Sexta-feira chegou e eu estava uma pilha de nervos. Eu tinha um encontro com Eric! Por mais que eu tentasse me acalmar repetindo para mim mesmo que não era um encontro, eu não conseguia me enganar, era sim um encontro. E o pior, eu não sabia o que esperar desse encontro, começando pelo fato de que eu não tinha no que me basear. Eu nunca tinha tido um encontro assim, nem conhecido alguém que tivesse, minha única referência era os filmes de Hollywood, mas tentei tirar isso da cabeça. Era uma situação totalmente nova para mim.
Mais ainda, eu não sabia o que esperar desse encontro como um todo. Apesar de eu já estar aceitando a idéia de ser gay, isso está à milhas de distância de aceitar estar num relacionamento gay. Sim, porque na minha cabeça, um encontro com Eric era quase um pedido de casamento. Era um passo muito maior do que eu estava disposto a dar. Namorar outro cara, ou mesmo ter uma relação qualquer coisa mais profunda do que amizade com um, me assustava. Lógico que sempre tive o desejo sexual, de ter aquela experiência física, mas só isso. Nunca tive a vontade de constituir uma relação romântica com outro cara. Nem mesmo com Eric. Tudo o que Eric me causava era um desejo sexual incontrolável, nunca o amei e nunca quis namorá-lo.
Vocês podem estar se perguntando por que ir a esse encontro, então. Porque eu queria ir além. Mais tarde eu conseguiria entender que era o meu subconsciente tentando quebrar as paredes que ergui em minha mente para conter minha homossexualidade. Mas isso só percebi alguns anos mais tarde, naquele momento eu acreditava serem os meus hormônios clamando por sexo com Eric e se agarrando na única oportunidade de tê-lo.
Assim, segui o conselho de Alice e me vesti como ela mandou: jeans escuro, camisa azul-marinha, sapatênis, relógio elegante e um corte de cabelos mais apresentável, eu estava mesmo precisando. Foi difícil convencer minha mãe a me deixar sair depois da bebedeira do fim de semana passado, mas acabei conseguindo após usar toda a sorte de chantagens emocionais que eu conhecia. Agora eu estava ali, parado em frente à portaria do meu prédio esperando por Eric, quase tremendo tamanho o nervosismo.
E se ele não viesse? Se percebeu o grande erro que estávamos cometendo? Se percebeu que depois daquele encontro não poderíamos voltar atrás? Pior, se ele se deu conta que não me quer? Se percebeu como eu sou desajeitado devido a minha altura, ou que meu cabelo não é grandes coisas, que meu rosto é comum, que eu sou incrivelmente inseguro? E se ele tivesse percebido que é bom demais para mim? E se ele tivesse percebido que Rafael (sempre ele...) seria uma melhor opção?
Quando eu já estava quase entrando em casa novamente me sentindo a pior pessoa na Terra, o carro de Eric parou na minha frente. Instintivamente, suspirei e sorri, aliviado de não ter levado um bolo. Então ele desceu do carro. Aqueles dez minutos de atraso tinham valido muito a pena: nunca havia o visto tão bonito como naquela noite. Eric usava um jeans cinza e camisa preta, destacando assim sua pele muito branca. E tinha o seu sorriso... Eu estava enfeitiçado pelo seu sorriso. Era tão largo, tão branco, tão sedutor... No jogo da sedução, Eric só jogava para ganhar.
Chegamos ao restaurante. Era um lugar ao mesmo tempo charmoso e despretensioso na zona sul da cidade. Era um casarão antigo, à meia-luz, com público majoritariamente jovem. Estava mais para bar do que para restaurante, e eu agradecia por aquilo. Eu morria de medo do que as pessoas poderiam pensar ao verem dois caras jantando juntos num restaurante caro. Aquele ali não, apesar de alguns casais, tinha alguns grupos de amigos também e mesmo alguns grupos fazendo happy hour. Eu estava mais tranqüilo. E o fato de o lugar ser um pouco escuro me deixava mais livre da obsessão de me policiar, o que eu certamente faria em outro lugar.
_Escolheu bem._ falei para Eric ao nos sentarmos.
_Gostou?
_Uhum.
Ele riu.
_Monossilábico...
_Me desculpe._ falei rindo também.
_Sem problema, já estive desse lado do rio também.
_Como atravessou o rio?
_Ainda estou na travessia.
_É? Não parece. Me beijou três vezes sem minha permissão em nenhuma delas e ainda me convidou para um encontro.
_Encontro?
Graças a Deus estava escuro e ele não viu a cor que eu fiquei ao perceber o que tinha falado. Ele nunca havia usado a palavra “encontro”, Alice tinha, eu devia matá-la! Ele riu ao ver que me deixou em maus lençóis.
_Bom, que seja, um encontro, então.
_Eu não queria dize..._ comecei, mas ele me interrompeu.
_Respondendo sua pergunta, você me impulsiona a fazer essas coisas. Com outra pessoa, eu certamente não teria coragem.
Sorri bobo com o elogio.
_Acho que também não teria aceitado o convite de outra pessoa._ respondi. O chope que eu estava tomando parecia já estar fazendo efeito.
_Fico feliz em ouvir isso.
Ficamos em silêncio nos olhando. Ali eu não tinha vergonha de encará-lo, de me perder nos seus olhos azuis. Seus olhos ao mesmo tempo que me encantavam, me perturbavam. Eu conseguia ver dentro deles tantas emoções diversas que eu ficava desnorteado tentando descobrir qual era a que ele estava sentindo no momento. Aquilo fazia eu me lembrar que não sabia quase nada sobre Eric. E foi isso que tentamos fazer pelo resto da noite, tentar nos conhecer.
Descobri que ele era filho único de um brasileiro com uma sueca, o que explicava seus traços nórdicos. Tinha dezoito anos, praticava natação e gostava de música clássica. Morava no bairro vizinho ao meu e escolheu o curso influenciado pelo pai, porque ele não sabia o que queria da vida. Descobri também que ele chegara a Belo Horizonte há pouco tempo, por isso não tinha muitos amigos aqui.
_Mas agora você tem o Rafael, né?_ falei torcendo para ele não perceber a isca que eu estava jogando para ele _Todo mundo comenta que vocês são bem amigos.
_Ah, o Rafael é legal. Ele tem aquele jeitão dele expansivo de conquistar todo mundo em volta.
_É...
_Mas não foi para falar de Rafael que marcamos esse encontro, né? Foi pra falar da gente.
Eu estremeci todo. Lá vinha o grande ponto da noite.
_Como você descobriu que era...?_ perguntou.
_Acho que sempre soube._ eu já estava mais soltinho devido ao álcool, se não já estaria entrando em parafuso com uma pergunta assim.
_E como foi seu primeiro cara?
_Bom, diga-me você...
_Não..._ ele riu travesso _Eu sou seu primeiro?
_Sim._ falei tomando um longo gole de chope.
_Isso explica muito coisa sobre seus surtos.
_Eu não surto!_ senti vontade de desviar o assunto de mim _E quanto a você, quando se descobriu e como foi seu primeiro homem?
Posso ter falado um pouco agressivamente, pois seu sorriso se abalou.
_Bom, acho que também sempre soube. Desde pequeno eu tinha esses desejos._ falou com uma certa tristeza no olhar _E não lembro direito do primeiro cara. Eu era bem novinho ainda, foi com um coleguinha da mesma idade que eu. Foi tudo bem inocente, a gente não sabia como fazer nada. Com o tempo, fui crescendo e as brincadeiras foram ficando mais ousadas, já com outros colegas, até chegar ao ponto de beijar os caras para quem dou carona.
Ri da brincadeira, mas me pareceu um jeito de desviar do assunto que o deixava triste. Ali eu percebi que não era o único com problemas de aceitação.
_Quanto a nós, Bernardo..._começou, mas interrompi.
_Eu não estou pronto para me relacionar com outro cara ainda.
Ele abaixou o olhar e voltou a me olhar com aqueles olhos tristes, o que me matava.
_Eu entendo._ falou _Acho que eu também não, sabe. Eu nem mesmo sei o que esperava desse encontro. Convidei você por impulso, não planejei o que dizer aqui. Eu gosto de você, mas não sei como tornar isso uma coisa concreta. Eu não sei que tipo de relacionamento eu quero ter com você.
Eu estava mais tranqüilo ao ver que eu não era o único perdido naquela situação, mas ao mesmo tempo não era reconfortante saber que nenhum de nós sabia como lidar com aquela situação.
_Então, como ficamos?_ perguntei.
_Não sei... Amigos?
_Acho que já passamos um pouco desse ponto.
_Amigos coloridos?
Ri e ele me acompanhou.
_Amigos coloridos?
_É._ respondeu _Ou amigos com benefícios se preferir.
_Tenho até medo de perguntar quais são esses benefícios.
_Quer saber quais são?_ perguntou de um jeito sedutor que me acertou em cheio.
_Eu quero..._ eu estava tão fora de mim devido ao álcool...
_E quando você vai me dar essa oportunidade?
_Não sei. Mas se eu fosse você, me aproveitaria enquanto eu estou meio fora de mim, porque o Bernardo sóbrio não teria coragem de ficar mais do que cinco minutos no mesmo cômodo sozinho com você.
_E quão bêbado você está agora?
_O suficiente para deixar você me levar para a sua casa, mas não o bastante para passar mal.
_Então está no ponto ideal.
Rimos um para outro, mas de um jeito sedutor, sem desviarmos os olhares. Novamente, sóbrio, eu não falaria nada daquilo, muito menos teria sugerido fazer o que estávamos prestes a fazer. Como vocês devem estar percebendo devo muito do início da minha vida gay ao álcool. E sim, havia uma parte de mim gritando para não ir, gritando que eu iria me arrepender daquilo amargamente, mas a parte dominante queria ir além, queria realizar aquele desejo. Era tudo conflitante na minha cabeça, eu não tinha certeza de nada. Simplesmente desliguei a parte da minha mente guiada pela razão e deixei que o Bernardo impulsivo viesse à tona.
_Vamos?_ falou Eric.
Nem percebi que ele já tinha pedido a conta e pagado. Sem falarmos nada, fomos caminhando para fora do restaurante e depois para o carro. Assim que entramos, não sei o que deu em mim. Acho que foi a vontade de fazer aquilo que não pude fazer na mesa: agarrei Eric pelo pescoço e o puxei para um beijo agressivo, cheio de desejo, e ele me correspondeu do mesmo jeito. Eu não me reconhecia, eu estava completamente fora de mim. Quando o soltei, ele sorriu safado ainda ofegante.
_Hoje à noite você vai ser meu._ falou.
_Então, o que você está esperando para colocar esse carro em movimento?
Ele riu e partiu com o carro. Se há um mês alguém me contasse que eu me permiti ir para cama com outro cara, eu não acreditaria. Em duas semanas minha vida tinha virado de cabeça para baixo e era só o começo.