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Fui para meu quarto e peguei a mochila que usava para ir ao colégio. Coloquei meus objetos pessoais e minhas roupas íntimas, deixando o que estava dentro em cima da cama. Peguei minhas roupas, que eram poucas, mas eu não tinha uma mala. Fui até a cozinha, peguei dois sacos de lixo dentro do armário e voltei para o quarto. A garota estava sentada no sofá da sala, mexendo no celular; nem me viu, eu acho. Coloquei um saco dentro do outro, coloquei minhas roupas e fui sair.
Nessa hora, senti meu estômago roncar de fome. Eu mal tive apetite para me alimentar nos últimos dias, mas justo quando estava sendo jogada para a rua, a fome resolveu bater. Eu não tinha um centavo no bolso e não fazia ideia de quando iria comer de novo. Então, peguei o resto de coragem que tinha e fui até a sala falar com a garota.
Patrícia— Será que você se importaria de esperar eu comer algo antes de ir? É rápido, por favor, é que não almocei ainda e estou com um pouco de fome.
Garota— Claro que não, pode comer sim. Eu espero sem problemas, pode almoçar primeiro.
Patrícia— Obrigada, vai ser rápido.
Fui à cozinha e deixei minhas coisas em um canto perto da porta. Fui até a geladeira, peguei o arroz e o feijão que já estavam prontos e coloquei para esquentar. Não dava tempo de fazer nada demorado, então fui ao armário, peguei dois miojos e coloquei água para ferver. Peguei os últimos três ovos e fritei, depois peguei dois pães, parti ao meio e coloquei um ovo em cada um, colocando dentro de uma sacolinha. Era uma garantia de ter algo para comer mais tarde.
Quando olhei, vi a garota parada na porta me observando. Baixei a cabeça e continuei fazendo o que estava fazendo, mas deu para notar, nessa olhada rápida, o quanto ela era bonita. Quando terminei de arrumar tudo, fui ao armário e peguei o maior prato que tinha, coloquei o que coube e fui sentar para comer. Sinceramente, fiquei com vergonha, mas preferi passar vergonha do que fome. Eu não sabia quando teria outro prato de comida na minha frente, então iria comer o bastante.
Assim que sentei, olhei para oferecer à garota, mas ela não estava mais na porta, então comecei a comer. Quando estava na metade, ela apareceu na cozinha e perguntou se podia se sentar. Eu disse que podia ficar à vontade e ofereci a ela. Ela agradeceu, mas não aceitou.
Garota— Posso te fazer uma pergunta?
Patrícia— Claro, pode sim.
Garota— Você foi ao velório do meu pai, né?
Patrícia— Fui sim, eu precisava me despedir dele.
Garota— Onde você o conheceu?
Patrícia— No hospital. Ele me viu antes, mas eu o conheci de verdade no hospital.
Garota— Você trabalha lá?
Patrícia— Não, eu era paciente.
Garota— Você estava doente?
Patrícia— Não, na verdade, eu levei um tiro no peito. Seu pai ajudou a me socorrer e depois foi pegar meu depoimento no hospital.
Garota— Poxa, sinto muito.
Patrícia— Tudo bem, já passou. Estou bem agora.
Garota— E faz tempo que isso aconteceu?
Patrícia— Do tiro, tem um pouco mais de um ano, e que conheci seu pai vai fazer um ano ainda. Eu fiquei em coma por um tempo e só o conheci depois que acordei.
Garota— E faz quanto tempo que você mora aqui?
Patrícia— Vai fazer um ano também.
Garota— Então, logo que vocês se conheceram, você veio morar aqui com ele?
Patrícia— Sim, saí do hospital direto para cá.
Garota— Entendi. E sua família não se importou?
Patrícia— Olha, eu já terminei, vou lavar as louças e vou indo. Depois a gente conversa mais.
Eu não queria responder aquela pergunta e, sinceramente, fiquei um pouco incomodada com as perguntas dela. Parecia mais um interrogatório. Levantei-me, lavei meu prato e tudo que tinha usado, peguei minha escova na mochila, fui até o banheiro e escovei meus dentes. Quando voltei, ela ficou me olhando com uma cara muito estranha. Eu disse que já estava indo, agradeci por ela ter deixado eu almoçar e virei as costas para sair.
Assim que coloquei a mão na maçaneta para abrir a porta, ela pediu para eu esperar.
Garota— Desculpe, mas preciso pedir algo antes de você ir.
Patrícia— Claro, pode pedir.
Garota— Primeiro, pode me dizer seu nome, por favor? Eu me chamo Keyla.
Patrícia— Prazer, Keyla. Eu me chamo Patrícia.
Keyla— O prazer é meu, Patrícia. Bom, será que você podia me mostrar o que está levando nessa mochila e nesse saco?
Patrícia— Posso, mas não estou roubando nada, não. Tudo que tem aqui é meu. Eu jamais iria roubar algo que foi do seu pai!
Keyla— Não é isso não. Por favor, não me entenda mal. Eu não pensei isso, eu juro. Mas é que acho que tem alguma coisa errada. Eu só preciso ver para ter certeza de algo. Te juro que te explico direitinho depois.
Eu realmente não entendia nada, mas peguei minhas coisas e fui até a mesa de novo. Abri o saco, tirei as roupas e fui colocando em cima da mesa. Depois, fui tirando as coisas da mochila, mas ela não deixou eu terminar.
Keyla— Não precisa tirar o resto, não. Só preciso saber de mais uma coisa: essas roupas são tudo que você tem ou tem roupas suas em outro lugar?
Patrícia— Olha, sinceramente eu não estou te entendendo, mas sim, essas são as roupas que eu tenho. Foi seu pai que comprou para mim, e algumas foram eu com o pouco dinheiro que tinha quando vim morar aqui.
Keyla— Tudo bem, eu entendi. Bom, acho que a gente precisa conversar. Será que você se importaria de ficar mais um pouco aqui para a gente esclarecer umas coisas? Por favor, é muito importante para mim.
Patrícia— Bom, acho que sim, mas você poderia me explicar o que está acontecendo?
Ela me chamou para a sala e sentamos no sofá. Ela parecia nervosa com alguma coisa e eu não fazia ideia do que estava acontecendo, mas fiquei curiosa. Além disso, ela me deixou almoçar e entrou na frente da mãe dela para me proteger. Na verdade, ela protegeu a mãe dela, porque eu não iria deixar que ela me batesse de novo depois do tapa que levei. Então, resolvi ajudar a esclarecer o que ela queria.
Keyla— Eu acho que já sei a resposta da pergunta que vou te fazer pelo que vi na casa enquanto você preparava seu almoço, mas preciso perguntar: você e meu pai viviam juntos como um casal?
Patrícia— Não!!! Seu pai era como um pai para mim. Eu morava aqui porque ele me ajudou, me deu um teto quando eu perdi tudo. A única coisa que eu fazia era o trabalho de casa. Ele dormia no quarto dele e eu no meu. Além da enorme diferença de idade, seu pai nunca faltou com respeito comigo. Durante esse tempo que estou aqui, ele me deu um abraço. Foi no dia em que ele me contou que você iria voltar para o Brasil. Ele ficou muito feliz e até me abraçou, mas só isso.
Keyla— Eu não acredito que minha mãe mentiu para mim esse tempo todo! Que ódio!
Patrícia— Como assim?
Keyla— Minha mãe disse que meu pai tinha arrumado uma novinha e colocado dentro de casa para viver com ele, que estava gastando todo o dinheiro dele em roupas e joias e, por isso, nem minha pensão ele estava pagando. Ela que estava se virando para pagar meus estudos e por isso não estava me mandando dinheiro.
Patrícia— Olha, as únicas roupas que seu pai comprou para mim foram as que você viu. Assim mesmo, só uma calça e duas blusas ali foram novas. As outras a gente comprou em um brechó de roupas usadas. Seu pai não tinha dinheiro porque estava pagando o financiamento que pegou para comprar a casa e as parcelas já vinham descontadas do salário dele. Mas mesmo com o dinheiro contado, ele nunca deixou de pagar sua pensão. Eu posso te provar isso porque eu mesma fui depositar o dinheiro várias vezes, e tem os recibos no escritório dele. Posso te mostrar se quiser.
Keyla— Se você não se importar, eu queria ver esses recibos. Não porque não acredito em você, mas porque vou precisar deles para esfregar na cara da minha mãe.
Levantei-me, fui até a geladeira e peguei a chave que ficava em cima dela. Na casa, tinha três quartos, mas a gente só usava dois; o outro Marcos usava como um pequeno escritório. Fui até a porta, abri, fui até a mesa, abri a gaveta e peguei uma pasta onde Marcos guardava os recibos do banco e alguns outros documentos. Tirei os recibos e mostrei a Keyla. Quando ela olhou, seu rosto se transformou na hora; ela ficou com um olhar de puro ódio.
Keyla— Esse dinheiro aqui dava para pagar a mensalidade do meu colégio e sobrava o tanto exato que meu pai disse que me mandaria todo mês para me ajudar. Eu não acredito que minha própria mãe estava me roubando e colocando a culpa no meu pai!
Patrícia— Por isso parou de falar com ele?
Keyla— Não, eu parei de falar com ele porque perdi o contato dele e ele o meu. Prometo que te explico tudo quando voltar, mas primeiro vou tirar essa história a limpo de uma vez.
Patrícia— Como assim voltar? Onde você vai?
Keyla— Vou na minha casa. Por favor, me espera aqui. Vou voltar de carro e te levo onde você quiser, mas não queria ficar sozinha quando eu voltasse. Meu pai confiava em você, então vou confiar também. Por favor, não saia daqui.
Ela falou aquilo e saiu. Eu fiquei ali sem reação. Bom, eu não tinha para onde ir, então resolvi esperar. E também estava curiosa para saber a história toda. O único problema é que ela teria que voltar rápido ou eu iria ter que ir para a rua à noite, e eu sabia por experiência própria que isso não era uma boa ideia.
Saí do escritório, fechei a porta, guardei a chave e arrumei meu saco de roupa de novo. Coloquei em um canto e fui para o sofá, pensando em tudo que aconteceu naquele dia maluco. A Keyla com certeza ficou muito revoltada com a mãe, e com razão. Por falar nisso, que garota bonita! Ela era perfeita: rosto, corpo, cabelo, boca... e que boca!
Meu Deus, o que estou pensando? É melhor tirar essa garota da minha cabeça. Logo ela volta e, depois de me contar a história direito, fico com ela aqui um pouco e vou seguir meu rumo. Nem sei que rumo será esse, mas provavelmente nunca mais vou vê-la novamente depois de hoje. Então, melhor parar de pensar besteira.
Liguei a TV para me distrair um pouco e me deitei no sofá. Não consegui achar nada de interessante na TV e acabei brincando com o controle. O tempo resolveu não passar e eu fiquei ali imaginando o que Keyla iria me contar quando chegasse.
Continua…
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper