Bernardo [94] ~

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2413 palavras
Data: 10/12/2023 15:26:27
Assuntos: Gay, Início, Sexo, Traição

Alice e Pedro se separaram de verdade, não foi apenas mais uma briguinha como as tantas que eu vi nos dois anos que eles namoraram. E, de repente, eu vi minha vida dividida entre programas com Pedro que eu não podia convidar Alice, e programas com Alice que eu não podia convidar Pedro. Bom, pelo menos eles não me obrigaram a escolher um lado. Os dois eram muito cabeça dura, se mantinham firmes na crença que o seu lado era o certo.

Alice argumentava que se recusava a brincar de papai e mamãe com Pedro. Para ela, o casamento seria só uma desculpa para ele colocar a coleira definitiva nela.

_Eu não vou poder trabalhar por quatro meses pelo menos, advinha quem me sustentaria? Pedro._ Alice me falava _E eu viraria a perfeita dona de casa do anos 50! Isso é demais para mim, Bernardo, eu me mataria com tiro na cabeça.

_É o tipo de coisa que pode ser negociada, Alice. A cabeça do Pedro não é tão fechada assim. Você só cairia nesse cenário aí se quisesse._ falei _E tem certeza que Pedro só não estava tentando pensar no melhor lar possível para essa criança?

_E desde quando ter os dois pais dentro de casa é garantia de um bom lar? Quantos casais por aí não fazem da vida do filho um inferno por causa de brigas rotineiras?_ ela argumentava com fervor _Não vai ter processo de guarda na justiça, eu nunca faria uma coisa dessa. Ele vai ser livre para visitar essa criança o quanto quiser, levar para dormir com ele, viajar, etc. Não precisamos morar juntos para sermos bons pais.

Seus olhos foram tomados por uma expressão de cansaço que logo transbordou em lágrimas. Ela olhava pro nada quando continuou falando com a voz quebrada:

_Eu nunca quis terminar com ele. Eu só queria meu espaço. Eu quero ter a certeza de que não vou virar uma mulher que eu odeio.

Olhei para Alice penalizado, o que ela odeia. Ela pareceu se dar conta das lágrimas, retomou seu olhar firme e falou indo pro banheiro.

_Malditos hormônios de grávida!

Eu entendia os medos dela, mas eu achava que havia um exagero neles. Ela só conseguia enxergar o pior cenário possível, e parecia incapaz de ver o lado bom das coisas neste caso. Ela não queria assumir o risco de perder a sua identidade.

A cabeça de Pedro não estava menos bagunçada.

_O que eu vou fazer, cara? Não tenho condição de sustentar um filho agora, pelo menos não no sentido de dar tudo o que ele merece.

_Só vai nascer depois que a gente já estiver formado, Pedro. Até lá você já vai ter um emprego de tempo integral.

_E com quem nós vamos deixar o bebê pra trabalharmos? Tem um monte de coisa pra pensar.

_Nem seus pais, nem os da Alice são monstros que virarão as costas pra você. Com certeza eles vão ajudar.

_O ideal seria que Alice tirasse um tempo pra ficar com o bebê. Seria o melhor pra criança.

_Mas seria péssimo pra Alice.

Ele começou a andar de um lado para o outro no quarto.

_É um crime querer o melhor pro seu filho?_ ele perguntou.

_Não, Pedro...

_É um crime querer o melhor para a mulher que você ama?

_Não.

_É um crime não querer participar de nenhum experimento sociológico esdruxulo e criar meu filho da forma mais comum possível?

_Não, não é Pedro. Agora para._ falei _Senta.

Ele parou de andar e se sentou de frente para mim.

Você conhece muito bem Alice, você sabe que é totalmente avessa à ideia de se prender a um homem de forma tão definitiva assim. É um passo enorme para ela, você tem que pegar leve.

_Bernardo, nós já estamos unidos pelo resto da vida, nós vamos ter um filho juntos. Isso é muito mais definitivo do que qualquer certidão de casamento!

_Eu sei, mas a ficha dela não caiu ainda. Tudo o que ela consegue pensar é no medo em passar o resto da vida sendo um apêndice seu.

_Seria tão ruim assim passar o resto da vida comigo?

_Você sabe que a coisa toda é mais profunda do que isso.

_Poxa, olha você e Rafael._ ele falou quase chorando _Vocês já estão indo morar juntos. Vocês se amam, mal podem esperar para começar a compartilhar sua vida.

_Alice te ama, Pedro.

_Será? Nada do que você possa me dizer vai tirar essa dúvida da minha cabeça.

Eu sabia que Alice amava Pedro sim, mas eu não conseguia pensar em nada para prova-lo isso. Eu disse para mim mesmo que o melhor fazer era deixar a poeira assentar, deixar que os dois pensassem com cuidado em tudo o que aconteceu e foi dito. Só a partir de então eu poderia fazer algum esforço no sentido de reuni-los.

[...]

No momento, eu tinha meus próprios problemas para resolver: chegara o dia em que eu marquei de sair com Ricardo e Rafael. Eu adiei o quanto pude por semanas, mas uma hora foi impossível continuar enrolando Ricardo. Rafa não teve uma grande crise de ciúme, mas só porque estava saindo junto com a gente. A possibilidade de sugerir ir sozinho com Ricardo nunca foi avaliada. Eu tentei conseguir alguém para nos acompanhar e evitar momentos constrangedores, mas ninguém estava disponível. Eu fui para aquela boate tremendo.

_Como vai, Rafael?_ perguntou Ricardo lhe estendendo a mão.

_Muito bem, e você?_ respondeu meu namorado _Gostando da cidade?

_Muito, Belo Horizonte é linda.

_Um segredo: fica ainda melhor com o tempo, depois que você se acostuma com o clima dos belo-horizontinos.

Eu assistia o diálogo prendendo a respiração. Qualquer passo em falso ali e eu começaria uma grande briga. Certo, Ricardo e Rafael estavam sendo extremamente cordiais e educados um com o outro, mas eu os conhecia muito bem para saber o que não queriam deixar transparecer.

Rafael era muito inseguro em relação a Ricardo. Afinal, ele sabia o quanto meu ex-namorado havia me marcado. Mas ele nunca deixaria Ricardo saber disso, saber o quanto ele o afetava. Para Rafael aquilo era uma disputa. Aos olhos de Ricardo, ele queria parecer como o melhor dos namorados, de modo que o outro visse que ele não tinha espaço para interferir. Não que Rafael fosse um namorado ruim, ele só não queria deixar nenhuma ponta solta para que Ricardo pudesse usar.

Ricardo, por outro lado, não via aquilo como uma disputa, mas ainda assim não estava disposto a dar qualquer gostinho de vitória a Rafael. Ele queria parecer o mais natural possível em relação ao nosso namoro, como se nossa história fosse passado e ele fosse muito maior do que tudo isso.

Enfim, duas crianças pirracentas.

_E Alice e Pedro, não voltam mais?_ comentou Ricardo.

_Eu aposto que voltam sim, mas precisam de um tempo. Essa coisa toda da gravidez é uma barra._ respondi.

_Você contou a ele sobre Pedro e Alice?_ perguntou Rafael tentando soar o mais doce possível comigo.

Alice e Pedro não tinham contado da gravidez para suas famílias ainda, então nos pediram segredo absoluto até lá. Eu não tinha contado nada a Ricardo, mas não me era estranho que Alice ou Pedro tivessem contado. Ele sempre foi um bom conselheiro, era natural que recorressem a ele.

Não._ respondi igualmente doce.

_Alice me contou._ Ricardo respondeu.

_Ah, você conversa com Alice?_ perguntou Rafael curioso.

_Ah, sim. A gente conversa de vez em quando.

_Mal chegou na cidade e já conquistou Alice? Ela é uma audiência difícil._ meu namorado comentou rindo.

_É que nós conversamos a anos já, não é nenhuma amizade repentina.

_Ah é?

_É, converso com Pedro também.

De fora, parecia uma conversa muito amigável, mas não era. Rafael se sentiu traído por Alice e Pedro, como se os dois tivessem escolhido Ricardo. Ricardo, por sua vez, gostou ao ver que atingiu Rafael com aquela informação. Antes que as coisas saíssem do controle, resolvi mudar de assunto, mas eles não deixaram. Eu não estava naquela conversa mais.

_Mas a gravidez nem é o verdadeiro problema, entende?_ falou Rafael _É que Alice tem medo de ir morar com Pedro.

Não gostei da direção para qual ele virou aquela conversa.

_Mas é um medo justificável._ falou Ricardo _É um passo enorme.

_Concordo que é um passo enorme, mas tem uma hora que um relacionamento só pode caminhar numa direção, se não eles vão ficar empacados no mesmo lugar para sempre.

_Só que eles são muito jovens para irem morar juntos. Não falo nem da questão financeira, mas por causa de maturidade mesmo. É um risco enorme de acabar estragando o relacionamento.

E antes que pudesse fazer qualquer coisa para impedi-lo, Rafael soltou:

_Mas o risco de dar alguma coisa errada sempre vai existir. Eu e o Bernardo, por exemplo, chegamos ao ponto que morar juntos é o próximo passo.

Lancei um olhar mortal para meu namorado, que me ignorou solenemente. Ele estava muito mais interessado em marcar território ali do que em prevenir qualquer futura briga que pudéssemos em ter. E ele atingiu seu objetivo, porque Ricardo nos olhou surpreso.

_Vocês vão morar juntos?_ ele perguntou tentando soar o mais natural possível.

_Sim!_ Rafa respondeu sorrindo.

Ele pegou a minha mão e fez questão de exibir nossa aliança de noivado.

_Eu pedi Bernardo em casamento._ ele falou _Está tudo bem comentar isso com você, né? Somos todos amigos, né?

_Claro..._ falou Ricardo claramente perdido com a informação _Parabéns!

Ele veio até nós e nos abraçou. Um abraço frio demais para ter soado sincero.

_O Bernardo não comentou nada._ falou Ricardo me olhando com um olhar que eu sabia muito bem que indicava desapontamento.

_É porque era segredo._ respondi num tom como se pedisse desculpa.

_Não tem porquê guardar segredo._ ele respondeu.

_Nós combinamos segredo porque tínhamos medo que nossas famílias interferissem.

_Mas por que eles fariam isso?

_Porque estamos no mudando pro Canadá no início do ano que vem._ Rafael respondeu com um sorriso sincero.

E pronto, ele atingiu seu principal objetivo, deixar claro para Ricardo que ele é quem tinha vencido. Ricardo me olhou perdido. Nos seus olhos eu vi uma tristeza imensa, a mesma que eu vi quando me despedi dele na festa de Pedro. E como aquilo me cortou o coração! Sem que uma só palavra fosse necessária ser dita, eu soube: Ricardo ainda me amava, e com tanta intensidade quanto antigamente. Ele ainda tinha esperanças que nós terminássemos juntos de alguma forma, mas Rafael fez questão de matar esse último resquício de esperança. E não há nada mais cruel no mundo do que tirar as esperanças de alguém.

Ah..._ Ricardo não teve uma reação.

_Ricardo, me desculpa. Eu devia ter te contado, eu...

_Não, Bernardo, tudo bem. Eu estou feliz por você. Tenho certeza que vocês serão muito felizes lá._ eu percebi que ele estava prestes a chorar _Com licença, vou ali no bar pegar uma bebida e já volto.

E se foi. Pus a mão na cabeça e me escorei numa parede ali perto. Eu não podia acreditar que aquilo estava acontecendo de novo. Mais uma vez, eu partia o coração de Ricardo.

_Me desculpe, eu..._começou Rafael.

Eu abri os olhos e o olhei com raiva.

_É assim que você quer que eu confie em você, Rafael? Pra na primeira oportunidade você se comportar como o maior dos idiotas? Olha só o que você fez!

_Me desculpa, Bê._ ele pediu manhoso _Eu não sei o que deu em mim.

_Mentira!_ falei segurando para não gritar ali em público _Você sabia sim o que estava fazendo. Estava tentando marcar território! Tá feliz agora que machucou ele? Você vai dormir mais tranquilo?!

_É que eu fico doido de ciúme. Eu tenho medo dele te ganhar.

_Eu não sou um prêmio! Eu sou uma pessoa e como tal eu tenho direito a fazer escolhas, e eu fiz a minha: você. Mas você insiste em duvidar da minha sanidade e do meu julgamento. Essa sua insegurança está me cansando.

Não esperei pela sua resposta, saí dali procurando por Ricardo. Não precisei de muito esforço, logo o encontrei devorando um cara num beijo encostado num canto escuro. Ele apertava o homem contra si mesmo, como se quisesse expurgar toda a sua raiva e frustração com aquele beijo. Doeu mais do que eu achei que fosse doer. Era uma dor nova para mim, maior até do quando vi aquele cara beijar Rafael no carnaval em Ouro Preto. Porque não era só o ciúme, era a raiva que Ricardo devia estar de mim. E aquela dor me revelou um sentimento escondido a anos no meu coração: eu ainda amava Ricardo!

Me virei para sair dali e dei de cara com Rafael. Ele olhou ferido pros meus olhos vermelhos.

_Tá com ciúminho, tá?_ falou desdenhoso quase chorando.

Eu não respondi, apenas saí dali, paguei minha comanda e saí daquela boate.

_Não vai me responder? Não vai falar comigo?!_ ele perguntou vindo com raiva atrás de mim.

Me virei para encará-lo e o encontrei chorando.

_Você não faz ideia do que fez comigo com aquele circo lá dentro, Rafael. Eu não vou conversar com você hoje, porque com a mágoa que eu estou sentindo de você, eu acabaria terminando tudo entre nós. E eu não quero fazer isso. Se você preza por nós dois, me deixei ir pra casa em paz.

Ele não me respondeu, apenas deixou que mais lágrimas caíssem. Não me comovi, foram as consequências do circo que ele armou ali. Entrei no primeiro táxi e fui direto pra minha cama, onde passei horas sem conseguir dormir pensando naquilo tudo.

Eu pensei em Alice, em Pedro, em Ricardo, em Rafael... Mas mais do que neles ou mim especificamente, eu pensei em nós em conjunto. Como viramos aquelas pessoas? De repente, todos nós, viramos aquele tipo de casal que gosta de ferir o outro, que sente prazer em ver o outro chorar para pagar por alguma ofensa anterior qualquer, por algum desentendimento. Ricardo fez comigo, eu fiz com Rafael, Pedro e Alice fizeram um com o outro. Aquilo era amadurecer? Aquele era o inevitável ponto nos relacionamentos onde toda a relação passa a ser um eterno jogo de equilíbrio entre o amor e o ódio? Existia ponto de retorno? Todos nós estávamos fadados a nunca mais sermos bobos adolescentes apaixonados?

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Maturidade? Nem tanto! É o jogo da vida. Não é nada fácil lidarmos com nossas inseguranças, medos, dúvidas. Cada dia é uma incógnita. Somos atores num espetáculo que está sendo escrito e reescrito a todo momento. Cabe a nós tentarmos tomar as rédeas dos nossos personagens. Não é nada fácil.

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