<Esse capítulo sera narrado por Rafael>
22 de setembro de 2006
_Então, nós não temos futuro, Bernardo. Eu não vejo como podemos continuar sustentando um namoro. Você vê?_ falei.
Bernardo balançou a cabeça negativamente. Era torturantemente cruel que nosso relacionamento chegasse ao fim daquela maneira.
Meu nome é Rafael Andrade, tenho 19 anos e nunca imaginei que fosse amar um homem como eu amei o Bernardo. Vejam, eu sempre soube que gostava de meninos e meninas. Os dois sexos sempre me atraíam quase que igualmente, então chegou aquele menino desengonçado e tímido para desequilibrar esse cenário. Ele não foi a primeira pessoa por quem me apaixonei, mas com certeza foi a primeira que eu amei de verdade.
Lembro-me de quando era pequeno chegar para minha mãe e comentar que achava um coleguinha bonito quando ela perguntou sobre meninas que eu gostava. Eu não entendia a dimensão daquela declaração, mas com essa idade eu já tinha a noção que era “menino com menina”, e não de outro jeito. Só que dentro da minha casa sempre foi diferente. Meus avós eram quase hippies e criaram meu pai com uma cabeça bem aberta. Minha mãe é psicóloga e também sempre teve a cabeça aberta para aquele tipo de coisa. Mas mesmo assim, é lógico que ela ficou chocada com as palavras de seu filho de VIII anos. Eu vi o choque em seus olhos. Com o tempo, meus pais foram aceitando a ideia melhor.
Quando eu já tinha por volta de XIII anos, eles chegaram mais cedo do serviço e me pegaram jogando videogame trancado no quarto com um coleguinha. Não estávamos fazendo nada de mais, mas eles não viram assim. Depois que meu colega foi embora, eles se sentaram comigo e tiveram a conversa definitiva. Ali, eu expliquei para eles que gostava de meninos e meninas, e eles disseram que aceitavam. Não teve um abraço emocionado ou lágrimas, porque, para mim, nunca foi um segredo ou um grande fardo a se carregar. Foi como ter dito a eles que minha cor favorita era vermelho.
Eu andei até Bernardo e o abracei, ciente de aquela era a última vez que fazia aquilo, que era o nosso fim.
_Tem algo muito errado no modo como você escolheu para viver, meu amor._ falei _E eu sinto muito não ser capaz de te ajudar nisso. Eu realmente espero que você saiba melhorar e superar seus medos. Eu realmente espero que nossos caminhos voltem a se cruzar no futuro, quando formos pessoas melhores. E se isso não ocorrer, eu espero que você encontre alguém que te entenda e te aceite como você é.
Eu não entendia o Bernardo. Ele era tão complexo, sua mente estava sempre trabalhando a mil. Se por um lado foi isso que me fez cair apaixonado por ele, por outro isso também me desnorteava. Eu não sabia como agir com ele e não entendia como ele pensava. A verdade era que éramos pessoas diferentes, com maneiras de pensar e sonhos diferentes. Se por um lado ele não queria mudar, por outro eu me recusava a mudar e não tinha paciência para ajudá-lo no processo. Eu não terminei com ele porque ele escondeu a sua relação com Eric de mim. Eu acredito na fidelidade dele. Só que essa mentira foi a gota d’água para mim por constatar que víamos Eric de modo diferente. Para Bernardo, ele era um pobre coitado solto no mundo em busca de um porto seguro, enquanto que para mim, era alguém indeciso demais que gostava de lutar por coisas impossíveis. Como o amor de Bernardo. Eu terminei com Bernardo porque eu não conseguia nos ver num futuro juntos.
Ao soltá-lo, eu lhe dei um último e demorado selinho. Mas antes de ir, me virei e soltei a frase mais sincera que eu pude:
_Você é a pessoa mais fantástica que eu já conheci na vida. Eu espero que um dia você perceba isso.
Me virei e saí dali. Antes de cruzar a porta, as lágrimas já caiam dos meus olhos. Na saída, encontrei Eric e Alice nos esperando. Para o primeiro, dirigi um olhar de desprezo que bateu de frente com seu olhar de profunda tristeza, o mesmo pelo qual me encantei um dia. Para Alice, me limitei a dizer lutando para manter a voz firme:
_Ele precisa de você.
E vi ela correr em direção aonde eu tinha deixado Bernardo. Antes, de eu sair dali, ouvi Eric murmurar um pedido de desculpas, mas não respondi. Naquele ponto, eu já não tinha mais pelo quê desculpá-lo, mas tampouco queria lhe dar a brecha para voltar a se aproximar de mim de algum modo.
Chovia muito aquela noite. Eu caminhei pela chuva tranquilamente, sem preocupar em molhar minha roupa, enquanto chorava tudo o que tinha pra chorar. Eu amava Bernardo demais, eu o queria pelo resto da minha vida! Mas um nós precisa ser forte o bastante para por fim naquele namoro sem futuro, porque ficou claro para nós há meses atrás que nunca passaríamos daquele ponto. Foi uma atitude tão racional da minha parte que me peguei surpreso comigo mesmo. Eu que sempre fui tão emotivo... Sempre achei que partiria do Bernardo aquele término.
Quando cheguei em casa, encharcado pela tempestade, desejei apenas poder dormir até que aquela dor passasse. Até que aquele buraco dentro do meu peito pudesse ser ignorado. Mas não dei sorte, porque meus pais assistiam televisão na sala quando entrei. Os dois se assustaram com meu estado e correram até mim me perguntando o que tinha acontecido e me ajudando a tirar as roupas molhadas. Eu sabia que não poderia apenas dizer que eles me deixassem em paz. Primeiro, porque não seria justo com eles, e, segundo, porque eles não me deixariam em paz. Respondi apenas que precisava de um banho quente e de uma noite de sono, e que no dia seguinte eu lhes contaria tudo.
Vejam bem, desde o momento zero, desde que eu comecei a me aproximar de Bernardo e me apaixonar por ele, eu poderia ter dito tudo aos meus pais, mas não fiz. Eu podia ter compartilhado cada alegria e cada indagação que tive com eles, mas não. Eu guardei tudo para mim mesmo. Eu não contei a ninguém sobre Bernardo, nem aos meus pais, nem aos meus amigos, mesmo os que já sabiam da minha preferência sexual. Quando me perguntavam a razão daquela minha visível felicidade, eu respondia que era apenas o meu jeito de ser. Eles teriam me entendido, me ajudado e se alegrado por mim ao me verem apaixonado, mas eu me privei disso. E me privei por Bernardo. Ele tinha esse medo louco do que aconteceria se o mundo descobrisse sobre nós, e assim não me deixava dizer nada. Eu cheguei a mentir que meus pais não sabiam sobre a minha sexualidade, pois isso o apavoraria, já o faria me ver como bicha louca e assumida que vai beijá-lo na frente de todo mundo. Eu abri mão de muitas coisas por Bernardo. Eu abri mão da minha relação sincera com meus pais, com meus amigos, e até mesmo me afastei deles. Tudo em nome desse amor louco por aquele menino. Mas não é essa a graça do amor? A loucura! O fato de mudar quem você é! O fato de mudar a sua história! Já dizia Vinícius de Morais, “todo grande amor só é grande se for triste”. Bernardo era meu grande amor. Ele me deu a grande história de amor que eu queria. Mas ele não pode me dar o meu final feliz. Assim, não culpo Bernardo pelas escolhas que fiz. Eu sabia o que estava fazendo, ainda que encantado de amor.
No dia seguinte, um sábado, quando acordei vi meus pais me esperando para conversar na sala. Então, eu sentei e lhes contei tudo desde o começo, ignorando a parte do Eric porque seria informação demais.
_Por que você não nos contou, filho?_ perguntou minha mãe.
_Eu não podia, mãe. Ele não ia querer.
_Mas que tipo de relacionamento é esse?_ falou meu pai _Esse menino não pode te pedir pra você se esconder do mundo.
_Ele nunca me pediu, pai.
_Não com todas as palavras. Mas, pelo que você contou, sempre esteve implícito que vocês só ficariam juntos se fosse da maneira dele. Isso não é amor!
_É amor, sim. Eu posso ver nos olhos dele que ele me ama. O problema é que ele não se ama. E também não entende como os outros podem amá-lo se ele ousar ser quem ele é de verdade._ respondi _Ele é só um menino perdido demais. Mas ele me ama.
A minha mãe se sentou ao meu lado e me abraçou pelos ombros.
_Certo, ele te ama. Mas e daí? Um relacionamento não é feito só de amor. Ninguém respira, bebe ou come amor. Ele não pode te dar as bases para um relacionamento saudável.
_Eu sei...
_Então, vocês passaram a construir um relacionamento disfuncional. Não teria como funcionar.
_Eu sei...
_Eu poderia ter ajudado ele. Você poderia ter me contado.
_Não, mãe, eu não podia. Seria traí-lo!
Ela sacudiu a cabeça em desaprovação.
_Isso não é saudável. Nem a forma como ele pensa, nem a forma como ele te fez pensar. Você regrediu, Rafael! Você não é assim. Você é seguro de si.
_Não é de hoje que noto suas mudanças de comportamento._ comentou meu pai _Num momento está feliz da vida saltitando pela casa, em outro está pensativo com o olhar perdido no horizonte. Esse menino te faz mal.
_Ele me faz bem..._ tentei argumentar.
_Não, não faz._ falou minha mãe _Ele pode até te amar. Ele pode te querer bem. Mas ele não te faz bem.
Era verdade, não havia como negar. Ele me fazia mal. Ele fazia inconscientemente, mas ainda sim me machucava. Era uma triste constatação.
_Vou ser sincero com você, meu filho._ falou meu pai _Eu estou feliz que esse relacionamento esteja acabado. Só vale a pena estar num relacionamento quando ele te leva pra frente, te faz crescer e melhorar. Nesse, você só estava regredindo.
_Você vai achar alguém que te mereça. Eu tenho certeza._ completou minha mãe com um beijo na minha cabeça.
Foi, sem dúvidas, um alívio poder em fim desabafar com meus pais. Deixar que eles soubessem de tudo o que eu vinha passando por meses. E por mais que eles só tivessem dito o que eu já sabia, era importante ouvir de outras pessoas que eu fiz a coisa certa ao terminar com Bernardo. Porém, hoje, olhando em retrospecto, eu tomaria mais cuidado com as palavras que usei. Eu pintei Bernardo com tintas muito fortes de egoísmo e insegurança. Eu o pintei como uma pessoa que me fez mal. Daquele em momento em diante, Bernardo se tornou o inimigo número um dos meus pais.
[...]
Bernardo e eu sabíamos que não conseguiríamos sermos amigos mais. Eu realmente acredito que alguns casais possuem esse poder, mas não nós. A gente não tinha a capacidade de voltar alguns degraus na nossa relação. Assim, meio que concordamos em sermos apenas colegas de sala. Não conseguiríamos nos afastar bruscamente um do outro, mesmo porque isso seria impossível por estudarmos junto. Confesso que no começo achei que não daria certo, que um afastamento definitivo seria mais eficaz para cada um seguir com sua vida em paz. Mas deu certo. Nós nos amávamos e gostávamos da presença um do outro. Assim, foi como ir se despedindo aos poucos. Foi um processo mais lento, mas menos doloroso.
Bernardo não me falou se continuaria ou não a se encontrar com Eric, e, para falar a verdade, não sei se eu iria querer saber. Eu não queria que ele continuasse com essa amizade por achar ela tóxica demais para Bernardo. E havia ciúme também, claro. Mas enfim, não cabia mais a mim julgar aquela estranha amizade deles. Eu precisava me afastar. Por isso, nem mesmo perguntei a Bernardo sobre o assunto.
Porém, as minhas dúvidas vieram à minha cabeça quando Eric me mandou uma mensagem no celular. Já fazia algumas poucas semanas que eu tinha terminado o namoro. Eu respondi não, obviamente, mas quando ele mencionou que o assunto era o Bernardo, não me contive e aceitei me encontrar com ele na casa dele. Era de tarde e ele aparentemente estava só, como sempre.
Minha relação com Eric sempre foi muito diferente da que tive com Bernardo. O Bernardo me amava, mas era um amor sereno. Ele tinha a cabeça no lugar, e, apesar dos seus problemas de aceitação, era uma pessoa muito centrada. Assim, eu sabia que ele não precisava do meu amor para viver. E isso não é uma coisa ruim. Ele tinha uma vida além de mim. Eu pude terminar nosso namoro com a certeza que ele conseguiria se recompor. Eric não era assim. Eric era frio por fora e puro fogo por dentro. Ele amava com intensidade. Não quero dizer que Eric me amou mais que Bernardo. Aliás, não sei mesmo se ele me amou de verdade alguma vez. E é aí que está o grande defeito de Eric: ele depende demais dos outros. Sua vida está sempre atrelada a de outras pessoas. Ele precisava que alguém o amasse e cuidasse sempre dele. Eu tentei ser essa pessoa para ele, mas sempre foi meio assustador para mim. Ele encontrou em Bernardo a âncora perfeita. Bernardo se sentia culpado demais para abandoná-lo em qualquer situação. Bernardo sempre estaria lá por ele. Só que Bernardo não o amava. E isso era triste. Ele queria fazer de Bernardo não apenas o seu namorado, mas todo o seu mundo.
Acho que foi por isso que Eric nunca conseguir fazer amigos na faculdade. Ele queria demais das pessoas. As pessoas procuravam apenas por alguém que os divertisse e bebesse com eles. Eric queria um amigo como dos filmes, um daqueles capaz de morrer por você. Não acho que existam desses por aí. Ele queria alguém que lhe desse uma vida. Com o tempo, Eric desistiu disso e se contentou em ser apenas “mais um colega de classe”. Afinal, ele não precisava mais, ele achou o que procurava no Bernardo.
Quando cheguei à casa de Eric, notei que ele estava diferente. Desde que tinha descoberto que ele jogava duplo comigo e Bernardo, eu parei de prestar tanta atenção nele, então não sei quando e como aquela mudança aconteceu. Ele estava mais magro, ainda que muito discretamente. Seus olhos estavam ainda mais fundos e tristes do que quando eu o conheci.
_Oi.
_Sem enrolação, Eric._ falei me sentando no sofá da sala dele e o encarando _Nós não somos amigos. Você sabe que não gosto de você e que quero distância. Só vim porque você citou Bernardo. O que foi?
Ele pareceu inquieto e indeciso. Acho que ele queria preparar o terreno antes de entrar no assunto, mas eu não estava com paciência para aquilo. Ele se sentou de frente para mim.
_Tem alguma chance de você e o Bernardo reatarem?
_Ora, Eric!_ falei me levantando com impaciência.
Não era da conta dele! Me preparei para ir embora, mas ele me pediu para responder e esperar, porque aquilo tinha um propósito. Não sei o que me levou a acreditar nele, mas me pareceu sincero.
_Não é da sua conta. Mas..._ suspirei fundo antes de continuar _Não sei. Agora, com nós dois como estamos, acho muito improvável. Eu não posso ser o namorado que ele quer ser, nem ele pode me dar o que eu quero.
_Eu posso ser o namorado que ele quer._ respondeu.
Ri sem acreditar que eu tinha sido levado até a casa dele para ouvir aquele tipo de coisa. Antes mesmo de eu gritar com ele em resposta, ele continuou.
_Eu e Bernardo voltamos a nos encontrar. Sexualmente falando.
Por um segundo, senti meu coração parar de bater. Logo então, senti meu sangue ferver e a raiva subir na minha garganta. Só de pensar de Bernardo se entregando para Eric naquele apartamento me causava ânsia de vômito. Eu tive vontade de dar um soco em Eric, mas seu rosto me fez parar. Além dos seus olhos cada vez mais tristes, seu nariz sangrava.
_Seu nariz..._ fui tudo o que consegui dizer.
Só então ele pareceu se dar conta e correu para se limpar. Voltou depois de algum tempo.
_Desculpa, é o calor. Sou meio sensível.
_Bom, se você me chamou aqui para se vingar de mim contando de você e Bernardo, eu já vou embora porque não sou obrigado a participar do seu joguinho.
_Não é isso, Rafael. Deixa eu falar.
Mais uma vez, me vi tentado a deixar ele falar. Não por ele, mas por Bernardo.
_Você sabia que o Bernardo anda saindo com o Pedro todo fim de semana para boates hétero e pegando meninas?
Sim, eu sabia. Não que ele tivesse me prestado satisfação, mas porque eu ouvia o que Pedro fazia questão de falar alto o bastante para a turma toda ouvir. Quando eu olhava para Bernardo, ele abaixava os olhos, envergonhado. Primeiramente, senti ciúme, mas foi logo dando lugar à pena. Ele estava se enganando e se afundando cada vez naquele buraco. Mas eu não podia fazer nada. Ele precisava sair de lá sozinho, ou nunca conseguiria sair.
_Sim, eu sei.
_Pois bem. Ele não consegue se saciar e sempre acaba me ligando de madrugada.
Mais uma vez, senti o ciúme me corroer.
_E posso saber por que você está me contando isso?!_ perguntei com raiva.
_Porque eu posso ser o namorado que Bernardo quer. Eu não me importo que ele namore, case e engravide uma menina. Eu vou estar aqui para satisfazê-lo. Ele não vai conseguir sair desse ciclo, e, por mim, não tem problema. Tantos homens vivem em paz assim com suas famílias! Eu estou disposto a fazer isso.
Eu mal conseguia acreditar no que estava ouvindo.
_Isso é doentio! Você quer ser o amante dele! Viver uma vida em segundo plano. Ele não te ama, Eric. Você tem que deixá-lo ir.
Ele chorava discretamente, mas continuava me encarando com um olhar triste mas determinado.
_Talvez um dia ele me ame. Eu não preciso dele por completo. Eu só preciso de um pouquinho dele. Eu só preciso que ele me ame um pouco.
Aquilo era loucura. Aquele menino foi tão destruído pela maneira como foi criado, pela solidão e pela carência, que não entendia no que estava se metendo. Ele estava disposto a aceitar migalhas de um amor.
_Eu ainda não entendi porque você está me contando isso._ falei lutando para não lhe dar uma lição de moral.
_Porque você tem que se afastar dele. Você tem que deixá-lo ver como a vida é sem você, que ainda há pessoas aqui que o amam como ele é.
_Eu não tenho mais nada com ele.
_Mas você ainda está por perto.
_E o que você sugere? Que eu abandone a faculdade?!
_Não. Apenas que você se sente no lado oposto da sala. E pare de socializar com Alice e Pedro. Por favor, se afaste de Bernardo. Eu posso fazer ele feliz, Rafael. E você quer ele feliz.
_Ele não vai ser feliz assim.
_Quem sabe?
_Você não...
_A diferença entre nós dois é que eu amo Bernardo pelo que ele é, e você o ama pelo que ele pode ser. Você já teve a sua chance de fazer ele feliz do seu jeito, agora é a minha vez.
Ele falou aquilo com uma voz firme, como se me intimasse. Eu não sei se aquilo funcionaria, mas não posso dizer que sua última frase mexeu comigo. Eu amava Bernardo pelo que ele poderia ser. E ele poderia nunca ser o que queria que ele fosse. Eric o amava agora, como ele era, com todos os defeitos e medos. Então, eu o deixei ir. Era preciso. Eu precisava seguir em frente, e só conseguiria se ele também seguisse. Vocês podem dizer que eu não lutei por Bernardo e simplesmente desisti dele por Eric, mas é mentira. Eu lutei por Bernardo em cada segundo até o momento em que terminamos, onde cheguei ao meu limite. Fazê-lo feliz estava muito além da minha capacidade, eu não o privaria de uma chance de isso acontecer, mesmo que eu achasse que Eric falharia na tentativa.
Eu não dei uma resposta a Eric. Eu apenas caminhei para fora do seu apartamento em silêncio, e ele entendeu aquilo como um consentimento. Sim, eu me afastaria de vez de Bernardo. Por mim, e por ele. Nós precisávamos disso. Não havia nada mais que eu pudesse fazer.
Aliás, havia sim. Eu deveria ter voltado para aquele apartamento, dado um tapa na cara de Eric e o mandado acordar. Ele estava se enganando, se afogando num mar de tristeza e dor. Ele estava se amarrando a alguém que não poderia amá-lo e assim se condenando ao rancor. Eu deveria ter voltado àquele apartamento e dito a ele o mesmo discurso que fiz a Bernardo tantas vezes, que era preciso virar a mesa, enfrentar o mundo e correr atrás de sua felicidade, e não se contentar com as migalhas que a sociedade nos permitia ter. Se eu ainda não tivesse mágoa pelo que Eric tinha me feito, eu teria voltado. Mesmo não sendo seu amigo, eu teria voltado, eu teria voltado para qualquer um. Eu não sou uma boa pessoa porque eu não voltei. Até o fim dos meus dias eu vou me amaldiçoar por não ter voltado. Até o fim dos meus dias eu vou carregar o peso da culpa de não ter oferecido àquele garoto palavras de consolo e de ter deixado que ele se afundasse na própria agonia. Não há um só dia em que eu não pense nisso. Em menos de um mês, Eric estaria morto.