---
Keyla:
Levantamos tarde no domingo; era quase 10 horas. Confesso que meu rosto estava todo inchado de tanto dormir. Tomamos um banho, colocamos ração para a Becky, tomamos um copo de leite com café, comemos algumas bolachas água e sal e nos arrumamos para sair. Patrícia parecia animada para rever seu ex-cunhado e sua família. Eu estava feliz por ela; ver aquele sorriso nos lábios dela era incrível.
Saímos e eu fui indicando o melhor caminho para Patrícia, porque conhecia melhor a rota por ser perto do bairro onde a mãe da Tamires morava. Não sei se ela ainda morava lá, mas perguntei a Patrícia se eu poderia passar na casa dela para ver se tinha notícias da filha, e Patrícia disse que não teria problema algum.
Demoramos mais de meia hora para chegar perto de onde eu imaginava que era o bairro onde o ex-cunhado dela morava. Paramos em um posto da polícia militar e pedimos informações. O policial disse que não estávamos longe, explicou como chegar ao local e seguimos suas dicas. Era um bairro bem tranquilo, pelo que vi, até parecido com o que a gente morava; provavelmente ali moravam pessoas da classe média baixa.
Paramos em uma lanchonete e pedimos informações sobre a rua. Um rapaz nos explicou que era na segunda esquina à direita. Fomos e realmente era a rua que procurávamos; não foi difícil achar a casa. Estacionamos a moto e tocamos a campainha. A casa era murada, com um muro alto e dois portões na frente: um maior para a garagem e um menor, que provavelmente era o mais usado. Logo apareceu uma mulher branca, com cabelos castanhos bem claros, e um cara bem angelical. Ela era baixinha, mas tinha um corpo bonito.
Quando ela viu Patrícia, já foi abraçando-a. Imaginei que ela era a Tânia, mulher do Rogério. Patrícia nos apresentou e ela me deu um abraço apertado, convidando-nos para entrar. Não sei por que, mas gostei do jeito dela; parecia ser daquelas pessoas calmas, que sempre estão com um sorriso no rosto.
Quando entramos, ela pediu para a gente sentar e disse que Rogério tinha saído para comprar refrigerantes e já estaria de volta. Sentamos e as duas começaram a conversar. Não demorou nem 10 minutos e escutei o barulho do portão da casa se abrir; um carro entrou na garagem e logo escutei o portão se fechar. Era Rogério, que chegou com algumas sacolas nas mãos.
Ele e Patrícia se abraçaram por um bom tempo e ela me apresentou a ele. Achei legal porque, sempre que me apresentava a alguém, me chamava de sua namorada, e era assim que eu fazia também. Sei que é coisa boba, mas parecia que falávamos aquilo com orgulho, e eu amava isso.
Rogério guardou as coisas e Tânia nos chamou para a cozinha. Ali, nos sentamos e almoçamos; por sinal, foi um almoço muito bom. Conversamos bastante e Patrícia começou a explicar como reencontrou Davi. Eu sabia que ela iria querer saber o que tinha acontecido com os dois naquele tempo e que eles também iriam querer escutar a história da Patrícia. Fatalmente, o nome da Jéssica sairia no meio, e tenho certeza de que minha presença ali deixaria Rogério e Tânia desconfortáveis. Patrícia, eu sei que não ficaria, até porque já tínhamos conversado sobre isso.
Quando terminamos de almoçar, perguntei a Tânia onde era o banheiro. Ela começou a explicar, mas eu a cortei e pedi se ela não poderia me levar lá. Ela disse que sim, se levantou e eu a segui.
Quando ela me mostrou, falei para ela voltar para a mesa e dizer para Patrícia que eu iria ficar na sala para eles colocarem o papo em dia. Tânia disse que não precisava, que eu podia ficar na mesa, pois eles sabiam que eu era a namorada da Patrícia agora e não iriam ficar tocando no namoro dela com Jéssica. Eu disse a ela que não me importava de falar sobre Jéssica, que sabia o quanto ela foi importante para Patrícia e que Patrícia falava muito dela; isso não era um problema entre nós, mas que eu queria deixar eles confortáveis para conversar, sem ficar medindo palavras por minha causa. Assim, eu ficaria de boa ali esperando. Ela então concordou, voltou para a cozinha e eu fui ao banheiro. Escovei meus dentes com os dedos mesmo e saí. Fui para a sala e fiquei mexendo no celular, atualizando meu Instagram. Logo Patrícia apareceu e queria que eu fosse para a cozinha. Mais uma vez, expliquei para ela o motivo de eu sair e ela acabou concordando.
Fiquei muito tempo colocando fotos novas no meu Instagram, vi um monte de vídeos e acabei deitando meu corpo, apoiando a cabeça no braço do sofá. Eu sabia que a conversa delas ia ser longa e fiquei ali pensando na vida.
Acordei com alguém me balançando. Abri os olhos e era Patrícia me chamando. Eu tinha dormido ali sem perceber. Ela deu um sorriso e disse para eu ir conhecer o filho do Rogério, que tinha acordado. Levantei e fui com ela; eles estavam em uma varanda do lado de fora da casa. O filho dele era muito lindinho; seu nome era Pedro Henrique, mas o chamavam de PH. Provavelmente tinha um ano de idade. Ficamos ali de papo por um bom tempo. Vi que os olhos dos três estavam vermelhos; provavelmente a conversa não foi fácil para nenhum deles.
Mas os ânimos naquele momento estavam melhores. Rogério e Tânia foram super gente boa comigo. Patrícia ficou com o pequeno PH nos braços quase todo o tempo, sentada do meu lado. Tânia me encheu de perguntas sobre minha vida e, no fim, acabei contando muita coisa da minha vida que geralmente não conto, mas me senti confortável para contar a eles. Já era quase 17 horas quando nos despedimos para ir embora, mas antes Rogério pediu para eu deixar os dados da minha conta para ele fazer a transferência do dinheiro da Patrícia.
Na saída, recebi um abraço de Rogério e um de Tânia. Acho que gostaram de mim e eu fiquei feliz por isso, porque eu tinha gostado deles e eles eram como uma família para Patrícia. Ter a aprovação deles era importante para mim. Saímos e fomos direto para casa. Resolvi não passar na casa da mãe da Tamires, porque já era um pouco tarde. Foi mais rápido voltar, já que Patrícia conhecia melhor o caminho e praticamente não havia trânsito na maioria das avenidas principais.
Chegamos em casa e Patrícia foi para o banho. Eu fui fazer o jantar. Ela não demorou muito e tomou meu lugar no fogão enquanto eu fui tomar meu banho. Jantamos e ela estava mais calada que o normal, mas seu rosto me parecia sereno; aquilo era um bom sinal.
Terminamos de jantar e lavamos a louça. Fomos para a sala, sentamos no sofá e Patrícia começou a falar.
Patrícia— Sei que você deve estar curiosa para saber a história dos dois, então vou te contar, ok?
Keyla— Amor, eu estou sim, mas não quero que entre em detalhes. Então, resume o máximo que der, até porque você já deve ter se emocionado muito hoje durante a conversa de vocês. Se quiser, pode ser outra hora.
Patrícia— Tudo bem, pode ser agora mesmo, e vou fazer o que você pediu. Se você quiser saber de algum detalhe sobre algo, me fala, ok?
Keyla— Tudo bem, amor, eu falo sim.
Patrícia— Bom, quando os dois se separaram durante a fuga do morro, conseguiram chegar até o mato. Rogério levou um tiro de raspão no braço direito.
Quando chegaram no mato, foram entrando até sentirem que estavam seguros. Rogério ligou para o celular da Jéssica, mas ela não entendia. Ligou para o meu e deu caixa postal. Ligou para o Davi e ele também não entendeu. Os dois ficaram no mato escondidos a noite toda e, quando era quase de manhã, Davi ligou e deu as piores notícias possíveis— Jéssica estava morta e eu estava em um hospital praticamente morta.
Rogério disse que ficaram ali até o dia clarear. Aí saíram pelo mato até conseguirem sair do outro lado. Chegaram em uma avenida que passava do outro lado do mato. Rogério roubou um carro que estava estacionado e fugiram para a casa de uma tia da Tânia, bem longe dali.
Rogério foi no outro dia ao IML, reconheceu o corpo da irmã e, quando liberaram o corpo, ele pagou pelo enterro. Depois de 20 dias, procurou um advogado e conseguiu pegar o dinheiro dela no banco. Como ele era o único irmão e não tinham outros parentes próximos, não foi difícil.
Durante esse tempo, ele e Davi não perderam contato, mas cada um resolveu seguir um rumo diferente na vida. Rogério tinha uma boa grana guardada; juntando mais o dinheiro da Jéssica, deu para ele comprar uma casa, mobiliar e comprar um carro. Depois de um tempo, Tânia engravidou, os dois se casaram, e Rogério conseguiu arrumar um bom emprego e estão tocando a vida.
Sobre o dinheiro, ele disse que sabia que eu era dona de boa parte do dinheiro da conta da irmã. Ele não sabia exatamente qual valor eu tinha, mas imaginou que a irmã teria a maior parte, porque começou a juntar dinheiro bem antes. Ele disse que não precisou nem da metade do dinheiro, então deixou o restante guardado.
Ele disse que ligou para o hospital onde eu estava e informaram que eu estava em coma, mas que tinha sobrevivido e logo ficaria bem. Ele disse que, na última vez que ligou, falaram que eu já tinha ido para casa, mas ele não fazia ideia de onde era essa tal casa que eu tinha ido. Imaginou que talvez minha família tivesse ido ao hospital e me levado para casa. Então, ele disse que só guardou o dinheiro e ficou torcendo para eu estar bem e, quem sabe, aparecer algum dia.
Bom, acho que é isso, amor. Deu para entender?
Keyla— Deu sim, e você foi perfeita no resumo. Acho que agora os capítulos que você ainda não sabia do seu passado estão completos. Pelo menos na minha cabeça, sua história está completa.
Patrícia— Sim, amor, agora eu sei o que aconteceu com cada um deles depois daquela noite.
Keyla— Só uma pergunta: quanto tinha na conta? Não é interesse, é curiosidade mesmo, te juro.
Patrícia— Eu sei, amor. Tinha quase um milhão e trezentos. Fiz umas contas rápidas e, meu, era 530 mil mais ou menos, mas falei para Rogério que quinhentos estavam mais que ótimos e que o resto era para ele comprar um presente para o PH.
Keyla— Nossa, coloca "ótimo" nisso! Para um dinheiro que você nem sabia que ainda existia, é lucro.
Patrícia— Rogério falou que sabia o quanto eu sofria fazendo aquilo, que nunca me viu dando um sorriso vendendo aquelas porcarias e dentro de casa me via sorrir sempre. Então, ele falou que, além de ser o certo a fazer, eu merecia muito ter aquele dinheiro de volta.
Keyla— Te conhecendo como eu conheço, eu tenho que concordar com ele, amor.
Ficamos ali conversando mais um tempo. Patrícia disse que iria mesmo comprar um carro para nós duas e, provavelmente, uma moto melhor. O resto a gente podia guardar para uma emergência, já que com o nosso salário mais o dinheiro do aluguel dava para a gente se manter e ainda sobrava um pouco.
Eu disse que era melhor ela abrir uma conta para colocar esse dinheiro no nome dela. Ela disse que não precisava, já que eu mexia com nosso dinheiro mesmo e, para ela, o que era dela era meu também, já que eu a fazia se sentir dona das minhas coisas. Eu ainda insisti um pouco, mas não deu muito certo. Aí falei que tudo bem, já que era nosso, o certo era a gente pôr em uma conta conjunta. Ela disse que não tinha motivos. Então, eu falei que a gente nunca sabia do dia de amanhã e, se acontecesse algo comigo ou com ela, a outra poderia movimentar a conta.
Ela pensou um pouco e acabou concordando comigo. Então, ficamos de ir ao banco depois que Rogério fizesse a transferência para resolver isso.
Era quase 22 horas quando fomos dormir. Ia começar mais uma semana e eu estava bem ansiosa para ir com Patrícia à sessão de fotos. Procurei não demonstrar isso a ela, mas minha ansiedade estava me matando. Eu sempre sonhei em ver isso de perto. Quando criança, meu sonho era ser modelo, mas era coisa de criança. Fui crescendo e aquele sonho acabou ficando no passado. Mas eu ainda gostava muito de tirar fotos e seguia algumas modelos famosas e algumas influenciadoras ligadas à moda.
Continua…
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper