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Keyla
Eu nunca tinha visto Patrícia sair do sério. Foi a primeira vez e, com razão, eu, no lugar dela, acho que teria feito um escândalo muito maior e bem antes. Mas mesmo extremamente irritada, ela ainda manteve a educação, falou o que tinha de falar sem partir para a baixaria e foi firme em tudo que disse. Eu fiquei muito orgulhosa dela, na verdade.
Achei que Patrícia estaria bem mais abalada, mas, por incrível que pareça, logo que chegamos em casa, ela voltou a ser a Patrícia de sempre: doce, amorosa, carinhosa e tranquila. Conversamos bastante e, quando fomos dormir, logo ela apagou. Eu tive mais dificuldades para dormir do que ela. Acho que, no fundo, tudo que ela colocou para fora fez bem a ela.
Acordamos cedo e seguimos para o trabalho. Patrícia me parecia tranquila, e eu fiquei aliviada por aquilo não afetar o psicológico dela. Mas também, ela já passou por tanta coisa na vida e não pirou; acho que isso era café pequeno para ela.
Era umas 9 horas quando meu celular começou a tocar. Eu não reconheci o número, mas era local, então atendi. Era um repórter de uma emissora local querendo uma entrevista comigo. Fui bem seca com ele e disse que não tinha nem tempo nem interesse em dar entrevista. Desliguei e já imaginei que, de alguma forma, a discussão de Patrícia com os pais tinha se espalhado. Me preocupei com aquilo.
Até a hora do almoço, recebi mais cinco chamadas de números diferentes. Não sei como essas pessoas conseguem nosso número. Pior que alguns eram bem insistentes, ligaram várias vezes. Não atendi mais nenhuma chamada e programei meu celular para bloquear ligações de números não salvos. Foi uma amiga espanhola que me ensinou isso quando contei o problema que tive com Tamires. Se eu soubesse antes, não teria passado tanta raiva com ela.
Na hora do almoço, Patrícia veio com uma cara muito assustada em minha direção. Antes dela chegar até onde eu estava, Cristina a chamou. Ela se virou e Cristina fez sinal para nós duas irmos até onde ela estava. Assim que chegamos, ela chamou a gente para ir ao escritório.
Cristina— Vocês já viram o vídeo?
Keyla— Que vídeo?
Cristina— O vídeo da Patrícia esculachando aqueles dois idiotas na sala ontem.
Patrícia— Meu Deus, aquilo foi filmado? 😳
Cristina— Foi sim, e já se espalhou pelas redes sociais. E não é só isso, eu o vi em um noticiário hoje de manhã. Provavelmente vai estar em todos os programas locais de notícias.
Keyla— Então é por isso que o repórter queria uma entrevista e recebi um monte de ligações de números desconhecidos.
Patrícia— Meu telefone não parou de tocar também! Meu Deus, o que eu fui fazer!!! 😳
Keyla— Ei, fica calma! Estamos nessa juntas, ok? Vamos resolver isso.
Cristina— Olha, provavelmente vocês vão ser reconhecidas em qualquer lugar que forem, e se preparem, porque vai ter muitos repórteres querendo entrevista com vocês. Fora que vão tentar tirar fotos em qualquer lugar que vocês forem. Eu acho que vocês duas deveriam ir para casa e ficar quietas pelo menos por uns dias. Desliguem os celulares e evitem ficar vendo notícias na TV, porque tem muito jornalista e apresentador que fala muita besteira por causa de ibope.
Patrícia— Mas temos nosso trabalho e a faculdade, não podemos simplesmente sumir.
Cristina— Aqui eu posso resolver, não se preocupem. Agora, a faculdade fica complicado; tinha me esquecido disso.
Keyla— A gente vai para casa sim, Cristina. Vamos pensar no que fazer e te avisamos.
Saímos dali direto para a moto e, durante o caminho, vi alguns olhares curiosos nos olhando e algumas pessoas apontando o dedo em nossa direção. Assim que montamos na moto, saímos. Quando nos aproximamos de casa, vimos várias pessoas lá e alguns carros também. Deduzi que era a imprensa. Patrícia diminuiu a velocidade e virou a moto. Depois de nos afastarmos, ela parou e perguntou o que íamos fazer. Eu disse que ia fazer uma ligação, pensando onde poderíamos ir sem chamar tanta atenção.
Veio na hora o nome de alguém que poderia ajudar, dar conselhos e provavelmente não a ligaria com Patrícia. Liguei e Suzana atendeu. Perguntei se ela estava em casa. Ela disse que não, mas Silvia estava. Perguntei se eu e Patrícia podíamos nos esconder lá por umas horas, talvez uns dois dias. Ela disse que já estava sabendo do que tinha acontecido e que podia sim. Iria avisar sua esposa que estávamos indo. Agradeci e desliguei.
Fui explicando a Patrícia o caminho e, assim que chegamos, Silvia veio nos receber. Entramos e ela pediu para a gente segui-la até a cozinha. Nós sentamos e ela falou para a gente almoçar enquanto conversávamos. Aceitamos, porque não tínhamos almoçado.
Silvia disse que viu o vídeo no YouTube e já tinha quase um milhão de acessos. Disse que tinha outros, mas só um era completo. Ela perguntou se a gente tinha visto e eu disse que não. Ela buscou um tablet e me entregou já com o vídeo na tela. Só dei play e comecei a ver. Provavelmente foi algum dos assessores dos outros candidatos que filmou. O vídeo começava com a resposta do pai da Patrícia e terminava com os alunos rindo e zoando ele. Alguns até xingavam ele e a esposa.
Patrícia nem quis ver o vídeo, mas ouviu. Ela parecia triste. Eu coloquei minha mão no seu ombro e disse que tudo iria ficar bem. Silvia disse que logo as pessoas iriam se esquecer disso e a imprensa também.
Ela deu um sorriso amarelo e nos agradeceu pelo apoio. Silvia perguntou o que a gente estava pensando em fazer. Eu disse que o plano era ficar escondidas. O problema era a faculdade, que a gente não tinha como deixar de ir, porque senão iríamos perder o ano de estudos, provavelmente.
Silvia— Dentro da faculdade, acho que não terão problemas, porque os alunos parecem que gostaram muito do que vocês fizeram. Lá, a imprensa não entra sem autorização.
Keyla— Bom, seu sogro não vai deixar nenhum repórter entrar, com certeza. Ele gosta muito da gente.
Silvia— Verdade, ele adora vocês. Então, vocês ficam aqui o tempo que precisarem e só saem para ir para a faculdade. Vocês provavelmente vão precisar de suas coisas, como material de estudo e roupas?
Keyla— Vamos sim! Ficou tudo na nossa casa, nem entramos porque tem um monte de repórter na porta.
Patrícia— Tem a Becky também, ela não pode ficar lá sozinha.
Silvia— Se está falando da gata que vi deitada na sua cama no dia da festa, a gente traz ela também.
Keyla— É ela sim! Tem uma gaiolinha para transportar, mas quem vai lá buscar para nós?
Silvia— Eu vou, não se preocupem. Só preciso da lista do que tenho que pegar e a chave da casa.
Patrícia— Mas eles vão te ver, vão tirar fotos! Não quero arrastar mais ninguém para essa confusão.
Silvia— Não vão não! Meu irmão me leva no carro dele, os vidros são escuros, ninguém vai me ver. Vai ficar tudo bem, pode confiar.
Fizemos uma lista do que iríamos precisar. Silvia nos mostrou o quarto e disse para a gente ficar à vontade. Logo ela saiu e voltou duas horas depois com nossas coisas, o irmão dela e o Alan, que ela tinha pegado na escola. O irmão dela ajudou a colocar nossas coisas no quarto que iríamos ficar. Becky não estranhou o lugar e Alan adorou fazer carinho nela.
Suzana saiu mais cedo do trabalho e veio falar conosco. Perguntou se a gente precisava de mais alguma coisa e dissemos que não, que ela já estava ajudando muito.
Suzana— Olha, eu vou dizer uma coisa que talvez vocês não queiram fazer, mas é o que eu acho a maneira mais fácil e rápida disso tudo passar: vocês têm que dar uma entrevista contando os motivos da discussão de ontem. Se não, a imprensa vai ficar em cima de vocês. Eles querem um furo de reportagem. Se vocês derem uma entrevista esclarecendo tudo e deixando claro que não vão falar mais sobre isso, que só querem voltar à vida de vocês, logo eles deixam vocês em paz.
Keyla— Talvez você tenha razão, mas Patrícia odeia se expor e eu não estou nem um pouco afim de dar entrevistas a esses abutres.
Suzana— Vocês não precisam aparecer. Eu tenho uma amiga que é repórter do maior jornal da cidade. Uma entrevista com vocês com certeza vai sair na primeira página. Todos vão ler e matar a curiosidade, e logo isso vai ser notícia antiga. Minha amiga é uma pessoa séria, não vai mudar nada do que vocês falarem. Pensem nisso.
Patrícia— A ideia faz sentido, só não sei se quero fazer isso. Preciso pensar com calma.
Suzana— Pensem com calma e depois me avisem então!
Ficamos conversando mais um pouco. Suzana queria que a gente fosse no carro dela para a faculdade, mas não aceitamos. Falamos com as meninas, com minha mãe, com Cristina e com meu tio, deixando todos a par de tudo para não preocupá-los. Meu tio disse que a gente podia ir tranquilas para a faculdade, porque lá repórter nenhum iria entrar, que já tinha tomado todas as medidas necessárias.
Quando chegamos na faculdade e entramos, tivemos uma surpresa boa— vários alunos bateram palmas para nós. Ouvimos alguns gritos apoiando a gente. Não teve nenhuma reação ruim durante o trajeto e ninguém nos incomodou. Quando entramos na sala, nossos colegas estavam quase todos lá. Quando nos viram, duas meninas se levantaram e começaram a bater palmas, e aí os outros foram fazendo o mesmo. Patrícia ficou vermelha igual um pimentão, mas agradeceu ao pessoal, e eu fiz o mesmo.
As aulas foram tranquilas. Alguns dos alunos mais próximos da gente vieram perguntar se estávamos bem, deram apoio para nós, principalmente para Patrícia. No intervalo, a gente resolveu ir à lanchonete. Eu disse que era melhor a gente sair para o pessoal ver a gente logo e se acostumar. Patrícia concordou. Eu notei vários olhares para nós, mas ninguém nos incomodou. Cláudio apareceu e falou com a gente por um tempo.
Voltamos para a sala, as aulas seguiram normalmente. Voltamos para casa de Suzana e só estava ela e Alan. Silvia tinha plantão, só a veríamos de novo no outro dia. Suzana perguntou se tinha corrido tudo bem na faculdade e a gente contou que foi melhor do que esperávamos. Ela riu de Patrícia, que disse que nunca sentiu tanta vergonha na vida, mas gostou de ver que as pessoas apoiaram o que ela fez.
Logo, Suzana foi dormir e levou Alan com ela. Ele levou a Becky no colo, depois de quase implorar para deixá-la dormir com ele na cama. Eu e Patrícia tomamos um banho rápido e nos deitamos. Olhei o WhatsApp rapidinho. Patrícia ainda estava com o celular desligado; eu tinha esquecido de configurar o dela. Liguei e fiz o mesmo que fiz no meu, avisei que provavelmente no WhatsApp iria chegar um monte de mensagens, que era só ela ignorar e ir apagando.
Patrícia disse que estava pensando que talvez a entrevista poderia mesmo ajudar. Eu disse que a decisão que ela tomasse, para mim, estava boa; eu iria apoiá-la.
Vi meu celular chamando, olhei e era Cristina. Ela disse que o marido dela tinha acabado de chegar em casa e contou para ela que o pai da Patrícia tinha ido embora do país. O assunto que estava circulando é que ele deixou o Brasil com a esposa e foi morar nos Estados Unidos, abandonou a candidatura, os negócios e deixou seu advogado responsável para vender seus bens aqui no Brasil, porque ele não iria mais voltar.
Ela disse que tinha ligado só para dar a boa notícia e se despediu. Conte a Patrícia e ela abriu um sorriso, dizendo que iria dormir mais tranquila com aquela notícia. Depois, abriu os braços. Eu deitei com a cabeça sobre seu peito e logo dormimos.
Continua…
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper