Bernardo [81] ~

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2147 palavras
Data: 06/12/2023 17:36:21
Assuntos: Gay, Sexo, Início, Traição

No que diz respeito à minha família, as coisas esfriaram um pouco nas semanas seguintes. Minha mãe não voltou ao normal comigo, mas nossa comunicação já atingia o nível básico de civilidade. Num mundo perfeito, eu teria a colocado contra a parede e tido uma conversa definitiva sobre a minha sexualidade, mas resolvi não seguir por esse caminho. Minha estratégia passava por deixar que ela visse eu e Rafael como um casal como outro qualquer, o que me traria de volta para dentro do campo que ela chama de “normalidade”.

Não, eu ainda não tinha apresentado Rafael formalmente aos meus pais, e não sabia quando ia ser. Contudo, eles sabiam que existia “alguém” na minha vida. A poeira precisava abaixar primeiro, pois aquele era um movimento muito brusco. Diferente do nosso primeiro namoro, Rafael não ficava insistindo nisso, pois ele sabia que a situação era outra. Mais: ele tinha sentido na própria pele que o mundo não é muito amigável quando você se assume diferente.

Entre os nossos colegas, a situação permaneceu a mesma. Quem já estava do nosso lado, continuou, mas não conquistamos novos fãs. Não éramos hostilizados na faculdade, mas era perceptível que alguma coisa tinha mudado. Confesso que doeu menos do que eu esperava. Eu sempre tive um medo louco daquela situação se concretizar, e agora que isso acontecia, era quase indolor. Acho que eu tinha problemas tão maiores em casa, que o resto era resíduo. Rafael, por outro lado, era fortemente atingido por aquela situação, o que me atingia indiretamente. Era a primeira vez que ele sofria preconceito.

Pensando bem, não sei nem se podemos chamar o que aconteceu de preconceito. Claro, gerava estranheza, mas essa não era a causa principal. O grande problema é as pessoas viam a situação como nós dois versus Carolina. E ela era a vítima perfeita: linda, simpática, simples, e prestes a ficar órfã de mãe. Eu e Rafael: traidores, criaturas guiadas apenas pelo instinto sexual, duas caras. E pra piorar, Carolina trancou a matrícula, resolveu passar os últimos meses ao lado da mãe. Seu sacrífico só fez contribuir com seu papel de vítima (e o nosso de vilões).

Tirando uns eventuais olhares tortos, não éramos atacados pelos nossos colegas. Até aquela festa.

Já estávamos na segunda metade de setembro. Uma das nossas colegas resolveu comemorar seu aniversário fechando uma boate para seus convidados. Ela deve ter convidado a faculdade inteira, então, eu e Rafael estávamos inclusos.

Como sempre nas últimas semanas, nós ficamos com meus amigos, que àquela altura do campeonato já eram amigos de Rafael também. Conversávamos numa rodinha num canto mal iluminado da boate.

_Você não conseguiu falar com a Carol mesmo?_ perguntou Bruno.

_Não._ respondeu Rafa dando um gole na sua bebida _Eu entendi o recado que era pra desistir depois de um mês tentando ligar.

_Não fica assim, amor._ falei acariciando sua orelha _Dado os fatos, você fez o melhor que pode.

_É! Falta maturidade pra essa menina._ completou Mariana.

_Não é assim também, né, gente._ intercedeu Alice _A mãe da menina está morrendo, a vida dela deve estar de cabeça pra baixo.

_Concordo, amor._ falou Pedro lhe dando um beijo na bochecha.

_Ai, desgruda, né, Pedro!_ ela respondeu o empurrando de leve.

Pedro fez cara de contrariado e se afastou dela. Nenhum de nós ligava mais para aquilo. Era cena rotineira: Pedro ficava carinhoso demais e Alice o afastava. Pedro era carente, gostava do máximo de contato possível, enquanto Alice preferia declarações de amor mais frias e distantes.

_Então, amor._ falou Rafa no meu ouvido me abraçando pela cintura _Você já aprendeu a dançar ou ainda precisa de algumas lições?

Eu ri me lembrando da vez que fomos a uma boate gay com Alice e Pedro. Parecia fazer uma eternidade, apesar de pouco mais de dois anos terem se passado.

_Eu que ensino agora!_ falei o encarando.

_Me mostra então!

_Estamos indo dançar._ anunciei.

_Vou também._ falou Alice.

E nós três fomos para o meio da pista de dança. Já tínhamos bebido um pouco, então nem ligávamos para coreografia nenhuma, apenas nos movimentávamos ao som da música. E ríamos, como os três bons bêbados que éramos. De vez em quando, eu pegava Alice e dançava com ela. Rafael também fazia isso. Depois dançávamos só os dois, bem colados, apesar da batida agitada.

Não liguei para os primeiros olhares de estranhamento que recebi. Achei que eram por conta da forma desengonçada com que dançávamos. Mas percebi que os olhares desaprovavam a minha proximidade com Rafael, o jeito com que dançávamos um com o outro. A minha ficha demorou um pouco a cair enquanto eu continuava dançando. Talvez fosse o álcool, ou talvez Paris me tivesse desacostumado daquela realidade. Estávamos machucando a visão deles!

_Preciso parar pra beber alguma coisa!_ meio que gritei no ouvido de Alice e Rafael para eles me escutarem em meio à música.

_Fraco!_ gritaram os dois em resposta e ficaram rindo de mim.

Fui abrindo caminho no meio da multidão, peguei uma bebida (não-alcoólica) e voltei para junto dos outros. Fiquei quieto ouvindo a conversa deles e bebendo. Alice e Rafael não demoraram a chegar.

_Você está bem?_ perguntou Rafael preocupado passando a mão no meu rosto.

_Sim. Só girou um pouquinho, aí achei melhor parar um pouco.

Eu não quis contar o que tinha percebido por medo de confusão. Por mais que eu não aceitasse mais abaixar a cabeça para os outros no que diz respeito à minha sexualidade, também não achava necessário fazer barraco na festa dos outros. Mas eu tinha medo que Alice e Rafael não tivessem o mesmo pensamento. Eu contaria para eles, mas depois da festa.

_Me dá um pouco?_ falou Alice pegando a bebida de Pedro sem esperar resposta.

Ele fechou a cara, mas não reclamou. Ela percebeu.

_Porra! Vou morrer envenenada com essa bebida. O olhar que você me deu...!

_Agora você lembrou de mim, né?_ ele respondeu ainda ofendido.

_Vê se cresce!

_Eu vou bater em vocês dois._ falei.

Os dois continuaram naquele clima ruim enquanto o resto de nós conversávamos. Como eu disse, nenhum de nós ligava mais, então não nos atrapalhou. Até porque, eu tinha problema maiores. A partir da hora da dança, passei a perceber que olhares de desaprovação não se limitaram à pista de dança, mas toda vez que Rafael se aproximava de mim. Não estávamos nem nos beijando! Ele apenas passava a mão na minha cintura ou no meu cabelo, ou bebia da minha bebida. Aquilo começou a me fazer um mal imenso, mas eu não podia falar que queria ir embora, pois todos desconfiariam.

Daniela, a aniversariante, chegou na nossa rodinha toda animada.

_Tudo certo por aqui, gente?

_Claro! A festa tá demais, Dani!_ falou Pedro.

Ela riu e trocou mais algumas palavras com a gente. Eu a convivia com ela a três anos, então eu entendi logo que ela não estava ali simplesmente jogando papo fora com a gente. Ela estava disfarçando. A verdadeira intenção dela não demorou a aparecer.

_Meninos, posso falar com vocês um minutinho?_ perguntou se dirigindo a mim e Rafael.

_Claro.

Falei a seguindo para um canto. Ninguém ali era burro, todo mundo percebeu que ela ia falar alguma coisa sobre mim e Rafael, mas não na frente de todos. Vi os músculos do pescoço de Alice se retraindo de raiva quando passei por ela.

_Então...?_ perguntei sem o mínimo de paciência para o que eu sabia que viria a seguir.

_Então..._ ela começou sem jeito.

Só o fato de Rafael ter permanecido calado durante todo esse tempo, já me dizia que ele percebeu o que estava acontecendo e aquilo o atingiu.

_Estamos incomodando, Dani?_ perguntei irritado com o sorriso falso que ela sustava.

_Não sou eu, meninos. Vocês sabem que eu acho vocês lindos, não sabem? Sou super cabeça aberta! Só que nem todo mundo é que nem eu, então estou com medo de alguém vir incomodar vocês. Eu estou pensando só em vocês mesmo.

As palavras dela me retorceram o estômago. Lógico que ela não estava do nosso lado coisa alguma. Não que alguma vez tenha se mostrado uma pessoa que eu gostaria de ter ao lado. Ela era tão falsa que, acredito eu, acreditava na figura que ela criou para si mesma. Se eu não estivesse tão puto, estaria com pena.

_O que você está pedindo, Daniela?_ perguntei cruzando os braços.

_Nada de mais, Bê._ (eu não tinha essa intimidade com ela) _É que vocês poderiam se separar um pouquinho, sabe? Não ficar se pegando, vocês entendem, né?

_Claro._ respondi com um sorriso cínico.

Peguei a mão de Rafael. Ele me olhou com um olhar que misturava tristeza pelas palavras de Daniela e confusão pelo meu gesto.

_Vamos embora? Esticar a noite em outro lugar?

Ele me sorriu.

_Claro, amor.

_Não é pra vocês irem embora, meninos!_ falou Daniela exasperada _Não tem necessidade disso. É só vocês se segurarem um pouco. Nunca pediria a vocês para irem embora, não sou esse tipo de pessoa.

_Não, você realmente não é esse tipo de pessoa, o tipo de pessoa que diz na nossa cara o que você realmente quer dizer. Por isso estamos indo embora, pra te poupar do trabalho de dizer.

Ela parou um segundo com o impacto das palavras. Ela não esperava uma atitude daquelas da minha parte. Talvez de Rafael, mas não de mim.

_Bernardo, eu...

_A festa está ótima, Dani._ a interrompi sustentando o mesmo sorriso falso que ela gostava de empunhar _Muitas felicidades! Obrigado pelo convite. Pena a gente já ter que ir. Tchauzinho!

Saí puxando Rafael pela mão até a nossos amigos para nos despedir.

_O que ela queria?_ perguntou Alice adivinhando tudo.

_No subtexto? Nos pediu pra ir embora.

_Filha da puta!_ gritou Alice com raiva.

_Tchau, gente!_ falei dando um tchau geral.

_Sério, Bernardo?_ perguntou Paulinho penalizado.

_Sério, cara. Não fico em lugares onde não me querem bem. Até mais, gente.

E fui embora puxando Rafael pela mão, pouco me importando com o que as pessoas achavam de ver dois homens de mãos dadas. Só fui olhar para Rafael quando estávamos na rua.

_Você está bem?_ perguntei parando de frente pra ele na rua.

_Já estive melhor..._ ele falou com um sorriso fraco.

_Se eu pudesse, Rafa..._ falei o abraçando.

Se eu pudesse o que? O que poderia fazer? Adiantaria alguma coisa gritar e mandar todo mundo naquela festa ir se fuder? Abandonar o faculdade? Jogar uma bomba lá? Talvez eu fugisse com Rafa. Bem isso, se pudesse, eu teria fugido com Rafa daquela realidade tão cruel.

_É uma péssima coisa pra se dizer, mas acho que estou me acostumando._ ele falou _Dói menos a cada vez.

_Não é vantagem se deixar de doer e passa a te ressentir.

_Fazer o que?

Voltamos a caminhar lado a lado. Se mãos separadas, lógico, poderíamos ferir a visão de mais alguém e este alguém querer resolver na base da agressão.

_Vamos pra minha casa?_ ele perguntou.

_Seus pais não vão se incomodar?

_Quanto mais você for lá, mais cedo eles vão se acostumar com você.

_Vamos, então._ respondi rindo.

_Ei!_ gritou alguém atrás da gente.

Olhamos para trás e nossos amigos vinham na nossa direção. Não só Alice, Pedro, Mariana, Bruno e Paulinho, mas mais uns 4 colegas.

_O que vocês estão fazendo aqui?_ eu perguntei surpreso.

_Se vai ser vocês ou eles, eu escolho vocês. _respondeu Mariana.

_Isso e o fato de a gente ter ficado com vergonha depois do barraco que a Alice arrumou com a Daniela._ falou Pedro.

_Alice!_ chamei sua atenção.

_Fiz e faço de novo!

_E pra onde a gente vai agora?_ perguntou Bruno.

_Tem um boteco ali na próxima esquina.

_Bora então!

E lá fomos nós pro tal boteco. Era um lugar bem caído, “copo sujo” mesmo, mas nos divertimos muito mais do que estávamos nos divertindo naquela festa. Era em frente a uma balada bem “alternativa”, então estava cheio de casais de gays e lésbicas. Logo, eu e Rafa tivemos liberdade para ficarmos juntos ali apreciando o momento com nossos amigos. O clima estava tão bom, que até Alice e Pedro fizeram as pazes e estavam que era puro amor na mesa. Num daqueles momentos em que todo mundo está falando e rindo ao mesmo tempo, com o dia quase amanhecendo, eu parei um minuto para observar meus amigos e agradecer por tê-los ali comigo.

Por melhor que fosse o clima, não pude deixar de pensar. Ali estávamos, escondidos num bar de fama duvidável numa esquina escura de Belo Horizonte. Foi impossível não pensar que eu, simplesmente por me atrever a amar outro homem, estava condenado a passar a minha vida relegado ao gueto.

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Comentários

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Que construção literária! Excepcional! Transcrever as descobertas da juventude de forma tão real, tão viva, nos leva à imersão total na experiência de casa personagem. Esse conto mereceria sim ser transformado num produto audiovisual, num formato de série, de preferência. Seria responsabilidade social fazer com que muita gente pudesse ter acesso ao conteúdo dessa saga.

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