CAPÍTULO CATORZE
**NINGUÉM AGUENTA MAIS FAZER COMPRAS**
Eu acordei um pouco desnorteado, sem saber direito onde estava e com uma dor de cabeça horrorosa. Conferi o meu celular na mesa de cabeceira, localizada ao lado da enorme cama do hotel, e constatei que já era quase meio-dia. Eu tinha dormido pra caramba, mas era justificável porque estava morto de cansado e havia me deitado com o dia já nascendo. Aliás, não me lembrava de ter dormido sozinho, por isso me levantei logo para procurar pelo Thomas.
Esperava vê-lo tomando café na varanda ou até mesmo descansando na banheira, porém o homem não estava em parte alguma da suíte. Percebi a mesa montada com o café da manhã e o que mais me chamou a atenção foi o comprimido perto de uma jarra cheia de água.
Em seguida, comprovei que era apenas um remédio para ressaca quando li o que estava escrito no pedaço de papel dobrado ao lado de um prato todo ornamentado:
Bom dia, meu lindo!
Precisei sair cedo, pois tenho umas reuniões chatas e serviços para dar conta. Eu sei, só um louco para te deixar num domingo e ir trabalhar... Aliás, você é lindo dormindo. Passei um tempão admirando seu ronco, seus cabelos assanhados e a carinha relaxada. Então me perguntei: será que eu deveria achá-lo tão lindo assim? Percebi que estou ferrado mesmo.
Me liga se precisar de alguma coisa. Deixei remédio porque, se acordar como eu, vai ser com uma ressaca das bravas.
Obrigado por ontem, embora eu acredite que nunca mais vou olhar nos olhos do Roberto de novo. Todo seu, T.O.
Aquele bilhete singelo me fez abrir um sorriso de orelha a orelha e sentir um calorzinho gostoso no coração. Não concordei com a parte do ronco, mas acatei todo o restante e acabei relendo várias vezes aquelas palavras doces e gentis. Tomei o remédio, porque de fato estava com muita ressaca, e me sentei para fazer o desjejum sozinho, enquanto relembrava o dia anterior.
As emoções foram muitas. Fui da raiva à alegria com facilidade. Fiquei preocupado com Elisa, me estressei com o doido que mandou mensagem no Instagram, arranjei briga com Othon Orsini e transei com o filho dele dentro do carro, enquanto seu segurança particular certamente nos observava. Que dia cheio!
O domingo seria mais calmo, já que pelo visto Thomas não pretendia aparecer, caso contrário tinha avisado. Eu não sabia muito bem o que fazer especificamente, porém pretendia dar uma olhada na cidade e, só mais tarde, organizaria alguns documentos relativos ao trabalho e prepararia a minha agenda da semana. Graças aos céus estava tudo encaminhado, mas ainda precisaria estudar melhor para duas reuniões de planejamento.
Foi quando saí do banho que uma mensagem nova surgiu na tela do meu celular e, pensando ser minha mãe, Elisa ou até mesmo o próprio Thomas, peguei-o para conferir. No entanto, fiquei tomado pela surpresa ao visualizar uma foto de ninguém mais, ninguém menos que a Elizabeth Orsini.
Número Desconhecido: Oi, querido, é Elizabeth Orsini O que vai fazer hoje?
Como previsto, já fui abandonada ☹ Estou indo ao shopping, vamos?
Me avise que irei te buscar
Beijos
Mande beijos ao Thomas Você está com ele?
Comecei a rir da Beth porque ela, no quesito mensagens no WhatsApp, possuía o mesmo teor de desespero da minha mãe. Acho que elas iriam se dar muito bem. Ou não, vai saber... Eu ainda estava inseguro quanto a tudo o que acontecera na noite anterior. Não queria ser pivô de uma briga entre Thomas e o pai, porém nada pude fazer. Ele que começou dizendo coisas desagradáveis e agi com a maior educação que me foi possível.
Adicionei a querida sogrinha na lista de contatos e respondi a sua mensagem:
Bruno: Olá, Beth, tudo bem? Também fui abandonado hoje!
Podemos ir, sim, não estou com Thomas Vou me arrumar já!
Elizabeth Orsini:
Certo, querido, devo chegar por aí em uma hora
Assim que ela confirmou o rolê, achei por bem deixar o seu filho avisado daquele passeio. Acreditava que ele não se oporia ao meu contato mais direto com sua mãe, mas, enfim, era melhor deixá-lo ciente, para o caso de acontecer alguma merda.
Bruno:
Sua mãe me chamou para ir ao shopping e aceitei
Devo me preocupar?
Thomas estava off-line e não viu a mensagem, portanto decidi tomar um banho de uma vez. Eu queria ter comprado roupas melhores para a viagem. Embora tivesse trazidos modelos muito bonitos, a maioria deles era para usar no trabalho, não num passeio com a mulher de um bilionário, e que por acaso era a mãe do meu namorado CEO. Nem em meus sonhos mais doidos imaginaria uma situação daquelas.
Quando retornei do banheiro e estava sentado sobre a cama, quase chorando por não ter o que vestir, e por sequer saber o que Elizabeth acharia apropriado, Thomas finalmente me respondeu:
Thomas Orsini:
Acho que você deve se preocupar, sim
Vai acabar com uma tendinite de tanto segurar sacolas
Ela vai te encher de presentes kkkkk
Se eu fosse você só aceitava
Bruno:
Puta merda, Thomas
Será se dá pra cancelar?
Thomas Orsini:
Kkkkkk
Nem pensar
Boa sorte, Bu
Força! *emogi de um braço musculoso*
Filho de uma égua.
Já estava mais do que arrependido de ter aceitado sair com Elizabeth, porém àquela altura só me restava sobreviver a mais um dia e torcer para dar tudo certo. Acabei escolhendo uma roupa aleatória. Precisava estar decente para não envergonhar a sogra.
Recebi uma mensagem dela com uns dez minutos de atraso, pedindo-me para que aguardasse um pouco na portaria, pois já estava chegando. Foi o tempo de eu descer pelo elevador e colocar os pés para fora do hotel que um carro lindo, prateado e de aparência cara estacionou bem na entrada. Um homem de terno preto e com o porte sério, parecido com o do Roberto, saiu dele e abriu para mim a porta do passageiro.
— Boa tarde, senhor Bruno. A senhora Elizabeth Orsini a aguarda — e gesticulou para dentro do veículo.
— Muito obrigado... — sorri, ainda que estivesse desconcertado com todo aquele frufru. Nunca tinha sido tão burocrático ir ao shopping com alguém.
Quando entrei fiquei meio desnorteado com a quantidade de informações que me foram jogadas bem na cara. Beth estava usando um vestido florido maravilhoso, cheio de babados, além de um chapéu de verão imenso e óculos escuros com armação dourada. Segurava uma garrafa de espumante numa mão e uma taça na outra. Parecia outra pessoa, uma mulher muito mais animada e de bem com a vida. Totalmente diferente da sofrida que conheci havia algumas horas.
— Bruno! — ela circulou os braços ao meu redor e, sorrindo, me ofereceu a taça. Segurei sem nem pensar muito e logo a Beth a encheu com o líquido borbulhante. — Que bom que aceitou o meu convite! Hoje nós vamos nos divertir!
— Eu que agradeço por ter me chamado!
Ela pegou outra taça, sobre uma pequena mesa acoplada ao banco do motorista, feito aquelas de avião, e a encheu para si enquanto o homem dava a partida. Fizemos um brinde em meio a risos e tomamos o conteúdo ao mesmo tempo. Que delícia! Era de longe o melhor vinho espumante que eu tinha tomado na vida.
O remédio ingerido mais cedo fez efeito e eu já não sentia dor alguma, mas estava ciente de que não deveria beber naquele dia. No entanto, deixei todas as objeções de lado e acompanhei uma Elizabeth feliz. Nem parecia que havia sido abandonada pelo sogro-ogro. Ou talvez estivesse comemorando por causa disso.
Bom, eu comemoraria.
Devo confessar que me senti no meio de um filme ao adentrar o Beverly Center em companhia dela. Beth era implacável e só entrava nas lojas mais chiques. Começou a me contar sobre o seu gosto pela moda, que vinha desde jovem, e que chegou até a trabalhar para algumas grifes, porém depois que se casou com Othon se “aquietou” e utilizava aquele universo apenas como hobby.
Ela me disse que recentemente começou a postar seus looks no Instagram e que isso tinha lhe devolvido a atenção do mercado, mas falou que não sabia ainda o que responder às marcas que a convidavam para alguma ação publicitária.
— Mas a senhora ainda tem dúvida do que fazer? — Ela fez uma careta para mim, provavelmente porque a chamei daquela forma, pela milésima vez, sem querer. Beth era uma daquelas madames que gostavam de pagar de novinhas e eu achava o máximo. — Se é o que gosta, deveria ir fundo com isso. Você só tem a ganhar! — corrigi-me no tratamento, dando ênfase.
— Pois é... Só não sei o que Othon vai achar disso.
— Você não mete bedelho no trabalho dele, certo? — argumentei enquanto observávamos as joias caríssimas de uma loja que era vazia porque apenas uma porcentagem mínima da população tinha poder aquisitivo para pisar ali. Eu mesmo nunca havia entrado num lugar como aquele. — Ele deveria agir com a mesma gentileza e não se meter no seu trabalho. É sempre bom que vocês, mulheres, conquistemos seu próprio espaço.
Beth soltou um longo suspiro.
— Sinto que devo fazer algo útil, ou vou pirar de verdade. Não consigo mais ser apenas uma socialite que fica dando jantares e trocando a decoração da casa, entende, querido? — olhou-me com certo receio, demonstrando não estar acostumada com o teor da conversa. Falávamos abertamente, sem medo de sermos ouvidos, porque quase ninguém entendia Português. — Thomas já cresceu, Othon parou de me dar atenção e me sinto cada segundo mais improdutiva.
— Compreendo, Beth. Por isso reafirmo que será ótimo aceitar os patrocínios e voltar para o mundo da moda! Vou até te seguir — peguei o meu celular e procurei pela mãe de Thomas nas redes. Diferentemente do filho, seu perfil era público e ela possuía mais de trinta mil seguidores. Era um número ótimo! — Pronto.
— Ah, que lindo! — a mulher apontou para uma corrente exibida numa caixa envidraçada e brilhante. Nunca achei que pulseiras pudessem ser tão caras. Era até absurdo o preço. — Combina muito contigo. — Sinalizou para o vendedor que nos acompanhava e disse, em inglês: — Vou levar este e aquele colar ali — ergueu um indicador e fiquei bastante confuso.
Mais tarde descobri que ambos eram meus, tanto a pulseira quanto o colar. E nem adiantou reclamar, Beth não aceitava não como resposta. Argumentou em cima de tudo o que falei, alegando que ela já tinha tantas joias, roupas e sapatos que poderia publicar fotos de looks por uns dois anos sem repetir nada. Sendo assim, amava o fato de ter um genro para quem pudesse comprar coisas novas.
— Mas isso está errado, Beth — gemi mais uma vez, realmente desconcertado com a situação. O que pensariam de mim? Que eu era um interesseiro das grandes, claro! — Não estou interessado na grana da família.
— Eu sei, Bruno, não se preocupe. Considere esse dia como um pedido de desculpas pelo que Othon falou e um agradecimento especial por estar fazendo meu filho feliz.
— Mas essas coisas não são trocadas por objetos!
— Meu bem, olhe para mim... — no meio do shopping, ela segurou os meus ombros e me encarou intensamente, com aqueles olhos azuis brilhantes fixos em mim. — Eu não tive filha para me acompanhar nas compras. Não tenho sobrinha mulher, neta, nada... São todos homens e chatos. Por favor, você agora faz parte da família também. Não se sinta mal, estou fazendo isso porque quero, está certo? É uma diversão para mim!
— Minha nossa, Beth. Eu sou humilde — fui sincero ao murmurar. — Nunca tive uma vida assim. Eu não acho justo gastar tanto, sei lá, tanta gente precisando de ajuda...
Beth assentiu com veemência, sorrindo para mim.
— Compreendo, mas insisto. O Grupo Orsini é cheio de projetos sociais, querido, então não se preocupe com nada e vamos nos divertir, por favor! Sem culpa!
Soltei um suspiro meio desesperado. Meu Deus do céu. Não sabia como agir diante daquilo porque nunca precisei pensar num cenário sequer parecido.
— Tudo bem — sussurrei, dando-me por vencida. — Mas sem exageros.
Elizabeth balançou a cabeça, negando, como se nutrisse certa pena de mim.
— Bruno, pense na quantidade de eventos que Thomas te levará de agora em diante — começou, em tom ameno, fazendo o possível para que eu compreendesse seu ponto. — Conheço esses ambientes, você será fotografado e ficará sob os holofotes por bastante tempo. Eu adorei esse seu jeito independente e simples, mas as pessoas ao redor do meu filho não possuem muita bondade na hora de avaliar alguém.
Fiquei mudo, pasmo com o rumo daquela conversa. Ainda que soubesse que a sogra tinha total razão, eu ainda não sabia como me sentir diante daquilo. Era certo que eu seria avaliado, e odiava isso amargamente, mas uma intuição forte me dizia que não adiantaria muito me encher de presentes dados por ela.
— Eu sei... — murmurei, sentindo-me desanimado. No fim das contas Beth estava me dando um banho de loja para que não passasse vergonha ao lado do Thomas e ainda não sabia se isso era uma coisa boa ou ruim, porque havia um gosto amargo na minha boca só de pensar que eu poderia envergonhá-lo por ser quem sou. — Está certo — ainda assim, defini, puxando o ar para os pulmões. — Acho que não posso fugir disso.
Ela assentiu novamente, ainda sorrindo.
— Vem, conheço uma loja que... — e continuou falando sobre as tendências mundiais. Elizabeth sabia muito do assunto, conhecia até a história de cada loja em que entrávamos e de onde vinha os tecidos, a mãode-obra, enfim, tudo.
A mulher era craque mesmo e não ter a mínima noção de nada daquilo fez com que me sentisse uma merda. Fiz de tudo para me animar e ser uma companhia agradável, porém não sei se consegui. Compramos roupas, sapatos, acessórios, relógios, joias e um monte de coisas bacanudas, até nossas mãos estarem repletas de sacolas, como Thomas prometeu.
Jonathas, o segurança particular de Beth, precisou ir ao carro duas vezes para deixar as compras. Eu já estava atordoado, completamente entorpecido e sem nenhuma opinião formada a respeito das minhas novas aquisições.
— Está com fome? Conheço um lugar incrível perto daqui — a sogra perguntou enquanto esperávamos o retorno do segurança.
— Confesso que estou — respondi, ameno. Poderia negar qualquer coisa, menos comida.
Apesar de eu estar meio incomodado, Beth era uma ótima companhia e se empenhou para me deixar à vontade. Havia me falado sobre a infância de Thomas, que me pareceu muito boa, além de fatos e curiosidades sobre a família que me fugiam do conhecimento. Ela era agradável, divertida e espontânea, tanto que estranhei, mais uma vez, o fato de seu filho tê-la chamado de fria e não tão carinhosa.
— Ótimo, podemos ir. Estou faminta!
Elizabeth chamou Jonathas, que já se aproximava em retorno, e lhe ofereceu as últimas sacolas. Enquanto conversavam a respeito do restaurante que iríamos, percebi algumas coisas implícitas na atitude dos dois. O homem estava relaxado e a olhava como se fosse comê-la, enquanto ela ria de uma forma diferente. Percebi que, quando os dedos tocaram entre as sacolas, demoraram-se mais do que o normal.
Foram gestos pequenos e quase imperceptíveis, mas fui capaz de perceber creio que por ter passado a tarde inteira com ela, de modo que já conseguia definir seus trejeitos, a forma de se portar e falar. Confuso, virei o rosto e fingi estar interessado em uma vitrine. Enquanto encarava alguns itens de forma organizada, imaginava o que Thomas diria se soubesse daquilo. Quero dizer, ficara meio óbvio para mim que sua mãe tinha um affair com o segurança.
Eu não a julgava de forma alguma. Na verdade, ainda seria o primeiro a incentivar, sabendo o quanto Othon era um babaca infiel. Embora na minha cabeça não compreendesse como os dois ainda mantinham aquela relação de fachada, uma parte minha se sentiu melhor por Elizabeth ao menos estar aproveitando alguma coisa da vida. Jonathas era bem mais novo e muito gato, certamente dava no coro com perfeição.
— Vamos, Bruno? — ela me chamou, tirando-me das reflexões.
— Sim, vamos! — respondi.
Começamos a andar lado a lado, de volta para o estacionamento, com o Jonathas logo atrás de nós, enquanto a Beth mudava de assunto, comentando sobre os preparativos para o aniversário de Thomas.
Foi então que descobri que não fazia ideia de qual era a data, sinal de que havia feito meu dever de casa pessimamente, mas o homem completaria seus 30 anos em breve e a informação foi o suficiente para me fazer pirar.
Primeiro porque significava que teríamos que estar numa festa grande com o restante da família Orsini. Segundo porque Beth queria minha ajuda e eu não entendia absolutamente nada do assunto “festa de rico”. Se fosse um churrasquinho na laje eu até saberia palpitar. E terceiro porque eu não sabia o que dar a ele. O homem tinha tudo.
O que oferecer para alguém que não sofria com a falta de nada material?
Nem o cu seria novidade mais, infelizmente.
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***NINGUÉM AGUENTA MAIS VOLTAR À ROTINA***
Thomas me levou para o aeroporto no sábado seguinte, depois de uma semana cheia e complicada, em que trabalhei feito um louco. Infelizmente nós nos vimos menos do que eu gostaria, porém tínhamos aproveitado a noite da quinta e da sexta para jantarmos e dormirmos juntinhos. Quando fiquei sabendo que ele não voltaria para o Brasil junto comigo fiquei desanimado. Ainda tinha muita coisa para o CEO fazer na filial antes da abertura, por isso, teríamos que nos separar momentaneamente.
Eu já estava sofrendo em antecipação.
— Quinze dias é muita coisa... — choraminguei, com ele em meus braços, no meio do aeroporto. Não queria largá-lo tão cedo. Já me sentia muito dependente dele e, por um lado, talvez fosse bom nos distanciarmos um pouco, para que eu colocasse o juízo e as emoções no lugar. — Vou sentir tanta saudade.
— Nem me fale, Bu — o semblante dele transparecia o quanto também não se mostrava indiferente àquela separação precoce. — Estou enciumado e com milhões de caraminholas na cabeça.
— Caraminholas?
Ele assentiu.
— Fico pensando naquele cara que você jantou, se vai te procurar...
— É nisso que está pensando? — revirei os olhos e fiz uma careta. Apesar de tudo, não tinha imaginado nada que envolvesse outros caras ao redor dele, sinal de que, de fato, estava confiando em suas atitudes. —
Thomas, estar perto ou longe de você não muda nada quanto a eu dar bola para outros caras.
— Eu sei... — a sua expressão se fechou totalmente. — Só não estou muito acostumado a sentir isso.
— Não precisa ficar inseguro — balancei a cabeça em negativa, envolvendo meus braços ao redor do seu pescoço. Queria sentir aquele cheiro bom ao máximo, ainda que seus ciúmes descabidos fossem preocupantes. Não queria um homem demarcando território na minha cola, mesmo que estivesse apaixonado por ele. — Eu sou todo seu, lembra? Fique tranquilo. Trabalhe em paz e depois volte pra mim.
— Promete que vai me dizer se precisar de alguma coisa?
Assenti. Sabia que não precisaria de nada e que ele estava exagerando, como sempre, por isso apenas concordei, sorrindo.
— Claro, meu bem. Você também, se precisar de mim estarei contigo, mesmo longe.
Thomas me agarrou pela nuca e me deu um beijo daqueles de colocar inveja a todo mundo que passava por nós. Havia paixão, saudade e tanta intensidade naquele gesto que fiquei realmente emocionado, perdido dentro daquele turbilhão de sentimentos. Eu estava dopado depois de dois calmantes poderosos e procurando relaxar para aquela viagem de retorno, mas confesso que a ansiedade tomava conta e tudo o que mais queria era que ele segurasse a minha mão.
Thomas se afastou devagar e juntou nossas testas.
— Eu... — parou, prendendo os lábios. O meu corpo paralisou diante dele e fiquei imaginando se diria mesmo o que pensei que fosse dizer. Não houve uma só terminação nervosa que se manteve estável e sequer pensei a respeito do que responderia. No entanto, nada mais foi dito.
Fiquei apenas com o seu silêncio.
Tudo bem, era cedo demais. Estávamos indo muito depressa naquela relação. Como uma pessoa experiente, ainda que ele tivesse falado aquilo com todas as letras, eu não deveria levar tão a sério, tão ao pé da letra e me iludir feito uma princesa no topo de um castelo. Até porque já troquei aquelas frases com outras pessoas que não mereciam nem um chiclete mastigado, menos ainda minha consideração ou amor.
Sendo assim, precisava me acalmar e me ouriçar menos para quando ele estivesse preparado para falar. E eu, com certeza, precisava estar igualmente pronta para responder à altura, sem medo ou qualquer incômodo.
— A gente se vê — murmurei, sabendo que deveria entrar logo na alfândega para não me atrasar. Pior que ficar horas dentro de um avião era passar um tempão na sala de embarque, esperando um voo mais tarde, na melhor das hipóteses. — Se cuida, lindo.
— Se cuide. Me ligue assim que chegar.
— Que ligar o quê! Não estamos no século 18, vou te mandar mensagem.
Thomas riu e me desvencilhei dos seus braços calorosos, já sentindo o sabor amargo da saudade e a pele esfriando sem a sua presença. Droga. Passar tanto tempo sem aquele homem seria um martírio. Confesso, já estava viciada e querendo me acabar ao lado dele, sem chances de qualquer hiato.
Eu lhe dei um último selinho curto e fui me afastando. Thomas esticou o braço enquanto nos separávamos, de forma que nos tocamos até que as pontas dos dedos se separassem totalmente. Virei as costas e decidi que não olharia para trás, com o intuito de não me martirizar mais ainda. Odiaria ver sua cara de cachorro abandonado e sabia que Thomas era doido o bastante para mandar tudo à merda e mudar aquela conjuntura.
Não podia permitir que saísse prejudicado profissionalmente por minha causa.
Depois de um voo longo, exaustivo, desesperador e angustiante, em que
mal consegui relaxar, finalmente coloquei meus pés em casa. Ainda que a viagem tivesse sido ótima, era bom demais voltar ao meu lar, com as minhas coisas, meu cantinho, minha mãe fazendo perguntas e tudo mais que eu tinha morrido de saudades.
A primeira coisa que dona Délia fez foi passar um café bem gostoso pra gente e, como eu ainda estava eufórico da chegada, comecei a lhe contar tudo o que aconteceu, tim-tim por tim-tim. Ela ficou sabendo do namoro com Thomas, do meu encontro com os sogros, das novidades a respeito do trabalho e o que consegui resumir enquanto mostrava a ela os presentes que ganhei de Elizabeth Orsini, além das fotos tiradas.
— Minha nossa senhora, filho... — mamãe estava espantada, mas percebi a expressão de contentamento em seu rosto e tratei de me acalmar. Meu maior medo era ter sua desaprovação, mas pelo visto as coisas rolariam com tranquilidade. — Tirando o fato de você ter tido atrito com o velho, achei o máximo. Parece coisa de filme!
— Não acha que essa relação está rolando rápido demais? — questionei, jogado no sofá, com as malas abertas e reviradas por toda parte. — Quer dizer, em menos de um mês estamos grudadinhos e até já conheço os pais dele.
— Que nada! — fez um gesto brusco com a mão. — Vocês são jovens e estão apaixonados. Essa é a melhor fase da vida, Bru, aproveite!
Dei de ombros, mas sorri. Eu queria me livrar de todas as dúvidas que carregava, mas a vida era assim mesmo, cheia delas. Ninguém tinha um manual de instruções explicando o passo a passo de como viver.
— Quero conhecer o Thomas. Quando ele vem me visitar? Posso fazer um jantar essa semana — ela juntou uma mão na outra, toda empolgada. Os olhos dela até brilhavam. — Será que ele gosta de massa?
— Esse jantar terá que ser adiado, mãe. Thomas ficou em Los Angeles
e só deve voltar daqui a quinze dias.
— Mesmo? Poxa vida! — fez um muxoxo, com direito a biquinho e tudo. Eu ri um pouco de sua reação. Conhecia dona Délia o suficiente para ter certeza de que seria o tipo de sogra que fazia todos os gostos do genro. — E como está o seu coraçãozinho com relação a essa distância que enfrentarão?
Prendi os lábios.
— Não quero nem pensar muito, mãe. Já estou morto de saudades.
— Oh, meu filho, você está bem apaixonado, não é? — Assenti com a cabeça enquanto ela se sentava no sofá para me dar um abraço. — Eu sabia que esse homem te fisgaria de vez. Sempre soube! — e começou a rir da minha cara. — Aquele seu jeito bruto era só medo de amar de novo. Mas tenho fé de que Thomas não seja um desses malucos que você arranja.
— Ele não é.
— Então relaxe e seja feliz, meu filho. O resto é resto!
Dona Délia tinha razão, como sempre. Usaria aqueles quinze dias longe do Thomas para refletir com calma, colocar as emoções no lugar e me preparar melhor para a sua chegada na minha vida. Estava ansioso para iniciar, de verdade, a nossa relação. Para construirmos, juntos, uma rotina agradável e prazerosa. Só nossa.
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Na segunda-feira foi impossível não notar os olhares curiosos apontados na minha direção. Todo mundo na InterOrsini, desde os zeladores ao pessoal com maiores cargos, parecia estar ciente de que eu namorava o chefe. Tentei não me abalar, mas cada olhar recebido me deixava constrangido, inquieto e desconcertado.
Achava que não fosse me sentir tão constrangido com a opinião alheia, porém alguns rostos estavam nitidamente travestidos de sarcasmo e ser avaliada daquela forma era a pior situação que uma pessoa como eu poderia passar.
Ainda bem que eu tinha uma sala só minha e pude me recolher em meu recanto, longe de tudo e todos. Porém, passei por duas reuniões chatas ao longo do dia e não deu para me manter sempre recluso, fingindo não existir. Foi chato demais perceber os outros coordenadores me analisando e mais ainda ter a diretoria em peso prestando atenção mais do que o normal em mim. Parecia que estariam, a partir de então, atentos a qualquer erro que eu cometesse só para depois jogar na minha cara que só estava ali por causa de Thomas.
Tudo bem que, dentro da minha cabeça, as coisas se tornavam piores e até meio monstruosas. A realidade poderia ser menos cruel do aquilo, no entanto, as percepções se mantiveram turvas e a sensação de fracasso teimava em retornar, tanto que pensei, mais do que pude calcular, em pedir demissão da empresa.
Será se daria certo prosseguir ali sendo namorado do dono?
O quanto trabalhar para ele influenciaria no nosso relacionamento?
Eu tinha muitas dúvidas.
Ainda assim, fiz questão de guardar todas aquelas incertezas apenas para mim. Não expus nada ao Thomas naquela noite, quando cheguei a minha casa, completamente arrasado, e ele me ligou através de uma chamada por vídeo. Não queria preocupá-lo. Portanto, disfarcei bem o quanto me sentia incomodado, fui prático em nossa conversa e desliguei logo, alegando cansaço. O coitado também estava com uma carinha abatida, significando que trabalhou muito.
Foi na terça-feira, no primeiro horário da manhã, que entrei para um encontro com a diretoria e dei de cara com Matheus Simas numa das salas de reuniões no andar da presidência, após ter recebido um olhar torto de Mariana, a secretária pessoal de Thomas. Era de se esperar que eu não estivesse no meu melhor momento.
As outras duas coordenadoras que se juntariam a mim e Matheus ainda não tinham chegado e me limitei a sentar um pouco distante dela, enquanto respondia a uma mensagem de Elisa, que me dizia que estava tudo igual. Eu ainda não havia tido tempo para me sentar com ela e termos a nossa conversa.
Senti uma presença ao redor e o meu coração foi disparando conforme entendia que Matheus estava se sentando bem na poltrona ao meu lado.
— Bruna... — foi dizendo, em tom baixo, e ergui a cabeça para conferir a sua expressão séria, impassível. — Queria pedir desculpas pela forma como agi no outro dia.
Dobrei o pescoço para o lado, confuso e meio desconfiado com aquela atitude. Não imaginava que ela fosse tocar no assunto e muito menos me pedir desculpas por ter sido uma verdadeira vaca comigo.
— Beleza — dei de ombros.
— Eu não devia ter ido a Los Angeles atrás de Thomas — continuou, mesmo que eu estivesse implorando para que calasse a boca e me deixasse em paz. — Fui bem desnecessário.
— Pois é — sibilei, olhando-a enquanto fingia indiferença. O que ela queria? Que eu lhe desse biscoito? Que falasse que estava tudo bem? O que ela fez foi uma grandíssima merda.
— O que você falou me fez refletir bastante — Matheus prosseguiu, jogando-se para trás a fim de se escorar no encosto da poltrona. Ela tinha um porte elegante e refinado invejável, mas naquele instante só consegui sentir vontade de sair correndo. Eu estava fragilizado demais para encará-la com classe, como fizera antes. — Eu te acho um profissional ótimo e uma pessoa bacana. E ele parece gostar muito de você. Realmente, peço desculpas pelo que fiz e falei.
— Ok, Matheus. Tudo certo — falei apenas para que encerrasse o assunto.
Graças aos deuses, as coordenadoras chegaram juntas e Matheus se afastou de mim para iniciar aquela reunião importante. Foi difícil prestar atenção no que estava sendo dito. A minha mente se manteve uma merda e o meu foco, nas nuvens. Eu me sentia um trem descarrilhando depois de um longo período trabalhando certinho, sem erros. Era como se andasse numa contramão infindável, enquanto veículos passavam por mim, me atropelando.
As perguntas começaram a se acumular e cada vez menos encontrava respostas. No fim das contas, não sabia se estava, mais uma vez, me autosabotando ou de fato compreendendo que não daria conta de levar a situação adiante. Será que me adaptaria? Que saberia lidar com o falatório ao meu respeito? Que em algum momento ficaria bem?
Eu não sabia. E o não saber era o que mais me abalava.