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Patrícia:
Acordei com Keyla agarrada em mim. Com cuidado, consegui me soltar dela e levantar. Fui até o banheiro fazer minha higiene e depois preparei um café. Coloquei a água para ferver e fui ao escritório; abri uma gaveta e peguei um pouco do dinheiro que tinha ali. Fui rápido à padaria e comprei alguns pães para a gente comer: peguei de sal e de doce, já que não sabia qual Keyla gostava. Também peguei um copo de requeijão e uma caixinha de leite. Quando voltei, a água já estava fervendo. Passei o café e arrumei a mesa. Quando fui ao quarto, ela não estava lá. Ao sair, encontrei-a saindo do banheiro. Assim que me viu, abriu um sorriso lindo.
Patrícia— Bom dia! Fiz um café e comprei alguns pães; estão na mesa da cozinha.
Keyla— Bom dia para você também! Já vou lá para a gente tomar café juntas e eu te contar o que prometi ontem. Não esqueci, tá?
Patrícia— Sem problemas! Na verdade, estou curiosa, mas se não quiser me falar, tudo bem.
Keyla— Vou te contar sim, já que você me ajudou a esclarecer as coisas. Te devo isso.
Saí e voltei para a cozinha. Logo ela apareceu, sentou-se comigo e colocou um pouco de leite com café em um copo. Começamos a tomar nosso café.
Keyla— Vou te contar o porquê de eu ter parado de falar com meu pai e por que perdi o contato com ele. Vou resumir, mas que dê para você entender a história direitinho, ok?
Patrícia— Tudo bem, sou toda ouvidos.
{...}
Keyla— Bom, eu comecei a namorar uma garota chamada Tamires no meio do ano passado. Ela era bonita, carinhosa e um amor comigo. Porém, logo que comecei a namorar com ela, alguns amigos me avisaram que ela era envolvida com drogas e que eu deveria tomar cuidado.
Questionei-a sobre isso e ela não negou. Disse que tinha sido viciada em cocaína e ecstasy, mas que estava limpa há algum tempo e que não iria voltar a usar. Eu falei para ela que eu odiava esse tipo de coisa e que, se a visse usando, nosso namoro iria acabar. Apesar de gostar dela, não iria ficar com alguém envolvida com essas coisas.
Ela me prometeu que não iria mexer mais com isso. A gente continuou o namoro, estudávamos no mesmo lugar e sempre passávamos os finais de semana juntas. Eu jurava que ela realmente tinha parado, mas meus amigos me disseram que ela não tinha parado, que vivia pedindo dinheiro emprestado e que tinha conversas de que ela ficou com alguns caras a troco de dinheiro para comprar drogas. Confrontei-a de novo, e ela disse que era tudo mentira, que tinham inventado aquilo e que nunca mais usou e jamais ficaria com alguém por dinheiro, que me amava e que nunca me traiu.
Como passávamos muito tempo juntas, achei que isso era conversa fiada, mas mesmo assim comecei a ficar de olho nela. Em uma quarta-feira, mandei mensagem para ela de dentro da minha sala, combinando de irmos fazer um lanche após a aula. Ela disse que não daria porque estava com muita dor de cabeça e iria direto para casa naquela noite. Assim que a aula acabou, vi-a saindo da sala. Fui até ela e perguntei se tinha melhorado; ela disse que não, mas que ia para casa, tomaria um remédio e logo ficaria bem.
Ela estava meio pálida e eu realmente me preocupei com ela. Me ofereci para ir com ela, mas ela não aceitou, disse que eu podia ir para casa e que assim que chegasse em casa me mandaria mensagem. Insisti, mas ela não quis que eu fosse. Me pareceu até meio nervosa com minha insistência. Então, falei que tudo bem. Fomos até a saída, ela me deu um beijo rápido e saiu. Fingi que fui embora, mas a segui de longe. Ela virou na esquina e, em vez de ir para casa, entrou no estacionamento do colégio. Fui atrás; o estacionamento estava um pouco vazio, só com os carros dos funcionários da escola.
Fui olhando de longe e vi que ela entrou em um carro preto no fundo do estacionamento. Aproximando-me devagar, quando cheguei perto o suficiente, vi ela e um homem dentro do carro. O homem lhe entregou algo e ela abriu. Vi ela passar a unha dentro do pacote e levar a unha até o nariz e cheirar. Depois, levou o dedo no pacote de novo e colocou na boca. Na hora, entendi que aquilo era cocaína e ela estava usando, mas fiquei quieta. Então, ela colocou o pacote em algum lugar que não vi, levou as mãos ao cabelo, juntou-o e prendeu com um elástico. Nessa hora, já sabia o que viria a seguir; só vi ela abaixar o rosto até o colo do cara. Não conseguia ver direito porque o banco tampava, mas o cara levou uma mão até sua cabeça e jogou-a para trás. Pelos movimentos que ela fazia, não tinha dúvida de que ela estava fazendo sexo oral com o cara.
Não falei nada, virei as costas e saí dali o mais rápido que pude. Fui para casa chorando, arrasada. Assim que entrei, fui direto para o meu quarto. Nesse momento, recebi uma mensagem dela dizendo que tinha chegado em casa, tomado um remédio e iria dormir.
Só mandei uma mensagem dizendo que tinha visto ela tomando o remédio dentro do carro no estacionamento e que, depois de tomar aquele remédio, a boca dela nunca mais iria tocar na minha. Falei para ela nunca mais chegar perto de mim, não esperei a resposta e bloqueei-a.
Achei que tinha acabado ali, mas foi ali que meu inferno começou. Tamires começou a me perseguir, queria voltar, mas eu não aceitava. Ela arrumava números novos, me ligava, me mandava um monte de mensagens, me enchia o saco no colégio. Quando viu que as desculpas não funcionavam, começou a me ameaçar. Eu já não estava aguentando mais; ela fez da minha vida um inferno. Pensei em falar com meu pai, mas como o ano estava terminando, achei que, depois das férias, ela superaria o que houve e me deixaria em paz. Nessa época, eu trabalhava em uma loja e ela foi na porta da loja fazer escândalo. Eu só não perdi meu emprego porque minha patroa gostava muito de mim.
Enquanto eu passava por essa confusão com minha ex, o casamento dos meus pais estava acabando por causa das crises de ciúmes da minha mãe. Meu pai sempre foi um bom marido, sempre trabalhou, era um ótimo pai e estava há um bom tempo sofrendo pelas brigas que minha mãe arrumava do nada. Ela simplesmente cismava que meu pai a traía, mas ele nunca deu motivos para isso. Ela nunca achou nada que provasse suas desconfianças. Meu pai sempre jurava que nunca tinha traído, que não tinha ninguém. Eu, sinceramente, sempre acreditei nele. A gente conversava muito e ele sempre me deixou claro que amava muito a minha mãe, mas estava complicado manter o casamento porque ele não tinha mais paz dentro de casa.
Meu pai nunca foi de discutir. Minha mãe gritava com ele e ele sempre tentava manter a calma. Às vezes, ele simplesmente saía e deixava minha mãe brigando sozinha. Ela chegou a avançar nele uma vez, quando ele chegou tarde em casa por causa do trabalho, mas ele não reagiu, só segurou-a até ela se acalmar um pouco. Nesse dia, ela quebrou um monte de coisas dentro de casa.
Em uma noite, depois de mais uma briga, meu pai veio ao meu quarto, sentou na minha cama e falou que não aguentava mais, que iria sair de casa. Me disse que não iria me abandonar e que não deixaria faltar nada para mim. Eu não queria que ele saísse de casa, mas, sinceramente, no lugar dele, já teria saído há muito tempo.
No outro dia, meu pai já tinha saído. Só levou a roupa do corpo e o carro que usava. Minha mãe, quando percebeu, ficou louca, disse que ele tinha fugido com a amante. Eu, sinceramente, comecei a rir dela. Meu pai foi morar na casa dos meus avós, mas disse que assim que possível compraria uma casa perto da gente para não ficar longe de mim.
Meu pai já pediu a separação. Minha mãe não queria aceitar, mas eu acabei convencendo-a de que era o melhor a fazer, já que o casamento deles virou um inferno. No fim, ela assinou os papéis e meu pai deixou a casa e o carro para nós. Era só minha mãe passar para o nome dela, coisa que nunca fez.
Bom, chegaram as férias e passei bastante tempo com meu pai. Minha mãe arrumou um namorado uns 20 anos mais novo que ela e não fui com a cara dele. O cara ficava me encarando e começou com umas conversas erradas para o meu lado. Já cortei ele. Minha ex continuava me ligando e mandando mensagens; as ameaças dela só aumentaram, até falar em me matar.
No início de janeiro daquele ano, um professor me ligou e disse que tinha 4 vagas para um intercâmbio na Espanha e se eu tinha interesse. Falei com meu pai e ele disse que seria bom para mim e que me ajudaria se eu precisasse.
Então, aceitei ir para terminar meu colegial fora do Brasil. No dia da minha viagem, resolvi comprar outro chip, estava cansada da minha ex me enchendo. Ganhei um celular novo do meu pai no Natal, peguei meu chip e coloquei no celular antigo, deixando-o em casa. No caminho para o aeroporto, parei em uma loja e comprei outro chip, coloquei no celular novo, registrei tudo direitinho e, como não sabia o número do meu pai de cor, anotei meu novo número em um papel e salvei no celular da minha mãe. Fiz ela jurar que daria o papel com meu número para meu pai; ela jurou que faria isso. Minha mãe tinha seus defeitos, mas até então sempre foi uma ótima mãe comigo.
Bom, mas meu pai nunca me ligou. Minha mãe jurava que tinha passado meu número para ele. Além de não me ligar, ele não mandou dinheiro. Quando fui perguntar à minha mãe, ela me contou aquela história que te falei, que ele não pagava minha pensão desde que eu fui embora, que tinha arrumado uma novinha e estava gastando todo seu dinheiro com ela.
No começo, fiquei meio na dúvida, mas depois de meses sem ele me ligar, sem dar notícias, comecei a acreditar na minha mãe e fiquei com certa raiva do meu pai. Eu morava com mais três brasileiros, uma garota e dois rapazes. Minha sorte é que tinha tudo que precisava, me alimentava no colégio e uma das garotas me ajudou muito; ela sempre comprava as coisas para mim quando eu precisava. Se não fosse por ela, teria que ter voltado para o Brasil.
Infelizmente, quando faltavam dois dias para eu voltar ao Brasil, recebi a pior notícia que poderia receber: meu pai estava morto. Adiantei minha viagem e o pessoal do colégio me ajudou muito. Voltei para o Brasil e, depois do enterro, fiquei muito mal. Perdi meu pai e ainda por cima ele se foi com eu com raiva dele, não pude tentar tirar a história a limpo.
Naquele dia em que vim aqui com minha mãe, ela ficou me enchendo para eu vir tirar você daqui, porque senão você iria roubar as coisas de valor ou até tentar ficar com a casa, porque você era só uma aproveitadora e mais um monte de coisas. Eu não queria vir, mas acabei concordando com ela e vim. Quando você abriu a porta, eu te reconheci do velório. Eu vi você chorando lá, vi de longe quando foi até o caixão se despedir do meu pai. Então achei estranho, porque se você só queria se aproveitar do meu pai, por que foi ao velório chorar?
Outra coisa: você é muito bonita. Se você fosse o tipo de pessoa que minha mãe falou, teria arrumado alguém muito mais rico, se quisesse. Meu pai tinha um bom salário, mas estava longe de ser rico. Quando você foi fazer o almoço aquele dia, entrei no seu quarto, vi a cama de solteiro, vi seus cadernos e um papel com suas notas. Fui até o quarto do meu pai e abri a porta; só tinha uma cama de solteiro também. Se vocês estivessem juntos, como minha mãe falou, claro que dormiriam juntos no mesmo quarto.
Quando vi seu saco de roupa, tive a certeza absoluta de que tinha algo muito errado na história. Por isso, comecei a fazer aquele monte de perguntas e depois pedi para ver o que você estava levando. Bom, é isso. Acho que deu para você entender tudo.
{...}
Patrícia— Deu sim, e sinto muito que tenha passado por isso tudo.
Keyla— Está tudo bem. Vou superar isso logo e vou ficar bem.
Patrícia— Torço muito para que isso aconteça logo e você fique bem!
Keyla— Obrigada, você é um amor.
Patrícia— Por nada! Mas agora eu tenho que ir; vou aproveitar e sair mais cedo.
Keyla— Mas já?
Patrícia— Quanto mais cedo eu sair, melhor para mim.
Keyla— Pega suas coisas, então que eu vou te levar.
Patrícia— Não precisa, de verdade. Eu prefiro que você não me leve.
Keyla— Nossa, tudo bem então, mas você poderia pelo menos deixar seu número para a gente trocar mensagens?
Patrícia— Eu não tenho número, muito menos celular, desculpe.
Keyla— Então me passa seu endereço, que aí eu vou te visitar qualquer hora.
Patrícia— Eu não posso, me desculpe mesmo.
Keyla— Como assim não pode? Poxa, eu achei que a gente estava se tornando amigas. Você me pareceu se importar comigo, mas estou vendo que me enganei.
Patrícia— Não é isso, é que...
Naquela hora, deu um nó na minha garganta. Eu não queria mentir, mas era complicado falar a verdade.
Continua…
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper