Bernardo [47] ~ No limite

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2954 palavras
Data: 05/12/2023 15:29:36
Assuntos: Gay, Início, Sexo, Traição

Apatia é a palavra exata para descrever os dias que se seguiram. Eu não estava triste ou ferido. Nem mesmo a sensação de abandono que tinha tomado conta de mim durante semanas estava mais lá. Ficou uma falta de vontade de encarar a vida.

Eu continuei com minha rotina normalmente. Eu ia pra faculdade, voltava pra casa, vagabundeava na internet e ia dormir. Todo santo dia, inclusive fins de semana. Minha vida social simplesmente deixou de existir. Eu vivia mais recluso do que costumava ser até nos meus primeiros anos de adolescência.

Eu ainda não tinha tido a conversa com a minha mãe, e essa era a única coisa que me sacudia daquela apatia. Mas o que pensar nessa conversa me causava era puramente aflição e medo, então não era uma coisa boa. Minha mãe pirou quando chegou de viagem e viu meus ferimentos. Ela acreditou quando falei que tinha sido assaltado. O meu pai somente abaixou os olhos enquanto eu contava, se limitando a simplesmente não negar. Ele não falou nada, mas eu sabia que o tempo que ele me deu estava correndo. Eu logo teria que contar à minha mãe que era gay.

No que diz respeito a Alice, Rafael e Pedro, as coisas estavam um tanto quanto nebulosas. Cada um deles reagiu de um jeito diferente ao meu ataque de raiva no hospital.

Alice começou a forçar uma reaproximação. Ela deixou Marcos um pouco de lado e passou a ficar comigo durante todo o intervalo. Ela conversava comigo, mas eu respondia apenas monossilabicamente. Eu não estava no clima pra jogar conversa fora, ou muito menos dar conselhos. Era triste, ela conversava praticamente sozinha durante todo o intervalo, enquanto o namorado a olhava com cara de desaprovação. De vez em quando, nossos olhares se cruzavam. Eu sabia que ele não gostava de mim. Ele não gostava de como eu passei a tratar Alice ou de como magoei Rafael. Isso não me afetava tanto, nunca gostei dele, seja como namorado de Alice ou amigo de Rafael.

Pedro queria se aproximar, mas não sabia como. Chegava a ser cômico a sua falta de jeito para lidar com a questão. Ele chegava e me dava bom dia, o que eu nem sempre respondia. Ele não voltou a sentar-se ao meu lado, mas se aproximou mais do que onde vinha se sentando nos últimos meses. Nós não conversávamos, mas ele se dirigia a mim se estávamos na mesma roda de conversa, o que eu também nem sempre respondia. Às vezes eu o pegava me olhando. Quando eu o olhava de volta, ele rapidamente disfarçava.

Eu entendia Pedro. Ele sentia a minha falta, afinal, eu era seu melhor amigo. Ele se acostumou com a minha presença. Ainda mais nos últimos meses do ano anterior, quando saíamos pra baladas juntos. Então, veio o choque de descobrir que eu era gay. Ele ainda me tinha como seu melhor amigo, mas eu lhe causava repulsa. Era uma situação limite, onde sentimentos conflitantes atormentavam a sua cabeça. O seu afastamento, eu penso, não foi nem tanto em razão de descobrir a verdade por si só, mas por ele não saber como agir ou o que pensar de mim. Só que a partir da minha queda na escada, alguma coisa acordou nele. Ele não tinha mudado da noite pro dia. Ele não me olhava no hospital como quem queria voltar a ser o meu melhor amigo naquele exato instante. Mas alguma coisa começava a mudar na sua cabeça, os sentimentos bons que ele tinha por mim começavam a pesar mais do que os maus na sua balança. Sim, eu poderia ter facilitado bastante as coisas. Pra começo de conversa, eu poderia ter lhe contado tudo de uma maneira mais digerível e não ficar provocando como fiz. Mesmo esse mal já estando feito, eu poderia ter sido mais compreensível e deixado que ele se aproximasse de mim novamente. Eu poderia ter lhe dado abertura para que ele voltasse a ser meu amigo. Mas eu não quis. Naquele momento, nem mesmo uma possível volta da minha amizade com Pedro era capaz de me arrancar do estado de apatia em que me encontrava.

Rafael era o caso mais complicado dos três. Sim, ele ainda me amava. Sim, ele ainda se preocupava comigo. Mas ele cansou. Eu consegui fazer Rafael se cansar de mim. Ele não tinha mais ânimo pra correr atrás de mim, pra saber se eu estava bem, pra saber se eu já estava emocionalmente bem resolvido pra amá-lo de volta. Hoje, olhando pra trás, eu percebo o quanto aquele meu ataque de raiva no hospital tinha sido injusto com ele em particular. Eu tinha motivos pra ficar com raiva de Pedro e eu tinha motivos pra me magoar com o afastamento brusco de Alice. Mas Rafael não me fez nada. Ele simplesmente seguiu em frente. Quem era eu pra impedi-lo de seguir com a vida? Ele se afastou, ok, mas era tão injusto assim que a namorada dele não quisesse seu ex-namorado por perto? São coisas que penso hoje. Na época, o mesmo ressentimento que eu tinha de Alice, eu tinha dele também.

Se antes Rafael ao menos era educado e amigável comigo, tudo mudou a partir daquele dia no hospital. Eu não era nem mais um colega pra ele, eu era um fantasma, uma sombra. Ele passava por mim sem nem mesmo me olhar. Nas rodas de conversa, ele fazia questão de me ignorar completamente. E ele ficou bem mais carinhoso com Carolina. Não, ele não estava fazendo um joguinho de ciúme pra me atingir. O que eu percebi era que, por respeito a mim, ele sempre se conteve com ela quando eu estava presente. Claro, eles se sentavam juntos, conversam ao pé do ouvido, riam juntos, esse tipo de coisa. E elas sempre foram o bastante pra me causar ciúme. Eu o amava ainda, apesar de tudo, então era mais que compreensível sentir ciúme. O que passou a acontecer foi a troca de beijos apaixonados, os abraços por trás na hora do intervalo, ir embora de mãos dadas. Era o tipo de coisa que ele sempre quis fazer comigo, mas eu nunca permiti. Carolina era como namorada, o que eu nunca pude ser como namorado, e essa era uma conclusão dolorosa. Então, claro, com essa nova situação veio o ciúme elevado à enésima potência, mas veio também todo o peso do arrependimento. Não o arrependimento de querer voltar no passado e fazer tudo diferente, mas o arrependimento de quem sabe que as coisas estão como estão por minha culpa unicamente. Rafael me amava, mas eu o magoei. Como era previsto por qualquer um que visse nossa relação por fora, ele chegou ao ponto de esgotamento. Rafael cansou de me amar.

_Tudo certo, então, né, Bernardo?_ perguntou Paulinho.

_Ah, cara, não sei.

Era a semana anterior ao feriado prolongado do primeiro de maio. A turma tinha organizado a ida a um sítio nas margens do lago de Furnas. A sala toda ia. Paulinho era o responsável. Paulinho era a mistura meio a meio de Rafael e Pedro. Ele era falante, expansivo, alegre, mas também meio bobo, chegado às piadas sem graça de Pedro, ainda que eu não visse traços homofóbicos fortes nele. Ele só fazia piadas com o assunto como se não houvesse nenhum problema.

_Mas você já pagou.

_Eu sei...

Tudo estava sendo organizado há meses, e pagamos tudo no início do ano, numa época onde a minha vida ainda não estava tão bagunçada e eu me animava para esse tipo de plano. Mas agora? No meu estado de espírito? Alguma dúvida que seria uma péssima ideia?

_Faz o seguinte._ ele falou _Vai com seu carro, se você não curtir, você volta antes. Que tal?

_Pode ser.

Confirmei minha presença, mas já pensava num jeito de vir embora mais cedo. Na sexta-feira à noite, peguei a estrada rumo ao sul de Minas com mais dois colegas, que disseram que dariam um jeito caso eu quisesse voltar antes. Alice e Pedro me convidaram para ir com eles, mas eu recusei. Eu passei a imaginar um jeito também de passar o fim de semana prolongado o mais afastado deles o possível.

Era uma casa enorme com oito quartos na margem de um dos braços da represa. Mal se via o outro lado da margem. Era uma vista de tirar o fôlego. Todos nós nos dividimos em quartos para mulheres e homens. A cozinha da casa só tinha o básico do café da manhã, o resto era só bebidas, material pra churrasco e acompanhamento pra churrasco. A ideia do passeio era justamente e beber e ficar muito louco. E a beira de uma represa é o local ideal pra um grupo de jovens bêbado? Lógico que não, mas não tínhamos nem vinte anos ainda e éramos inconsequentes. Queríamos nos divertir, ou melhor, eles queriam se divertir, porque eu...

Quando chegamos no início da madrugada de sexta, estávamos todos cansados pela viagem de algumas horas e concordamos em irmos dormir. Me acomodei num colchão no chão e apaguei. Quando acordei no sábado pela manhã, me surpreendi ao ver que era Pedro que estava ao meu lado. Pra quem era homofóbico até pouco tempo atrás, dormir ao lado meu lado era um grande avanço. Mas eu encarei como ele forçando uma reaproximação, não exatamente aceitando minha homossexualidade. Me levantei com cuidado pra não acordar mais ninguém e saí do quarto. Aparentemente, eu era o único que tinha levantado, pois não havia ninguém na cozinha ou na sala. Peguei alguma coisa pra comer e fui pra beira do lago. Fiquei lá por não sei quanto tempo, admirando a vista e pensando na minha vida.

Eu tinha me tornado uma pessoa completamente diferente de quem eu era. Eu não me reconhecia mais. Isso era como tirar meu chão. Eu sempre fui um tanto quanto centrado e metódico, eu gostava de saber pra onde estava indo e como. Por isso, eu fiz inúmeros planos de como a minha vida seria. Só que quando você muda, seus planos mudam também. Mas eu estava perdido, eu não tinha planos. Certo, fazer faculdade, arranjar um emprego, me aposentar e mais o que? A única pessoa que eu amei, Rafael, não me queria mais. A pessoa que mais me amou, Eric, estava morta. Eu me provei um fracasso na arte de fazer e manter amizades. Eu tinha provado pra mim mesmo que eu não conseguia ficar com mulheres. Minha experiência com Tom tinha me deixado claro que eu não conseguiria encontrar novas versões de Rafael ou Eric pra me amarem. E eu estava prestes a desfazer minha família, pois seria isso que aconteceria quando minha mãe descobrisse sobre mim e meu pai decidisse enfrentá-la por mim.

_Oi.

Eu demorei um tempo até despertar dos meus próprios pensamentos e tentar localizar a voz. Surpresa: Carolina.

_Oi._ falei sem jeito.

_Posso me sentar?

_Claro.

Ela se sentou ao meu lado na grama de frente para o lago. Era estranho. Ela sabia sobre mim e Rafael. Contudo, eu percebi que não a odiava. Eu tinha inveja dela, inveja por ela ter conseguido ser pra Rafael o que eu não consegui.

_Não tem mais ninguém acordado._ ela falou.

_Eu vi.

Eu não pretendia ser tão curto na resposta, mas eu simplesmente não sabia como falar com ela. Ela, por outro lado, não parecia ter problemas com isso.

_Eu sinto muito por você e Rafael._ falou.

Eu estranhei aquela frase, mas evitei olhar pra ela.

_Como assim?

_Vocês se afastaram. E foi por minha culpa.

_Não foi sua culpa. Você fez o que qualquer pessoa faria.

_Mas a ideia é ser uma pessoa melhor do que média, não?

Eu ri da sua resposta.

_Sim, mas isso não é fácil._ rebati _Além do mais, a culpa é mais nossa do que sua. Eu e Rafael não servimos pra ser amigos. Tem muito sentimento mal resolvido entre nós.

Só quando aquilo saiu, eu percebi como poderia ter soado.

_Mas eu não quero dizer que a gente..._ corri pra completar, mas ela me interrompeu.

_Vocês se amam. Não tem como negar isso.

Fiquei novamente em silêncio, sem ter como responder.

_Ele te ama. Ele me falou._ falei tentando melhorar.

_Eu sei. É possível amar duas pessoas com a mesma intensidade?

_Não sei._ tentei ser o mais sincero possível _Mas mesmo correndo o risco de isso soar muito frio e errado: o amor importa tanto assim?

Ela me olhou confusa.

_A gente se amou, mas não deu certo. Não faltou amor, mas faltou tanta coisa. Lembra do Eric? Ele me amou, mas também não deu certo. Minha culpa os dois casos, devo dizer._ fiz uma pausa pra respirar _O que eu quero dizer é que mesmo que o Rafael ainda sinta alguma coisa por mim, isso não significa nada. Eu consegui fazê-lo reduzir tanto esse sentimento, que ele talvez nem exista mais. Nós não vamos voltar, hoje eu sei disso. Você pode ficar tranquila.

_Eu estou tranquila. Eu não te vejo como um rival, são só ciúmes mesmo, é desconfortável o jeito que ele te olha. O que tenho medo é um dia ele acordar e perceber que é um erro, que ele gosta mesmo é de meninos._ ela deu um longo suspiro _Eu estou me apaixonando por ele.

_Por que você não me vê como rival?_ perguntei curioso.

_Porque você não parece minimamente interessado em lutar por ele.

Era a mais pura verdade. Eu não lutei por Rafael. E o pior: eu não estava interessado em lutar por Rafael. Apesar de eu já ter aquela noção, aquilo me nocauteou de um jeito diferente. Eu lembrei das palavras do meu pai:

“Você é fraco, Bernardo, e eu não poderia estar mais decepcionado com você do que estou agora.”

Meu pai estava certo, eu era fraco. Eu fui fraco por não lutar por Rafael, fui fraco por não ficar ao lado de Eric, fui fraco pra não enfrentar Pedro ou minha mãe. Era isso que eu era, um fraco, um covarde. Eu nunca faria nada da minha vida. Eu estava condenado a ser infeliz porque eu não tinha coragem de ir atrás das coisas que poderiam me fazer feliz. Era essa a minha sina.

Se eu já estava me sentindo apático naqueles dias, eu só piorei com aquele pensamento. Eu percebi que minha apatia não seria passageira, ela era meu destino. Minha vida estava destinada a ser um filme sem cor e sem graça, onde eu não era nada mais do que um figurante. Por que estou vivo ainda então?

Aquilo ficou na minha cabeça durante todo o dia. Meus colegas, Alice e Pedro inclusos, se esforçavam pra me encaixar nas rodas de conversa e nas brincadeiras, mas era inútil. Eu prestava atenção nos primeiros minutos, mas logo a minha mente já estava longe, tendo os pensamentos mais sombrios os possíveis. E era ainda pior quando eu via Rafael e Carolina juntos, pois aquele era um lembrete da minha fraqueza. Eu era incapaz de ser feliz. Eu perdi todas as minhas esperanças de um dia ser feliz.

Então, eu cometi o pior erro da minha vida.

Era final de tarde, o Sol já ameaçava se por. Eu participava, ainda com a mente longe, de uma roda de conversa qualquer. A maioria dos meus colegas já estava bastante bêbada. Num dos lados da casa, o lago era mais profundo. Na verdade, era um pequeno penhasco de uns quatro metros. Depois disso, a água afundava mais uns quatro ou cinco metros. O dono da casa tinha limpado o fundo do lago e colocado barragens para que o barranco não cedesse. Assim, aquele era o local ideal para pulos. A brincadeira começou dessa maneira, com as pessoas pulando e dando cambalhotas no ar antes de cair na água. Era uma péssima ideia ter gente bêbado pulando na água, mas ninguém parecia muito preocupado com esse risco distante. Afinal, tínhamos vinte anos, éramos imortais! Quando se cansaram da brincadeira de pulo, a brincadeira passou a ser jogar os colegas secos na água. Eu não vi quando Paulinho me pegou e me colocou nas costas. Eu pedia pra parar, que não estava no clima, mas era tudo uma diversão. Ainda com bermuda e camiseta, eu fui atirado do penhasco e mergulhei fundo nas águas do lago de Furnas. Com a força do impacto do pulo, eu senti meus pés batendo no fundo do lago.

Que preguiça de nadar até lá em cima!” pensei.

E antes de dar meu primeiro impulso pra subir, um pensamento sombrio me veio à cabeça:

“Subir pra quê?”

O que me esperava lá em cima? Uma vida miserável e infeliz? O homem que eu amava nos braços de outra pessoa? A destruição da minha família? Eu era um peso para o mundo lá de cima, isso sim. Sem mim, Rafael conseguiria amar Carolina como se devia e ser feliz com ela. Alice e Pedro conseguiriam seguir com suas vidas sem que os atrapalhasse. O meu pai jamais contaria a verdade à minha mãe, e eles viveriam em paz se consolando. Lógico, eles sofreriam e sentiriam a minha falta, todos eles. Mas eles estariam bem melhor sem mim. Então, subir pra quê?

É o tipo de decisão que se toma num milésimo de segundo, uma decisão da qual você vai se arrepender pro resto da vida. Eu não pensei em mais nada, nem no antes, nem do depois. Eu lembro de ter pensado em Eric, em como ele devia estar em paz agora. Embaixo da água, no momento mais sombrio da minha vida, eu tomei a minha decisão: eu abri a boca e o nariz e deixei que a água invadisse meus pulmões.

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Comentários

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...É a dor na alma...seja engatinhando...

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Que angústia! Que solidão! E a dor na alma. Aquela dor que não tem remédio. Que só muito amor e o tempo podem curar. Que precisa ser curtida até se entender que, no fundo do poço só resta subir, seja engatilhado, seja escalando, com ou sem ajuda. Infelizmente muita gente não consegue.

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