As semanas foram passando e os meus encontros sexuais com Eric viraram rotineiros. Não marcávamos nada, não combinávamos de nos encontrar a tal hora em tal lugar. Quando um dos dois queria, lançava um olhar discreto mas revelador para o outro, e logo já estávamos transando no primeiro canto que achássemos, fosse aquele banheiro de sempre, a casa dele ou mesmo no seu carro.
Podem estar se perguntando se depois de todos aqueles encontros, já não estaria brotando um sentimento entre nós. A resposta é talvez. Se estiverem falando do clássico amor romântico, a resposta é definitivamente não. Mas rolava sim uma certa paixãozinha. É difícil de explicar. Eu não queria passar, sei lá, horas abraçado com ele no mais absoluto silêncio, ou correr de mãos dadas por campos de centeio. Mas eu tinha saudade dele, do seu corpo. A melhor hora do meu dia era quando estávamos um dentro do outro, ou quando caíamos ofegantes em qualquer lugar, sem falar nada. Lembro de um texto da Martha Medeiros que li há pouco tempo atrás que eu acho que explica bem o que eu estava sentindo:
“Eu nunca amei aquele cara. Eu tenho certeza que não. Eu amei a mim mesma naquela verdade inventada. Não era amor, era uma sorte. Não era amor, era uma travessura. Não era amor, era sacanagem. Não era amor, eram dois travessos. Não era amor, eram dois celulares desligados. Não era amor, era de tarde. Não era amor, era inverno. Não era amor, era sem medo. Não era amor, era melhor." Martha Medeiros, Divã
Não, nunca foi amor, era uma coisa muito melhor que nunca mais encontrei com ninguém. Dois amantes sem compromissos um com outro, apenas suprindo suas carências mutuamente, como em um acordo nunca posto em palavras.
Mas sempre haviam conversas, mesmo que breves e temerosas, e assim fomos conhecendo mais um ao outro. Não conhecer no sentido de saber como eram seus pais, onde ele nasceu ou onde estudou. Começamos a conhecer a forma como outro pensava, chegando a prever certas atitudes um do outro. Aos poucos fui compreendendo aquele brilho de tristeza em seu olhar, fui entendendo que não existia um grande motivo para aquilo, apenas era quem Eric era, um garoto triste, apesar dele conseguir disfarçar isso muito bem quando queria. Existia uma certa dor dentro dele, uma coisa com a qual ele não sabia lidar muito bem. Aquela tristeza já vinha impregnada nele, como um traço de sua personalidade.
Eu acho que pode ser que a partir do sexo, nasceu uma amizade, mas uma amizade limitada. Minha amizade com Eric nunca conseguiu ser maior ou mesmo parecida com aquela que eu viria a ter com Alice e Pedro, e a culpa disso é minha. Meus medos colocavam barreiras entre nós, não deixando qualquer sentimento mais complexo nascer entre nós. Por várias vezes houve da parte de Eric movimentos para nos tornarmos mais íntimos um do outro, de um jeito que nos tornássemos amigos de verdade. Mas eu nunca deixei. Quando ele se aproximava demais, eu o afastava, como num eterno jogo de gato e rato.
Exemplificando, uma cena de meados de abril:
Era uma tarde de terça-feira e o Sol batia forte no lado de fora da janela do quarto de Eric. Estávamos sozinhos na casa dele. Ele completamente nu deitado de bruços na cama e eu me concentrava em beijar cada partezinha do seu corpo. Desde seus tornozelos, suas panturrilhas bem definidas, suas coxas firmes, sua bundinha de bebê, suas costas largas, chegando em sua nuca com o perfume inebriante do seu shampoo. Fui beijando seus ombros e descendo até encontrar sua boca, onde trocamos um beijo desajeitado. Peguei a camisinha que já havíamos deixado separada, vesti no meu pau e fui penetrando ele devagar. Ele agarrava o lençol da cama com força, deixando claro a dor que estava sentindo, porém em nenhum momento pediu para eu parar. Em nossas experiências sexuais quase que diárias, eu havia percebido que aquela era a posição mais dolorosa para o passivo, por isso tive calma e esperei ele se acostumar. Quando ele começou a rebolar, eu entendi como sinal para começar a bombar. Fui aumentando a intensidade dos meus movimentos e em pouco tempo eu já estava num ritmo frenético, quase que como uma luta super violenta.
Eric gemia alto, sem nenhum medo que alguém pudesse nos ouvir. Tomado pelo tesão daquele momento, peguei em sua cintura e ergui, fazendo ele ficar de quatro na cama. Naquela posição ao mesmo tempo tão selvagem, quase animalesca, e que também era uma das mais excitantes, eu gozei, enchendo a camisinha de porra. Pela sua respiração ofegante, ele também havia gozado. Nos levantamos e fomos tomar um banho para nos limpar.
_Se superou hoje, hein?_ falou Eric quando já estávamos embaixo d’água.
_Foi?
_Gozei sem me tocar, só contigo bombando.
_Eu acho que posso me orgulhar disso.
Rimos e continuamos tomando banho. Depois de sairmos do chuveiro, caímos semi-desmaiados na cama para recuperarmos nossas energias.
_Você já conhece toda a minha casa, quando vou conhecer a sua, ou melhor, a sua cama?_ perguntou rindo.
_Acho difícil, meus irmãos e a empregada estão sempre por lá e as paredes são finas.
Lá estava eu o afastando levemente o afastando de mim, cortando mais uma tentativa sua de aproximação. Ele riu, mas eu já o conhecia o bastante para saber que aquilo o entristeceu um pouco.
_Bom, no outro sábado você completa dezoito anos, aí vamos poder ir a motéis._ falou retomando a conversa.
_Se eu tiver coragem de entrar em um, né?
_Deixa de ser bobo, a gente pode escolher um mais afastado.
_Talvez, vamos ver.
Ele deu um tapa leve e sem motivo da minha barriga, como se dissesse “deixa disso”. Ri e ele continuou:
_E como vão os preparativos da festa?
_Nem sei, minha mãe e Alice estão cuidando de tudo. Aliás, só vai ter festa porque elas querem, por mim...
_Tá louco? É seu aniversário de dezoito anos, lógico que temos que comemorar.
_Pra mim nem é um grande marco assim.
_Agora você já pode dirigir.
_Eu ainda não tenho carteira.
_Já pode beber...
_Já bebo.
_Pode ser preso...
_Grande motivação!
_Pode entrar em motéis..._ falou com uma voz travessa que me fez rir.
_Para com essa fixação!
_Só se prometer que vamos em um.
_Ok, ok, nós vamos.
_Oba!
Ele subiu em cima de mim e me deu um beijo rápido. Me assustei com o quão próximo aquilo passou de ser uma cena digna de casais de namorados. Era minha hora de ir embora, ou seja, mais uma tentativa de afastá-lo.
_Tá na minha hora.
_Já?
_Tenho que terminar aquela lista de exercício pra amanhã.
Ele me olhou triste, mas tentei me manter indiferente. Fui catando minhas roupas jogadas pelo quarto e me vestindo.
_Estou convidado pra festa?_ perguntou.
_Claro, convidei a turma quase toda.
_Por isso mesmo, você convidou a turma toda em geral, mas não a mim especificamente.
_Ah, Eric, pára com isso, né? Bobagem.
Ele balançou a cabeça negativamente. E caiu de volta na cama.
_Eu não entendo porque você não me deixa ser ao menos seu amigo aos olhos dos outros.
_Já te falei, algumas pessoas já desconfiam de você.
_Eles que se fodam, eu não ligo.
_Mas eu ligo. Não quero nem que desconfiem de mim.
Ele bufou e se levantou para trocar a roupa de cama, ainda suja. Fiquei mal por ele.
_Me desculpe, Eric, mas eu não posso correr o risco.
_Ok.
Respirei fundo e, mesmo temendo mandar com isso uma mensagem errada, fui até ele, o abracei e o beijei carinhosamente. Quando o soltei ele me olhava com um leve sorriso no rosto. Aquilo me matava. A sensação era que eu o estava enganando.
_Eu estou convidando você, Eric, para a minha festa de aniversário.
Ele sorriu mais largamente.
_Obrigado pelo convite. Agora sim você vai ganhar um presente digno.
_Ah é? O que você ia me dar antes?
_Um chaveiro de dois reais.
Rimos juntos e lhe dei um beijo na bochecha de despedida. Ele foi me acompanhando até a porta do apartamento.
_Então amanhã..._ falei.
_Não posso, tenho compromisso.
_O que você faz que me dispensa tantas vezes? Tem alguma coisa melhor do que transar comigo pra fazer?_ falei brincando.
Um brilho estranho passou no seu olhar quando falei aquilo. Me deu a impressão que ele realmente tinha alguma coisa melhor, mas não iria me contar nem sob tortura. Fiquei sim desconfiado.
_Deixa de ser bobo e vai embora. É coisa minha._ falou descontraindo o ambiente e me empurrando carinhosamente para fora de casa.
Desci o elevador e fui para casa com uma pulga atrás da orelha.
Escrevendo isso agora, eu me admiro com o quanto fui burro. Eu estava me enganado dizendo que aquilo não era um relacionamento de verdade, que eu não estava traindo minhas convicções, que só estava extravasando meus desejos. É lógico que aquilo era um relacionamento de verdade com outro cara, independente de eu amá-lo ou não! Além do sexo, havia as pequenas discussões, as cobranças, a desconfiança toda vez que o outro estava longe, as conversas pós sexo, os beijos carinhosos que ganhavam qualquer discussão... Eu estava envolvido com Eric, mas me enganava dizendo que não, que era somente sexo e suas conseqüências. E infelizmente quem mais sofria com essa minha negação era Eric.
No dia seguinte na faculdade, Pedro me falou algo chamou minha atenção:
_Tudo pronto pra festinha semana que vem?_ perguntou.
_Não sei de nada. Alice está mais apta para responder sobre isso do que eu.
_Sua animação é de dar gosto!_ falou debochado.
_Nunca gostei de ser o centro das atenções, e é isso que acontece quando se é o aniversariante.
_Mas eu sei de uma coisa que pode te animar...
_O que?_ perguntei já curioso.
_Me contaram por aí_ falou um sorriso travesso no rosto _que a Taís vai te dar um presente muito especial...
_Que presente?_ falei não captando a malícia com que ele falou aquilo.
_Deixe de ser lerdo. Ela vai chegar em você na festa!
_Ch-chegar em mim?_ falei gaguejando.
_É, fio, chegar em você, você vai sair do zero a zero.
Senti como se tivessem colocado gelo na minha espinha. A Taís era bonita, loira, corpo todo proporcional, jeitinho de tímida e fama de puta. Sim, eu queria uma menina para namorar e depois vir a casar, mas essa menina certamente não era a Taís, não com a péssima fama dela de sair abrindo as pernas para todo mundo que lhe diz oi. Certamente eu seria mais uma “presa” para ela, mais uma na sua lista, e isso não teria problema nenhum se eu fosse heterossexual. Eu não sentia desejo nenhum por ela. E seu eu broxasse? Ela ia contar para todo mundo! E daí pra começarem a especular sobre minha sexualidade seria um pulo!
_Legal..._ foi tudo o que consegui responder.
_Legal? Aquela menina vai dar pra você até seu pau sair esfolado e você acha “legal”? Êpa!_ ele falou em tom de brincadeira, mas eu me alarmei.
_É o choque. Ela nunca deu sinais.
_Ela não dá sinais, meu caro, ela simplesmente dá.
Rimos um pouco, mas eu continuava morrendo de medo do que poderia acontecer. Devido àquela conversa, naquela tarde eu viveria uma das experiências mais constrangedores da minha vida: ir a uma farmácia comprar camisinha e Viagra. Pedro continuou:
_E você poderia me ajudar a conseguir quem eu quero também, né?_ falou.
_Uai, não tô sabendo quem é. Se eu puder ajudar?
_Sério que você não sabe quem é?
_Não. Não conversamos sobre sua vida sexual.
_Alice._ ele falou meio tímido.
Olhei para ele esperando ele rir. Não aconteceu. Meu queixo caiu com a surpresa.
_A ALICE?!
_Cala boca, não precisa contar pra faculdade toda!_ falou vermelho de vergonha.
_Eu devo ser muito lerdo mesmo. Não tô percebendo sinais vindos de lado nenhum.
_Vai me ajudar ou não?!_ falou ainda vermelho.
_Vou, uai..._ respondi rindo.
No fundo eu sabia que não daria certo. Alice achava Pedro idiota devido às suas, digamos, opiniões fortes. Mas eu não podia falar aquilo com ele. Ele parecia gostar dela mesmo. Pelo menos eu tentaria. Aquela festa de aniversária prometia... Pobre de mim que não sabia nem de metade das coisas que me aguardavam.