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Patrícia:
Acordei e já era mais de 9 horas naquela manhã de quarta-feira. Senti algo pesado e quente em cima das minhas costas. Virei um pouco o pescoço e vi Becky deitada sobre mim. Fui virando o corpo com cuidado e ela desceu, me olhou com uma expressão não muito boa, se enrolou colada na barriga de Keyla e ficou me observando. Levantei para ir ao banheiro e, assim que entrei, vi Becky entrando atrás de mim e se esfregando nas minhas pernas. Fiz um carinho na cabeça dela e fui fazer o que precisava. Ela ficou ali, me olhando sentada no tapete da entrada. Terminei minha higiene e saí, com ela atrás de mim. Vesti uma camiseta e um short e fui para a cozinha fazer café. Quando passamos pela copa, ela parou perto da sua vasilha de ração e começou a miar. Fui lá, coloquei um pouco para ela e voltei a fazer o café. Assim que terminei, voltei ao quarto e Keyla ainda estava dormindo. Peguei um pouco de dinheiro na carteira dela, escrevi um bilhete e deixei debaixo do celular antes de ir à padaria.
Comprei algumas coisas para a gente comer, conversei com Cláudio e Aline por um tempo e voltei para casa. Keyla estava sentada à mesa da cozinha. Dei um beijo nela e fomos tomar nosso café, conversando bastante sobre os acontecimentos da noite anterior. Ela estava bem mais tranquila, mas disse que estava preocupada com Tamires. Apesar de tudo, não queria que ela tivesse um final ruim. Eu, no fundo, entendia. As duas tiveram seus momentos bons, provavelmente. Keyla tinha um bom coração; era normal ela não querer que sua ex terminasse em uma prisão ou em um caixão.
Eu já estava curiosa para saber o que Rogério tinha que era meu. Fugi com ele do barraco e peguei tudo que era importante; o que ficou para trás foram minhas roupas. Duvido que ele tenha voltado lá para pegar algo. Eu não fazia ideia do que era, então resolvi que ligaria para ele na hora do almoço.
Ficamos na sala conversando e Cristina ligou para Keyla. Elas conversaram por um bom tempo. Keyla contou tudo o que aconteceu e, depois, me disse que Cristina a puxou a orelha por termos corrido risco até de morrer e não termos falado com ela, nem pedido ajuda. Cristina era mesmo uma mãezona para Keyla.
Fiz um almoço rápido para nós duas e Keyla deu uma arrumada rápida na casa. Almoçamos e eu liguei para Rogério. Chamou algumas vezes e, quando achei que ia cair na caixa postal, Tânia atendeu. Quando disse que era eu, ela começou a chamar Rogério, passou o celular para ele e conversamos por um bom tempo. Conte-lhe mais ou menos como estava minha vida e ele também. Ele tinha que ir trabalhar, mas fez eu prometer que iria visitá-lo no final de semana, e eu falei que sim.
Falei com ele sobre o que Davi tinha dito, que ele tinha algo meu. Ele me contou que era meu dinheiro, que depois me explicaria melhor, mas que estava seguro com ele. Ele disse que, se eu tivesse um PIX e precisasse, já poderia me mandar um pouco naquele momento. Eu disse que não precisava e que a gente falava sobre isso no final de semana. Nos despedimos e encerrei a ligação.
Keyla estava deitada no meu colo durante a ligação e logo perguntou:
Keyla— O que você não precisa no momento, amor?
Patrícia— Dinheiro. Era isso que Davi falou que ele tinha e que era meu. Eu nem lembrava mais disso.
Keyla— Nossa, ele ficou com seu dinheiro guardado sem nem saber onde você estava, sem saber que estava viva?
Patrícia— Parece sim. Não me surpreende. Pode parecer estranho, mas esse pessoal, tipo Davi ou Rogério, que era de facção e envolvidos no tráfico, são mais honestos e corretos com as coisas do que muitos que usam terno e gravata e querem dar uma de honestos e defensores dos bons costumes, como meu pai, por exemplo.
Keyla— Eu percebi isso. Parece que eles têm um código de conduta entre eles e, pelo jeito, quem não anda certo se dá mal, né?
Patrícia— É, mas, sinceramente, não esperava por esse dinheiro. Realmente tinha esquecido disso.
Keyla— E é muito dinheiro, amor?
Patrícia— Não, não é. Foi o que eu guardei durante o ano vendendo drogas, mas gastei um pouco porque ajudava nas despesas da casa e tive que comprar roupas, calçados e mais um monte de coisas para mim, já que não tinha nada.
Keyla— Entendi, mas mesmo que não seja muito, foi legal do seu ex-cunhado ter guardado para você. E, mesmo sem a gente estar precisando agora, talvez nos ajude no futuro.
Patrícia— Verdade. A gente poderia comprar um carro, e você tira a carteira de motorista em vez de moto. Em dias de chuva, vai ser bom ter um carro para a gente se locomover. Além disso, é mais confortável.
Keyla— Mas você não disse que era pouco dinheiro?!?
Patrícia— Mas é, amor. Mas dá para comprar um carro e sobra.
Keyla— Se dá para comprar um carro e sobra, não é pouco, amor!!!
Patrícia— Claro que é. Muito se fosse pelo menos um milhão.
Keyla— Às vezes esqueço que você nasceu em família rica. Para pobre, 10 mil é muito dinheiro. kkk
Patrícia— Eu sou pobre, esqueceu? Nasci em família rica, mas se não fosse você, eu provavelmente estaria morando na rua agora. Mas entendo o que você quis dizer. Bom, nesse caso, é bastante dinheiro então. 🤭
Keyla— Estamos falando de quanto, amor? Você lembra quanto tinha guardado?
Patrícia— Acho que da última vez que olhei, estava quase em quinhentos mil, mas depois disso fiz mais alguns depósitos. Eu fazia um de dois em dois dias para não ficar com muito dinheiro em espécie comigo.
Keyla— Como assim quase quinhentos mil? 😳 Como você juntou isso em um ano? 😳😳😳😳
Patrícia— Eu vendia muita droga, amor. Na verdade, eu e Jéssica éramos as que mais vendíamos. Eu conseguia entrar em qualquer boate e faculdade da cidade. Minha aparência e as roupas que eu usava ajudavam muito. Eu só vendia droga para gente rica. Todas as boas festas de filho de papai que tinha na nossa área, eu estava. Eu tinha 60% de lucro em tudo que vendia. Já cheguei a vender mais de 10 mil de drogas em uma noite. Teve uma rave que fui que vendemos mais de 100 mil reais em 4 dias. A gente só trabalhava com cocaína e doces, vendia muito em festa.
Keyla— Nossa, é muito dinheiro! Como você não lembrava mais desse dinheiro? 😳
Patrícia— Eu faturava uns 50 mil por mês, mais ou menos, mas comprei muita roupa cara, sapatos, celular. A gente comia e bebia bem, gastei mais ou menos uns 150 mil com essas coisas. A gente só andava de Uber para cima e para baixo, fora vídeo games, bijuterias e mais um monte de coisa. Bom, eu esqueci porque simplesmente evitei lembrar dessa época depois que Jéssica morreu. Esse dinheiro era para a gente comprar uma casa boa e mobiliar para sair da favela. Esse dinheiro estava na conta dela. Quando ela morreu, achei que tinha perdido, não fiquei pensando nisso mais e acabei esquecendo.
Keyla— Entendi, amor. Vamos mudar de assunto. Sei que você não gosta de ficar lembrando dela. Te deixa triste e você já está com os olhos cheios de lágrimas.
Patrícia— Desculpa, amor. 🥺
Keyla— Ei, já falei que te entendo e não precisa se desculpar. Só não gosto de ver você triste.
Resolvemos sair um pouco de casa. Cogitamos ir ao shopping, mas no fim decidimos ir à padaria tomar um sorvete e comprar uns potes para trazer para casa. Além disso, fazia algum tempo que não conversávamos direito com Aline, e assim seguimos para lá.
Aline até saiu do caixa e sentou-se à mesa com a gente. Naquele horário, o movimento estava fraco e uma das meninas que trabalhava ali ficou no lugar dela. Keyla estava só felicidade com um copo enorme de sorvete na mão, parecia uma criança. kkk
Conversamos bastante e Aline ligou para Luciana, que logo apareceu e se juntou a nós. Era nítido que as duas estavam muito apaixonadas; dava para ver nos sorrisos bobos que trocavam e no carinho uma com a outra. Eu estava muito feliz por minha amiga. Luciana me pareceu ser uma boa pessoa desde o início e, quanto mais eu conversava com ela, mais acreditava nisso.
Saímos da padaria e já era quase 17 horas. Chegamos em casa e foi só o tempo de nos arrumarmos, comermos algo e irmos para a faculdade. Tivemos mais duas provas. Dessa vez, Keyla terminou as suas quase junto comigo. Também saímos para lanchar na hora do intervalo. Não tínhamos mais motivos para nos esconder. Cláudio e Luciano apareceram na nossa mesa, sentaram-se com a gente e ficamos conversando. Em um momento, Keyla se levantou e foi falar com uma garota que viu, mas logo voltou.
Quando retornamos à sala, ela disse que a garota era uma das amigas que ela e Tamires tinham em comum no passado. A garota disse que Tamires tinha sumido, ninguém tinha notícias dela desde terça-feira. Realmente, Keyla estava preocupada com a ex. Acho que, no fundo, ela ainda se sentia um pouco culpada por ter largado Tamires e ido embora, mas sinceramente, ela não deveria se sentir assim. Depois do que Tamires fez, acho que qualquer outra pessoa faria o mesmo.
As aulas seguiram normalmente. Voltamos para casa e dormimos cedo. No trabalho, assim que chegamos, fomos falar com Cristina. Pedimos desculpas por ter faltado e prometemos que não ia mais se repetir. Ela disse que estava tudo bem, mas brincou que, se a gente continuasse escondendo as coisas dela, ia diminuir nosso salário.
Trabalhamos normalmente e, depois do almoço, fui levar umas calças para o quarto andar. Vi que Cristina estava conversando com um rapaz e uma moça, além de mais duas vendedoras da loja no terceiro andar. Nem dei muita atenção, levei a caixa com as calças. A chefe da seção me mostrou onde colocar e eu tirei uma por uma e coloquei na prateleira que ela indicou. Saí.
Quando estava descendo, vi Cristina e as pessoas que estavam com ela conversando com Keyla. Assim que olhei, Keyla me viu e eu mandei um beijo, sorrindo e fazendo careta para ela. Ela deu um tchau com a mão e vi que fez um pequeno esforço para não rir, logo voltou a atenção para Cristina. Eu fui descer e vi o rapaz apontar o dedo para minha direção, mas continuei meu caminho e nem olhei para trás.
Cheguei no estoque, coloquei a caixa vazia no local apropriado e fui voltar ao trabalho quando escutei Keyla me chamar. Olhei e ela fez sinal para eu ir até ela. Perguntei o que ela queria e ela disse para eu seguir. Assim que viramos para a parte de dentro da loja, Cristina estava lá com o rapaz e a moça que eu tinha visto com ela.
Keyla me levou até eles. O rapaz me olhou de cima a baixo e falou que eu era perfeita. A moça disse que ele tinha razão. Eu, sem entender nada, perguntei para Keyla o que estava acontecendo e ela disse que a gente iria ganhar um dinheiro extra e ficar famosas, rindo.
Cristina, percebendo minha confusão, disse que o rapaz tinha me escolhido para ser a garota-propaganda da loja. Perguntei o que isso significava. Ela explicou que ia investir um pouco mais no marketing da loja, fazer uma propaganda e eu seria a modelo. Eu falei que sentia muito, mas que não iria fazer isso de jeito nenhum. Falei que precisava voltar ao trabalho, pedi desculpas e saí.
Eu sempre fui para o meu canto, nunca gostei de chamar a atenção. Nem redes sociais eu tinha, justamente para não ter fotos minhas espalhadas por aí. Eu ainda morava na mesma cidade que meu pai e não queria que ele soubesse nada de mim. Imagina meu pai ver fotos minhas por aí; lógico que ele não ia gostar e certamente iria querer fazer algo contra mim. Preferia evitar arrumar problemas e também não queria chatear meu pai ou minha família, apesar de tudo. No fundo, tinha uma pequena esperança de que algum dia eles me procurassem.
Continua…
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper