Eu não dormi muito bem por causa da ansiedade de logo chegar a hora em que Stella contaria sua história. Acordei e, assim que fui para a cozinha, perguntei a Lúcia se ela podia levar Sophia para sua casa e ficar com ela até o outro dia. Lúcia disse que não teria problema algum e, quando expliquei o motivo, ela concordou que era o melhor a fazer.
Logo após o almoço, despedi-me da minha filha, que não teve nenhum problema em sair com Lúcia. Sentei no sofá da sala junto com minha mãe. Logo as meninas chegaram. Eu me sentei ao lado de Stella e Liandra, enquanto Layla e minha mãe ficaram no sofá grande. Mas antes de começarmos, Stella pediu que eu sentasse no outro sofá, pois seria melhor eu ficar perto da minha mãe e de Layla. Ela queria o apoio da amiga ao seu lado.
Antes de começar, Stella tirou alguns pacotes de lenços descartáveis de dentro de uma sacola e os deixou em cima da mesa de centro, uns perto dela e outros perto de nós. Depois, levantou-se, foi até a cozinha e trouxe duas jarras com água e cinco copos, colocando-os também em cima da mesinha.
Stella— Alguém quer ir ao banheiro ou algo assim? Vou começar a falar e não quero ser interrompida, porque se eu for, talvez não consiga continuar, ok?
Todas nós dissemos que entendíamos e que não iríamos interromper, já estávamos prontas. Na verdade, achei que estava, mas depois do que ouvi ali, percebi que nunca estamos realmente prontas para ouvir uma história daquela.
Stella se sentou, pegou a mão de Liandra e começou a falar.
Stella— O que vou contar para vocês aqui hoje eu não vou repetir. Espero nunca mais ter que contar isso para ninguém. Não é um segredo, então qualquer uma de vocês pode contar para quem quiser, desde que fale a verdade. Eu não quero repetir porque isso acaba comigo; são lembranças que doem muito e destroem meu psicológico.
Outra coisa que quero deixar clara é que não culpo ninguém. Há tempos atrás eu culpava Telma e Gustavo, mas hoje não culpo mais. Tudo que aconteceu foi resultado de ações e escolhas que eu e outras pessoas fizemos e que levaram a esses acontecimentos. Karla participou dessas escolhas e ações até a parte do banheiro. Daí em diante, até o dia em que retornei ao Brasil, ela não fez nada, apesar de ser sempre parte central da minha história de vida, porque eu a amava e ainda amo.
Em um momento de desespero, resolvi me abrir com alguém. Conte tudo sobre meu amor por Karla e sobre minha sexualidade. Eu escolhi contar para essa pessoa; ninguém me forçou. Essa escolha me levou à pior fase da minha vida. Então, Karla, não se culpe por tudo que aconteceu, porque depois daquele dia no banheiro, você não fez nada que levou aos acontecimentos seguintes.
Bom, vou começar a contar. Por favor, eu imploro, não me interrompam.
<<HISTÓRIA DE STELLA>>
Como todos vocês sabem, eu e a Ká crescemos juntas, estudamos juntas, praticamente vivíamos coladas uma na outra até o primeiro ano de faculdade. O que Ká não sabia é que eu era apaixonada por ela desde o início da minha adolescência. Nunca tive coragem de contar, pois tinha medo de perder minha melhor amiga e a chance de ficar pelo menos ao lado dela.
Eu sabia que Ká não era lésbica, porque ela sempre comentava sobre os meninos bonitos comigo, tanto da escola quanto da TV. Também a vi beijar um garoto em uma festa, e depois ela me contou que tinha ficado com outro no colégio. Aquilo me doía muito, mas eu aguentava e disfarçava bem.
Os problemas para mim começaram no dia em que Gustavo me chamou para conversar na faculdade. Ele me convidou para uma festa, disse que eu era muito gata e queria muito que eu fosse com ele. Eu apenas disse que não tinha interesse e saí dali. Quando contei para Ká, ela não acreditou em mim, porque Gustavo era mais velho, muito cobiçado, e eu só era uma menina feia. Ela não disse isso com palavras, mas ficou claro para mim quando não acreditou e riu de mim.
Fiquei muito chateada com ela, mas logo ela veio atrás de mim e se desculpou, então fiquei tranquila, até porque ela tinha razão— eu realmente não me cuidava, era muito magra, vestia roupas largas e feias. Eu era mesmo estranha.
Depois, com a cabeça fria, fiquei pensando: por que Gustavo me chamou para ir à festa? Não fazia muito sentido. Deixei isso de lado até que Telma, supostamente sua prima, tentou se aproximar de mim e Ká. Achei muito estranhas as perguntas que ela fez, como quem era meu pai, o que ele fazia da vida, quem era minha família, onde morávamos. Para Ká, parecia normal, mas para mim não foi nem um pouco.
Por que tantas perguntas logo na primeira vez que conversamos? Não dei muita atenção a ela, mas Ká pareceu ter gostado. A partir daí, Telma se aproximou cada vez mais de Ká e logo depois trouxe Gustavo junto. Eu não conseguia ficar perto deles; sentia que havia algo errado naquela história.
O tempo passou, Ká e Gustavo começaram a namorar, e os três viviam juntos. Eu ficava cada vez mais isolada na faculdade. Era difícil não poder ficar perto de Ká e mais difícil ainda saber que ela estava namorando Gustavo.
Mas não existia apenas a faculdade; eu ainda a via em sua casa. Dormíamos juntas, a amizade continuava. Eu sofria em silêncio para não perder o que restava do tempo ao lado de Ká. Algumas vezes, tentei abrir os olhos dela sobre Gustavo e Telma. Eu sabia que eles não prestavam, mas Ká parecia já estar apaixonada e não dava atenção aos meus alertas.
Chegou a véspera do nosso aniversário e fui para a casa dela como fazia todo ano. Passávamos a noite em uma barraca e comemorávamos no domingo; era nossa tradição. Cheguei à casa e a tia veio me atender, dizendo que Ká não estava, mas que devia aparecer logo. Fiquei esperando, mas nada. Vi que já era tarde e resolvi esperar na barraca, pois não queria atrapalhar a tia e o tio a dormir. Passei um bom tempo esperando, mas ela não apareceu. Então, passei o resto da noite sozinha e, de manhã, fui sair para ir embora. Deixei meu presente para ela e saí, mas a tia me viu. Sei que ela notou que eu tinha chorado; me abraçou e me deu um presente: era um celular lindo e disse que era em nome de todos da casa, inclusive Ká.
Agradeci e fui embora, passei o domingo sozinha em casa. Na segunda-feira, na faculdade, Ká veio se desculpar comigo e agradecer pelo presente. Eu estava magoada, mas claro que iria perdoá-la. Mas quando ela contou que tinha passado a noite com Gustavo e transado com ele, não consegui aguentar a dor. Chorei na frente dela, mas não falei nada; apenas fugi.
A partir daí, resolvi me afastar, porque não queria ser um problema na vida dela. Não queria atrapalhar a felicidade dela e, para isso, desisti da minha, que era ficar ao lado dela. Só isso me fazia feliz, mas não era mais possível, pois não conseguiria mais esconder minha tristeza.
Às vezes, eu a observava de longe na faculdade. Ela estava feliz, era nítido isso em seus sorrisos. Então, para mim, estava tudo bem; o importante era que ela estava feliz.
Mas não era bem assim. Eu sofria muito. Sozinha, tudo parecia pior e eu não tinha ninguém para desabafar. Então, resolvi começar a sair de casa à noite para me distrair. Não falava com ninguém, mas comecei a beber algumas cervejas em barzinhos.
Em uma noite, exagerei e fiquei meio bêbada. Para meu pai não me ver, entrei escondida em casa pela porta da cozinha. Ao entrar, ouvi risadas e várias vozes vindo da sala. Subi as escadas que levavam ao andar de cima, onde ficava meu quarto. As risadas e as vozes continuavam; provavelmente era meu pai fazendo alguma festinha com os amigos políticos.
Era normal isso acontecer na minha casa. Essas festas eram regadas a muito uísque e drogas. Eu fingia que não sabia, mas claro que sabia. Não era mais uma criança. Estava indo direto para meu quarto dormir, mas ouvi uma voz de mulher que reconheci. Não sabia de quem era, mas com certeza conhecia. Já a tinha ouvido em algum lugar. Resolvi olhar. Fui até o corredor, pois sabia que lá de cima poderia ver pelo menos a metade da sala.
Quando olhei para baixo, vi algumas pessoas: homens mais velhos de terno bebendo, garotas seminuas se esfregando em alguns deles. Vi meu pai conversando com um senhor mais velho e dois homens sentados no sofá, com uma loira seminua entre eles. Quando reparei no rosto dela, quase caí para trás: era Telma. Ela parecia meio alterada, ria e falava alto; com certeza estava bêbada ou drogada. Sinceramente, acho que era a segunda opção.
Um dos homens ao seu lado passava a mão nos seios dela, enquanto o outro apenas olhava fixamente para baixo, e eu vi que ele olhava para o próprio pênis, que estava entre uma das mãos de Telma.
Saí dali e fui para o meu quarto. Fiquei um bom tempo escutando risadas, conversas, gritos e alguns gemidos. Com certeza aquilo se transformou em uma putaria pior do que já estava. Mas o que não saía da minha cabeça era Telma, uma garota bonita como ela ali no meio daqueles caras. Só havia uma explicação: ela era uma garota de programa.
Acordei no dia seguinte e fui procurar Daniel. Ele era o motorista do meu pai há muitos anos e também a única pessoa fora da casa da tia que se importava comigo. Ele praticamente foi meu pai postiço, sempre cuidou de mim quando eu era criança, me ensinou muitas coisas e me dava ótimos conselhos. Ele fazia o papel que meu pai não fazia na minha vida. Até hoje considero ele e o tio como meus pais.
Perguntei a Daniel se as garotas que chegaram ontem com meu pai e seus amigos eram todas prostitutas. Ele quis saber o porquê e eu disse que uma delas estudava na minha faculdade. Ele confirmou que todas eram e que, infelizmente, era normal garotas entrarem nessa vida para pagar os estudos.
Eu tinha que contar aquilo para Ká e foi isso que resolvi fazer. Mas logo que cheguei na faculdade no dia seguinte, vi Ká e Gustavo se beijando, com Telma ao lado deles. Ká parecia tão feliz que seus olhos chegavam a brilhar. Então percebi que seria minha palavra contra a de Telma, que, lógico, iria negar tudo, e provavelmente Gustavo iria apoiar sua suposta prima.
Achei melhor não contar. Ká estava apaixonada e iria acreditar neles, não em mim. Eu tinha certeza disso. Fui burra demais por não ter filmado. Estava com o celular no bolso no momento, mas não pensei direito. Decidi que iria arrumar uma prova. Eu iria provar para Ká que Telma não era quem ela pensava e provavelmente Gustavo também não.
Então resolvi bolar um plano para conseguir provas. A partir daquele dia, toda vez que Daniel ia sozinho me buscar, eu pedia para ele seguir o carro de Telma. Não demorou muito para eu conseguir a prova, e o melhor é que consegui muito mais do que esperava.
Continua…
(DAQUI EM DIANTE A HISTÓRIA VAI FICAR BEM PESADA. SE VOCÊ TEM ALGUM GATILHO COM SANGUE, SUICÍDIO, CORTES, TORTURA OU ALGO DO GÊNERO, SUGIRO QUE NÃO LEIA OS PRÓXIMOS 2 CAPÍTULOS, OK?)
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper