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Keyla:
Eu estava muito preocupada com tudo que aconteceu. Patrícia se mostrava calma por fora, mas eu sabia que ela estava tão tensa quanto eu. Mal dormi de segunda para terça, tive uns sonhos ruins, acordei no meio da noite e não consegui dormir de novo. Trabalhei o dia todo com o pensamento distante; o clima não estava bom. Eu estava com muito medo de que algo muito ruim pudesse acontecer.
No fim da tarde, Patrícia já estava pronta para a gente ir para a faculdade. Eu tentei convencê-la a não irmos, mas ela lembrou que tínhamos duas provas e não podíamos perder, principalmente ela, que era bolsista e precisava se esforçar para se sair bem em todas as avaliações.
Acabei deixando para lá e fomos. Patrícia estacionou a moto no lugar de sempre. Perguntei se não era melhor trocar de lugar para evitar que Tamires e suas amigas nos encontrassem facilmente. Ela disse que não adiantava se esconder, que não devíamos nada a elas e, se quisessem nos achar, elas achariam.
Fomos para a aula, tivemos provas no segundo e no último horário. Sinceramente, acho que não me saí bem; não consegui me concentrar direito. Mas Patrícia, pelo jeito, quando estava estudando ou fazendo algo importante na sala, se desligava do mundo e focava apenas naquilo. Ela foi a primeira a terminar as duas provas, e o fez bem antes de todo mundo. Graças a Deus, pelo jeito, ela foi muito bem.
Não éramos de sair da sala nos intervalos e, depois que vimos Tamires pela primeira vez, não saímos de jeito nenhum, nem para lanchar. Preferimos ficar ali conversando entre nós ou com alguns dos meus conhecidos e amigos.
Quando terminei a última prova, saí. Como não fui bem, fui a última a terminar. Patrícia me esperava no corredor, ao lado da porta. Assim que saí, ela me abraçou e saímos de mãos dadas em direção ao portão principal. Havia poucos alunos; a maioria já tinha deixado a faculdade.
Quando nos aproximamos da saída, não vi Tamires e dei graças a Deus. Viramos em direção ao portão por onde saíamos, pegamos os capacetes que deixávamos na guarita do porteiro, nos despedimos dele e seguimos para o estacionamento. Quando avistamos a moto, meu coração gelou. As duas garotas da noite passada estavam lá, encostadas no muro perto da moto. Senti minhas pernas travarem, mas Patrícia disse para eu ficar calma, que estava tudo bem. Fomos nos aproximando; eu realmente queria voltar e fugir dali, mas Patrícia não deixou.
Assim que chegamos perto, a garota mulata veio até nós, levantou os braços e disse que veio em paz. Ela estava até com um sorriso no rosto; achei estranho, mas fiquei aliviada. Acho que minhas pernas pararam de tremer naquele momento.
Garota 1— Fala aí, branquela, a gente veio te buscar. Nosso patrão quer te ver.
Patrícia— Me ver para quê? Acho que não tenho nada para conversar com ele.
Garota 1— Ei, fica calma. Como disse, viemos em paz. Ele quer mesmo te ver e quer hoje, mas é para ter um papo tranquilo, sem treta. Te garanto isso.
Patrícia— O problema é que a gente tem que levantar cedo amanhã. Trabalhamos o dia todo e estudamos à noite. Não estou querendo fazer desfeita com você ou seu patrão, é que a gente realmente não tem tempo.
Garota 1— Eu entendi, mas infelizmente tenho que te levar. Por favor, vamos de boa. Sua namorada pode vir também. É um barzinho aqui perto; em 5 minutos a gente chega. Não me faz ter que obrigar você a ir, por favor.
Falei com Patrícia que era melhor a gente ir. Quando a garota falou em usar a força, vi a outra levando a mão nas costas e imaginei o que ela estava procurando. Patrícia disse que tudo bem, que a gente ia.
Garota 1— Legal, então acho melhor uma de vocês levar a moto, porque talvez demore um pouco.
Patrícia— Eu vou levar.
Garota 2— Se você confiar, eu levo para você e espero vocês no bar. Pode confiar, eu tenho moto e sei pilotar, não vou sumir com ela.
Patrícia— Tudo bem, pode ir nela e a gente se encontra lá.
Garota 2— Valeu pela confiança. A propósito, meu nome é Telma, e a grandona aí é a Luiza. Ah, foi mal por ontem. A gente acabou caindo na conversa da Tamires, mas as coisas já foram resolvidas. Espero que você não fique com raiva da gente por isso, beleza?
Patrícia— Está suave. Meu nome é Patrícia e minha namorada se chama Keyla.
Garota 2— A gente tá sabendo. Bom, bora lá então.
Patrícia entregou as chaves para a Telma. Eu não achei uma boa ideia, mas fiquei calada. Fomos seguindo a Luiza, e logo Telma passou por nós com a moto e sumiu. Luiza era boa de papo e perguntou onde a gente trabalhava, em qual bairro morava. Apesar das respostas curtas de Patrícia, ela foi puxando assunto durante o caminho. Logo chegamos no tal bar, que era afastado, com uma varanda enorme na frente e ao lado. Vi a moto parada de frente e já fiquei mais aliviada.
Tinha algumas pessoas ali, a maioria alunos da faculdade. Luiza pediu para a gente seguir ela. Fomos para um local meio que por trás do bar. Ali vi umas mesas vazias. No fundo, vi que em uma delas estava sentada uma galera. Telma estava em pé, conversando com eles. Quando ela nos viu, falou algo para um cara que estava de costas. Ele se levantou e se virou.
Nisso, Patrícia olhou, soltou minha mão, gritou e saiu correndo em direção à mesa. Eu fiquei ali parada, meio em choque, sem entender nada. O cara abriu um sorriso e os braços. Patrícia praticamente se jogou em cima dele, com as pernas cruzadas na cintura dele, e o abraçou por um bom tempo. Depois se soltou e ficou passando a mão no rosto dele, como se quisesse ter certeza de que ele estava realmente ali. Eu continuava no mesmo lugar, sem saber o que fazer e com um monte de perguntas na minha mente.
Patrícia abraçou de novo o cara. Aí, acho que ela lembrou da minha existência, se soltou dele e veio até mim, pedindo desculpas e me puxando até a mesa.
Patrícia— Amor, esse é meu amigo Davi. Já te falei muito dele! Davi, essa é minha namorada, Keyla.
No momento em que ouvi o nome do cara, entendi na hora o porquê da cena que vi antes. Estendi a mão e o cumprimentei. Ele abriu um sorriso e falou para a gente se sentar. Virou-se para Patrícia e começou a falar.
Davi— Estou muito feliz em te ver de novo. Quando as meninas me contaram ontem da treta e o que você falou, rezei para ser você, já que a história e as datas batiam. Quando perguntei à Tamires o seu nome, ela disse, aí tive certeza, mas não falei nada na hora. Só disse para a Tamires que era para deixar você e sua namorada em paz e mandei ela embora. Depois falei com as meninas, perguntei como você era fisicamente, e minhas certezas só aumentaram. Então contei para elas nossa história e pedi para elas te buscarem hoje e trazerem aqui, mas pedi para não contarem quem eu era. Queria fazer uma surpresa.
Patrícia— Eu não fazia ideia de que era você, nem passou pela minha cabeça. Nunca mais soube notícias de ninguém. Depois que acordei naquele hospital, só soube que você tinha me carregado até os policiais e pedido ajuda, que tinha ido até o hospital comigo, mas depois nunca mais apareceu.
Davi— Eu voltei lá no outro dia, mas estava cheio de polícia. Fiquei com medo de que eles tivessem algo contra mim, então resolvi sumir. Me desculpe.
Patrícia— Eu não tenho que te desculpar por nada, só te agradecer por salvar minha vida pela segunda vez. Vou te dever pelo resto da vida o que fez por mim.
Davi— Patricinha, você é minha parceira e tenho certeza de que faria o mesmo por mim. Está suave, você não me deve nada! Mas me fala aí, o que aconteceu com você durante esse tempo todo? Pelo visto, está bem, estudando, que sempre foi seu sonho. Me conta tudo.
Patrícia começou a contar tudo o que tinha passado, desde o hospital, quando conheceu meu pai, até o dia em que as meninas nos encontraram no estacionamento. Claro que ela resumiu bastante, mas contou todos os fatos relevantes.
Davi— Quem diria que a Patricinha do tráfico ia ser ajudada por um cana? Mas é como eu falo, tem pessoas boas e ruins em qualquer lugar, e esse cana aí, pelo jeito, era firmeza. E pelo que você falou, sua mina também. Fico muito feliz por você, Patricinha. Você merece. É uma garota boa e uma parceira que vou considerar sempre.
Patrícia— Obrigada, Davi. E ela é firmeza sim, me ajudou muito e ainda ajuda. Mas e você? O que aconteceu depois que me deixou no hospital?
Davi— Eu fugi para o outro lado da cidade depois que fiquei sabendo que o patrão morreu e o morro estava sob outro comando. Fui para a casa de um primo que morava em uma favela comandada pela mesma facção. Ele era gente boa e me devia um favor, me acolheu e me apresentou para o pessoal. Logo eu estava na correria de novo. Em pouco tempo, já tinha ganhado a confiança do patrão e acabei virando um dos seus braços direitos. Hoje comando essa área; as vendas na faculdade e nas boates dessa área são tudo comigo.
Patrícia— Bom, você está fazendo o que sempre quis fazer. Mesmo não concordando, fico feliz por você. Só toma cuidado.
Davi— Você me conhece, Patricinha. Eu sempre quis isso para mim e sempre tomo cuidado. Não se preocupe.
Patrícia— E você tem notícias do Rogério? Sabe se ele e a Tânia ainda estão juntos? Se estão bem?
Davi— Tenho notícias dele, sim. Ele está bem, se casou com a Tânia e eles têm um filhote de quase um ano. Ele largou essa vida, como você, e trabalha em uma oficina agora.
Patrícia— Que notícia boa! E ele está morando onde? Você tem o endereço ou o telefone dele?
Davi— Tenho sim e vou te passar. Ele mora aqui ainda, só que é longe o bairro onde ele mora. E, por falar nisso, ele tem uma coisa sua. Na última vez que conversamos, ele perguntou por você e pediu para eu avisar se te encontrasse.
Patrícia— Algo meu? Não faço ideia do que seja.
Davi— Se você não faz ideia, vou deixar para ele te fazer uma surpresa. kkk
Patrícia— Você sabe que odeio surpresas, palhaço!
Davi— Por isso mesmo! kkkk
Os dois ficaram de papo ali um bom tempo. Eu me senti um pouco excluída no início, mas logo Patrícia começou a me incluir na conversa. As meninas também sentaram e o papo rendeu. Davi e Patrícia contaram várias histórias do passado deles. Quando fui ver, já era quase duas da manhã.
Levantei e falei para Patrícia que ia até o banheiro rapidinho. Fui e mandei uma mensagem para a Cristina avisando que tinha acontecido um problema comigo e com a Patrícia e que não poderíamos ir trabalhar no outro dia. Pedi desculpas e disse que explicaria para ela na quinta, que estávamos bem e não precisava se preocupar.
Quando fui sair do banheiro, Luiza estava entrando. Aí chamei ela e perguntei o que tinha acontecido com Tamires. Ela disse que Tamires apareceu no início da aula, entregou sua mochila para ela e falou que ia à farmácia e já voltava, mas não voltou. Ela olhou na mochila depois e viu que estava o resto das drogas que ela vendia e o valor em dinheiro do que já tinha vendido. Provavelmente, ela viu que a casa dela ia cair e fugiu. Agradeci a ela pela informação e voltei para a mesa.
Saímos dali às 3 e pouca da manhã. Davi pediu para dois rapazes seguirem a gente de carro porque era perigoso irmos sozinhas. Agradecemos a ele e saímos. Chegamos em casa e Patrícia se deu conta de que horas eram e ficou toda preocupada. Pediu desculpas por não ter saído mais cedo. Eu disse a ela que não íamos trabalhar no outro dia e falei que já tinha avisado a Cristina. Ela me deu um abraço de agradecimento e um monte de beijos e foi tomar seu banho. Eu me sentei na cama, aliviada por aquele problema ter acabado e feliz por Patrícia ter encontrado seu amigo, em um dia que tinha tudo para dar errado e muito errado mesmo. No fim, deu tudo certo.
Continua…
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper