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Keyla;
Fazia tempo que eu não dormia e acordava me sentindo tão feliz. Abrir os olhos e ver Patrícia ali do meu lado era algo que eu queria para a vida toda. Nem tinha uma semana que eu a conhecia, mas eu a amava com certeza. Não era só aquela paixão que faz você desejar a pessoa o tempo todo, aquela coisa que faz seu sangue ferver. Claro que eu sentia isso, mas sabe aquela vontade de cuidar, de dar carinho? Aquela sensação de felicidade que a gente tem só de ver o sorriso da pessoa? Eu nunca tinha sentido isso antes. Era novo para mim, e eu estava amando aqueles sentimentos que cresciam dentro de mim a cada dia.
Me soltei do abraço dela e me levantei. Fui até o banheiro, fiz minha higiene e fui preparar um café. Patrícia ainda dormia feito um anjo. Resolvi ir até a padaria comprar algo para a gente comer. No caminho, olhei meu celular e vi uma mensagem da minha mãe avisando que na sexta-feira iria se mudar e deixaria minhas coisas arrumadas para eu buscar, caso eu não fosse lá antes.
Tinha um áudio da minha patroa dizendo que havia uma vaga para mim, mas precisava conversar comigo antes. Ela disse que ia tentar arrumar algo para minha namorada e queria conhecê-la. Fiquei muito animada; pelo menos eu iria trabalhar, e se ela conseguisse algo para Patrícia, seria melhor ainda.
Entrei na padaria e fui atendida por Cláudio, que no início estava meio sem jeito comigo, mas puxei assunto e, no fim, ele se soltou. Pediu desculpas pelo outro dia, e eu disse que não tinha problema algum. Ele comentou que quase todo domingo ele e uns amigos faziam um churrasco na casa dele para curtir a piscina e conversar, e que era para eu e Patrícia aparecermos qualquer hora. Agradeci o convite e disse que ia falar com ela; se desse, no próximo domingo a gente iria. Me despedi dele e fui para o caixa.
Aline me atendeu com um sorriso no rosto. Conversamos um pouco, e ela perguntou sobre a Patrícia. Eu disse que ela tinha ficado dormindo. Aline disse que gostava muito dela, falou que Patrícia tinha dado ótimos conselhos a ela, que era uma garota muito gente boa, e que era para eu cuidar dela direitinho porque ela valia a pena. Eu disse que esse era meu plano e que ela podia ficar tranquila, porque eu realmente gostava muito da Patrícia e nunca faria nada para magoá-la. Ela sorriu e disse que torcia muito por nós e que nunca viu um casal tão bonito como a gente.
Paguei minhas compras e me despedi de Aline. Ela e o irmão pareciam ser mesmo pessoas legais, como Patrícia tinha falado. Era bom ter pessoas assim perto da gente, ainda mais que morávamos sozinhas e não tínhamos amizade com os vizinhos.
Quando cheguei em casa, Patrícia já me esperava na cozinha. Tomamos café, e eu contei para ela sobre as mensagens que recebi e a conversa que tive com os dois irmãos. Patrícia disse que já tinha ido à casa deles em um desses churrascos e que era bem legal. Se eu quisesse ir, ela topava. Eu disse que até o final de semana a gente resolvia isso, mas que antes precisávamos resolver o lance do trabalho e dos estudos.
Quando terminamos o café, chamei-a para irmos à loja, e ela topou na hora. Falei para ela levar seus documentos e a carteira de trabalho, porque, vai que desse certo, a gente já deixava tudo resolvido. Pedi para ela pegar o papel com suas notas e a carteirinha do colégio onde estudava, porque aproveitaríamos e iríamos almoçar no meu tio, se ele pudesse nos atender naquela manhã mesmo.
Tirei o carro da garagem e saímos em direção à loja. Eu não gostava de ir ao centro porque não tinha carteira; se eu fosse parada em alguma blitz, com certeza levariam o carro. Fui com o maior cuidado, e chegamos com certa tranquilidade na loja. Patrícia disse que já tinha ido naquela loja com sua mãe quando era pequena e que sua mãe fazia compras ali antigamente e provavelmente ainda fazia. Perguntei se isso era um problema para ela, e ela disse que não; se arrumasse o trabalho e sua mãe a visse ali, provavelmente fingiria que não a conhecia, e ela faria o mesmo.
Cristina nos recebeu muito bem, ganhei um abraço dela e apresentei Patrícia. Seguimos para seu escritório, e ela disse que tinha uma vaga para mim, mas como chefe de uma das seções. A ex-chefe tinha saído, e ela ainda não tinha encontrado alguém de confiança para ocupar o lugar. Como me conhecia bem, eu poderia assumir a vaga se quisesse. O salário era maior do que eu ganhava, mas eu teria mais responsabilidade e dores de cabeça com clientes e funcionários. Eu nem pensei duas vezes e aceitei. Trabalhei ali por três anos, conhecia bem como tudo funcionava. Cristina era amiga de infância da minha mãe, mais que uma patroa, uma amiga, na verdade, uma conselheira.
Cristina ficou feliz com minha decisão. Ela ficou muito chateada quando eu saí da loja, mas disse que me entendia. Ela sabia tudo da minha vida, sempre conversamos muito. Ela até deu uns conselhos para minha mãe na época, mas não resolveu muito. Ela dizia que um dia eu ainda ia ser sua gerente na loja. Eu gostava muito dela e, principalmente, da confiança que ela tinha em mim.
Mas nem tudo saiu como eu esperava. Ela disse que não tinha vaga para vendedora porque tinha contratado algumas para trabalhar temporariamente no final do ano, mas que assim que tivesse a vaga, seria da Patrícia. Vi Patrícia ficar tristonha naquele momento, mas em vez de ficar calada, ela agradeceu, dizendo que precisava muito trabalhar e que, se no futuro tivesse uma vaga, ia se esforçar muito. Disse também que não precisava ser vendedora, qualquer coisa serviria, até de faxineira.
Cristina ficou olhando para ela e pediu para a gente esperar um pouco. Saiu da sala e logo voltou, dizendo que tinha uma vaga no estoque, mas que o salário era menor e Patrícia teria que trabalhar junto com alguns rapazes. Patrícia disse que não tinha problema, que aceitava a vaga sim.
Cristina explicou como era o trabalho, o salário e os horários. Patrícia gostou do que ouviu, e a gente combinou tudo. Deixamos nossas carteiras para serem assinadas. Quando estávamos saindo, Cristina ficou olhando para Patrícia e disse que tinha quase certeza de que a conhecia de algum lugar. Patrícia contou que ia muito ali com a mãe antigamente e, provavelmente, era dali da loja mesmo que Cristina a conhecia. Cristina perguntou quem era a mãe dela, e Patrícia me olhou como se perguntasse se podia falar. Eu apenas acenei com a cabeça. Patrícia disse o nome da mãe, e Cristina arregalou os olhos, falando que sabia bem quem era e que conhecia o pai dela também, que já tinham tido alguns jantares em eventos juntos. Perguntou a Patrícia se os pais dela sabiam que ela estava ali procurando trabalho. Patrícia disse que não, que já não morava com a família há alguns anos.
Cristina ficou pensando e disse que, pelo que conhecia da mãe e do pai, e sabendo que a gente namorava, já imaginava o que tinha acontecido. Patrícia sorriu e disse que era isso mesmo que ela estava pensando: os pais descobriram que ela era lésbica e a jogaram na rua só com a roupa do corpo. Mas que agora estava bem, isso era passado e ela estava muito feliz com a vida que tinha no momento.
Cristina disse que sentia muito por ela e que era uma pena que pais ainda fizessem isso com os filhos. Ela tinha três filhos e jamais faria isso se descobrisse que algum deles era gay. Patrícia disse que, infelizmente, os pais dela não pensavam assim, mas que no fim deu tudo certo e que raramente lembrava da existência deles. Que no início doeu muito, mas que já tinha superado isso.
Nos despedimos de Cristina e saímos da loja depois de eu falar com algumas das meninas que eu conhecia e ainda estavam trabalhando ali. Assim que saí, liguei para meu tio e perguntei se ele podia nos receber. Ele disse que sim, que ia nos aguardar. Eu já disse para ele colocar mais dois pratos na mesa, que eu estava com saudades da comida da minha tia. Ele riu e falou que ia avisar a ela.
Saímos dali e logo chegamos no condomínio onde meu tio morava. Chegamos à sua casa e fomos levadas para dentro por uma das empregadas que já me conhecia. Fui recebida pelo meu tio, minha tia, minha prima Suzana e seu filho Alan, de cinco anos. Apresentei Patrícia a eles e ficamos conversando um pouco na sala. Depois de um tempo, meu tio me chamou no escritório, e Suzana foi mostrar a casa para Patrícia. Meu tio fez um monte de perguntas sobre Patrícia. Quando contei a história para ele, sem esconder nada, ele ficou com a boca aberta. Disse que conhecia o pai dela por nome e fotos, mas que nunca tinha falado com ele pessoalmente. A família dela era uma das mais ricas e influentes da cidade, e ele jamais imaginou que eles tivessem feito o que fizeram com a própria filha. Depois, me pediu as notas dela e as minhas, fez algumas ligações e disse que só recebeu elogios do diretor do colégio de Patrícia quando perguntou sobre ela. Ele pediu para eu passar o número da nossa identidade. Passei a minha e fui buscar a da Patrícia, que estava no maior papo no jardim com Suzana. Voltei e passei o número para meu tio. Ele me disse que tinha certeza de que conseguiria uma bolsa integral para Patrícia devido ao histórico escolar dela e que ia tentar conseguir uma parcial para mim, mas não era certeza. Minhas notas eram muito boas e talvez desse certo. Eu o agradeci e disse que, se ele conseguisse a da Patrícia, já seria ótimo.
Voltamos para a sala e logo minha tia veio nos chamar para almoçar. Eu amava a comida que ela fazia, e ela ainda por cima fez minha torta de frango preferida. Durante o almoço, o clima estava muito bom. Meus tios sempre foram muito gente boa comigo. Só tive um pequeno problema com Patrícia, que ficou puxando minha orelha porque eu não estava usando os talheres direito. Suzana riu muito da minha cara; eu sempre tive dificuldade com essas coisas, vamos dizer assim, meio frescas. 🤭
Saímos da casa do meu tio e já era duas da tarde. Patrícia estava muito feliz por ter conseguido o trabalho e, provavelmente, sua bolsa de estudos. Passamos em um caixa eletrônico e tiramos mais 500 reais da conta do meu pai. Passamos em uma loja e compramos um chip para o celular dela, depois seguimos para nossa casa.
Eu me joguei no sofá assim que entrei. Patrícia sentou na beirada e disse que tinha gostado muito da família do meu tio. Aí eu contei para ela que Suzana foi a primeira pessoa que eu contei que era lésbica. Ela era mais velha, já namorava uma garota há um bom tempo e era assumida. Ela me ajudou muito; além de dar conselhos, pediu para meu tio conversar com meu pai, tipo preparar o terreno para eu me assumir. No fim, deu tudo certo; meu pai me aceitou numa boa. Minha mãe deu uns chiliques no início, mas depois parou e me aceitou também.
Acho que o fato de Suzana ser assumida, ser uma garota que sempre foi uma ótima filha, ajudou muito, já que meu pai sabia disso. Eu acho que, de todo jeito, ele me aceitaria, mas ter alguém como Suzana como exemplo foi de grande ajuda.
Patrícia me perguntou se a Suzana era casada e se o Alan era filho legítimo dela. Eu expliquei que ela era casada sim, com a mesma namorada da época em que contei sobre mim para ela. O Alan é adotado, mas elas querem ter um filho delas no futuro. Mas como as duas são muito ocupadas nas suas profissões, acho que ainda vai demorar.
Patrícia perguntou o que elas faziam, e eu disse que Suzana era advogada e trabalhava em um ótimo escritório na cidade, e sua esposa era médica e trabalhava em um dos melhores hospitais da cidade.
Patrícia ficou me olhando, fez carinho no meu rosto e disse que queria que nosso futuro fosse assim: nós duas com ótimos empregos, casadas e construindo nossa família. Eu fiquei boba de ouvir aquilo, tipo, ela já fazia planos para nosso futuro, e era exatamente os planos que eu tinha desde a adolescência. Só faltava a pessoa certa, e agora eu a tinha. Olhei nos olhos dela, dei um beijo em sua boca e fui até seu ouvido e falei:
Keyla— Eu amo você ❤
Patrícia— Eu também amo você, meu amor ❤
Continua…
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper