Será que você consegue passar cinco minutos sem ser um completo cretino? -pergunta, soando cansado e eu faço uma cara de ofendido.
— Vou tentar, lindo... Mas não posso prometer, é mais forte do que eu. -pisco para ele e seus olhos reviram.
— Quer fazer o favor de não me chamar assim?
— Assim como? De lindo?
— Exatamente!
— E por que eu faria isso se você é lindo?
— Porque pouco interessa o que eu sou, ou não! Nós não temos intimidade pra esse tipo de coisa! -Meneio a cabeça, e, outra vez, deslizo meu olhar dos seus olhos até a ponta dos seus dedos dos pés só para subi-los, lentamente, até encontrar seus lábios entreabertos, sua pele aquecida e suas pupilas dilatadas.
— Considerando o que eu já ouvi de você, eu acho que nós temos intimidade mais do que o suficiente pra isso, Eric...
Ele sacode a cabeça de um lado para o outro.
— Isso foi uma péssima ideia! -Ensaia virar as costas para mim e dar meia volta, sou mais rápido, grudando meu corpo ao seu e envolvendo sua cintura com meus braços. Eric arfa e engole em seco quando encontra meu olhar.
— Péssima ideia foi você escolher se vestir assim achando que faria algo pra me parar, Eric... Não vai... -sussurro em seu ouvido: ͞ Você poderia vestir um saco de batatas, e, ainda assim, eu não conseguiria desviar meus olhos de você... -Passo o nariz pelo contorno de sua orelha, arrepiando sua pele: ͞ Você é lindo... Mordisco seu lóbulo e ele estremece em meus braços: ͞ Gostoso... -Lambo atrás da sua orelha e um gemido baixinho escapa de sua boca: ͞ E porra! Eu mal posso esperar pra fazer algo além de olhar esse corpo delicioso que você tem... -Volto meu rosto para frente e digo as últimas palavras com os olhos fixos nos seus.
Ele puxa o ar com força, pisca, morde o lábio inferior, e, dessa vez, não me impeço, levo meu polegar ao seu lábio, soltando-o de entre seus dentes. Sua língua sai para lamber os lábios enquanto meu dedo ainda está lá, e eu posso ver a luta interior dele. Tanto quanto quer se afastar, quer lamber a ponta do meu dedo e isso é o suficiente para eu sentir meu pau latejar, de tão duro.
— Você trouxe a declaração? -Minha voz sai baixa, rouca, cheia de um desejo que parece aumentar a cada segundo que passo diante de Eric. Mas, ainda que a porra do papel seja a última coisa que me interessa, forço a pergunta para fora de minha boca, sabendo que isso o fará ficar. Ele pisca e, como se tivesse apertado um interruptor, seu rosto assume uma postura de determinação quando é lembrada do que tem a ganhar com tudo isso.
— Trouxe! E uma caneta também! -responde, com o olhar anuviado de segundos antes já longe do seu rosto.
— Ótimo! Então nós vamos jantar... - o solto e ele estica a coluna, deixando a postura ereta e altiva, em um contraste extremo com as roupas surradas que escolheu usar. Faço um sinal com a mão para que ele passe na minha frente, olho sua bunda redonda e empinada, que mesmo dentro da calça larga ainda é uma delícia e sorrio. Isso vai ser muito divertido.
— Procurando saídas? -Brinco, quando a percebo, discretamente, analisando o ambiente ao seu redor e ele revira os olhos.
— Fica à vontade, por favor. -Aponto para a mesa. Sua testa se franze ao ver a disposição dos lugares. Vou até a cozinha conferir o forno e pegar o vinho. Com ele em mãos, me viro para apoiar a garrafa na ilha e abri-la e pego Eric, já sentado à mesa, me encarando. Imediatamente, ele desvia os olhos, como um colegial, é a minha vez de parecer impaciente.
Me aproximo da mesa e inclino a garrafa para servir vinho em sua taça, mas ele me impede, pousando a mão sobre o vidro com a palma virada para baixo.
— Não, obrigado! -Encaro seu rosto, esperando por uma explicação, e ele desdenha.
— Já não basta eu estar no seu apartamento? Eu não conheço você, Gustavo! Não vou beber nada do que me oferecer! -Gargalho.
— Eric, você é hilário! Quer dizer que está tudo bem comer o que eu te ofereço, mas beber não? Você sabe que eu poderia te drogar com alimentos sólidos também, certo?
— Qual é o seu problema? É sério! Quem diz esse tipo de coisa?
— Pessoas honestas dizem esse tipo de coisa! Vamos lá, Eric...? Eu não vou te envenenar, ou te drogar. Só quero conversar com você. Quer ver? -despejo um pouco do vinho na minha própria taça, e, depois de deixá-lo respirar por uns instantes, tomo um gole generoso e ergo minhas sobrancelhas para ele em um questionamento silencioso. Outra vez, Eric revira os olhos, antes de tirar a mão que me impedia de servi-lo. Ele faz muito isso, percebo, revirar os olhos, é o pacote completo do homem malcriado.
Sorrio, porque eu vou adorar dar uns tapas nessa bunda gostosa. Ele estreita os olhos para mim e, depois, respira fundo. Me sento ao seu lado e ele me encara por quase um minuto inteiro, eu conto.
— O que você realmente quer de mim, Gustavo? Quer dizer, pra que tudo isso? -Sua cabeça balança lentamente para um lado e para o outro, como se realmente tivesse dificuldades para entender. Arrasto meu corpo na cadeira, aproximando-me dele e encaixando minhas pernas entre as suas.
— Você não pode fingir que não sente isso. -Sua boca se abre, mas eu levo meus dedos até seus lábios e os deslizo ali: ͞ Eu quero uma chance, só... Eu não sou um homem romântico e não vou te prometer flores e bombons, mas eu posso te garantir um sexo quente, suado, e gostoso! -suas pupilas se dilatam ao me ouvir, e eu sei que ele está imaginando: ͞ Me ouvir te deixava louco de tesão, Eric? Tanto quanto te ouvir me deixava? Porque, porra! Eu fico duro só de lembrar de você gemendo... -Aproximo o rosto do seu, meus olhos encaram sua boca por segundos intermináveis.
— Seu pau latejava como o meu pau enquanto você me ouvia gemer? Você ficava melado pra mim, lindo? -roço o nariz na pele de sua bochecha e aspiro seu cheiro profundamente. Seus lábios tremem e ele fecha os olhos aproveitando a sensação, mesmo que seu corpo inteiro deixe o claro o quanto luta para não senti-la.
Eric puxa o ar com força, engolindo-o, o tom avermelhado de seu rosto não deixa dúvidas quanto ao caminho que seus pensamentos estão tomando.
— Eu não posso transar com você...-Diz, mas sua voz é sussurrada e seus olhos se abrem lentamente para se fixar na minha boca. Lambo os lábios bem devagar, provocando-o.
— E por que não? Você não tá se guardando pro homem certo, tá? -Ele ri, desgostoso, pela minha piada infame.
— Não, Gustavo, mas mesmo que eu não fosse muito esperto, e eu sou, ainda assim, eu seria capaz de entender que você é o cara errado de todos os jeitos certos. -Meneio a cabeça, porque não posso discordar dela.
— Eu sou o cara perfeito pra você se divertir... -Sussurro, aproximando minha boca da sua, deixando-o tão próxima quanto é possível sem beijá-lo. Seus olhos se prendem aos meus, procurando, investigando, e, outra vez, como num passe de mágicas, tudo some. Ele se afasta, frustrando-me. Porra, tão perto!
— Eu não costumo negar diversão, mas eu tenho certeza de que você não vale o perigo... -diz, com rosto e tom sérios.
Estreito os meus olhos para ela.
— Perigo?
— Você pode até não ser o lobo mau, Gustavo! Mas, com certeza, não é a chapeuzinho vermelho. Eu também não sou! Ela era idiota, eu não. -Respira fundo, desvia os olhos para os lados, passeando-os pela casa, e volta a falar: ͞ Você quer que eu admita que tenho tesão em você? Muito bem, eu tenho! Um tesão que me faz subir pelas paredes, me deixa tonto toda vez que você chega perto de mim, e me incendeia quando você me toca! Satisfeito? Era isso que queria ouvir?
Diz, aproximando novamente o rosto do meu, mas, dessa vez, não é desejo e alienação que vejo neles, é combate, certeza e uma porra de briga que me excita além do limite para um jantar que ainda nem começou. ͞ Um tesão, Gustavo, que obrigou meu vibrador a fazer hora extra durante os dois meses em que fui obrigado a ouvir suas fodas. -Meu pau pulsa dentro da calça com a menção ao brinquedo, porque, porra! Eu adoraria usar um nele! Sorrio, ele balança a cabeça:
͞ Um tesão que faz o meu pobre cu piscar só de olhar pra você e contrair cada vez que você faz esse maldito movimento de chegar perto o suficiente pra me beijar. Mas eu não sou idiota, merda! -Agora, sua respiração ofega, e ele está lindo para uma porra com olhos e pele queimando, de raiva, de desejo... Eric passa a língua pelos lábios, imitando o movimento que fiz minutos atrás e, assim como pretendi fazer com ele naquele momento, sua boca está tão perto da minha que eu quase sinto seu gosto. O calor do seu hálito me atinge como uma marreta e o latejar nas minhas calças dói.
Nos encaramos em um duelo por algum tempo, tesão versus tesão, determinação versus determinação. Até que ele quebra o silêncio com uma respiração pesada e palavras que não poderiam fazer uma miséria maior de mim nem que tentassem.
— Eu não sei porque eu sou um meio pra um fim pra você, mas eu sou, e eu não vou deixar você me usar! Nem fodendo! Não importa o quanto sim, Gustavo! Eu gritaria, gritaria alto, pro prédio, pro condomínio, pra rua inteira ouvir, se você me fodesse contra a maldita parede dos nossos quartos.
E, oficialmente, sou nocauteado. Puta que pariu, eu poderia me apaixonar por esse homem! Porra! Que homem! Olho para ele embasbacado. Ele sorri de canto, sentindo-se, com todo o direito, vitorioso. Afasto o corpo do seu, tendo sido vencido no meu próprio jogo, ainda incapaz de pensar e reorganizar minhas fileiras, afinal, essa foi apenas a primeira batalha.
O forno apita e sem dizer nada, me levanto da mesa. Não perco o alívio em sua expiração quando se vê livre da minha presença, deixando-me ainda mais excitado por saber que ele é determinado a ponto de ser capaz de controlar seus instintos. Porra! Eu mal posso esperar para vê-lo perder o controle. Meu desejo por esse cara cresce a níveis irracionais. Eu o quero, e, até o final dessa noite, terei descoberto uma forma de tê-lo.