#Quarta-feira
O tempo defronte daquele tanque, com as roupas separadas para serem lavadas, pareceu durar uma eternidade angustiante. O pouco que lembro foi de minha visão ficar turva e tudo passar a girar à minha volta; meu estômago embrulhando e provocando uma tontura que me obrigou a me apoiar para me sentar, correndo o risco de desfalecer pelo chão se assim não o fizesse. Não conseguia raciocinar, conferindo aquela roupa e aspirando aquele perfume inúmeras vezes, até quase ele entrar dentro de mim; tudo na esperança de aquilo ter alguma outra explicação que não a óbvia conclusão da infidelidade por parte de Geraldo.
Fiquei sem chão, perdida sem saber o que fazer ou como reagir. Meus sentimentos confusos se misturando em meio ao meu completo espanto com a situação toda, não querendo e nem podendo acreditar naquilo estar acontecendo comigo; com nosso casamento e família perfeitos, e toda a relação de confiança que havia entre nós dois. Não, não era possível... Havia amor entre nós, amizade e principalmente respeito.
Passei um bom tempo nesse turbilhão, querendo encontrar uma explicação ou algo que desqualificasse aquelas provas todas. Pensei comigo: Geraldo estava fazendo um trabalho assistencial num hospital. Ele deveria ter contato com muitas pessoas, e quem sabe não estivesse usando seu jaleco. Os cabelos de alguma enfermeira ou paciente poderiam muito bem ter se prendido à sua roupa. Sim, podia ser isso! Mas... e o perfume de mulher? Como explicar isso? Se fosse apenas na blusa, mas aquele cheiro se impregnou em sua camisa e até mesmo em sua roupa íntima. Era muito difícil negar isso, não havia como defendê-lo ante essa evidência.
Dessa forma, aos poucos o meu sentimento de espanto e dúvida foi se transformando numa triste e dura amargura no coração. Eu havia passado o dia da véspera tão cheio de vida, com aquelas descobertas todas me dando uma esperança de podermos mudar nossa relação a dois, numa cumplicidade sem limites. E aquela verdadeira bomba caia no meu colo, como que um castigo prestes a destruir não apenas meus planos, mas também toda a minha relação com Geraldo.
Não sei bem como, mas consegui forças para lavar as últimas peças de roupa, por vezes parando e sentindo minhas lágrimas escorrendo e se misturando à água e sabão no tanque. Terminei aquela parte dos serviços e fui preparar o almoço para todos, após verificar que Cidinha se encontrava melhor, dormindo e com a febre já bem mais baixa. Triste e sozinha, esperei quando Soninha e Juninho chegaram da escola ao meio-dia, acordando Cidinha para se juntar a nós. Eu calada na mesa, disfarcei dizendo que estava com um pouco de dor de cabeça quando eles estranharam e perguntaram o que eu tinha.
Acabei me recolhendo ao meu quarto, fechando a porta para cair na cama e chorar muito pela tarde toda. Estava machucada e confusa. Culpava-me pelo distanciamento e desinteresse de Geraldo por mim, ao mesmo tempo em que começava a sentir raiva dele; por seu falso comportamento de homem respeitador em casa, mas havendo se relacionado com outra mulher fora de nosso casamento. E aos poucos isso tudo foi sendo temperado por um medo desesperador de ele vir a nos deixar. Vir a trocar nossa família por uma possível amante com quem pudesse, inclusive, ter filhos numa secreta vida dupla.
Eu estava ficando louca naquela solidão do meu quarto, projetando todos os piores cenários e destinos para nossas vidas, quando olhei para o relógio e notei que a noite se aproximava. Respirei fundo e tratei de me recompor com alguma dignidade. Pouco depois eu escutava Geraldo entrando pela casa, e, como sempre fazia, indo conversar atencioso com as crianças. Eu não resolveria nada naquele dia, e decidi, então, não confrontar meu marido sem ter certeza da traição dele. Lavei meu rosto e passei uma leve maquiagem para esconder os sinais do longo choro da tarde. E, encarnando meu tradicional personagem de esposa amorosa e perfeita, eu o recebi como sempre para nosso jantar de família.
Disfarçando o melhor possível, mantive uma conversa educada, porém distante com Geraldo ao longo da noite toda. Engoli como pude a dor e humilhação que sentia, não deixando transparecer esses sentimentos para ele e os demais. À noite na cama, encolhi-me o mais que pude no meu canto, rezando para ele não me procurar, o que felizmente aconteceu com ele indo dormir após terminar suas tradicionais leituras. Meu sono naquela noite só veio a acontecer, e por absoluta exaustão, já altas horas da madrugada, proporcionando-me um mínimo de alívio e descanso para minha mente atordoada.
#Segunda-feira
Passei os dias seguintes tentando fechar um pouco da ferida aberta em meu coração, enquanto ao mesmo tempo fugia de Geraldo e evitava qualquer intimidade com ele. Foi assim que me neguei a ele nas noites em que me procurou, eu alegando estar com dor de cabeça e indisposta. Com Cidinha já recuperada, eu me distraia com ela nas atividades caseiras durante o dia, enquanto pensava no que fazer. Eu torcia muito para que aquilo tivesse sido apenas uma aventura sem importância, e que não se repetiria nunca mais. Mas eu precisava saber o que estava acontecendo, e assim descobrir até onde ia a ameaça ao meu casamento. E, por essa razão, comecei a arquitetar um plano, o fazendo ainda sozinha pelo receio e vergonha de dividir minhas desconfianças até mesmo com Laura, minha melhor amiga.
Meu marido sempre foi muito metódico e organizado, e, por esse simples motivo, tudo me levava a crer que se ele mantivesse um caso extraconjugal, ele o faria com alguma rotina. Eu precisava, portanto, encontrar onde que essa rotina se encaixava em nossas vidas. E, pensando assim, ficou logo claro para mim que ele teria que manter esse relacionamento secreto em dias de semana. Não via como possível ser fora disso, pois sempre estávamos juntos em família nos finais de semana sendo impossível encontros "como aquele" acontecerem aos sábados ou domingos. Assim, de imediato a imagem de Matilde se formou na minha frente, sua secretária que poderia me dar mais informações sobre a rotina dele. Tínhamos uma longa relação, ela uma senhora viúva e sempre muito atenciosa com todos nós, sendo, então, minha esperança de descobrir algo.
A expectativa angustiante de poder fazer algo só foi se atenuar na segunda-feira pela manhã, quando finalmente tive momentos sozinha em casa para poder ligar para Matilde, e assim começar a averiguar melhor a rotina de Geraldo. Minha primeira desconfiança veio do fato dela ter deixado escapar na semana passada que ele tinha aquela suposta agenda na Santa Casa nas tardes de terças, algo que nunca comentara em casa e que acontecera justamente no dia anterior ao da minha descoberta nas roupas dele. Era a única pista de tinha de algo fora da rotina dele, e decidir começar por ali.
- Bom dia! Consultório do doutor Matozzano. Em que posso ajudar? - reconheci de imediato a voz de Matilde atendendo o telefone
- Oi Matilde, tudo bem? É a Helena!
- Oh, olá dona Helena! Como está, tudo bem com a senhora? Como foi o final de semana?
- Ah, tudo certo. Foi um belo final de semana. Pena o clima agora ter esfriado, não é?
- É verdade, o dia está bem feio. Mas a senhora quer falar com o doutor Geraldo? Ele acabou de receber um paciente, mas posso interromper pois é uma consulta de rotina...
- Não precisa, não, Matilde. Na verdade, eu queria mesmo era falar com você.
- Oh... bom, e o que seria, dona Helena?
- É o seguinte, Matilde. Eu e as crianças queríamos fazer uma visita surpresa para o Geraldo essa semana... Coisa boba, sabe? E queríamos saber certinho se teria um dia de tarde em que pudéssemos invadir o consultório sem causar nenhum problema para ele...
- Ah, mas que bonito! Aposto que ele vai até se assustar, vão pegá-lo de jeito. Bom, deixa eu ver aqui...
- Matilde, será que amanhã à tarde daria certo?
- Hum, terça-feira não, pois ele sempre sai cedo para a Santa Casa.
- Ah, é verdade. Sempre me esqueço. Ele sai a que horas mesmo?
- Religiosamente às 15h00, dona Helena. Para ter tempo de chegar lá no hospital segundo me falou.
Aquela era a informação que eu precisava, pois queria descobrir se esse trabalho realmente existia ou não. Eu poderia estar totalmente errada, mas algo no meu instinto feminino me dizia que ali tinha coisa. Segui conversando com Matilde, desviando o assunto até ela me dizer que na quinta-feira seria o melhor dia para a suposta surpresa. E que se eu quisesse, ela poderia até marcar uma consulta falsa para reservar o horário. Acabei não confirmando nada, dando uma desculpa qualquer sobre a escola do Juninho nesse dia, e que voltava a falar com ela outra hora.
- Bom, vou ver aqui com as crianças se vamos mesmo ou não. Eu ligo para você, Matilde, se der certo nosso plano secreto.
- Combinado, dona Helena. E pode deixar que vou guardar segredo e não comentar nada com o doutor Geraldo, ok?
- Perfeito, Matilde. Conto com sua discrição! Rsrsrs... Obrigado e até mais, minha querida!
- Imagina, foi um prazer. Até mais, dona Helena!
#Terça-feira
Creio que devo ter conferido o relógio uma centena de vezes naquele dia, vendo as horas passando muito lentamente. Nervosa e ansiosa, eu via e revia o meu plano que, até ali, era minha única esperança de desvendar algo sobre a traição de Geraldo. Um lado meu ansiava para, no final, me sentir uma idiota vendo-o chegando no hospital para mais um dia de trabalho. Contudo, contraditoriamente, se isso acontecesse eu voltaria à estaca zero, e continuaria com minhas dúvidas e não tendo outra pista sobre o motivo daquela roupa dele impregnada na semana passada. E não sabia se conseguiria conviver com uma dúvida dessas me martirizando por muito mais tempo.
Depois de encaminhar as coisas com Cidinha e meus filhos, sai de casa dizendo que iria até o centro da cidade com Laura, e assim me dirigi ao ponto de táxi mais próximo de nosso bairro. Felizmente havia três motoristas aguardando uma corrida, e não perdi tempo, entrando no primeiro disponível. Indiquei o endereço do consultório de Geraldo, e assim que nos colocamos a caminho, tomei a iniciativa de expor o que precisava fazer, abordando o motorista, um simpático senhor já de certa idade:
- Quando chegarmos ao local, o senhor poderia me aguardar antes de seguirmos para um outro endereço? Eu pagarei por todo o seu tempo, pode deixar o taxímetro correndo. Inclusive, se quiser mudar para bandeira-2, não tem problema, viu?
- A senhora pode me chamar de Pereira, que é como todos me conhecem. Desculpe, mas qual é mesmo sua graça?
- É Helena, Pereira.
- Pois bem, dona Helena. Não tem problema algum, fico à sua disposição o tempo que for necessário. Se precisar, inclusive, posso aguardá-la para trazê-la aqui de volta ao bairro. E tudo em bandeira normal, que sou um homem justo. Será do meu gosto!
- Oh, que gentileza, Pereira. Muito obrigada!
- Imagina, disponha.
Depois de quebrado o gelo, fomos conversando pelo caminho, ele contando um pouco de sua vida, como todo bom taxista cheio de histórias, algumas muito curiosas por sinal. Aquilo até que foi me distraindo um pouco, ao menos até chegarmos nas proximidades de nosso destino. Consultei tensa meu relógio, verificando que eram 14h45. Se Matilde estivesse certa, eu ainda teria 15 minutos de vantagem. Orientei para que Pereira estacionasse o carro perto do prédio do consultório de Geraldo, mas a uma distância que me permitisse vê-lo saindo sem correr o risco de sermos notados. Fiquei ali parada, olhos vidrados para a portaria do prédio, não querendo perder nenhum movimento. Passado um tempo, Pereira se dirigiu a mim, rompendo o silêncio e me perguntando:
- Desculpe, dona Helena. Mas a senhora vai ficar aqui no carro? Estamos esperando alguém?
- Oh, perdão, Pereira. Bom... espero que o senhor não ache muito estranho... mas vamos... hã... seguir alguém?! - falei aquilo completamente constrangida, não sabendo onde enfiar a cara de vergonha. Não tinha pensado nessa parte do meu plano, e de terminar parecer uma desequilibrada para o motorista que ali me levasse.
- Ah, entendi... Bom, a senhora é quem manda! Mas... assim... não estamos fazendo nada de errado, não é?
- Não, Pereira. Pode ficar tranquilo que...
E nesse momento eu gelei, vendo Geraldo saindo do prédio, já vestindo seu sobretudo e colocando seu chapéu. Parei tudo e mais do rápido e afobada, falei amalucadamente para Pereira:
- Aquele homem! Ali, está vendo? Na frente do prédio? De sobretudo cinza escuro e chapéu... de bigode...
- Sim, dona Helena, estou vendo. É ele quem vamos seguir?
- Isso! Isso mesmo, por favor!
- Ok! Bom, pelo jeito, ele está procurando um táxi. Ah... estou vendo um vindo pelo retrovisor, e ele já está acenando para ele.
- Por favor, Pereira. Por tudo de mais sagrado, não perca ele de vista!
- Deixa comigo, dona Helena. Isso vai ser divertido, como nos filmes americanos! Rsrsrs - nem consegui rir do comentário jocoso do motorista, ficando de olho em Geraldo que já embarcava no outro táxi e partia à nossa frente.
Pereira se mostrou um ótimo motorista, seguindo de perto o outro táxi e nunca correndo o risco de perder contato com ele. Seguimos por algumas avenidas, ruas e contornos pelo centro da cidade, até que chegamos rapidamente na região do Largo do Arouche. Entramos numa transversal da avenida Duque de Caxias, e alguns quarteirões depois vimos o táxi dele estacionando, com Pereira tendo o cuidado de procurar parar num lugar do outro lado da rua, e de onde pudéssemos continuar observando os movimentos de Geraldo. Ele demorou o tempo de acertar o valor da corrida, e logo estava desembarcando, caminhando um pedaço pela calçada e indo em direção a um estabelecimento que eu desconhecia por completo. Isso como assim boa parte daquela região da cidade. Entretanto, uma certeza eu logo tive: aquilo não tinha nada a ver com Santa Casa ou qualquer outro tipo de serviço médico ou hospitalar.
- Dona Helena, a senhora me permite fazer uma pergunta pessoal? - Pereira me tirou daquele pequeno choque que levei ao descobrir uma primeira mentira na história de Geraldo.
- Hã... sim, pode perguntar, Pereira... - respondi de olho na entrada do local, onde vislumbrava um homem sorridente a quem Geraldo cumprimentou como um velho conhecido, sendo por ele convidado a entrar.
- Bom... por acaso aquele distinto senhor, é seu marido? - disse isso apontando para Geraldo, que sumia de nossas vistas entrando naquele local, onde agora apenas se via o homem na entrada defronte a algumas mesas, como que aguardando outras pessoas.
- Ah, Pereira... Sim, é o meu marido, sim. Ficou assim tão evidente?
- Rsrsrs... A gente vive na rua, dona Helena. E vê muita coisa acontecer... e acaba percebendo como a vida é, sabe?
Eu olhava ao redor, e voltava a me fixar naquela casa, vendo uma ponta de balcão de bar, restaurante ou coisa assim. Observei melhor, e notei que havia outros estabelecimentos semelhantes àquele na mesma rua, com um movimento de homens entrando e saindo, além de também alguns pequenos bares e botecos. Eu, do fundo do meu subconsciente, já desconfiava aonde Geraldo viera, só precisando de uma confirmação final:
- Pereira... Você conhece aquele lugar?
- Ai, minha santa mãezinha...
- Vamos, Pereira! Pode me dizer. Seja franco, o que é ali?
- Olha, dona Helena... - ele falou virando-se para trás e me olhando nos olhos - Eu não queria dizer isso, mas pelo que vi a senhora é uma boa mulher, honesta... e assim merece saber a verdade. Aquela ali é a Casa da Marta, muito famosa aqui nessa região.
- Casa da Marta? Mas o que... - e parei no meio, já percebendo do que devia se tratar.
- Sim, é uma casa de tolerância, Dona Helena. Sabe, para... hã... encontros com... com mulheres da vida, dona Helena.
Prostitutas! Geraldo vinha se encontrando com prostitutas! E, provavelmente, fazia isso toda semana, nas saídas das terças-feiras. Naquela hora, a verdade se mostrando crua na minha frente me fez sentir ânsias no banco de traz daquele táxi. Apenas a presença do motorista me fez engolir o choro e me controlar, numa falsa pretensão de manter um pouco do meu orgulho. Mas não o suficiente para evitar que algumas lágrimas escorressem de meus olhos, enquanto eu disfarçava piscando muito, respirando fundo e olhando perdida pela janela lateral do veículo. Pereira não falou mais nada, me deixando ali por um longo tempo pensando e processando tudo aquilo.
Eu não tinha coragem de ir atrás dele naquele lugar, ainda mais sabendo do que se tratava. Estava frágil, impactada por algo que nunca poderia ter imaginado vir dele. Fazer um escândalo não era da minha personalidade; eu não conseguiria me impor e acabaria mais machucada do que já estava. Então, eu simplesmente decidi esperar, arrumando coragem para confrontá-lo na saída daquele lugar, e mostrando a ele que eu o havia descoberto. Sabia que era um plano estúpido, mas foi a única coisa que me veio à mente àquela hora. Decidi, então, liberar Pereira e pedir um café no bar que ficava defronte àquela casa, e assim observar tudo até o momento certo.
- Pereira, veja para mim quanto ficou a corrida para acertarmos seu pagamento. Vou ficar por aqui...
- Dona Helena, o que a senhora está pensando em fazer? - ele me perguntou um tanto assustado.
- Eu... eu... vou sair e esperar aquele... aquele calhorda sair daquela espelunca. É isso! Tem um bar aqui do lado e vou pedir um café enquanto... bom, você sabe. Quero pegá-lo no flagrante, saindo dali de dentro e lhe dizer umas poucas e boas.
- Desculpe, dona Helena. Mas de forma alguma eu vou permitir isso. Não vou deixar uma dama como a senhora fique aqui sozinha nessa região.
- Mas o que posso fazer, então, Pereira? Não vou conseguir entrar como uma maluca e fazer um escândalo naquele lugar...
- Bom, dona Helena. Se a senhora for mesmo querer esperar, então eu ficarei com a senhora o tempo que precisar. Pode ficar aqui no meu táxi mesmo. Sei que não é muito confortável, mas pelo menos é seguro e a senhora não será importunada. Vou até desligar o taxímetro, viu?
- Não, Pereira, deixe ligado. E... bom, muito obrigada, então, meu amigo.
E assim ficamos os dois ali. Pereira depois de um tempo se dispôs a ir comprar uma garrafinha de água mineral, me trazendo para o carro, e ficando um tempo do lado de fora do veículo; dando-me assim alguma privacidade dentro do seu táxi para pensar naquilo tudo, sofrendo calada.
Pude, então, observar melhor o movimento na rua, prestando mais atenção ao ambiente ao redor. Essencialmente a absoluta maioria dos pedestres era de homens, entrando e saindo de casas como a da Marta. Volta e meia alguma mulher aparecia ou mesmo circulava, ficando evidente pelos trejeitos exagerados, e pelas roupas e maquiagem mais provocantes, que se tratavam de prostitutas em plena atividade. Jogavam charme para rapazes e homens, e por vezes conseguindo fisgar mais um cliente, levando-o a seguir para dentro de alguma daquelas casas.
O tempo passava lento, comigo aguardando Geraldo e me sentindo cada vez mais ridícula, escondida naquele táxi naquela situação patética. Sabendo que meu marido estava por ali se refestelando nos braços de uma puta; me trocando por uma vagabunda qualquer escolhida por ele para se portar como o homem safado e vigoroso que eu ansiava ter entre minhas pernas. Mais do que traída, eu me sentia também injustiçada; por nunca ter tido a chance de aprender e me mostrar como a verdadeira mulher que eu poderia ser para ele na cama. Estava magoada, humilhada e com raiva dele; um homem tão cheio de princípios que tinha renegado seus valores e ido procurar uma... uma vadia num puteiro qualquer! Por que Geraldo não buscou isso comigo para descobrirmos juntos como um casal? Ou ele o fez e eu que não o entendi?
O ponteiro do relógio bateu quase 5 da tarde, minha espera ali já ultrapassando mais de uma hora comigo imaginando ironicamente a performance de Geraldo com a vadia, durando aquela eternidade toda. Eu pensando nisso ao mesmo tempo em que me lembrava ressentida de nosso sexo simples e carinhoso, finalizado sempre em poucos minutos, o que ocorria invariavelmente desde o início do casamento. Estava em mais essa agonia quando Geraldo terminou seu "serviço" e saiu daquele bordel, aparecendo junto à porta daquele lugar.
Eu já me preparava para deixar o táxi, com Pereira vindo ao meu encontro, quando estanquei com minha mão junto à maçaneta da porta, prestes a destravá-la. Paralisada, eu via meu marido acompanhado de braço dado, e todo cheio de carinhos e toques, com uma mulher a quem eu não podia negar a beleza, e que se diferenciava muito do estereótipo das raparigas da região. Aquela mulher tinha algo a mais, algo que me provocou um frio na barriga ao reconhecer sua classe e postura confiante, todos ao redor como que a venerando. Morena como eu, com vistosos cabelos longos e cacheados, vestia um sensual, mas não vulgar vestido vermelho, repleto de fendas e decotes, mesmo à distância deixando antever as formas de um corpo exuberante.
Enquanto Geraldo lhe era todo atenção e sorrisos, eu consegui balbuciar de forma quase inaudível para Pereira, que havia entrado no táxi ao perceber o movimento do outro lado da rua:
- Pereira... você conhece aquela... mulher? - não precisando nem apontar, uma vez que ele acompanhava tudo junto comigo.
- Dona Helena, aquela eu sei bem quem é. Ela que é a Marta, dona Helena.
- Ela que é a... dona da... daquela casa? - minhas palavras saiam em gaguejos.
- Sim, dona Helena. Tenho certeza disso, pois ela volta e meia aparece em jornais nas colunas de fuxicos. Ela tem muitos amigos na sociedade, políticos, gente influente e os poderosos que... bom, que se utilizam dos serviços das suas garotas, a senhora me entendeu, né?
- Ela é... linda...
- Desculpe falar, dona Helena. Sim, ela é bonita, mas não mais que a senhora. Não tem comparação, a meu ver... com todo o respeito.
Passivamente, e derrubando por terra o meu plano mal-acabado de confrontar Geraldo, eu o vi se despedindo dela com um suave beijo, sua mão escorregando discreta, mas perceptivelmente, pelas costas nuas dela até chegar ao belo traseiro arredondado para uma carícia final. Logo ele entrava no táxi para ele chamado, acenando uma despedida para Marta. Vi o táxi seguindo pela rua e sumir virando a esquina, enquanto Marta conversava algo com seu assistente, passando o que pareciam instruções antes de desaparecer dentro da casa junto com uma garota que a veio procurar ali na entrada.
- Dona Helena? Está tudo bem? O que a senhora quer que eu faça? - apenas naquele momento as palavras de Pereira voltaram a fazer sentido para mim, ele há algum tempo querendo saber se devia seguir ou não o táxi de Geraldo.
- Ah... desculpa, Pereira. Sim... está... quer dizer... não está nada bem, não... Por favor, só me leve de volta para minha casa.
- Sim senhora, pode deixar.
Seguimos em absoluto silêncio, eu sem conseguir me concentrar em nada, apenas testemunhando pela janela do táxi o movimento das pessoas e carros transitando pelas ruas daquela São Paulo efervescente. Pereira, provavelmente sensibilizado pelo meu estado, seguiu por todo o trajeto sem conversar comigo, deixando-me à frente de minha casa com um olhar triste se despedindo de mim, após acertarmos o pagamento daquela longa corrida.
Ao entrar fui cumprimentada por Cidinha e por meus filhos, cada um com suas distrações à espera do jantar. Notei que Geraldo estava em nossos aposentos, se banhando no chuveiro e, provavelmente, se livrando das indecências de Marta deixadas em seu corpo depois da tarde daquele dia. No dia seguinte eu confirmaria, verificando as roupas para lavar, que basicamente a mesma essência de perfume novamente havia deixado sua presença nas peças de Geraldo. Algo que até mesmo me levou a descrer da inteligência de meu marido, em acreditar que nunca pudesse ser denunciado por algo tão banal - por mais que ele soubesse e confiasse que sempre fosse Cidinha a responsável por lavar nossas roupas todas.
Felizmente, fui naturalmente deixada de lado naquela noite, imaginando o quanto satisfeito e saciado ele não teria ficado com a aventura do dia e na cama com a Marta. Foi mais uma noite onde chorei muito e quieta, num misto de depressão e revolta; sofrendo calada e deixando para o amanhã a busca por alguma inspiração sobre como poder mudar minha vida, e, principalmente, readquirir o respeito próprio.