---
Patrícia:
O trabalho foi meio complicado para mim no início, mas depois me acostumei e passei até a gostar. A maioria do pessoal era gente boa; uns, pelo jeito, não foram muito com a minha cara, mas me tratavam com respeito, e isso estava ótimo. Eu não fiz nenhuma amizade, como sempre, ficava mais no meu canto, conversava às vezes com um ou outro, mas era pouca coisa.
A gente passou a almoçar todo dia no restaurante perto da loja. Lá, percebi o quanto Keyla era diferente de mim nesse sentido. Ela era bem popular, ria e brincava com todo mundo; as pessoas pareciam gostar muito dela.
Mas nem tudo deu certo para nós. O tio dela conseguiu uma bolsa integral para mim, mas não conseguiu a pericial para ela. No entanto, ela nem ficou triste; pelo contrário, agradeceu muito ao tio dela e ficou muito feliz por mim. Isso era nítido. Suzana arrumou todos os papéis e agora tudo está no nome dela. De quebra, Suzana explicou como fazer um contrato de aluguel bem feito e falou que, quando aparecesse alguém para alugar a casa, era só ir ao escritório dela que ela ou algum outro advogado resolveria tudo para a gente.
Keyla vendeu o carro e guardou o dinheiro no banco. Outra notícia boa foi que a mãe dela começou a trabalhar. Veio aqui em um final de semana e foi muito simpática comigo. Acho que as duas vão se acertar de vez e, no futuro, talvez ela até volte a morar aqui. Eu realmente gostaria disso; Keyla com certeza sente falta da mãe.
Aline está namorando. Ela e Luciana estão juntas e parece que o negócio está sério mesmo. Elas vieram aqui em um domingo, almoçaram com a gente, mas não usaram nossa casa para encontro. Aline resolveu falar com seus pais depois que Cláudio a aconselhou a abrir o jogo logo. Disse que os apoiaria e deu tudo certo; seus pais aceitaram. Luciana já era assumida, então agora vive uma dormindo na casa da outra.
Nosso salário deu para cobrir nossas despesas e ainda sobrou uma boa quantia. Eu falei para a gente guardar, mas Keyla resolveu comprar tudo em roupa para mim. Disse que eu precisava ter minhas coisas, que não importava eu usar as dela, mas era legal eu ter as minhas também. Até tentei reclamar, mas foi em vão.
A gente foi à universidade e ela pagou seis mensalidades adiantadas com o dinheiro do carro, e sobrou bastante dinheiro ainda. Ela disse que, no meio do ano, vai tentar tirar sua CNH de moto para não ficar tão dependente de mim quando precisar ir a algum lugar mais longe. Pediu para eu ir ensinando-a a pilotar aos poucos.
Bom, os dias se passaram, as aulas começaram e a gente ficou na mesma turma. Ela disse que, se não ficasse, iria reclamar com o tio dela, mas deu tudo certo. Keyla conhecia alguns dos alunos da sala e logo me apresentou, mas a gente ficava mais só nós duas juntas mesmo. Aline, Cláudio e Luciana estudavam na mesma universidade, porém em outros cursos, mas às vezes nos encontrávamos no intervalo.
Nossos horários eram bem corridos, mas a gente dava um jeito. Já estava quase no meio do ano, minhas notas eram ótimas, não perfeitas como antes, mas eram as melhores da sala. Eu ajudei bastante Keyla com algumas questões que ela tinha mais dificuldade, e ela estava indo muito bem também.
O sexo deu uma diminuída, mas a gente fazia amor pelo menos três vezes durante a semana, e na noite de sábado para domingo a gente se acabava na cama. Eu estava a cada dia amando-a mais e sentia o mesmo vindo dela.
Tudo estava indo bem até que, em uma noite de quinta-feira, quando a gente saiu da universidade, Keyla, do nada, saiu me puxando rápido. Eu não entendi o que tinha acontecido; ela estava branca como se tivesse visto um fantasma. Assim que chegamos na moto, eu perguntei o que tinha acontecido, e ela disse que em casa me explicava e pediu para sair logo dali.
Assim que chegamos em casa, ela disse que viu sua ex na universidade e, pelo jeito, ela estudava lá também. Eu tentei acalmá-la, dizendo para ela não se preocupar porque eu não iria deixar a ex dela fazer nada contra ela.
Keyla— Amor, meu medo não é dela fazer algo comigo, mas sim com você.
Patrícia— Amor, eu sei me defender. Ela não é doida de tentar fazer algo comigo.
Keyla— Você ainda não me entendeu. Vou te explicar: você é bolsista. Se você arrumar algum problema lá, eles vão tirar sua bolsa. Esse é meu medo. Eu sei que você sabe se defender, eu não tenho medo dela também, mas tenho medo de você perder sua bolsa.
Patrícia— Eu não tinha pensado nisso!
Keyla— Promete para mim que você não vai brigar com ela na faculdade?
Patrícia— Amor, mas se ela for para cima de você, não vou conseguir ficar quieta.
Keyla— Ela não vai fazer isso. Ela não tem coragem de vir para cima de mim, porque sabe que, se vier, ela apanha. Mas ela gosta de fazer escândalo, de provocar, entendeu? Se ela me ver, com certeza vai me xingar e provavelmente armar um barraco. Só estou te pedindo para não perder a cabeça e partir para cima dela.
Patrícia— Isso eu te prometo. Se ela não pôr a mão em você, eu consigo aguentar. Até em mim eu consigo, mas se ela pôr a mão em você, aí eu perco a bolsa, mas quieta eu não fico.
Keyla— Amor, se ela vier para cima de mim, ela será expulsa. Por favor, não faça nenhuma besteira. É para o seu bem, ok?
Patrícia— Está bem, amor. Eu te prometo que dentro da universidade eu não vou fazer nada para ser expulsa.
Bom, depois daquela conversa meio tensa, a gente foi tomar banho e foi dormir. Eu nem conhecia a ex dela, mas ela já tinha tirado meu sono; não consegui dormir direito naquela noite.
No outro dia, trabalhamos normalmente e seguimos para a faculdade. Tivemos duas aulas a menos e, na saída, Keyla me abraçou por trás e me segurou perto da saída. Aí me falou para olhar uma turma que estava encostada no muro do outro lado da rua, perto de um carro vermelho. Eu fui olhando até encontrar. Ela me disse que a morena de cabelo curto e blusa azul era sua ex. Eu não conseguia ver com clareza porque estava um pouco longe, mas deu para ver quem era. A ex dela era bem magrinha e tinha duas garotas ao redor dela. Vi que algumas pessoas chegavam perto delas e saíam; eu conhecia bem aquele movimento.
Pedi para Keyla me esperar onde estava. Ela perguntou o que eu ia fazer e eu disse que só ia ver algo mais de perto. Ela foi reclamar, mas não dei ideia e saí. Fui para o canto do portão; agora eu tinha uma visão melhor. A ex dela era até bonita de rosto, mas realmente era bem magra. Fiquei mais um minuto ali e vi o que eu queria. Voltei até onde Keyla estava.
Keyla— Amor, quer me matar do coração? Achei que você ia lá brigar com ela.
Patrícia— Jamais faria isso. Odeio brigas, discussões ou coisa do tipo. Só fui verificar uma coisa.
Keyla— Verificar o quê, amor?
Patrícia— Sua ex está vendendo drogas na porta da universidade. Com certeza está trabalhando para algum traficante da área.
Keyla— Tem certeza, amor?
Patrícia— Tenho sim. Eu desconfiei do movimento porque eu já fiz isso, lembra? Aí só fui mais perto para ter certeza.
Ela ficou com um olhar preocupado. Eu a abracei e a gente saiu dali. Fomos para casa, mas eu estava preocupada com uma coisa: se a ex dela estava traficando, com certeza ela tinha proteção de algum patrão. Isso, com certeza, vai ser um problema caso ela veja Keyla e queira arrumar problema com ela ou comigo.
Não falei nada com ela para não a preocupar mais do que já estava. Chegamos em casa e fomos tomar um banho. Era mais cedo e ficamos na sala conversando e brincando com a Becky, esse foi o nome que Keyla deu para a gata. É um apelido de uma atriz tailandesa que ela adora. Até gostei do nome e a atriz é legal também. 🤭
Patrícia— Eu não sabia que você gostava das magrinhas.
Keyla— Está falando de quê, amor?
Patrícia— Da sua ex. Ela é bem magrinha!
Keyla— Nada contra as magrinhas, mas nunca me chamou a atenção mulher muito magra. A Tamires não era daquele jeito; ela tinha um corpão. Ela tem quase a minha altura, mas tinha mais corpo do que eu. Ela mudou muito nesse tempo que fiquei sem vê-la.
Patrícia— Entendi. Provavelmente ela se entregou às drogas de vez.
Keyla— Sabe que eu me sentia um pouco culpada no início por ter abandonado ela, mas hoje não mais. Ela podia ter me pedido ajuda, podia ter falado a verdade, mas preferiu mentir e me trair e, depois, ainda infernizou minha vida.
Patrícia— Essas coisas são complicadas. Eu vivi um ano no meio disso e nunca quis experimentar. Primeiro, porque eu nunca quis me envolver com isso. Segundo, porque minha ex sempre deixou claro que, se visse eu usando, nunca mais eu chegaria perto dela.
Keyla— Sua ex vendia e não usava?
Patrícia— Não. Ela era filha de mãe solteira, perdeu sua mãe para as drogas quando era pré-adolescente. Ela e o irmão ficaram sozinhos, sem família, dinheiro e no meio da favela. Ela dizia que ia usar o que tirou tudo dela para conseguir sair dali e ter uma vida digna. Infelizmente, ela não conseguiu sair viva.
Quando eu falei aquilo, me deu um nó na garganta. Falar da Jéssica era complicado para mim. Ela praticamente salvou minha vida, me deu casa, comida, um trabalho, por pior que fosse, mas era e também me deu muito amor. Foi minha primeira mulher e única até eu conhecer Keyla. Eu nunca falava muito dela para evitar o que aconteceu a seguir; eu estava chorando por lembrar dela.
Me levantei, pedi desculpas a Keyla e fui para o quarto. Achei que ela ia ficar chateada; afinal, eu estava chorando por causa da minha ex. Não porque eu a amava como amo Keyla, mas eu sinto falta dela, e a morte dela foi uma das piores coisas que me aconteceu.
Fiquei deitada com algumas lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Logo senti Keyla deitando junto comigo e me abraçando.
Keyla— Você sente falta dela, né?
Patrícia— Não vou mentir, eu sinto sim, mas é como eu sinto a falta do seu pai também. Os dois foram as pessoas mais importantes da minha vida até eu te conhecer. Lembrar deles me deixa mal. Por favor, não fique chateada comigo. Eu amo você e estou muito feliz de ter você comigo, mas eu sinto falta dela sim.
Keyla— Ei, não estou chateada. É normal você ficar triste. Você já me contou sua história e, no seu lugar, eu também sentiria. Está tudo bem, de verdade.
Patrícia— Obrigado por me entender e por estar aqui do meu lado. Você não tem noção do quanto isso é importante para mim, amor.
Keyla— Vou estar sempre do seu lado enquanto você permitir. E quando ficar triste ou sentir falta dela, não precisa sair ou se desculpar. Meus braços vão estar sempre abertos para te consolar, sempre!
Patrícia— Você não existe. Eu amo muito você!
Keyla— Existo sim e te amo muito também, neguinha!
Fiquei ali no abraço dela por um bom tempo. Depois, me recompus e fui puxando papo com ela. Logo estávamos rindo e conversando sobre outras coisas, mas meu coração estava apertado no peito. Lembrar de Jéssica ou de Marcos sempre deixava meu coração apertado.
Antes de dormir, eu fiquei pensando: quando eu estava com Jéssica, eu nunca a disse que a amava e ela também nunca me disse. Mas acho que eu a amei sim, talvez de uma forma diferente. Eu não sei quantas formas de amor existem, nem se tem um nível. Eu não entendo muito de amor, mas sei sentir. E o que sinto por Keyla é diferente. Com Jéssica, eu fazia planos também, mas era de sair da favela e comprar uma casa para nós. Nunca passou disso. Com Keyla, eu já sonhava em casar e ter filhos, até mesmo antes do nosso primeiro beijo. Quantas vezes eu planejei nosso futuro juntas na minha cabeça? Não sei se eu amava Jéssica, mas sei que o nível de amor que sinto por Keyla é muito diferente. É muito maior, é de um nível que sei que nunca mais vou sentir por ninguém!
Continua…
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper