Bernardo [70] ~ Fantasmas

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2656 palavras
Data: 06/12/2023 06:32:57
Assuntos: Gay, Sexo, Início, Traição

Aquela semana na casa da minha avó em Porto Alegre se deu na mais completa paz. E era tudo o que eu queria. Eu estava de volta ao país há vinte dias e quantas coisas que já não tinham me acontecido? A minha situação com Rafael e com minha mãe era o que mais tomava meus pensamentos.

E é claro, também usei esse tempo lá para conversar com tio Aurélio sobre o que estava acontecendo.

_Sua mãe..._ ele falou balanço negativamente a cabeça depois de eu lhe contar tudo o que vinha ocorrendo.

_Sabe? Acho até preferia que ela estivesse explodido de uma vez. Seria melhor do que essa tortura lenta.

_Sei como é. Mas não acho que ela vai explodir com você. Se não o fez quando você quis passar a semana aqui, não acontece mais.

_Vai saber... Inconscientemente, eu acho até que queria que ela ficasse brava comigo por aquilo e enfim explodisse.

_Não tente provocá-la deste jeito. O resultado seria muito pior. Entendo que você quer uma resolução rápida, mas essa resolução pode não ser a melhor se você apressar as coisas.

_Eu sei...

_Acho até que é um bom sinal ela não ter feito algo mais extremo. Ela precisa de tempo para se acostumar com a ideia.

_Tá, mas quanto tempo? Meses? Anos? Se eu começar a namorar um cara amanhã? Como eu vou fazer, escondê-lo da família como fazia com Rafael? Eu caminharia novamente para uma relação fracassada.

_E vai adiantar alguma coisa colocar pressão sobre ela? Eu sei que não é fácil, mas dar tempo a ela é o melhor caminho.

Não, não ia. Mas era difícil aguentar todo aquele clima em casa. Eu queria que aquilo acabasse de vez.

_Posso te perguntar uma coisa?_ falei.

_Se eu puder responder.

_O que você e minha mãe tanto conversaram quando a gente chegou sábado?

Ele deu um longo suspiro.

_Sobre você. Ela me perguntou sobre como a gente se conheceu antes mesmo de me perguntar o que eu estava fazendo de volta ao Brasil.

_Sério?

_Claro. Ela ficou sim surpresa por eu estar de volta, mas ainda mais surpresa por descobrir que nós já nos conhecíamos.

_E o que ela falou?

_Ela foi um tanto quanto ríspida. Apesar de não ter sido uma acusação formal, ela fez a ligação entre o fato de nós termos nos conhecido na sua viagem e o fato de você se assumir assim que chegou.

_Como se você tivesse influenciado em alguma coisa?

_Sim... Mas eu fui sincero com ela, que quando nos conhecemos você já estava com essa ideia na cabeça.

_Sim, o meu pai me pressionava para contar para ela desde antes de eu viajar.

_No mais, ela só perguntou como eu tinha voltado, se eu tinha me entendido com sua avó, essas coisas. E não fez mais contato durante o fim de semana. Não perguntou sobre mim, se eu estava bem, sobre Klaus ou as crianças. Enfim...

Lá no fundo, eu esperava que a volta de tio Aurélio tivesse um efeito mais positivo sobre a minha mãe. Sei lá, eu esperava que a falta que o irmão faz na vida dela a lembrasse de como ela o amava, e como esse amor era maior do que qualquer outra questão associada à sua sexualidade. E quem sabe esse pensamento espelharia em mim? Ela poderia refletir como o preconceito deixou uma mãe e um filho afastados por mais de trinta anos. Mas não. Ela não via o preconceito como o causador daquela situação toda, mas sim a própria sexualidade do meu tio. Comigo era a mesma coisa: não importava se a minha homossexualidade tinha origem na genética, na minha criação ou no acaso, a culpa era só minha.

_Posso perguntar como anda a situação na sua casa?_ falou tio Aurélio.

_Ah, estranha. Ninguém fala com ninguém. Não estamos ignorando que alguma coisa aconteceu, mas nenhum de nós parece estar minimamente interessado em discutir o assunto. Laura tem seus próprios problemas para resolver e eu não a culpo. Caio precisa começar a gostar de si mesmo para aprender a gostar dos outros. Fábio tenta me entender, mas estou indo com calma, não dá pra jogar tudo em cima dele de uma vez.

_E seu pai?

_Sabe, eu tinha medo que isso afetasse o casamento dos meus pais, e afetou, mas não do modo como eu imaginava. Não teve uma grande briga entre eles ou alguma coisa do tipo, mas está estranho. Tá certo que eles nunca foram o casal mais carinhoso do mundo, mas fica claro que se distanciaram. Eles ainda dormem no mesmo quarto, eles não brigam na nossa frente, se falam normalmente... Mas não é natural, sabe? Parece que uma chama se apagou ali. Meu pai se sente culpado por não ter me ajudado mais cedo, então ele fica do meu lado. Por outro lado, ele também sabe que pesa contra ele o fato de ter escondido isso da minha mãe por tanto tempo, mais de um ano. Então, ele fica com um pé em cada um dos lados, o que é terrível. Ele não está me ajudando, e nem está ajudando a minha mãe.

_Mas é justo pedir para escolher seu lado?

_Mais do que lados, é uma escolha entre certo e errado, não?

_Na sua visão é, Bernardo, na dele pode não ser. Por tudo o que você contou, ele não te culpa por nada, mas também quer dizer que ele aceite tudo com muita naturalidade. É um mundo novo para ele também, e tendemos a ter um pé atrás com o “novo”. Ele só age como está agindo porque seu amor de pai é muito maior. Se fosse um sobrinho, sei lá, a posição dele seria muito mais radical, pode ter certeza.

_Mas eu sou seu filho..._ tentei argumentar.

Era uma coisa terrível de se dizer, como se eu fosse completar “e ela é ‘só’ sua esposa”, mas era assim que eu me sentia.

_Você sempre temeu que quando esse momento chegasse, você se assumisse, o seu pai e sua mãe entrariam numa espiral de brigas que destruiria seu casamento, certo? Ele está justamente tentando evitar isso. Por mais que seu instinto paternal diga que ele tem que te proteger de qualquer coisa, até da sua mãe, ele sabe que isso poderia destruir seu casamento e sua família. Seu pai é um homem muito sensato, está tentando fazer o que é melhor para todos, não só pra você.

Novamente, me calei. Eu sei que estava sendo egoísta ao querer que todos assumissem meu lado e ficassem contra a minha mãe, mas era o ambiente que foi criado. Talvez o meu pai estivesse realmente agindo para o bem de todos, mas o meu lado prevalecia quando eu pensava nisso.

_E mais: não existe nenhum garantia que isso vá salvar o casamento deles._ completou tio Aurélio _É uma coisa muito forte, um trauma imenso para um casal quando um filho se impõe entre eles. No caso deles, era até melhor que houvesse uma explosão da sua mãe. Eles brigariam, soltariam todas as mágoas e, talvez, fizessem as pazes no fim. Do modo como escolheram lidar com isso, em silêncio, eles ficam alimentando um ressentimento mútuo. Isso nunca levou ninguém a lugar nenhum.

Será que o casamento dos meus pais estava em perigo?

[...]

Era minha última noite em Porto Alegre. Acordei de madrugada suado e com sede. Eram quase três da manhã. Eu tinha sonhado com meu avô. Eu não lembro de como foi o sonho, eu só lembro do seu rosto nele. E ele estava bravo. Meu coração estava acelerado de um jeito que eu não gostava. Talvez fosse melhor eu realmente não me lembrar daquele sonho...

Uma vez que minha família foi embora, eu pude ficar com um quarto só pra mim. O único som que se ouvia era o vento lá fora. Eu estava com sede e me levantei para beber água. A casa estava escura, só a luz externa a invadia. Eu sempre tive medo de andar sozinho à noite naquela casa, mas a medida que a gente vai crescendo, você aprende a superar o medo do escuro, apesar de nunca realmente perdê-lo. Caminhei até a cozinha tateando as paredes, porque o meu sono me impedia de raciocinar direito sobre as disposições das paredes e dos móveis. Na cozinha, bebi a água, deixei o copo sobre a pia, desliguei a luz e tomei meu rumo de volta ao quarto.

Quando eu passei pela sala de estar, alguma coisa me paralisou. Não como se alguma coisa estivesse realmente me segurando, mas como se eu fosse incapaz de dar mais um passo. Eu sei exatamente o que estava me paralisando: medo. Eu olhava diretamente para a escada, mas a visão periférica denunciava uma sombra sobre um dos sofás. Não era como se realmente estivesse vendo alguém ali. Hoje, quando penso naquela noite, eu sei que não tinha nada que pudesse realmente denunciar que tinha alguém ali. Não tinha uma forma, um som, volume. Era apenas uma sombra, talvez a sombra de uma árvore da rua que invadia a casa pela janela. Uma sombra nunca me chamaria tanto a atenção se não fosse por frio que eu sentia no meu peito. Era como seu meu corpo estivesse congelado. Era medo. Pavor. Eu queria sair dali.

_Bernardo?_ alguém falou quando a luz se acendeu.

Antes mesmo que eu pudesse raciocinar sobre a luz ou sobre a origem da voz, meu coração já batia tão rapidamente que eu achei que fosse sair pela boca. Era um susto só.

_Bernardo?_ voltou a repetir minha avó do alto da escada.

Eu a encarei e ela tinha uma expressão preocupada. Também pudera, eu devia estar branco feito uma folha de papel.

_Eu fui tomar um copo de água._ eu falei enfim.

Eu rapidamente subi as escadas, mas não antes de dar uma rápida olhada para aquele sofá, que estava completamente vazio. Eu passei por minha avó, mas ela continuou lá parada na escada, encarando o vazio com um olhar preocupado.

_Tudo bem, vó?_ perguntei.

_Sim..._ ela falou sem muita certeza _Vamos dormir, amanhã vai ser um longo dia.

Ela passou a mão sobre o peito, me lançou um sorriso vacilante e cada um de nós se encaminhou para seu quarto. Eu não consegui dormir naquela noite. Por mais que eu não tivesse visto nada, eu senti... Eu posso me enganar dizendo que eu estava impressionado pelo sonho e raciocinando pouco devido ao sono, mas o que eu senti naquele momento nunca me deixaria esquecer...

[...]

Foi uma boa semana, bem tranquila, apesar de ter saído bastante com meus primos, Klaus e tio Aurélio para explorar a cidade.

O meu voo era depois do almoço, então assim que acabei meu café da manhã, fui arrumar minha bagagem. Minha avó pareceu no quarto.

_Tem certeza que não quer ficar mais?_ ela perguntou.

_Minha mãe me mataria._ falei tentando forçar uma brincadeira, mas nem eu ri dela _Eu tenho compromisso no sábado à tarde, vó. Tenho que voltar de qualquer forma.

A festa de aniversário de Pedro. A bendita festa que ele convidou Rafael e Ricardo, o que já estava me deixando nervoso por antecipação.

_Tenha paciência com ela, Bernardo._ falou minha avó _Ela te ama.

_Eu sei...

_Ela vai aprender mais rápido do que eu aprendi, eu tenho certeza. E quando isso acontecer, vai valer a pena.

_É..._ falei sem saber como responder aquilo.

Ela ficou parada olhando pela janela enquanto eu terminava de arrumar tudo. Era estranho, ela nunca foi a avó mais carinhosa comigo, e também não estava interessada em forçar alguma coisa tão tarde. Então, eu ficava constrangido.

_Aproveite pra se despedir dessa casa._ ela falou.

_Como assim?_ perguntei confuso.

_Eu a coloquei à venda. Devo assinar tudo no começo do mês que vem.

_Por que? É a casa onde a senhora passou quase a vida toda.

_Exatamente por isso. É a casa onde passei quase toda a vida. Eu estou em uma nova fase, preciso seguir adiante.

_E para onde a senhora vai?

_Eu vou para um lar de idosos. Não um asilo mesmo, mas um condomínio onde mora apenas gente da minha idade. Tem a área comum, mas cada um tem seu quantinho, sua cozinha, seu jardim... Tudo muito bonito, e há liberdade total para eu sair quando quiser. E eu vou sair: pretendo gastar a pensão que eu ganho como viúva e minhas economias para viajar por aí. Talvez até passar um tempo com vocês em Belo Horizonte, ou com seus tios em São Paulo ou Berlim. Enfim, viver...

Eu sorri sinceramente para ela.

_Isso é bom, vó. A senhora merece.

_Pois é, além do mais, essa casa é muito grande para eu morar aqui sozinha. Eu não gosto.

_Sim, tem a questão da segurança, a sua saúde vai começar a ficar mais frágil...

_Sem contar o fantasma do seu avô.

Minha espinha gelou. Lembrei do meu sonho e da minha caminhada noturna.

_Eu olho pra minha cama e vejo seu avô. Me sento pra assistir televisão e vejo seu avô. Me sento à mesa para jantar e vejo seu avô. Não quero mais. Ele morreu, tem que ficar para trás.

Eu não tinha certeza se ela estava falando do fantasma do meu avô em sentido figurado, o que só me causava mais mal estar. Ela pareceu não perceber ou não se importar.

_Sua mãe não entendeu que a morte é o fim. Eu fui fiel aos desejos e às vontades do seu avô durante todo o nosso casamento, agora é hora de deixá-lo para trás. Não existe isso de “respeitar sua memória”. Ele não está vivo, não tem que ter opinião em nada.

Como eu não sabia o que responder, permaneci em silêncio arrumando minha mala.

[...]

Parti no início da tarde num voo com destino a São Paulo que depois seguiria para Belo Horizonte. No caminho, eu refleti muito sobre tudo o que estava acontecendo comigo.

Com minha mãe não tinha outra maneira a não ser deixar ela lidar com a questão sozinha. Como foi dito, eu não podia pressioná-la, ou as coisas poderiam ficar piores. Por mais doído que fosse, eu tinha que aprender a ignorá-la como ela fazia comigo. Ela continuaria a ser a minha mãe, assim como em nenhum momento eu deixei de ser seu filho, mas eu deixaria de correr atrás de algum “perdão” ou entendimento. Eu não podia virar refém da esperança que tudo se resolvesse rápido. Eu tinha que continuar vivendo, ainda que andando por aí com uma ferida aberta.

Quanto a Rafael, eu resolvi seguir o conselho de Pedro. Eu tinha que deixar ele lidar com seus próprios problemas. Parece horrível falando assim, mas foi exatamente o que ele fez comigo. Não que houvesse algum tipo de revanchismo da minha parte, de jeito nenhum, mas simplesmente não me cabia um papel no seu namoro com Carol. Ele tinha que sair sozinho da armadilha que entrou, do mesmo jeito que eu arrumei um jeito de sair da minha. No fundo, acho que não era nada disso. Eu apenas queria que ele lutasse por mim, que ele corresse atrás um pouco.

Eu ouvia música distraidamente dentro do avião enquanto eu esperava novos passageiros embarcarem em São Paulo para seguirmos viagem. Tão distraído, que não percebi quando aquele rapaz entrou, se escorou na poltrona à minha frente e me encarou. Um sorriso instantâneo se formou no meu rosto quando o vi.

_Ricardo!

Seu sorriso parecia ainda mais sincero e amoroso do que eu me lembrava.

_O que você está fazendo aqui?_ perguntei incrédulo.

_Ora, me convidaram para uma festa em Belo Horizonte esse fim de semana._ respondeu travesso.

E assim, o acaso trouxe de volta Ricardo à minha vida. Por mais confusão que aquilo fosse trazer, eu não estava reclamando. De jeito nenhum! Afinal, o passado não é feito apenas de fantasmas.

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Comentários

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Estou tão mexido com esse conto que não consigo segurar as lágrimas. Esse capítulo foi sereno, mas profundo. E agora tem o reencontro com Ricardo...

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