---
(SE VOCÊ TEM ALGUM GATILHO COM CORTES, TORTURA, SUICÍDIO OU ALGO DO GÊNERO, NÃO RECOMENDO LER ESSE CONTO)
Na segunda-feira, não aconteceu nada. Telma foi para o apartamento onde ficava e não saiu durante o tempo que estivemos ali. Gustavo estava com ela e não saiu de lá até eu ter que ir embora. Na terça, Daniel não pôde seguir com eles porque tinha um compromisso com meu pai. Na quarta, depois de deixar Ká em casa, os dois foram para o shopping. Eu fiquei até certa hora com Daniel, mas meu pai ligou e ele teve que ir para casa. Eu resolvi ficar.
O comportamento dos dois não parecia de primos, mas de namorados. Não vi eles se beijarem, mas os vi perto de uma loja, onde Gustavo estava abraçando Telma por trás e estavam muito próximos. Eu jurava que, às vezes, ela até mexia na bunda. Quando Daniel disse que tinha que ir, eu falei que iria mais tarde de táxi. Ele pediu para eu tomar cuidado e não arrumar problemas. Eu prometi que ia me cuidar e ele se foi.
Gustavo e Telma comeram um lanche em uma lanchonete do shopping. Eu fiquei de longe, só olhando. Eles riam e brincavam um com o outro, sem nada de suspeito em vista do que eu tinha visto minutos atrás. Quando eles saíram, eu os segui. Telma entrou em uma loja que eu conhecia; era uma das melhores e mais caras do shopping. Eles ficaram lá quase uma hora e saíram com seis sacolas. Com certeza, gastaram uma boa grana.
Eu continuei seguindo-os e vi quando foram para o estacionamento. Estava bem deserto, já era quase noite e estava meio escuro. Fiquei de longe para eles não notarem. Entraram no carro, mas o carro não saiu do lugar. Então, fui me aproximando devagar para ver o que estava acontecendo. Quando cheguei perto o suficiente para ver os dois dentro do carro, vi que estavam se beijando. Sinceramente, aquilo não me surpreendeu, depois do que vi dentro do shopping.
Dessa vez, eu não iria cometer o mesmo erro. Peguei meu celular, liguei a câmera e fui bem devagar, filmando através do vidro traseiro. As luzes de dentro do carro estavam acesas, o que facilitou para mim, mas acho que Telma me viu. Fingi estar apenas passando. Eles saíram do carro, eu tive uma leve discussão com Telma, mas saí dali rápido e fui procurar um táxi.
No caminho, olhei o vídeo. Dava para ver perfeitamente o que eles faziam dentro do carro. Fiquei muito feliz por conseguir a prova e triste ao mesmo tempo por saber que Ká estava sendo feita de boba. Assim que cheguei em casa, fiquei pensando no que fazer. Pensei em enviar o vídeo, mas não sabia mexer direito no celular e em aplicativos. Fiquei com medo de fazer algo errado e perder o vídeo. Eu era muito alienada em tecnologia naquela época, então resolvi ligar e pedir para ela ir me ver no banheiro de manhã. Ela me atendeu e fiz ela prometer que iria direto para o banheiro, sem falar com ninguém.
Bom, eu não tinha certeza se Telma tinha visto eu filmando. Só iria saber depois, mas naquele momento pensei que não havia nada que eles pudessem fazer para atrapalhar. Grande erro meu.
Fui o mais cedo possível para o colégio. Assim que os portões abriram, corri para o banheiro e fiquei esperando a Ká chegar. O tempo foi passando e nada dela, mas logo a vi entrar. Abri um sorriso quando a vi e já fui com o celular na mão. Quando fui falar algo, recebi um tapa no rosto e meu celular caiu. Levei um susto, fiquei em choque por uns segundos. Aí lembrei do vídeo e olhei para ver se o celular estava inteiro.
Ela começou a me xingar de um monte de coisas. Fui pegar o celular, mas ela me deu um empurrão e eu caí meio de costas entre os lavatórios. Senti uma pancada forte acima do olho e não lembro mais de muita coisa. Sei que ouvi ela gritando comigo, lembro do olhar de ódio nos olhos dela e lembro de alguém me ajudar a levantar, mas não consegui ficar em pé. Lembro de sentir algo escorrendo sobre meu rosto, de alguns alunos gritando e depois tudo ficou escuro. Acordei na cama de um hospital.
Quando abri os olhos, notei que um deles não abriu direito, então levei minha mão para ver o que era, mas alguém me impediu. Olhei e vi a tia do meu lado, com os olhos vermelhos de chorar. Tive dificuldade de lembrar o que tinha acontecido, mas quando lembrei, quis esquecer. Comecei a chorar, senti uma dor tão grande no peito que minha vontade era gritar para ver se aquela dor passava.
Minha tia me abraçou e ficou fazendo carinho em mim. Aos poucos, fui me acalmando. Perguntei a quanto tempo eu estava ali. Minha tia disse que eu fiquei desmaiada por muito tempo, umas duas horas, mais ou menos. Lembrei do meu celular e perguntei por ele. A tia disse que ele estava todo quebrado, mas que ela me daria outro.
Nessa hora, meu mundo desabou de vez. Eu tinha perdido a única prova que eu tinha e agora, por algum motivo, Ká me odiava. Sem a prova, não havia o que fazer. Comecei a chorar de novo. Mais uma vez, a tia teve que me consolar e me acalmar. Isso demorou bastante. Ela foi muito paciente comigo; eu sei que chorei até dormir. Provavelmente, os remédios ajudaram nessa parte.
Quando acordei, ela ainda estava ali do meu lado. Perguntou o que tinha acontecido na faculdade. Resolvi ficar calada, não sabia o que dizer a ela. Não queria dar mais motivos para Ká me odiar. Aí a tia me falou que ligaram da faculdade e contaram a ela que eu e Ká tínhamos brigado, que eu tinha vindo para o hospital e que não conseguiram localizar meu pai. Ela disse que ficou muito preocupada e pediu para o tio ir à faculdade, e ela veio cuidar de mim.
Naquele momento, percebi o quanto eu era querida por ela. Como ela já sabia que Ká tinha brigado comigo, resolvi falar a verdade. Mas antes, fiz ela jurar que nunca contaria isso para ninguém, nem mesmo para a Ká. Meio a contragosto, ela me prometeu e eu contei tudo para ela: que eu era apaixonada pela Ká, que eu era lésbica. Conteia todos os meus segredos; eu precisava desabafar.
Ela foi um amor comigo, disse que já desconfiava, mas nunca se importou com isso. Que gostava muito de mim e sentia muito por tudo que tinha acontecido. Que ia tentar abrir os olhos da Ká sobre Telma e Gustavo, mas que provavelmente ia ser difícil, porque algumas coisas a vida tem que mostrar. Às vezes, as pessoas ficam cegas de amor e não veem o que está acontecendo.
Perguntei se ela acreditava em mim, mesmo sem o vídeo. Ela disse que acreditava sim, porque me conhecia desde criança e sabia que eu jamais inventaria aquilo. Eu agradeci e dei um abraço nela. Aí Daniel entrou no quarto avisando que eu tinha recebido alta e já podia ir para casa. A tia disse que ia para casa e que daria notícias depois.
Perguntei a Daniel o que tinha acontecido com minha cabeça. Ele disse que eu tinha batido no lavatório do banheiro e dado um corte muito fundo. Se eu batesse com mais força, poderia ter causado até traumatismo craniano. Ele perguntou se meu pai tinha falado comigo e eu disse que não, que só tinha falado com a tia. Ele disse que provavelmente meu pai só entrou, falou com o médico, pagou a conta do hospital e pediu para ele vir me buscar.
Vesti a roupa que Daniel levou, olhei no espelho do banheiro e meu rosto, acima do olho direito, estava muito inchado e tinha um curativo em cima. Imaginei que o corte tinha sido costurado e que colocaram uma bandagem em cima para proteger.
Saí do banheiro e desci com Daniel. Meu pai estava nos esperando no carro. Quando entrei, ele nem me olhou; estava com a cara mais feia do que o normal. Provavelmente, eu levaria um sermão quando chegasse em casa, talvez até uns tapas, porque meu pai era muito agressivo comigo. Várias vezes, Daniel tinha impedido ele de me machucar quando chegava bêbado em casa e resolvia descontar suas frustrações em mim. Ele me culpa pela morte da minha mãe durante o parto e faz questão de jogar isso na minha cara quando bebe. Ainda bem que Daniel estava com a gente; isso me deixava mais tranquila.
Durante o caminho, fui lembrando da minha desgraça. Eu realmente não tinha muita sorte na vida; parecia que o destino me odiava. Perdi a pessoa que amava e, não só perdi, ela me odiava por algum motivo que eu nem sabia qual era. Provavelmente, Telma e Gustavo inventaram alguma mentira sobre mim, mas não tinha ideia do que seria. Mas eu iria descobrir; assim que pudesse voltar para a faculdade, saberia o que eles tinham inventado.
Comecei a lembrar da Ká e aquela dor terrível voltou a me machucar. Lembrei do olhar de ódio que ela tinha. Aquilo não era normal; aquela pessoa nem parecia ser a Ká que eu conheci e aprendi a amar. Ela era uma pessoa boa, sempre ajudava os outros, tratava todos bem, tinha um bom coração. A pessoa ali naquele banheiro era puro ódio. Fiquei até com medo; provavelmente, se ninguém tivesse segurado ela, o resultado teria sido pior.
Nem vi quando chegamos em casa. Daniel foi me ajudar, mas meu pai falou que não precisava, que ele iria cuidar de mim. Eu até achei estranho; meu pai cuidar de mim era novidade.
Daniel ficou no jardim e meu pai foi entrando comigo para dentro de casa. Assim que passamos pela porta e entramos na sala, descobri o que ele quis dizer com "cuidar de mim".
Eu estava na sua frente e, do nada, recebi um tapa no ouvido. Eu caí em cima do sofá, tentando entender o que tinha acontecido. Então, ele começou a me xingar, disse que eu era uma nojenta, que só trouxe desgraça para a vida dele, que além de ter matado minha mãe, eu era uma porra de sapatão, que tinha nojo de quem eu era e que nunca iria aceitar isso na casa dele.
Ele continuou falando e eu tentando levantar, mas recebi outro tapa entre o ouvido e a nuca. Caí de novo e ouvi ele derrubar algo no chão, fazendo muito barulho. Quando olhei, entrei em desespero. Meu pai puxou o cabo da TV que caiu no chão e o cabo ficou na mão dele. Quando pensei em pedir, pelo amor de Deus, para ele não fazer aquilo, senti minhas costas arder e minha carne se abrir. Senti uma dor tão forte que dei um grito com toda a minha força. Não deu tempo nem de terminar de gritar e senti outra chicotada que cortou minha carne novamente.
Meus gritos eram de dor e desespero. Meu pai continuou me batendo; eu não tinha forças para fugir. A dor era insuportável; eu sentia minha carne sendo aberta com alguns golpes. Outros não eram tão fortes, mas mesmo assim causavam uma dor insuportável. Eu já não tinha forças para gritar, senti minha vista escurecer e, de novo, apaguei.
Não sei por quanto tempo fiquei apagada, mas acordei com alguém passando algo nas minhas costas e doía muito. Eu já abri os olhos e gritei de dor. Aí ouvi uma voz calma me pedir para não me mexer, que só estava cuidando de mim e que eu iria ficar bem.
Olhei para o lado de onde vinha a voz e vi uma loira com um olhar sereno. Perguntei quem era ela e o que estava acontecendo. Ela disse que se chamava Lúcia, era esposa do Daniel e estava ali para me ajudar. Eu só consegui dizer "obrigado" e apaguei novamente.
Continua…
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper