Bernardo [63] ~ O ódio de Caio

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2334 palavras
Data: 05/12/2023 18:11:43
Assuntos: Gay, Início, Sexo, Traição

Aos poucos eu fui me convencendo que o plano de Tiago era bom. Se toda a família estivesse do meu lado, minha mãe teria menos força pra ir contra a minha sexualidade quando eu me assumisse. Era o que eu achava, pelo menos. Laura, Tiago e meu pai já sabiam. Faltava mais um para completar o time: Caio. Ironicamente, é o irmão com quem eu tenho a melhor relação.

Caio é dois anos mais novo que eu e gêmeo de Laura. Fisicamente, ele é muito parecido comigo. A despeito de Laura ter nascido loira, ele tinha cabelos castanhos. Pele pálida, olhos fundos, alto, magro. Introvertido, quase totalmente recluso, está constantemente com cara de poucos amigos. Os cabelos caíam até seus ombros, o que combinava com suas roupas pretas e largas, sempre com a estampa de alguma banda da qual eu nunca tinha ouvido falar. Era baixista numa banda de garagem que fazia muito mais barulho anárquico do que música propriamente dita. Ele era estranho? Era, eu achava. Mas de uma coisa eu suspeitava: quando tivesse lá pelos seus vinte e tantos anos, ele faria muito sucesso com o sexo oposto. Ele seria o típico cara misterioso que fascina as meninas.

Assim que acordei e me alimentei na manhã seguinte à minha conversa com Tiago, fui bater à porta de Caio. Ouvi um grunhido em resposta que eu imaginei como um “sim”. Como de costume, o quarto estava quente, abafado e escuro. Não era de se estranhar que era o ambiente da casa que minha mãe menos gostava. Meu irmão, ainda deitado embaixo das cobertas, só se deu ao trabalho de abrir um olho pra ter certeza que era eu que tinha entrado, e depois voltou a fechar. Ele achou que eu estava ali só pra pegar alguma coisa emprestada, certamente. Mas não, independente do seu mau humor matinal, teríamos uma conversa muito séria. Abri as cortinas e a janela do quarto, deixando a luz e o vento frio da manhã de inverno entrar.

_Mas que porra!_ ele reclamou cobrindo a cabeça.

Sem saber muito bem por onde começar, me sentei numa cadeira e esperei que ele me desse atenção.

_O que você quer?_ ele perguntou desconfiado.

_Conversar.

A resposta o deixou ainda mais desconfiado, mas pelo menos eu conquistei sua atenção.

Como eu, Caio era bem tímido e introvertido. O que nos diferenciava é que ele lidava com isso com muita agressividade. Ele era muito arredio com todo mundo, e era de longe o filho que mais brigava com meu pai e minha mãe. Ele tinha uma raiva represada na garganta que eu nunca tive. Tinha sempre uma resposta na ponta da língua ou um comentário maldoso sobre o quanto ele odiava fazer parte daquela família, daquela escola, daquele país, etc.

_Se foi a mamãe que pediu pra você vir me falar sobre vestibular, esquece! Já falei que não vou pra faculdade!

_Você é um burro por pensar assim. Mas tudo bem, a burrice lhe é assegurada por lei. Mas não foi isso que eu vim te falar, nem foi ninguém que me mandou. Sou eu que quero conversar com você.

_Sobre...?

_Sei lá..._ falei sem jeito _Sobre nós dois.

Eu nem sabia direito como começar uma conversa sobre aquilo com ele. Bom, continuando a história da minha infância, depois que Tiago cresceu demais para poder brincar comigo, foi Caio que assumiu seu lugar. Na época que isso aconteceu, eu já tinha por volta de VIII anos, e Caio tinha V, ou seja, a diferença não era tão grande assim. Por causa disso, um nunca assumiu uma relação de proteção com o outro, como ocorreu com Tiago. Éramos iguais. Não sentíamos esses dois anos que nos separavam. O fato de nossas personalidades serem (até certo ponto) parecidas ajudava bastante nessa proximidade. Sabíamos, por exemplo, quando o outro não estava a fim de conversar com um simples olhar, o que sempre evitou muito bem as brigas. Nós dois só viríamos a nos distanciar quando entrei na faculdade, porque foi a partir daquele ponto que nossas personalidades passaram a se diferenciar com mais força.

Se vocês eram tão próximos, por que você nunca contou a ele que era gay?” vocês dizem.

Não é tão fácil assim. Mesmo para Alice, eu só contei depois dela me pressionar muito. Eu e Caio nunca conversamos nada sobre nossas vidas sexuais. Desconfio até que ele era virgem. Por mais próximos que fossemos, eu não sabia bem como seria sua reação. Ali, prestes a contar tudo a ele, eu ainda não sabia bem como seria sua reação.

_Que papo é esse?_ ele perguntou já desperto.

_Faz tempo que a gente não conversa._ comecei inseguro _Alguma coisa acontecendo com você?

_Não.

Curto e grosso, como de costume. Mas não havia mais como recuar. Seria pior se ele descobrisse junto com a minha mãe. Seriam dois incêndios para apagar de uma só vez.

_Tem razão, esse papo tá estranho._ eu falei me cansando dos meus próprios rodeios _Eu tenho uma coisa pra te contar.

Sem reação. Ele continuou me encarando com uma expressão que vacilava entre confusão e desdém.

_E eu não sei bem como vai reagir a isso..._ completei, mas novamente não houve reação sua.

Respirei fundo antes da próxima e derradeira frase. Pensando bem naquele momento, era a primeira vez que eu diria aquilo para valer. Eric nunca perguntou, já foi beijando. Alice só precisava de uma confirmação, e, mesmo assim, depois de muita pressão. Posso falar o mesmo do meu pai. Eu estava bêbado e deprimido quando contei a Ricardo. Rafael e Laura descobriram sem que eu tivesse o menor controle sobre isso. Tiago já sabia pela foto antes de vir me procurar. Para Pedro eu contei num momento de raiva, com a única intenção de atingi-lo. Tio Aurélio eu já sabia que era gay, então não valia. Era primeira vez que eu realmente diria para alguém que eu era gay.

_Eu sou gay.

Pronto, estava dito. Não havia mais como voltar atrás. Ali, sentado na cadeira, eu encarei Caio sentado na própria cama. Suspense e tensão pairavam no ar.

_Você o que?!

_Eu sou gay.

_Você é viado?!

Sua expressão era uma mistura de confusão, nojo e raiva. Ali, abandonei todas as minhas esperanças daquela ser uma conversa fácil.

_Caio...

_Você é viado!_ ele falou em tom acusatório _É claro que você é! O seu jeitinho todo certinho é isso!

_Para com isso, Caio._ pedi.

_Isso é nojento.

Doeu mais do que eu imaginava ouvir isso de um dos meus irmãos. Doeu muito. Mas eu respirei fundo. Eu não podia perder a calma.

_Não, não é nojento. É normal.

_Normal o caramba! Você é viado!

_Só porque você não vê dois caras se beijando na rua todo dia, não quer dizer que não é normal. Significa só que seu mundo é muito pequeno.

O contra-ataque saiu sem querer. Ele se enfureceu.

_Já falou o que você queria? Pois bem, pode sair do meu quarto, agora!

Não ia adiantar nada discutir nada com ele naquele estado. Então, apenas me levantei e sair. Era melhor dar um tempo para ele analisar a nova informação.

_Seu viado desgraçado._ ele falou sussurrando pelas minhas costas.

Meu sangue ferveu. Se fosse antes, eu teria engolido a ofensa e chorado sozinho no meu quarto depois. Afinal, eu aceitei até aquela surra calado, não? Mas agora ele ia engolir suas palavras. Eu já tinha aberto a porta, mas voltei a fechá-la e trancá-la. Me virei de volta para ele.

_O que foi? Já te mandei sair._ ele falou.

Permaneci calmo tentando encontrar a última gota de paciência em mim para não explodir com ele.

_Trancou a porta por quê? Vai me estuprar por acaso?_ ele tirou a coberta do colo e mostrou que estava só de cueca _Afinal, é disso que você gosta, né?

Lógico que ele não pensava que eu ia abusar dele, nem nada, ele queria apenas me provocar. E conseguiu. Eu nem via o que está fazendo, eu só senti o impulso de partir para cima dele. Em uma fração de segundos, eu já estava em cima de Caio, o imobilizando. Minha mão esquerda apertava seu pescoço e a direita estava parada no ar em posição de ataque pronta para virar um soco endereçado ao seu rosto.

Caio me olhava muito assustado. Ele nunca esperaria aquela reação de mim. Aliás, nem eu mesmo esperaria aquela reação minha. Mas eu era outro. Eu não mais do tipo de pessoas que aguentaria um insulto daqueles calado. Ainda mais do meu irmão. Independente de ser mais velho que ele, ele me devia respeito pelo simples fato de sermos irmãos.

_Eu juro, Caio, eu juro que você só não vai levar esse soco porque eu vou ter trabalho me explicando depois._ falei entre os dentes com raiva _Porque Deus é testemunha que vontade e motivos não me faltam.

Ele continuou me olhando assustado. Eu abaixei o soco, mas continuei segurando ele pelo pescoço.

_Gostando ou não de com quem eu me deito, você vai me respeitar. Tiago, Laura e papai sabem e estão bem com isso. Eu vou contar para a mamãe, mas pensei em ter a consideração de vir aqui te contar antes, para você não ser o último a saber. Eu achei que eu devia esse respeito a você. Mas esquece. Se quiser, pode esquecer o que eu disse, não vai fazer diferença pra mim. Pode até fingir que eu não existo, você decide.

Só aí saí de cima dele. Não era inteiramente verdade. Eu não queria que ele me ignorasse ou me odiasse. Eu queria que me amasse. Mas Caio não era como as outras pessoas, ou pelo menos ele não queria se ver agindo como as outras pessoas. Eu não ia cair no joguinho de me humilhar para ele suplicando por aceitação. Eu ia me afastar dele e isso ia doer nele. Só assim ele me daria valor. Sim, era tudo um jogo, mas era minha melhor chance.

_Sabe, Caio._ continuei já de pé _Você é patético. Desculpe se eu não te disse isso antes, eu deveria ter aberto seus olhos para isso. Você passa tempo demais odiando os outros, odiando a vida, odiando a opinião alheia. Esse ódio todo está te fechando numa concha de burrice. Você parou de olhar pro mundo, agora você odeia tudo automaticamente. Você gasta tempo e energia demais tentando provar pra todo mundo que você não precisa provar nada para ninguém. Não é cansativo?

Eu aproveitei o momento e resolvi soltar tudo de uma vez. Eu precisava fazer com que doesse fundo nele. Seus olhos represavam lágrimas, que ele insistia em segurar para se fazer de forte.

_Não pense que eu não sei que isso é uma máscara. Isso é só medo de encarar o mundo. E está tudo bem, por que é normal ter medo do mundo. Foi o que sempre pensei quando lidava com você. Mas isso chegou a um ponto crítico. Você usa essa máscara há tanto tempo que já está internalizando ela. Você está realmente criando uma onda crescente de ódio dentro de si mesmo. E posso te falar? Isso está te fazendo uma pessoa insuportável. Tiago e Laura não têm paciência com você. Mamãe e papai já desistiram de tentar te entender. Eu sou o único que sobrou. Mas agora acabou. Eu vou ser sempre o seu irmão, mas eu não sou mais seu amigo. É seu direito não gostar de mim, do que eu sou. Mas isso tem consequências: não precisa me ligar quando estiver bêbado demais pra conseguir chegar em casa sozinho, não precisa mais me pedir dinheiro emprestado pra nada, e não me venha mais pedir pra intervir junto ao papai e à mamãe pra diminuírem seus castigos. A-ca-bou.

Ele agora estava realmente chorando, mas me fiz de forte. Eu não ia deixar que ele visse compaixão nos meus olhos. Eu não podia deixar ele montar em mim. Dei as costas a abrir a porta, mas ele falou:

_Você era meu herói, cara. Nunca foi Tiago ou papai. Sempre foi você. Mas no momento que você se prestou a entrar no meu quarto pra me falar tudo isso, você deixou de ser.

Não era fácil escutar aquilo, mas engoli em seco. Sem me virar para ele e seguindo meu caminho para fora do seu quarto, respondi:

_Que coincidência, Caio. Até meia hora atrás, eu realmente gostava muito de você.

[...]

E os dias se passaram assim, comigo e Caio nos evitando pelos cantos da casa. Eu realmente queria que ele caísse em si rapidamente, mas o menino era bastante cabeça dura. Contudo, eu achava que ele precisava de tempo para digerir tudo o que falei e ficar realmente em paz com aquilo tudo. Tiago não tinha a mesma opinião que eu. Ele queria forçar Caio a colaborar. Sem que eu pudesse realmente opinar, Tiago ganhou a discussão.

Era sábado à noite, fazia uma semana que eu tinha voltado ao Brasil e tanta coisa já tinha acontecido. Procurando descanso, recusei todos os convites para sair. Até o mesmo o dos meus pais, que foram viajar por três dias com um casal de velhos amigos. Caio estava enfurnado no seu quarto enquanto Laura e Tiago se arrumavam pra sair. Um sábado comum. Era o que eu achava. Aquele sábado se tornou especial a partir do momento que escutei gritos de protesto de Caio vindos de algum lugar do apartamento. Antes que eu pudesse levantar para saber do que se tratava, a porta do meu quarto se abriu com força e meu irmão mais novo passou voando e caindo no chão. Olhei assustado enquanto Tiago entrava atrás dele. Aparentemente ele veio empurrando Caio durante todo caminho. Logo atrás dos dois, veio Laura com uma expressão de aflição no rosto. Nós quatro nos encaramos em silêncio por um segundo.

_Acabou a palhaçada._ falou Tiago _Vocês vão aprender o que é uma família, nem que seja à base de porrada!

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