Bernardo [49] ~ Partida

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2679 palavras
Data: 05/12/2023 15:46:36
Assuntos: Gay, Início, Sexo, Traição

Junho estava chegando ao final e com ele o meu semestre letivo. Além das provas finais e trabalhos, eu vivia numa correria pra minha viagem. Eu consegui a vaga no intercâmbio. Eu iria morar e estudar em Paris durante um ano. Eu mal acreditei quando o meu coordenador me deu a notícia, esse tipo de coisa é tão difícil de se conseguir. Ainda mais estudar em uma cidade grande como Paris. Eu sentia que, após tantos tombos, a vida começava a me colocar no caminho certo.

Eu não sei explicar direito, mas eu simplesmente sabia que precisava daquela viagem. Eu precisava começar de novo. Era um país novo, um idioma novo, pessoas novas, cultura nova. Eu estava incrivelmente animado, o que me era estranho. Eu sempre fui meio fechado ao novo, mais retraído e pouco à vontade com mudanças. Mas agora eu queria aquilo. Eu sabia que seria bom pra mim. Eu sabia que em Paris estava a chave pra que eu pudesse enfim melhorar. Não tinha explicação, eu apenas sabia.

Logicamente, nem todos ficaram felizes com meus planos. Eu tive um certo trabalho pra convencer todos que era o melhor pra mim.

_Um ano?!_ ela gritou.

_É, mãe, um ano, mas...

_Um ano!_ ela nem parecia estar me ouvindo.

_Sim...

Eu tive que esperar ela se acalmar antes de conseguir usar meus argumentos.

_Vai ser bom pra mim, mãe. Eu vou crescer muito como profissional e como pessoa.

_Mas é outro país! Do outro lado do Atlântico!

_Eu sei, e isso é bom. Eu vou poder ser independente, me virar sozinho um pouco.

Do canto da sala, meu pai me olhava em silêncio. Eu sabia muito bem o que ele estava pensando. Eu não tinha tido a conversa com a minha mãe ainda. Eu enrolava meu pai há quase dois meses e meio, e ele estava ficando sem paciência.

_Quando você vai falar com ela?_ ele perguntou um dia em que estávamos a sós em casa.

_Eu posso esperar voltar da França?_ perguntei receoso.

Ele me deu um olhar recriminador.

_Como é que eu fico escondendo isso da sua mãe?

_Eu sei, pai, mas me dá esse tempo. Eu acho que essa viagem vai me fazer muito bem.

Ele me olhou sem dar muito crédito.

_É sério._ eu fiquei envergonhado pela próxima coisa que eu ia dizer _Eu acho que vou me encontrar lá.

Ele sacudiu a cabeça em sinal de cansaço. Eu tinha convencido ele.

_Ok, você vai. Mas estou te avisando: assim que você pisar no Brasil, conversar com sua mãe vai ser a primeira coisa que você vai fazer.

_Eu sei. Eu juro.

E assim seria...

[...]

Alice também não estava encarando bem a questão da minha viagem.

_Não acho que você deva ficar sozinho

Ela não falou com todas as letras, mas ela se referia à minha (patética) tentativa de suicídio. Já tinha se passado quase dois meses desde aquela viagem, mas aquele assunto ainda era uma sombra pairando sobre nós. E sempre seria. Como eu disse, aquele dia deixou uma marca em mim e em meus amigos que nem o tempo poderia apagar. Só nós quatro sabíamos o que tinha acontecido. Meus pais nunca souberam nem do afogamento.

_Não há esse perigo, Alice._ respondi envergonhado.

_Quem me garante?

_Não há garantias.

Ela me olhou ressabiada. Eu entendia o medo que ela sentia por mim. Eu sabia sobre o ponto que a minha cabeça chegou para eu tomar a atitude que tomei naquele dia, e sabia também que não aconteceria de novo. Só que eu não tinha como passar essa sabedoria pra Alice.

_Você precisa confiar em mim que não vai acontecer de novo._ completei.

Ela suspirou fundo.

_Você acha que vai te fazer bem mesmo?_ perguntou.

_Sim, eu acho que essa viagem é justamente o que eu preciso. Eu não sei como te explicar, Alice, mas eu sinto eu preciso ir, sabe? Eu me vejo lá.

_E eu? E Pedro? A amizade de vocês tá engrenando agora.

_Nós vamos estar sempre nos falando. E vocês ainda vão estar aqui quando eu voltar, não?

_Claro.

Ela deixou os ombros caírem em sinal de derrota.

_Se você fizer uma bobagem, eu juro que vou até Paris terminar o serviço, tá me ouvindo?

Eu ri. Era aquela Alice que eu conhecia e amava. Desde o dia do lago, por mais que ela tentasse disfarçar, havia sempre uma preocupação em seus olhos quando conversava comigo. Era como se ela temesse que a qualquer momento eu desmoronasse novamente. Eu entendia esse sentimento, mas ele me incomodava. Eu queria a minha amizade com ela de volta por completo. Mas, inocência a minha, nós nunca somos quem éramos ontem, então, por que nossa amizade teria que ser? Eu tinha esperança que esse tempo afastados, por mais que impossível de ser apagado, ao menos sufocasse um pouco os temores de Alice. Eu precisava mostrar pra ela que eu podia ser emocionalmente independente dos outros e viver uma vida plena. E eu precisava provar isso pra mim também.

Pedro também não estava aceitando muito bem a minha viagem. E ele era consideravelmente mais carente que Alice.

_Um ano, velho!_ ele falou.

Todas as vezes que eu contava sobre a viagem pra alguém, era como se a mesma conversa estivesse se repetindo.

_Vai passar rápido, Pedro.

_Mas um ano?

_Sim. Se põe no meu lugar e pensa: “um ano morando em Paris”!

_Tá, mas justo agora, que a gente..._ ele falou meio constrangido.

Pedro e eu não viramos super amigos da noite por dia, foi um processo lento de reaproximação. A lembrança do que aconteceu aquele dia ainda era visível no modo como ele me tratava, mas de uma forma diferente da de Alice. Ele foi o responsável por me distrair, por me levar pra sair e me divertir. A minha homossexualidade ainda era um assunto delicado. Só fui conseguir falar sobre isso com ele depois de semanas, e mesmo assim com muito cuidado. Tomando o cuidado pra evitar as partes sexuais, lhe contei sobre as minhas relações com Eric e Rafael. Ele fez algumas caras estranhas, mas tentou soltar os comentários mais corretos possíveis. Ele ainda se espantava com ele mesmo por não ter percebido o que acontecia embaixo do seu nariz. Mas íamos evoluindo. Ele já tinha liberdade o bastante até pra torcer por reconciliação minha com Rafael.

_Mas você vai embora agora? E Rafael?

Suspirei fundo. Nós ainda estávamos na mesma. Ele pareceu falar sério aquele dia no lago. Ele não falou mais comigo e mal me olhava. Ele estava decidido a me deixar no passado. Eu não valia mais a pena pra ele.

_O Rafael está namorando. Não há nada que eu possa fazer.

_Mas vocês...

Ele ia falar se amam, mas isso ainda era um passo que ele precisava dar. Tudo ao seu tempo.

_Eu não sei de mais nada, Pedro._ respondi triste.

Mas eu precisava fazer uma última tentativa.

[...]

Já estávamos quase na metade de julho e faltavam poucos dias pra minha viagem. Eu não via Rafael desde o fim das aulas, o que foi o nosso maior tempo sem se ver. Eu estava ansioso. Rafael pareceu desconfiado e receoso quando eu lhe liguei pedindo pra conversar. Demorou alguns torturantes segundos até ele me convidar para ir em sua casa. A saudade bateu forte quando entrei na sua casa. Eu não ia lá desde os nossos tempos de namoro. Olhando para a sua sala, eu me lembrava das nossas tardes de amor, das nossas declarações bobas, dos nossos corpos suados e esbaforidos caídos sobre o tapete. Eu amava Rafael, não deixei de amar por um mísero segundo em todo esse tempo. Eu simplesmente não podia deixá-lo partir.

_O Rafael já vem._ falou uma senhora que se parecia muito com ele.

A mãe dele. Eu nunca a tinha conhecido, eu nunca permiti a Rafael que nos apresentasse. Mas ela parecia ser uma pessoa tão legal que agora eu me sentia arrependido.

_A senhora deve ser a mãe do Rafael._ falei.

_Senhora não, por favor. Joana.

_Prazer, eu sou o Bernardo.

Um brilho estranho passou pelos seus olhos e eu podia jurar que vi seu sorriso simpático perder a sinceridade. Eu me perguntei se ela sabia quem eu era e o que eu representava. Felizmente, Rafael chegou na sala antes que um de nós dois precisasse dizer mais alguma coisa.

Ele estava só de bermuda e regata, mas estava lindo. Ele sempre foi lindo pra dizer a verdade, mas eu acho que fazia algum tempo que eu não reparava nele. Só que sua expressão era dura, ele não me recebeu com um dos seus habituais sorrisos.

_Vamos conversar lá no quarto.

Eu obedeci e fui caminhando em direção ao seu quarto. Mesmo de costas, pude ver que ele e a mãe trocaram um olhar significativo, o que fez eu me sentir mal.

Ao entrar no seu quarto, sentei no parapeito da janela. Analisei com cuidado o lugar onde nos amamos tantas vezes e que parecia o mesmo. Rafael fechou a porta, sentou-se na cadeira do computador e ficou me olhando de braços cruzados.

_Então?_ ele falou.

_Sua mãe sabe sobre nós?

A dúvida estava me consumindo, eu tinha que perguntar.

_Sim._ ele falou suspirando _Algum problema com isso?

_Não, é só que...

_Você não tem mais o direito de me dizer o que e com quem eu posso falar.

Ele foi ríspido e isso me atingiu. Tentei me manter firme porque tínhamos uma conversa séria pela frente.

_Claro, eu sei. Era só por curiosidade._ respondi _Mas não foi sobre isso que quis vim conversar.

_E sobre o que seria?

Ele não abaixava a guarda por um segundo, sempre de braços cruzados e expressão séria.

_Você sabe que eu estou viajando pra Paris semana que vem, não sabe?

Ele se levantou e começou a caminhar pelo quarto impaciente. Ele tinha perdido a sua calma.

_Sei. Você tem noção do que está fazendo? Indo pra um lugar onde não teria ninguém pra te ajudar?

Novamente, a tarde no lago vinha à tona. Todos eles tinham o mesmo medo, e eu não tinha meios de fazê-los entender o motivo de eu ter certeza que não aconteceria de novo.

_Eu sei o que estou fazendo. E eu não vou precisar de ajuda.

_Se você diz.

Ele queria se mostrar indiferente, mas não conseguia. Rafael e eu ainda mexíamos muito um com o outro.

_Você sabe porque eu estou indo pra lá?_ perguntei.

_Sei. Porque você é um covarde. Ainda não aprendeu a lidar com seus problemas e agora está fugindo deles.

_Muito pelo contrário. Eu estou indo resolvê-los.

Ele deu um sorrisinho irônico. Eu precisava ganhá-lo na conversa.

_Eu estou indo por você.

Ele me olhou curioso. Nos fundos dos seus olhos, eu pude ver um resquício de sentimento bom. Era só mencionar nós dois que ele se mostrava incapaz de esconder isso.

_Você me disse pra mudar e depois me disse que não achava mais que eu pudesse mudar._ eu o olhei firmemente pra ele entender que eu falava seriamente _Eu posso, Rafa! Eu vou mudar! Eu não quero mais ser a pessoa que eu sou. E é por isso que estou indo. Eu vou passar um ano numa cidade estrangeira onde ninguém me conhece e ninguém me recriminará pelo que eu sou. Lá, eu vou descobrir quem eu sou.

Ele pareceu atordoado com minhas palavras. Ele não esperava por aquilo.

Você acha que é simples assim?_ perguntou ainda tentando se localizar.

_Não, mas eu vou conseguir. Eu vou lutar, mas não por você ou pelo nosso amor. Eu vou lutar por mim, Rafa. Eu quase me matei naquele dia. Vê a que ponto eu cheguei? Eu me odiava tanto a vida que eu moldei em volta do personagem que eu criei, que por alguns segundos eu cogitei seriamente a hipótese de deixar de existir. Isso não pode acontecer de novo. E não vai. Eu vou mudar. Eu vou melhorar._ fiz uma pequena pausa para ele absorver _E quando isso acontecer, eu vou estar pronto pra ser o namorado que você merece.

Essa última parte o atingiu em cheio. Ele parecia muito atordoado, mas de um jeito bom.

_Bernardo, eu não...

_Já está decidido: no dia em que eu pisar de volta no Brasil, daqui a um ano, toda a minha família e meus amigos saberão que eu sou gay.

Ele sorriu e eu sorri o acompanhando. Meu coração se aqueceu. Mas tinha uma certa tristeza em seu olhar.

_Era o que eu mais queria escutar a um ano atrás. Eu mataria pra escutar você dizendo isso tudo. Mas não agora. Eu encontrei alguém, Bernardo. Eu me apaixonei pela Carol.

Não tive como não me abater com suas palavras, mas me recompus rapidamente. Eu não desistiria tão fácil assim.

_Mas você me ama._ele foi responder, mas eu não deixei _Eu não estou pedindo que você abandone a Carolina e corra pros meus braços. O que estou te pedindo é pra ter o coração aberto e confiar em mim.

Eu cheguei bem perto dele, mas não o suficiente pra fazermos uma bobagem e estragar tudo.

_Eu vou te reconquistar, Rafa.

Sem esperar uma resposta, pois tinha medo de qual seria, me dirigi à saída. Mas antes virei pra ele, que ainda parecia atordoado e pensativo.

_Você vai se despedir de mim no aeroporto?_ perguntei.

Ele demorou alguns segundos pra pensar na resposta.

_Não.

Não era a resposta que eu queria ouvir, mas não me deixei abater.

_Boa viagem._ ele falou.

_Obrigado. Até a volta._ e saí.

[...]

No aeroporto, muitas lágrimas da minha mãe. Parecia que ela estava mandando um filho pra guerra. Me despedi de todos um a um. Meus irmãos ainda estranhavam passar tanto tempo sem mim, nunca havíamos nos separados por mais de uma semana. Ainda não tinham se acostumado com a ideia. O meu pai me abraçou e me desejou juízo. Minha mãe fez mil recomendações e prometeu ir passar o Natal comigo. Alice se fazia de forte, mas estava quase derramando lágrimas.

_Lembra do que eu te falei._ ela falou enquanto me abraçava _Eu vou lá terminar o serviço.

_Não vai ser preciso, pode deixar._ respondi rindo _E me faz um favor?

_Qual?_ perguntou já se soltando.

_Cuida do Pedro e do Rafa pra mim?

Ela respondeu revirando os olhos, o que me arrancou outro sorriso. Pedro foi o próximo. Também estava se fazendo de forte quando me abraçou desejando boa viagem.

_Posso te confessar uma coisa, Pedro?_ perguntei baixo o bastante pra que ninguém nos ouvisse.

_O que?_ perguntou curioso.

_Nunca gostei do Marcos. Ele não combina com a Alice.

Ele sorriu e seu rosto ficou vermelho.

_Bernardo, Bernardo...

_Por que ela nunca quis te namorar?_ perguntei.

_Porque eu era um idiota?_ respondeu.

_Sim. E você melhorou nos últimos três meses?

Ele sorriu em resposta. Pedro tinha um longo caminho a percorrer ainda antes de se ver livre dos seus preconceitos, mas ele já era uma pessoa bem melhor do que a que conheci.

_Eu estou correndo atrás da minha felicidade,_ falei _você deveria correr atrás da sua.

Ele não me respondeu, apenas continuou sorrindo, mas eu tenho certeza que minhas palavras ficaram ecoando na sua cabeça.

Quando não houve mais como evitar o embarque, entrei na sala de embarque com muito choro por parte da minha mãe. Confesso que eu olhava pra trás durante o tempo todo, na esperança que Rafael apareceria correndo esbaforido e me pedindo pra ficar. Talvez eu ficasse. Mas ele nunca foi lá se despedir.

Sem mágoas, me ajeitei no avião e fiquei olhando a cidade se afastando. Fechei os olhos e vislumbrei um futuro comigo e Rafael juntos. Eu sorri sozinho. Dia 22 de julho de 2007 e eu estava partindo pra Paris. Mais ainda: eu estava partindo pro futuro. Eu estava partindo pra encontrar meu destino e a pessoa que eu sempre procurei em mim. Eu partia rumo ao recomeço.

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 9 estrelas.
Incentive Contosdolukas a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.
Foto de perfil de ContosdolukasContosdolukasContos: 463Seguidores: 102Seguindo: 41Mensagem Jovem escritor! Meu email para contato ou trocar alguma ideia (contosdelukas@gmail.com)

Comentários

Foto de perfil genérica

Não sei se foi o caminho certo, um ano é muito tempo, nesse tempo Rafael pode se apaixonar ainda mais por Carol e esquecer Bernardo de vez

0 0
Foto de perfil genérica

Eu aqui esperando de repente Rafael sentar na poltrona ao lado de Bernardo. Seria pedir muito?

0 0
Foto de perfil genérica

Só espero que todos encontrem um caminho que os leve à realização pessoal, profissional, afetiva... Gente! Parece que são minha gente! Tô muito mexido!

0 0
Foto de perfil genérica

Nossa senhora, sei que isso não vai acontecer, tenho quase certeza, mas queria tanto ver no fim o Pedro com a Alicia e o Bernado com o Rafael, mas sei que é algo impossível, pelo menos o que parece no desenrolar da historia.

Isso me faz pensar que é mais normal na sociedade que a gente imagina, existe pessoas que sofrem desse jeito e passam por tudo isso na cabeça, mexe com a gente.

0 0