A aula de Snape era muito ruim mesmo. Chegava, fazia a chamada. Passava a matéria do dia na lousa e depois a lia como se a estivesse explicando. Resolvia um ou dos exercícios como exemplos e depois nos enchia de exercícios e ele ficava sentado a aula toda. Era a mesma coisa em todas as aulas.
Uma vez um aluno falou que não entendera a explicação. Snape leu a lousa inteira novamente. O aluno sabia a ler, não estava precisando de um leitor e sim de alguém que esclarecesse o que estava escrito. O aluno continuou boiando, pois os Snape ainda deu entender que o aluno que era burro.
-“Já expliquei duas vezes a mesma coisa, se você não entendeu, não tenho culpa”
Até hoje eu me pergunto de quem é a culpa então.
No íntimo, Snape sabia que sua aula era uma merda e que os alunos apenas o toleravam para não caírem em desgraça com Eme, a Diaba, sua esposa.
Metade da nota bimestral, 5, era representada pela nota do caderno.
Parece mentira, mas não é.
Em pleno 3º ano do ensino médio tínhamos metade da nota de química por sabermos copiar a lousa.
Quem copiasse a lousa no caderno, e o tivesse completo o ano todo, e tirasse zero em todas as provas e demonstrasse não saber porcaria nenhuma de química, seria promovido, pois teria 5 nos quatro bimestres.
Quando os alunos perceberam isso, se limitaram a fazer as cópias e tentar pegar um pouquinho da matéria lendo a lousa ou pesquisando por conta própria, afinal, o vestibular e o ENEM estariam logo ali, ao final do ano.
Acabou a aula do Snape e desci, como todos os dias, com Rodrigo. Estava ansioso para ver meu gato.
- Não vai a cantina?
Esse moleque só pensava em comer. Não sei como não era gordo.
- Não. Espero você ali na arquibancada.
Na arquibancada da quadra estavam me esperando Marcos, Rafinha e o “R”.
- E ai “R”. ta gostando?
- Ahh, Lucas, primeiro dia é complicado, não se conhece ninguém. Mas, na minha classe tem um menino que já estudou comigo. Vou depois conversar com ele para saber se tem provas marcadas e se a matéria é a mesma que eu estava vendo na outra escola.
- Então não caiu na classe do Rafa? – perguntou-lhe Marcos.
- Infelizmente, não. – Quem respondeu foi Rafinha.
- Vai ser melhor assim, Rafinha. – Ponderou RB.
- Também acho. – Concordei – Vocês têm bastante tempo e a nossa casa para namorarem.
- Mas, eu não fico sem meu Sloopynho querido do coração. – falou fazendo graça, todo meloso e alterando a voz.
- Também acho melhor você não chamá-lo por este apelido aqui na escola.
- Que é que tem?
- Uhauahua. Que é que tem? – agora quem perguntou foi o Marcos.
- Rafa, “de boa” maninho, mas este apelido é veado demais.Se alguém ouvir você chamar o RB assim logo vai sacar algo “diferente” no ar.
- Sloopynho, você não gosta que eu te chame assim?
- Adoro Rafinha. Mas o Lucas tem razão. Aqui no LG você me chame de RB ou R.
O professor Luke estava na quadra jogando futebol com alguns alunos. Somente tirara o avental e o chapéu. Jogava de calça comprida mesmo.
- Foi aquele professor ali que eu acho que interferiu para que eu conseguisse a vaga.- Falou Rb apontando para Luke.
- Bem que eu falei ontem prá vocês. Só podia ser ele mesmo.
- Realmente você falou sim. – Disse Marcos – Vou ter aula com ele agora depois do intervalo.
- Cara, ele deu uma aula hoje!!!
- Boa? –perguntou-me Marcos.
- Ótima. Não sei se ele falará as mesmas coisas para sua classe, pois o assunto foi provocado no tema atualidades e não sei se seus colegas de classe trarão este mesmo assunto. Sabe o negocio do travesti? Então...
Contei tudo que havia sido falado na aula de geografia daquele dia. Os três prestaram muita atenção.
- Quer dizer que somos mais inteligentes? Sabia que eu era superior a esta ralé – o Rafa falou isso e mostrou toda a galera do LG andando pelo pátio e pela quadra – Agora conquistar o mundo e governá-lo.
- Devagar ai Cérebro*. O Luke disse que os gays são mais inteligentes e não “o”gay Rafael.- observou Marcos.
O Marcos fez uma referência ao ratinho que queria dominar o mundo e se julgava um gênio – O desenho se chama Pink e Cérebro.
- E ele ainda frisou que era uma tese baseada em estudos e pesquisas que realizou. Que ele poderia estar errado.- completei
- Acho que ele não ta errado não. A maior parte dos heterossexuais são babacas mesmo – falou RB.
- Isso que você disse é preconceito R. – lembrei-o.
Nisso chega até nosso grupo o Rodrigo, vindo da cantina
- A fila estava muito grande?
- Estava sim, Lucas. Oi galera, firmeza.
Apresentei o RB para o Rodrigo.
- Ai que vontade de dar o cu. 1, 2, 3, passou. Sempre tenho esta crise. Ainda bem que só dura 3 segundos.
- Hã!! – Os três olharam para Rodrigo espantado, ao ouvi-lo falando aquilo.
- Não liguem para ele não. Ele caiu do berço quando era pequeno e ficou assim. Pior eu que já o agüento há um tempão. Mas agora só falta mais esse ano.
- Não falei ? – perguntou RB a mim, Rafa e Marcos, sem dizer a que se referia para Rodrigo não entender. Lembrava que tinha dito que os heteros são babacas.
- Não falou o que ? – perguntou Rodrigo.
- Nada não – respondi – sossega senão sua crise volta.
Continuamos nós cinco no nosso papo.
- Marcos, não vai fazer uma chapa pra concorrer ao Grêmio? – perguntou Rodrigo.
- Sei lá. Sou novo aqui...
- Marcos, na aula de hoje o Luke nos criticou, todos nós adolescente, de nunca participarmos de nada e não brigarmos pelos nossos direitos. Acho que ele tem razão. Se fosse mos do Grêmio nós poderíamos impedir que acontecessem coisas como a que vimos hoje, de alunos ter de ir embora porque só tem um uniforme e este está sujo; poderíamos cobrar uma aula de qualidade e não aquela merda que é a aula do Snape; também poderíamos denunciar a tirania da Diaba; sem dizer que podemos dar um agito na galera, com festas e jogos. Não era esta sua idéia?
- Só toma cuidado com a Diaba - falou Rodrigo.
- Que Diaba é essa? - perguntou RB.
- Você não terá aula com ela, graças a Deus – Disse-lhe Rafinha.
Explicamos para o RB quem era a Diaba e a razão de ser chamada assim.
- Como é? Emengarda? É isso mesmo? – perguntou RB meio incrédulo.
- Entre nós, que ela não nos ouça, ESPINGARDA, e daquelas de dois canos, serrados. Perigosa demais e dispara fácil. – disse o Rodrigo zombando do nome da Diaba.
Muitas vezes imaginei, caso o Rodrigo fosse gay, como seria se ele e o Rafa namorassem. Com certeza comprariam um circo e sairiam dando espetáculos. Palhaçada estava no sangue daqueles dois, que sempre nos faziam rir. Mas, Marcos, de vez em quando também dava sua colaboração ao festival de piadas.
Voltamos a conversa sobre o grêmio.
- Bem, Lucas. Eu concordo com tudo isso que o Luke falou. Se você topar, conversamos com mais pessoas que você conheça, pois eu não conheço ninguém aqui, e montamos a chapa. Quando é a eleição?
- As inscrições terminam nesta semana e parece que a eleição será em quinze dias.
Aproximou-se de nosso grupo o professor Luke. Seu time havia perdido foi sentar-se ao nosso lado para descansar e esperar o próximo jogo. Era aquele esquema de dois gols: o time que sofresse dois gols estaria fora, independente do tempo de jogo.
- Cansado, professor? – perguntou-lhe RB, querendo ser simpático, já que acreditava que Luke havia o ajudado conseguir a vaga.
Ele olhou para ver quem perguntava e aproximou-se ainda mais de nosso grupo.
- Oi menino! Ricardo Bruno, né? Já está aqui? Deu tudo certo? – Perguntou a RB e ao mesmo tempo virou-se para nós e disse – Senhores, bom dia para quem não vi.
- Deu certo sim professor. Hoje a tarde ainda tenho de trazer alguns documentos, mas já estou estudando.
- Que bom. Precisando de alguma coisa, estou às ordens.
- Obrigado. – agradeceu RB
- Professor, tem o dedo do senhor nesta história, não tem? – perguntei me referindo à transferência do RB.
- Senhor Lucas Augusto, qual a necessidade de se fazer pergunta cuja resposta o senhor já conhece.
Rimos do que ele nos falou e não perguntei mais sobre isso.
- Professor, estamos pensando em disputar a eleição do grêmio.
- Parabéns Senhor Marcos Lúcio, o senhor é novo aqui e já está se engajando no movimento estudantil. Isto me deixa feliz e esperançoso. Hoje mesmo fiz um desabafo na classe dos meninos aí - apontou para o Rodrigo e para mim – que os adolescentes desta escola são muito parados. Acho que posso estar errado.
- Professor, pensei muito naquilo que nos falou e resolvi participar mais e como o Marcos estava com a mesma idéia, vamos formar uma chapa juntos.
- Mas espero que, se vencerem, não seja um Grêmio que só serve para organizar excursão para o Play Center e mais nada.
- Não professor – falou Marcos – nossas idéias são outras.
- Bem meninos, vou tomar uma coca porque está quase na hora de dar o sinal.
O professor Luke se afastou de nós e o Rodrigo comentou.
- Sabiam que ele não bebe água?
- O que!!?? – disse Rafinha espantado.
- Não é verdade, Lucas?
- É sim, ele comentou em sala de aula que há mais de vinte anos não bebe água.
- Ele bebe o que? – perguntou- nos o RB.
- Diz ele que só bebe coca-cola. Não toma leite, cerveja, café. Falou que pra compensar, as vezes toma suco. Água pura somente para tomar banho ou para tomar algum remédio em gotas.
- Que figura!!! – disse Marcos.
- Vou adicioná-lo no Orkut e MSN. Ele passou seus e-mails em sala de aula e disse que quem quisesse, poderia adicioná-lo.
- Também quero. Ele não é meu professor, mas é super legal e pelo jeito me ajudou. –falou RB.
Fiquei de passar o Orkut e MSN do Luke para o RB, para o Marcos.
- Rafa, em casa eu te passo o Orkut do Luke. – falei para meu irmão.
O Rodrigo até já tinha adicionado o professor.
- Abri o álbum dele no Orkut. Muito engraçado. Ele está de barba, com um capuz de Jedi. Uma cara de mal. Um olho esquisito e uma mensagem “eu: quando estava no lado negro da força”. Em outra ele aparece com uma roupa de época e a foto toda amarelada, e na legenda ta lá escrito que é o tataravô dele.
- Vou dizer algo para vocês, mas não digam para ninguém. É segredo. É ele quem paga os passes de ônibus da Aline..
- Como você sabe disso, Lucas? – perguntou RB
– A Aline me contou. Mas, ele não quer que ninguém saiba. Quer segredo disso.
- Poxa, que cara legal. Além de bom professor, faz caridade, mas não fica fazendo propaganda disso. – Disse Marcos com admiração.
Distribuindo uns folhetos, chegou até onde estávamos Ariadne, a aluna lésbica, assumida e bela como uma princesa. A que era modelo.
Explicou-nos que estava fazendo uma divulgação de um festival GLS de músicas.
- Como vocês tocam – se referiu a mim e ao Rafa, que já havíamos tocado na escola em algumas ocasiões - pensei em convidá-los para participarem.
Assustei-me com o convite, pois já pensei naquela história de “um gay reconhece outro” e fiquei pensando se ela já estava nos identificando como gays. Mas ela era lésbica, será que o radar funciona nas lésbicas também? Estava matutando esta idéia na minha cabeça quando ela mesma nos esclareceu.
- Fique bem claro que não estou convidando para participarem apenas homossexuais. O festival é de temática homossexual, mas não se apresentarão somente bandas com integrantes homossexuais.
- Legal ! – falou Marcos – eu também toco.
- E eu também – Disse RB.
- Eu também – falou Rodrigo.
Olhei para a cara de Rodrigo meio sem entender.
- E como seria este festival ? – perguntei
Ela explicou que seria dali 40 dias, falou o período de inscrição, contou-nos onde seria realizados que haveria prêmios em dinheiro para os três primeiros colocados. Todas estas informações estavam contidas no folheto que nos entregou, em que a principal ilustração era o arco-iris GLS, que possui apenas 6 cores e não sete, como muitos pensam.
- Cada cantor, cantora, grupo ou banda poderá apresentar um número musical apenas. O número musical deverá conter a temática GLS. Ficará a critério do júri desclassificar aqueles que julgarem que não cumpriram esta regra. Afinal, o festival está sendo realizado, para de uma forma divertida, ser dada visibilidade a causa gay.
- Eu to a fim de participar, Uca.
- Que você acha, Marcos? – perguntei.
- Eu topo.
- E você RB ?
- Também topo.
- Pode deixar, Ariadne, nós vamos participar sim – falou Rodrigo todo alegre e nitidamente xavecando Ariadne.
Esperei que Ariadne se afastasse. Ela passara o intervalo todo indo nos diversos grupos de alunos. Ou os convidava para participarem como concorrentes, aqueles que ela já sabia que tocavam ou cantavam, ou, simplesmente, convidava para que fossem assistir ao festival.
- O festival é GLS, mas não discrimina heterossexuais, é somente uma forma diferente de protestar. E vocês irão gostar, as festas GLS são muito animadas e divertidas.- Dizia a todos.
Ariadne era muito simpática e conseguia conversar com todas as tribos e alunos. Até com alunos mais preconceituosos em relação aos gays e lésbicas. Ela conseguia desarmá-los com sua doçura.
- Seu retardado! – gritei com Rodrigo - Pode me dizer que instrumento você toca? Além de punheta, é claro. – perguntei agora que Ariadne já estava bem longe de nós – “Pode deixar Ariadne, nós vamos participar sim” – imitei-o.
- Ahh maluco. A mina é maior gata da escola. Queria que ela me notasse também, né?
- Mas ela é lésbica assumida. Todo mundo sabe. Você ta torto de saber isso. Ela gosta de xana.
- Mas ela tem boceta. Não tem? E não ligo que ela goste da mesma fruta que eu. Já pensaram que legal seria eu, numa cama deitadão, e ela e uma amiga lésbica, as duas rolando no chão do quarto, peladinhas, se beijando na minha frente, se tocando, se chupando – ele ia descrevendo a cena como se estivesse imaginando cada detalhe – Depois elas olhavam para mim... Subiriam na cama junto comigo e...
- Te cobririam de porrada, manézão – falou Rafinha, antes que Rodrigo completasse seu sonho.
Eu já tinha ouvido diversas vezes vários meninos diferentes da escola relatarem aquele mesmo sonho de Rodrigo. Por qual razão muitos homens tem essa fantasia, de ver, e participarem, de uma relação homossexual feminina? Por qual razão aceitam o bissexualismo feminino e não aceitam o masculino?
Enquanto eu pensava passou perto de nós “Os irmão metralhas”, estavam “os” três juntos. Estavam sem o boné característico para exibirem o novo penteado que adotaram: carecas.
Ao passarem por nós Paulão nos cumprimentou.
- Beleza, manos ?
Monga e Dudão só balançaram a cabeça e esticaram o polegar direito em sinal de positivo.
- Olha ai Rodrigo, você não queria duas lésbicas para transarem com você? Ai tem três. Porque você não aproveita que estão passando e faz o convite a elas.- sugeriu Marcos a Rodrigo, dando muita risada, como eu, Rafa e RB fizemos também ao ouvir a sugestão.
- Ta louco, véio. Eu quero transar com lésbicas.
- E essas daí são o que, Rodrigo? – perguntou-lhe RB.
- Essas ai são machos. Elas são mais machos que meu pai.