Bernardo [76] ~ Mundo real

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2189 palavras
Data: 06/12/2023 17:10:49
Assuntos: Gay, Início, Sexo, Traição

O tempo estava estranho naquela terça-feira. Era como se uma névoa estranha pairasse no ar. Talvez ninguém mais percebesse, mas eu percebia. Aquele seria um dia estranho.

_Bernardo? Bernardo!_ me sacudiu Tiago.

Olhei para ele acordando dos meus devaneios. Estávamos em pé na cozinha tomando café da manhã.

_Hã? O que foi?

_Eu que pergunto. Tá voando aí.

_Ah, não. Só pensando.

_Algum problema?

_Nenhum que você possa me ajudar..._ comentei terminando de beber meu leite.

_Eu sempre posso te ajudar. O que foi?_ ele me perguntou sério.

_Eu sei que posso contar com você, Tiago, obrigado. Mas nesse caso você realmente não pode me ajudar. Obrigado, qualquer dia te conto o que está acontecendo._ coloquei o copo vazio sobre a pia _Deixa eu ir que o Rafa já deve estar me esperando lá embaixo.

Quando me virei para sair da cozinha, dei de cara com minha mãe me encarando sem nenhum emoção clara no rosto. Eu paralisei por alguns segundos. Ela com certeza ouviu a menção ao nome de Rafael. Ninguém na minha casa sabia que eu voltei a namorar Rafael, preferi deixar a poeira abaixar antes. Mas dentro de todo o contexto, não é impossível de se pensar que ela tenha juntado as peças quando ouviu o nome dele. Passado o meu susto, dei a volta por ela, peguei a minha mochila e saí. Antes de sair, ainda ouvi Tiago falar alguma coisa com ela, possivelmente chamando sua atenção quanto a mim.

Eu achava que a minha relação com minha mãe já estaria melhorando àquele ponto, mas não, estávamos no mesmo lugar. Nossa relação agora se resumia ao silêncio. Ela não fazia a mínima questão de reabrir o diálogo, nem eu fazia questão de lhe abrir brechas. Se fosse me aceitar, que me aceitasse por completo, eu não aceitaria migalhas de seu amor. Coube aos outros, principalmente meu pai e Tiago, tentar buscar esse diálogo, embora quase sempre falhassem.

Quando saí pela portaria do prédio, Rafael me esperava encostado no seu carro. Ele olhava para cima exibindo um grande sorriso, o qual não entendi o motivo em princípio. Ele deu um tchau pra cima. Ao chegar a rua, olhei para cima procurando qualquer coisa e nada vi de diferente.

_O que foi?_ perguntei a ele quando cheguei mais perto.

_Sua mãe estava me olhando da varanda.

_Ahh..._ respondi sem jeito.

_Ela já sabe da gente?

_Não.

Ele me olhou com um olhar vacilante.

_Mas vai saber._ completei rapidamente _Todos eles vão. Só estou esperando a oportunidade certa. Afinal, só temos três dias de namoro.

Ele riu.

_Eu posso aparecer para jantar, não sei...

_Acho que chegar com você de mãos dadas de surpresa não seria a melhor estratégia._ respondi _Deixa eu contar primeiro, depois a gente combina quando eles te conhecerão oficialmente, pode ser?

_Claro. E quando vai conhecer meus pais?

_Quando você quiser._ respondi entrando no seu carro.

_Sério?_ ele perguntou não colocando muito fé.

_Sério, uai. Não te falei, desta vez vai ser tudo diferente._ respondi e completei com um selinho demorado.

Quando me afastei, ele sorria pra mim.

_Será que sua mãe ainda está nos olhando lá de cima?

_Deixa de ser bobo._ falei rindo _Toca pra faculdade.

_Vamos lá...

Ele colocou o carro em movimento e eu vi sua expressão se fechar. Não foi preciso falar nada, pois nós dois sabíamos exatamente o que vinha pela frente. Seria o primeiro dia que encararíamos nossos colegas depois da noite do aniversário de Pedro.

Aliás, acho que não sabíamos o que nos esperava. Eu esperava recriminações, olhares maldosos, afastamentos. Não foi bem isso o que aconteceu...

Rafa estacionou o carro no mesmo lugar de sempre, mas não fez menção de descer logo. Ficou encarando o nada à frente. Me compadeci da sua aflição, até porque estávamos juntos nessa. Apertei forte sua mão, o que ele retribuiu, mas não me olhou.

_Nós vamos conseguir, amor.

_É que...

_Você tem medo.

_Tenho...

_Eu também. No fundo, ter medo é bom, significa que ainda há algo a perder.

Ele me deu um sorriso torto e um último aperto de mão antes de sairmos do carro. Caminhamos em silêncio rumo ao nosso prédio. Andávamos lado a lado, mas não estávamos de mãos dadas. Não foi combinado, apenas não achávamos necessário. Nós não precisávamos provar nada a ninguém.

Assim que começamos a nos deparar com nossos conhecidos, os olhares começaram. Mesmo quem não tinha ido à festa de Pedro, com certeza sabia tudo o que tinha acontecido via fofoca de segunda mão. Ninguém falava nada. Não riam, mas também não houve “bom dias”. Acho que, naquele primeiro momento, nem era preconceito contra a gente. As pessoas simplesmente não sabiam como nos tratar. E isso não era bom, pois não deixamos de ser as pessoas que eles conheciam a quase três anos, não nos tornamos nenhuma aberração. Acho que essa é grande consequência de sair do armário, comum a praticamente todos os gays: aos olhos dos outros, você deixa de ser quem sempre foi.

Há certos golpes da vida que, por pior que sejam, te deixam mais forte. Foi assim comigo com a surra que o pai de Tom me deu. Sofrer de uma forma tão extrema de preconceito, te anestesia a olhares e piadinhas. Lógico que não atingi esse “patamar” da noite para o dia, vocês já conhecem a minha história até esse ponto. Não seria assim com Rafael.

Eu olhei para Rafael, mas ele não me olhou de volta. Ele estava tentando se fazer de forte, para mim e para os outros, mas não estava conseguindo. Para quem conhecia ele tão bem quanto eu, estava claro que ele estava prestes a desabafar. O queixo tremia, as mãos estavam vermelhas tamanha era a força com que ele as fechava, seu olhar era vazio... Ele estava sofrendo e, talvez pela primeira vez na vida, ele não tinha permissão para extravasar isso. Ele tinha que sofrer calado. Eu queria poder lhe dar a mão e falar que ficaria tudo bem, mas acho que só pioraria a situação. A cada pequena rodinha de conversa que se calava quando passávamos, Rafael se retraia mais.

Eu tinha medo do que aconteceria quando chegássemos na sala. Felizmente, meus amigos já tinham planejado tudo com antecedência. Antes que eu me desse conta, Mariana surgiu do nada, me deu o braço e saiu caminhando pela corredor que levava à nossa sala, falando sobre qualquer assunto aleatório. Olhei para trás, e vi Bruno com o braço por cima do ombro de Rafael seguindo a mesma estratégia. Eu ri discretamente. Era como se quisessem mandar um recado para os outros: estamos com eles, a briga deles é nossa também. Eles foram nos guiando até uma pequena roda de conversa perto da nossa sala, onde estavam Alice, Pedro e Paulinho.

_O semestre nem começou e vocês já mataram aula?_ perguntou Pedro.

Era só pra descontrair, com certeza Alice tinha contado da minha fuga com Rafael para ele.

_Estávamos de folga de você, já que grudou na gente o fim de semana todo.

_Vai se fuder!_ ele respondeu fazendo todos rirem.

E logo começamos um papo sobre qualquer coisa. Bruno e Mariana realmente agiam como se nada tivesse acontecido. Paulinho estava um pouco retraído, ainda mais quando Pedro insistia em piadas sobre meu namoro com Rafael, mas aos poucos ele parecia ir aceitando melhor a situação. Notei que, estrategicamente, na nossa roda de conversa, eu e Rafael estávamos posicionados de modo que ficássemos de costas para a porta. Quem chegava nos via ali, juntos e socializando normalmente, mas nós não os víamos. Ou melhor, não víamos seus olhares. Quando íamos entrar na sala, segurei a Alice pelo braço.

_Isso foi ideia sua, né?_ sussurrei.

_Claro. O que seria de você sem mim?

E saiu rindo, o que me levou a rir também.

Ao entrar na sala, a primeira coisa que notei é que Carolina não tinha ido à aula. Não era difícil pensar num motivo para isso... Alice já tinha me contado que ela não fora no dia anterior também. Rafael com certeza também tinha percebido, e eu imaginava o peso da culpa que ele devia estar sentindo. Ele estava sentado no canto da sala cercado por Alice, Pedro, Bruno, Mariana e Paulinho, com um lugar reservado para mim ao seu lado. O problema é que Rafael não fazia parte da “nossa turma”. Ele sempre se deu bem com todo mundo, com a sala toda inclusive, mas ele nunca foi do nosso grupinho. Aqueles eram meus amigos, não os dele. Os dele estavam no outro lado da sala e conversavam baixinho. Não era difícil imaginar o assunto... Me penalizei por Rafael. Será que nenhum de seus amigos viria mostrar apoio?

Dentro do possível, o dia na faculdade transcorreu normalmente. Nós sete ficamos junto o tempo todo, como se para mostrar o quanto estávamos unidos naquela batalha. Fiquei muito agradecido por ter amigos como aqueles. Valiam ouro.

Alguns outros colegas nos cumprimentaram, a medida que o dia foi passando e o susto também, mas ninguém comentou nada sobre o vexame de Rafael na festa ou sobre nosso relacionamento. Ele se declarara para mim, nós matamos aula juntos e agora chegamos juntos. Não precisava de palavras para todos entenderem que estávamos juntos.

_Podemos ir para a minha casa?_ perguntou Rafael quando íamos embora no final da tarde.

_Claro. Quer que eu leve o carro?

_Se você puder.

Eu dirigi o carro dele até a sua casa. Ao entrar no carro, ele já foi ligando o rádio em um volume um pouco alto demais. Entendi que era um recado que não queria conversar ali, então respeitei e não disse nada.

_Vamos pro meu quarto._ ele falou quando entramos no seu apartamento.

_Seus pais não vão se incomodar?

_Estamos sozinhos. E a gente deixa a porta aberta para casa apareçam de repente e não tirem conclusões precipitadas.

_Certo.

Ao entrar no seu quarto, eu tirei o meu tênis e deitei em sua cama, me apoiando na cabeceira. Aparentemente sem muito ânimo, ele tirou a roupa toda e colocou uma confortável. Ele não disse uma só palavra enquanto fazia aquilo tudo e vinha deitar em meu colo. O abracei com um braço enquanto usava a outra mão para acariciar seus cabelos. Ficamos um tempo daquele jeito antes dele conseguir falar alguma coisa.

_Vai ser sempre assim?_ ele perguntou com a voz embargada de choro.

_Acho que não..._ respondi sem muita certeza _Acho que foi o choque. Eles vão se acostumar.

_E se nunca se acostumarem?

_Nós os cortamos da nossa vida.

_Simples assim?_ ele perguntou com uma risada triste.

_O que mais poderíamos fazer?

Ele se apertou ainda mais em meus braços.

_Chega a ser irônico...

_O que?_ perguntei curioso.

_Fui eu que sempre pus pressão pra gente se assumir. Eu achava que todos nos aceitariam bem... Acontece que foram justamente os seus amigos que nos aceitaram, enquanto os meus...

_Você precisa dar um tempo a eles.

_Vou dar, mas não acho que eles mudarão seu comportamento.

_Rafael...

_Porque não é simplesmente por eu ser gay..._ ele fez uma pausa dolorida _É que eles estão do lado da Carol. E eu não posso culpá-los por isso.

_Você vai precisar conversar com ela.

_Ela não quer me ouvir.

_Então você vai ter que força-la a te ouvir. Vocês precisam dessa “conclusão”. Caso contrário, não conseguirão seguir em frente.

_Você acha que ela me perdoaria?

_Que outra opção ela tem? Viver amargurada o resto da vida?

_Eu vou ligar para ela mais tarde.

Ele deu um longo suspiro.

_Obrigado por estar aqui, Bê. Eu nunca conseguiria sem você.

_Estamos nessa juntos. É nossa batalha

_Que bobo eu fui. Tão inocente ao achar que todos nos aceitariam tão bem... E olha só, é você quem está sendo minha rocha agora.

_E eu só cheguei aqui quando percebi que o problema nunca fui eu, mas sim os outros. É libertador.

_Um dia você me leva para conhecer essa Paris que te fez tão bem?

_Prometo!

Ele se virou para trás. Ele sorria, mas seus olhos estavam molhados de lágrimas.

_Eu te amo, Bernardo.

_Eu também te amo.

Ele me deu um beijo muito suave e romântico. Nos separamos ao ouvir o som da porta do apartamento se abrindo.

_Pronto para conhecer sua sogra?_ ele me perguntou travesso.

_Que outra opção eu tenho?_ perguntei ansioso.

_Vamos lá._ falou me pegando pela mão e me puxando para a cozinha.

A cada passo que dávamos, aumentava a minha sensação de frio na barriga. Todas os meus encontros com a mãe de Rafael tinham sido “estranhos”, se posso dizer assim.

_Rafael, vai querer o que para jantar?_ ela falou com a cabeça dentro da geladeira, sem nos ver.

_Mãe...

_O que?

Ela fechou a geladeira e seu olhar nos encontrou de mãos dadas. Não sei bem como descrever seu olhar para mim naquele momento. Não era de ódio, ou raiva, ou ciúme. Mas também não me senti acolhido. Acho que a palavra que melhor descreveria seu olhar era desaprovação.

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Comentários

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Ainda vale destacar o modo como Tiago vem se esforçando para ajudar Bernardo, seu irmão.

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Ri muito com a cena do sorriso de Rafael e seu aceno para o alto, dirigidos a mãe de Bernardo. Amei a aliança dos amigos de Bernardo para blindar o casal. Muito bom esse capítulo.

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