Bernardo [57] ~ Felicidade

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 1823 palavras
Data: 05/12/2023 16:35:04
Assuntos: Gay, Sexo, Início, Traição

Maio é um mês histórico para Paris.

Em maio de 1968, a França foi tomada por uma greve geral. Não só dois terços dos trabalhadores do país, mas também os estudantes do país foram às ruas. É um momento sem igual na história do ocidente porque pela primeira vez não era o protesto de uma classe social ou uma minoria. Um país inteiro ia pras ruas em busca de mudanças. Eles queriam mudar o sistema no qual estavam inseridos. E por mais que o movimento tenha tido um fim tão breve, as sementes da mudança haviam sido plantadas.

_Você sabe que devemos tudo a eles, não sabe?_ perguntou Ricardo enquanto andávamos de mãos dadas.

Por mais que não haja um feriado nacional para comemorar a data, os parisienses lembram-se da Primavera de 1968 e enfeitam suas casas em comemoração. Eu e Ricardo andávamos admirando o cenário.

_Sem eles isso não seria possível._ continuou Ricardo mostrando nossas mãos unidas _Há quarenta anos eles foram pras ruas contra o sistema. E é por isso que hoje podemos andar de mãos dadas por aí sem medo de sermos atacados.

_Eu sei.

_Fico imaginando se um dia isso aconteceria no Brasil também.

_Sonhar é de graça, né?

Eu e meu namorado levamos muito a sério a promessa que fizemos naquela noite. Aproveitaríamos aqueles últimos dois meses juntos da melhor forma possível, sem não nos preocuparmos com mais nada. Até mesmo pedi a Alice e Pedro que não tocassem no nome de Rafael comigo. Eu realmente queria deixá-lo guardado num armário das minhas lembranças pelas próximas semanas

Alice aceitou mesmo o pedido de namoro de Pedro?_ perguntou Ricardo.

_Sim! Finalmente!

_Você deve estar se sentindo ótimo com isso.

_A vontade que eu tenho é de encomendar uma faixa de “eu te avisei” e mandar pra casa da Alice._ respondi fazendo meu namorado rir.

Alice enfim cedeu e virou oficialmente a namorada de Pedro. Ele estava vivendo seu sonho dourado. Ela, por mais que relutasse em admitir, estava se apaixonando seriamente por ele. Eles combinam por ter personalidades opostas, mas isso também gerava comportamentos opostos no namoro. Pedro queria pegar a mão de Alice e ir a exibindo por aí. Ela via um pouco de machismo misturado ao amor quando ele fazia isso e não gostava. Ela preferia transar e passar horas jogando papo fora deitada nua em cima do peito dele. Só Deus sabe que papo os dois tinham em comum. Hoje, eu imagino que eles estavam se conhecendo. Eles tinham apenas um esboço do que era o outro, mas namorar exigia muito mais do que isso. Era preciso entender o olhar e a vontade secreta do outro. Era preciso prever cada ação e pensamento. Era preciso conhecer o outro melhor do você mesmo. Isso não é amor, isso é estar num relacionamento.

E era assim comigo e com Ricardo. Nós não apenas namorávamos como morávamos no mesmo quarto. Eu sabia interpretar cada pequeno gesto ou discreto olhar seu. Era como estar dentro da sua cabeça. E nós tínhamos ideias parecidas. Nossas mentes seguiam para o mesmo lugar, ainda que não funcionassem de maneira igual. Era diferente do que aconteceu com Rafael. Nem melhor, nem pior, apenas diferente. Eu e Rafael tínhamos cabeças muito diferentes e personalidades contrastantes, quase como uma versão gay e mais branda de Alice e Pedro. Por essa razão, com Ricardo era tudo mais fácil e, até certo ponto, mais prazeroso.

Na comparação com Ricardo, Rafael perdia em muitos quesitos. Além das diferenças, a personalidade explosiva de Rafael me assustava às vezes. O jeito como ele agia com certas coisas, como no caso de Eric, por exemplo, não me agradava. Ele é de extremos, sendo uma pessoa mais difícil de se negociar. E a maior desvantagem de todas: Paris. Poder andar de mãos dadas, nos beijarmos na rua e deixar que nossos amigos nos vissem juntos por aí fazia toda a diferença.

Por mais cruel que isso possa soar, tenho que admitir: Ricardo era o melhor namorado. O único problema é que eu amava mais Rafael e isso pesava tanto ou mais do que todas as maravilhosas qualidades de Ricardo. Não era uma disputa justa, nunca foi. Desde o momento zero, Rafael foi vencedor.

Ao voltarmos pro apartamento, o encontramos vazio. Ricardo não perdeu tempo.

_Aqui, agora._ falou com uma voz imperativa.

Ele passou seus braços por baixos dos meus e me prendeu num abraço por trás. Ele começou a morder meus ombros e meu pescoço, o que já me despertou. Eu deitava a cabeça pra trás e deixava o caminho livre para ele fazer o que quiser.

_Vem!_ falou e me puxou pro nosso quarto.

Mal tive tempo de trancar a porta e ele já foi arrancando minhas roupas com ferocidade, me deixando até tonto de tesão. O jeito que ele fazia aquilo, a pressa, o desejo, me extasiava. Ver nos seus olhos o quanto ele queria meu corpo me deixava louco, afinal, não existe maior prazer do que dar prazer.

_Encosta aqui._ ele falou.

Ele me guiou pra uma das paredes e me deixou os braços apoiados na janela.

_Eu quero que você olhe Paris enquanto eu te fodo.

Estranhamente, aquilo me deu ainda mais tesão. O fato de alguém poder nos ver lá de fora era ainda mais excitante. Eu já estava nu e ele não demorou muito até ficar também. Não houve preliminares.

_Você confia em mim?_ ele perguntou.

_Sim..._ respondi num sussurro já sabendo o que ele estava perguntando.

Eu nunca tinha feito sexo sem camisinha. Nem mesmo com Rafael. Era uma baita prova de confiança. E eu confiava em Ricardo, eu tinha certeza que ele nunca me faria mal. Eu senti seu pênis entrar em mim lambuzado de lubrificante. Doeu um pouco, mas nada significante já que tínhamos uma vida sexual bem ativa.

E lá estava eu, sendo fodido enquanto olhava as pessoas passando despreocupadas e distraídas pela rua. E era tudo tão bucólico. Paris era o cenário ideal. Era a minha fantasia. E Ricardo estava a realizando.

Quando gozamos, corremos pro banheiro pra tomar banho juntos. Nunca fazíamos aquilo por termos medo de que algum dos meninos nos pegasse, mas resolvemos nos arriscar nessa vez. Era um fim de tarde, os raios solares entravam preguiçosos pela janela. Ele se deitou comigo na minha cama e eu adormeci rapidamente em seus braços. E eu dormi feliz, porque eu tinha certeza que ele ainda estaria lá quando eu acordasse.

[...]

Maio e junho passaram como os meses mais doces da minha vida. Sim, foi meio intenso com as provas finais e a cidade lotada de turistas, mas Ricardo compensava tudo. Se todo aquele ano em Paris já tinha sido especial pra mim, aquelas últimas semanas conseguiram ser o auge. De repente, eu me vi feliz.

Eu comecei essa história falando sobre a minha busca pela felicidade. Eu queria desesperadamente ser feliz, mas não sabia como. Ao longo da minha jornada até então, eu achei muitas respostas. Eu descobri que eu tinha que fazer as pazes comigo mesmo e com minha sexualidade. Eu tinha que me entender e me aceitar, porque senão os outros não fariam isso. Eu descobri as raízes dos meus medos na agonia de deixar que os outros não gostem de mim. Eu aprendi importantes lições sobre amizade, sobre amor... E eu aprendi muito sobre mim mesmo e meus limites.

Só que essa não é uma história sobre aprendizado, é uma história sobre a busca pela felicidade. É o gatilho da minha história. Mais: é o gatilho da minha vida. Eu levei dezenove anos aprendendo sobre os entraves à minha felicidade e foi mais um ano, em Paris, para eu começar a derrubar esses entraves.

Então, num belo dia no fim da primavera eu percebi que estava feliz. Não alegre, não extasiado. Feliz. Pela primeira vez na vida, eu estava realmente feliz.

“Pela primeira vez? E Rafael?!” vocês podem pensar.

Amo Rafael, sempre amei. Vou repetir isso até o fim dos meus dias. Mas amor não é garantia de felicidade, nunca foi. Morro de saudade daquelas seis meses de namoro escondido com Rafael. Nossas escapadas no fim de tarde, nossas longas conversas tentando desvendar nossos mundos, o primeiro amor... Eu estava amando pela primeira vez na vida. E amor é uma coisa muito intensa, pelo menos da forma como aconteceu comigo e Rafael. E eu estava amando a ideia de estar amando. Como uma garotinha boba. Mas isso é amor, não felicidade. A felicidade tem muito mais a ver com a paz e tranquilidade do que com o turbilhão de emoções que é seu primeiro amor. Por isso, por melhor e por mais maravilhoso que tenham sido aqueles meses com Rafael, não era felicidade.

Eu pensava nisso sentado na sombra de uma frondosa árvore no colo de Ricardo, aproveitando fim de tarde depois das aulas. Eu não pensava em nada. Eu não pensava no que eu faria da vida, em como enfrentar minha mãe, no que seria da minha relação com Rafael. Aliás, ok, eu pensava, mas era um pensamento distante. Meus problemas estavam no Brasil, eu não. Eu estava de férias deles. E sem meus problemas, só me restava a paz e tranquilidade da felicidade. Eu estava feliz. Ali, calado, ouvindo a respiração de Ricardo e o movimento do seu peito, eu estava feliz. Eu queria ter uma foto daquele momento para poder revistá-lo sempre que eu quisesse.

_Obrigado._ eu falei.

_Pelo que exatamente?

_Por me fazer feliz.

Ricardo riu e beijou o topo da minha cabeça. Eu me virei para ele, ainda sentado na grama.

_Eu falo sério._ falei o encarando _É a primeira vez que eu me sinto assim tão bem, tão em paz. Eu estou feliz. E você é o responsável por isso.

Era um ponto complicado de se tocar com Ricardo, pois poderia gerar questionamentos do tipo:

“Então, por que você escolheu Rafael?”

Eu lhe daria de novo a resposta clássica (“porque eu o amo mais”) e estragaria aquele lindo momento. Mas eu precisava falar. Ele precisava saber.

Ricardo riu e acariciou de leve o meu rosto.

_Eu tenho minha parcela de culpa, mas você é o grande responsável._ ele me puxou de volta pro seu colo _Você aprendeu a gostar de si mesmo. Por isso você está em paz. Eu sou só a cereja do bolo.

Ele estava certo. Mas eu tenho dúvidas se eu teria alcançado aquela paz comigo mesmo sem sua ajuda. Ele veio no momento certo.

Ricardo começou a cantarolar baixinho no meu ouvido:

¬_Laaa Laralaraaa laralara...

Eu ri reconhecendo a música. Ele começou a cantar de um jeito que só eu ouvisse:

<música de Paris>

Era assim que eu me sentia, vendo a vida em cor de rosa. E comigo, como nada vem de graça, a felicidade veio acompanhada de uma aflição: Rafael poderia me amar, mas ele poderia me fazer tão feliz como Ricardo fez?

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Comentários

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Se eu fosse Bernardo daria um jeito de ficar mais um tempo em Paris com Ricardo.

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Gente! Que melancolia! Meus olhos encheram-se de lágrimas. É o prenúncio da separação desses dois e o término de dias intensos, porém tranquilos.

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