Bernardo [84] ~ Perdão

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2454 palavras
Data: 07/12/2023 22:10:07
Assuntos: Gay, Sexo, Início, Traição

A mãe de Carolina morreu na madrugada de um sábado no início de janeiro. Dentro dos limites da sua situação, foi inesperado. Sua condição estava estável, fazendo os médicos acreditarem que ela poderia chegar até o fim de fevereiro ou março. Mas não, seus órgãos começaram a falhar um por um e muito rápido. Seu corpo já estava muito fraco, então não houve muito o que os médicos pudessem fazer por ela.

_Tem certeza que você vai nesse funeral, Rafa?_ perguntei preocupado ao telefone.

Meu namorado ficou em silêncio por um momento, como se estivesse pensando melhor.

_Vou..._ ele deu um longo suspiro _Não quero ir, mas eu devo ir.

_Não existe o risco deles te hostilizarem lá?

_Existe, mas eu tenho que assumir a minha culpa pelos erros que cometi.

_Você que sabe...

Eu senti que ele estava prestes a me pedir pra ir junto, o que era impensável.

_Eu adoraria estar lá pra segurar sua mão, Rafa, mas seria mil vezes pior. Sinto muito em te deixar sozinho nessa hora.

_Eu sei, não encuca com isso. Mas posso te pedir uma coisa?

_Claro, o que quiser.

_Me espera lá em casa? Eu acho que vou precisar de colo hoje.

_Claro, espero sim.

Não seria a situação ideal passar um tempo a sós com meus sogros na casa deles, mas a situação não me permitia negar isso a Rafael.

Quando eu me preparava para sair de casa rumo à casa de Rafael, fui desligar meu computador e me deparei com um novo depoimento no Orkut. Meu coração bateu mais rápido quando li que o remetente era Ricardo.

“Oi, tudo bom?

Tô escrevendo aqui meio envergonhado. Aliás, demorou até eu tomar coragem em lhe escrever isso. É um pedido de desculpas por aquela ligação, eu não devia ter feito aquilo. Como você deve imaginar, eu bebi um pouco além do que devia naquele dia.

Mas a bebida não explica tudo. Você vai saber algum dia pelas minhas fotos, então vou te contar de uma vez: conheci um cara. Não qualquer cara, um cara muito especial. E ele é especial porque foi o primeiro cara que me fez parar de pensar em você enquanto estávamos juntos. Foi essa a razão da bebedeira daquela noite, eu fiquei em dúvida se realmente queria te esquecer e te deixar para trás. Mas que outro caminho haveria para seguir?

Acabei por contar a ele toda a nossa história. Aliás, o nome dele é Talles. Ele se assustou um pouco no início, claro, mas compreendeu. Me perguntou se eu estava pronto pra seguir em frente e eu disse que sim. Ele então me pediu uma prova. Esse recado aqui é a prova que dou a ele. Eu estou te deixando para trás, Bernardo. Como namorado, claro, pois eu vou ser sempre seu melhor amigo.

Quem sabe um dia, num futuro onde todos nós já sejamos muito mais maduros, nós quatro não saímos juntos e rimos dessa história?

Até mais, Bernardo. Prometo não sumir mais!”

Eu não respondi. Deixei o depoimento lá na minha caixa de entrada e desliguei o computador. As palavras de Ricardo não saíram da minha cabeça por um só segundo enquanto eu dirigia em direção à casa de Rafael. Doía. Doía de um jeito muito parecido como deve ter doído em Rafael na noite do telefonema de Ricardo, ou mesmo em Eric quando me viu beijando Rafael. E isso não tem nada a ver com o tamanho do sentimento que eu tinha por Ricardo, porque a dor era puro ciúme, e o ciúme, meus caros, não é necessariamente proporcional ao amor.

Ricardo seguir em frente. Era óbvio que ele seguiria em frente. Ele pode ter todos os mais fortes sentimentos por mim, mas ele nunca foi burro, uma daquelas pessoas que passam a vida batendo cabeça por aí. Ele chegou a um ponto que percebeu que não podia insistir, pois eu não ia ceder. E Ricardo era o rapaz dos sonhos, talvez a melhor pessoa que eu já tive o prazer de conhecer, então, era questão de tempo até ele achar alguém que soubesse valorizar isso.

Esse é meu lado racional falando, mas não somos seres inteiramente racionais, somos? Sim, eu sentia o veneno do ciúme ardendo dentro de mim. E eu tenho pleno conhecimento que isso era puro egoísmo, afinal, o que eu poderia querer? Ricardo eternamente preso a mim vivendo com as migalhas que eu estivesse disposto a dar? Não, Ricardo era um cara muito inteligente e bem resolvido para cair na mesma armadilha de Eric.

E isso me fez pensar: não era eu que inconscientemente criava essa armadilha para eles? Eric, Ricardo... Mesmo Rafael se manteve preso a mim enquanto namorava Carolina. Mais ainda: antes de partir pra Paris, eu fui à sua casa, lhe fiz uma promessa e com isso o prendi na minha armadilha também. Mesmo Alice e Pedro! Minha insistência no relacionamento dos dois não era puro egoísmo? Fazer com que meus dois melhores amigos namorassem era muito confortável pois os mantinha próximos a mim, o que não aconteceria se eles namorassem pessoas fora do nosso restrito círculo social. Eu era esse tipo de pessoa? O tipo de pessoa que gostava de manter os outros sempre ao seu alcance, de modo que seria possível “utilizá-los” sempre que necessário?

Minha cabeça ainda fervia com esses pensamentos quando toquei a campainha da casa de Rafael. A mãe dele me atendeu com seu habitual meio sorriso.

_Bernardo!

_Oi, Rafael me pediu pra...

_Ele me avisou._ falou me cortando _Entre, por favor. Fique à vontade.

_Obrigado.

Eu entrei sem jeito no apartamento. Minha vontade era me trancar no quarto de Rafael esperando por ele, mas seria muito feio fazer aquilo.

_Sente-se._ falou minha sogra me indicando o sofá _Quer beber alguma coisa?

_Não, obrigado. Acabei de almoçar.

Ela se sentou em frente a mim. É importante ressaltar aqui que, por mais que deixasse claro que me desaprovava como namorado do filho, ela nunca fez nada contra o nosso namoro. Se houve alguma conversa com Rafael a respeito, nunca chegou aos meus ouvidos.

_Então, você acha que foi uma boa ideia ele ter ido lá?_ ela perguntou.

Eu não estava preparado para aquele tipo de conversa com ela, mas não havia escapatória.

_Eu não sei como ele teve coragem de ir, eu não teria. Se vai ajudar ele e Carolina a superarem tudo? Não sei... Eu realmente acho que ele acredita que os resultados dessa ida lá serão os piores possíveis.

_E por que ele iria, então?_ ela perguntou.

_Acho que ele busca algum tipo de punição para o que fez com ela.

_Não é um pensamento saudável. Você falou isso pra ele?

_Não, achei que não deveria.

_Mas não seria seu dever como namorado?

_Meu dever como namorado é ficar ao seu lado quando as coisas ficarem ruins. Mas eu não posso enfrentar seus demônios por ele, ele precisa se entender sozinho.

Ela me olhou pensativa por instante, antes de se levantar.

_Bom, vamos esperar pelo melhor. Tem certeza que não quer beber alguma coisa?

Ela se virou para a cozinha, mas eu a chamei.

_Sim?_ ela perguntou curiosa

Tudo o que pensei no caminho ainda estava indo e vindo com força na minha cabeça. Foi impossível segurar.

_Eu acho que nunca te pedi desculpas, né?

_Pelo que?_ ela perguntou confusa.

_Por ter feito seu filho sofrer quando namoramos pela primeira vez.

Ela me olhou confusa.

_Vim pensando sobre isso no caminho._ falei _Sei que o Rafa contou pra vocês sobre o nosso primeiro namoro, com todos os problemas que coloquei no nosso caminho.

Ela me olhou atenta, sem me responder. Isso só me deixou mais aflito, mas resolvi continuar mesmo assim.

_Eu fiz o seu filho sofrer, e eu tinha consciência que estava fazendo isso.

_Bernardo...

Ela ficou me olhando procurando as palavras certas.

_Somos todos adultos aqui. Não estou completamente feliz com o namoro de vocês, e você sabe que isso não tem nada a ver com a sexualidade do meu filho.

_Sim, você desaprova o nosso namoro por causa do que eu fiz ele passar.

_Mais ou menos. O problema não é só você, é Rafael também.

_Como assim?

Ela deu um longo suspiro antes continuar.

_Posso ser sincera? Não vejo futuro no relacionamento de vocês. E a culpa não é de nenhum dos dois em particular.

Abri a boca para protestar, mas ela foi mais rápida ao continuar.

_Eu simplesmente acho que vocês dois não encaixam. Eu acredito que você ama meu filho e que ele te ama, mas isso só não basta, como vocês vão descobrir. Essa coisa toda de atração entre opostos não funciona no longo prazo.

_Nós temos muitas coisas em comum.

_Gostos musicais? Os mesmos programas? Os mesmos filmes favoritos? Não é disso que eu estou falando, Bernardo. Vocês têm personalidades diferentes, e é isso que acaba importando no final, porque implica em visões de mundo, sonhos e trajetórias diferentes. Não vejo vocês caminhando na mesma direção.

Aquilo me pegou desprevenido.

_Sim, é verdade que temos nossas diferentes, mas não é nisso que mora a graça de um relacionamento? Podemos até estarmos destinados a seguir por caminhos diferentes, mas e se acharmos juntos um terceiro caminho?

_Aos vinte anos de idade? Acho muito difícil, meu querido.

_Mesmo se der errado!_ falei num desespero contido _Não vai ter valido à pena? Nem mesmo tentar não é uma opção neste caso.

_Talvez. Mas como eu prevejo um final com vocês separados e vocês se amam, eu estou antecipando que meu filho vai sofrer muito quando acontecer._ ela fez uma pequena pausa _Esse é meu problema com o namoro de vocês.

_E você acha que seria melhor se ele estivesse com Carolina ainda?_ perguntei ainda atordoado com suas palavras.

_Ele a amou bem menos do que você, eu sei disso, mas os dois tinham um encaixe melhor. Aquela era uma situação em que eu via um futuro, por mais que a própria sexualidade dele pudesse ser uma eventual dificuldade.

Eu estava prestes a chorar. Aquele realmente não estava sendo o meu dia. E sabe o que mais me impactou nas palavras dela? Ver alguma verdade.

Eu nunca impus barreiras a esse namoro, e não vai ser agora que eu vou começar._ ela continuou _Apesar dos pesares, eu acho que há erros que devem ser cometidos na vida para que possamos evoluir a partir deles. Quando você tiver a minha idade, você verá isso mais claramente. Por enquanto, sou eu que te peço perdão, Bernardo?

_Pelo que, exatamente?

_Por não ter sido a pessoa mais receptiva do mundo com você. O primeiro namoro de você não deu certo e eu realmente te culpei por fazê-lo sofrer, mas eu te perdoei por isso no momento eu percebi que você estava por inteiro nesse namoro. Que você está disposto a fazer meu filho feliz._ ela fez mais uma pausa e me encarou antes de continuar _Você me perdoa por ter te tratado mal baseado num simples futuro hipotético?

_Sim..._ falei um pouco confuso.

_Tudo certo, então. Acho que não há mais nada a ser dito, só que eu vou tentar ser uma sogra melhor a partir de agora.

_Obrigado...

_Quer esperar Rafael no quarto dele?

_Se você não se importar.

_Claro que não, pode ir.

[...]

Logicamente, as palavras da mãe de Rafael ficaram na minha cabeça por muito tempo, mas eu escolhi não dizer nada a ele sobre nossa conversa. Pra falar a verdade, eu disse a mim mesmo que Joana estava errada, que Rafael e eu acharíamos um jeito de dar certo. Essa conversa se esqueceu dentro de mim por muito tempo até um dia onde realmente nossa diferenças começaram a pesar, apesar de não ter acontecido do jeito que ela previu.

_Podia ser sempre assim..._ falou Rafael.

Ele me encarava encostado na porta, me admirando. Eu, perdido em pensamentos, não sei por quanto tempo ele ficou ali.

_Assim como?

_Você deitado na minha cama me esperando chegar

Eu ri do seu gracejo. Ele fechou a porta do quarto, tirou os sapatos e se deitou ao meu lado depois de me dar um beijo.

_Como foi lá?_ perguntei.

_Melhor do que eu imaginava que seria.

_Foi?

_Pois é. Aparentemente, só Carol e seus pais sabiam de todos os detalhes de como terminamos, então não teve uma multidão enfurecida querendo minha cabeça. E o pai dela estava muito abalado com tudo para sequer notar minha presença lá. Eu consegui conversar com ela a sós.

_E como foi essa conversa?

_Foi estranho. Primeiro, que ela não estava nem um pouco agressiva como ao telefone nos últimos meses. Acho que a morte da mãe pegou ela desprevenida, apesar de tudo. Peguei ela de guarda baixa._ ele brincou.

_Isso não é coisa que se diga, Rafa!

Ele riu e continuou.

_Foi uma conversa rápida. Eu implorei por perdão e ela deu. Disse que se era o perdão dela que eu precisava para seguir em frente, que ela me dava. Disse que não queria se tornar uma pessoa amargurada por causa disso, ou forçar esse laço entre nós.

_Deve ter sido algo não muito fácil de aguentar.

_Não, não foi, ainda mais depois dela dizer que apesar de perdoar, nunca ia esquecer a humilhação, e isso a impedia de sequer me querer bem._ ele falou suspirando.

_Nossa... Você está bem?

_Não sei. Meio aliviado, meio ferido... Vou sobreviver.

_Ela volta pra faculdade?

_Disse que vai cuidar do pai dela, ou seja, pelo menos não no próximo semestre.

_Enquanto ela não voltar e mostrar que te perdoou, seus amigos não vão te aceitar de novo.

_Eles não são mais meus amigos, Bernardo, quem você está tentando enganar?_ ele devolveu me olhando com um sorriso triste.

Eu me virei ficando de frente para ele e o abracei, fazendo nossas testas ficarem encostadas.

_Ricardo me mandou uma mensagem hoje._ falei.

Ele fechou os olhos como se não quisesse escutar sobre aquilo, mas ignorei.

_Ele me pediu perdão sobre o telefonema daquela noite, falou que estava bêbado.

_Hum.

_E falou que está namorando.

Rafael abriu os olhos curioso.

_E como você se sente sobre isso?

_Hum... 90% feliz por ele.

Ele riu da piadinha, e não disse mais nada. Fechou os olhos e acabou dormindo ali comigo. Eu não dormi imediatamente, fiquei admirando seu sono. Ele parecia mais tranquilo do que nos últimos meses. Carolina, meio que pela metade, tirou um peso das costas dele. Ela não tinha nenhuma obrigação, mas fez por caridade, para ajudar Rafael a seguir em frente.

Com tudo que tinha acontecido naquele dia, adormeci desejando ter ouvido de Eric que ele havia me perdoado também.

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Comentários

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Muito boa essa conversa da mãe de Rafael com Bernardo. Bom Carol ter perdoado Rafa e Ricardo ter arranjado um cara legal. Aos poucos as coisas vão se encaixando.

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