Bernardo [96] ~ Não vá!

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2243 palavras
Data: 10/12/2023 15:41:24
Assuntos: Gay, Sexo, Início, Traição

Eu não conseguia pensar direito no que estava acontecendo. Ricardo me beijou! E eu gostei! Eu traí Rafael em todos os sentidos que havia para trair ele. E eu estava certo que ele não me perdoaria. Então, eu chorei. Chorei muito. Chorei por antecipação, pela culpa, pela confusão... Sim, pela confusão. Eu nunca tive que dúvidas do meu amor por Ricardo, mesmo o tempo que passamos sem nos ver não tinha diminuído tudo. Mas eu continuava amando Rafael mais. Só que as coisas ficaram nebulosas com tudo o que estava acontecendo.

Em outro contexto, uns seis meses antes, acho que o beijo de Ricardo não teria mexido tanto comigo como aconteceu. Eu atravessava uma fase complicada com Rafael. Não era só a insegurança dele, mas todo o nosso processo de mudança para o Canadá. Sim, porque era um passo enorme, então era esperado que eu tivesse minhas ressalvas. Aliás, eu nunca quis ir por livre e espontânea vontade, mas por não querer me separar do meu amor. E o beijo de Ricardo, num momento tão turbulento do meu namoro, trouxe de volta uma velha conhecida minha: a dúvida.

Não, o beijo de Ricardo não me fez pensar seriamente em terminar meu namoro com Rafael, de maneira alguma. O meu desespero silencioso era pela confusão: se eu gostei tanto assim do beijo de outro homem, entregar minha vida toda na mão de Rafael não estaria sendo muito arriscado? Não devíamos estar indo com calma? Só que não havia a opção “ir com calma”, era ir com tudo ou não ir. Era isso que tornava tudo tão dramático para mim.

Já anoitecia quando cheguei em casa. Limpei meu rosto e tentei me recompor para entrar em casa. Eu não estava afim de ter que explicar para minha família o porquê de eu ter chorado. Mas aquele dia ainda estava longe de terminar. Quando eu entrei em casa, minha família toda estava na sala. Desconfiei que havia alguma coisa errada porque não era uma cena comum, mas tive certeza quando todos pararam de falar para me olhar.

_Aconteceu alguma coisa gente?_ perguntei.

Minha mãe se levantou com uma expressão furiosa com um papel na mão e me entregou. Eu não precisei nem ler pra saber o que estava acontecendo: o papel estava timbrado com o símbolo da embaixada do Canadá.

_Parabéns, seu visto de trabalho no Canadá foi aprovado!_ ela falou irônica.

_Você abriu minha carta?_ perguntei tentando ganhar tempo.

_Lógico! Eu queria saber o que tinha num envelope com seu passaporte dentro. E que bela surpresa!

_Não era pra ter aberto, mãe. Eu...

_Quando você pretendia nos contar?_ perguntou meu pai me interrompendo.

Meu pai falava firme em tom de bronca, apesar de não gritar. Aquela não ia ser uma conversa fácil. Thiago me olhava sério, mas eu sabia que ele estava prestes a explodir. Por mais que Caio e Laura não tivessem personalidades condizentes com uma explosão para cima de mim, o olhar deles deixava claro que também não estavam gostando daquela história.

Eu estava esperando o visto ser aprovado._ falei baixinho.

_Muito obrigado pela consideração!_ falou minha mãe exaltada _Você tem ideia da falta de responsabilidade que é tomar uma decisão dessa sem nos avisar? O que você tem na cabeça?!

_Eu sei, me desculpa, eu...

_Como isso surgiu, Bernardo?_ falou meu pai no mesmo tom sério _Você nunca falou nada sobre querer morar fora do país depois que se formasse.

_Eu sei, foi uma coisa que surgiu muito recentemente. Você viu que me aprovaram para o visto de trabalho mesmo sem eu ter uma vaga de emprego garantido? É porque engenheiros são muito bem vindos lá! Vai ser uma ótima oportunidade para mim.

_Você está querendo ir pro Canadá sem nem ter uma vaga de emprego garantida?!_ gritou Thiago _Você ficou louco?!

Eu já estava sensível por causa de tudo que já tinha acontecido aquele dia, então não teve grande dificuldade para as lágrimas começarem a se represar nos meus olhos com minha família me colocando contra a parede daquele jeito.

_Eu não estou atravessando o deserto pra lavar chão de um gringo, gente. Esse visto é a prova que eu vou ser bem recebido lá.

_E se der errado? Como você faz? Tá tudo em crise lá fora, você ficou sabendo?_ falou meu irmão mais velho.

_Se der errado, tem o emprego de Rafael.

Todos eles acirraram os olhos com aquela nova informação. Eu devia ter a segurado por mais tempo. Eles logo formaram a ideia toda na cabeça.

_Rafael está indo também?_ perguntou minha mãe num tom de deboche.

_Sim..._ falei com dificuldade _A empresa dele ofereceu um emprego para ele lá.

_Então, quer dizer que você está indo pra um país estrangeiro seguindo seu namorado?_ ela perguntou quase gritando.

Eu fiquei sem resposta. Meu pai coçou a cabeça, enquanto meus irmãos fizeram sinal de desaprovação com a cabeça. Ali eu comecei a chorar mesmo. Era muito para mim.

_Podemos conversar sobre isso outro dia?_ pedi _Eu não tive um dia de cão hoje.

_E você achar que vai escapar assim?_ ela continuou falando _Você tem muito o que explicar e ouvir ainda!

_Olha, não tem nada certo ainda!_ falei _Eu não comprei passagem, ou aluguei apartamento, nem nada disso. Só tirei o visto. Se nós formos, será só no ano que vem. Não tem nada decidido ainda. Podemos, por favor, deixar essa conversa para outro dia?

Minha mãe me encarou e acho que realmente viu o cansaço no meu olhar. Ela bufou e fez com os ombros que aceitava conversar depois. Como aquela coalizão foi organizada por ela, todos retomaram suas atividades normais automaticamente. Ninguém falou comigo enquanto isso.

Mais aquela! Entrei debaixo do chuveiro e só deixei a água quente cair sobre meus ombros. Eu sabia que não seria fácil dar a notícia para minha família, só que eu queria ter planejado com antecedência o que falar e certamente ter escolhido um dia melhor. Se eu tivesse planejado aquela conversa, eu teria dito como eu amo Rafael e não quero me separar dele. Teria dito também como era mais do que necessário para mim voar agora e conhecer o mundo, porque não seria mais possível a partir do momento que eu formasse família. Teria dito como aquilo poderia ser precioso no meu currículo, me garantindo oportunidades de emprego muito melhores quando eu voltasse. E teria dito também como o Canadá é um país imensamente mais amigável para gays do que o Brasil, e lá eu teria uma chance de caminhar pelas com meu namorado sem medo de ser agredido.

Quando saí do chuveiro, Thiago me esperava com uma cara de enfezado. Suspirei fundo já prevendo a discussão.

_Amanhã Thiago._ pedi.

_Não, hoje.

Enquanto eu vestia a minha roupa, ele começou a falar.

_Muito obrigado pela consideração de ter me falado. Eu sou o que? O seu irmão mais velho, isso não é nada, né? Você ia se mudar pro Pólo Norte e eu provavelmente só ficaria sabendo quando você me ligasse de lá! Porra, Bernardo!

_Posso falar?

_Vai, fala!

_Eu ia contar, sinto muito pela forma como vocês descobriram. Se não contei antes, é porque sabia que a reação seria alguma coisa assim e fiquei com medo de que vocês me impedissem.

_Você deveria ter nos contado no minuto em que o Rafael te fez essa proposta!

_Thiago... Ok, me desculpa._ falei tentando encerrar a discussão.

_Ir pro Canadá seguindo seu namorado? Você pirou? Eu esperava mais racionalidade de você!

_Não é uma questão de racionalidade, Thiago. Eu estou muito ciente dos riscos, e eu escolhi corre-los.

_Então! Eu não consigo te entender.

_Não tem como você entender. Você nunca amou ninguém como eu amo Rafael. Essa é única justificativa de verdade para eu estar indo, e você não vai conseguir entende-la.

Ele me olhou vencido. Não que ele aceitasse meu argumento, apenas não tinha como rebate-lo.

_E aquela fala ali na sala de que não tem nada definitivo ainda?_ ele perguntou.

_Enquanto eu não estiver dentro de um avião, nada é definitivo._ respondi _Mas eu realmente pretendo ir.

Thiago me deixou em paz aquela noite, mas aquela conversa se repetiria quase que diariamente nas semanas seguintes.

[...]

Durante o resto da semana, conversei com Rafael apenas por telefone. A desculpe era que trabalhávamos e estudávamos em horários diferentes durante a semana. Ele falava comigo todo doce, como se pedisse desculpa em cada frase. Eu estava frio com ele, o que ele interpretou como raiva ainda, mas não era. Era culpa. Enquanto eu carregasse o segredo daquela traição, eu não conseguiria tratar ele com meu namorado. Eu precisava me confessar urgentemente, mas eu estava morrendo de medo. Eu tinha certeza absoluta que ele terminaria comigo. Afinal, não foi qualquer um, foi Ricardo.

Quando acordei no sábado de manhã, encontrei Alice sentada na cadeira do meu quarto me esperando.

_Então, pronto pra conversar?_ perguntou em tom de bronca.

Eu ainda demorei um tempo para me situar sobre o que ela estava falando.

_Na verdade, eu estranhei você não vir antes._ falei.

_É porque nós resolvemos contar tudo para nossos pais depois do ultrassom.

_E como foi?

_Houve brigas por parte dos pais, choro por parte das mães, e um clima de indignação geral. Mas estamos todos vivos. Enfim, o assunto é você._ ela cruzou os braços me encarando _Você vai mesmo pro Canadá?

_Vou._ respondi me sentando na cama.

_Você quer ir pro Canadá?

Eu respirei fundo. Era a pergunta-chave. Alice me conhecia muito bem, sabia quais eram meus sonhos e meus planos pro futuro. E sabia que morar fora do país não estavam entre eles.

_Eu não quero ficar longe de Rafael._ respondi sinceramente.

_Isso é burrice!_ ela falou exasperada.

_Não, não é. É um passo no escuro enorme, eu sei, mas eu estou escolhendo correr os riscos.

_E se der tudo errado?

_Se der tudo errado, eu começo tudo de novo. O que eu não vou conseguir conviver é com o peso de não ter nem sequer tentado.

Ela me olhou sem dizer nada. Ela viu aquela frase refletida na sua própria situação. Afinal de contas, estávamos vivendo (mais ou menos) a mesma situação. A diferença é que eu estava disposto a correr o risco, e ela não.

_Pedro acha que você não o ama tanto quanto eu amo Rafael.

_A questão nunca foi essa!_ ela falou desviando o olhar.

_Você não tem medo de se arrepender dessa sua decisão, Alice? Você consegue viver com o peso do “e se...”?

_Essa é uma pergunta injusta. Vai ter sempre um “e se...”.

_Mas uns são mais pesados do que outros. Enfim, eu só quero que você reflita. Não estou do lado do Pedro, eu entendo seus medos. Eu só quero que vocês conversem e cheguem a uma decisão juntos. Vocês vão ser pais, vão ter que agir assim daqui em diante.

Eu não esperava convencer Alice de nada ali. Eu só queria plantar a sementinha da dúvida na sua cabeça.

_Eu beijei Ricardo._ falei sem aviso prévio.

Os olhos de Alice se arregalaram olhando pra mim.

_Você fez o que?!

_Eu sei, eu sei!_ falei choramingando e afundando na cama.

_Como isso aconteceu?

Eu contei para ela em detalhes tudo o que tinha acontecido desde o dia na boate até o fatídico beijo.

_Você vai contar para Rafael?_ ela perguntou.

_Lógico! Eu não conseguiria viver carregando isso.

_Você sabe que isso vai enlouquecer ele, não sabe?

_Sei...

Alice me conhecia muito bem para saber que o buraco era mais embaixo. Ela sabia as coisas que passavam pela minha cabeça.

_Como você se sentiu com o beijo?

_Perdido...

_Ah, Bernardo...

_Eu amo Rafael, mas...

_Ama Ricardo também.

_Sim...

_Por que você escolheu Rafael da primeira vez?

_Porque eu o amava mais.

_E agora?

_Eu continuo amando ele mais.

_Então, qual o problema?

Era a grande questão, não? Qual a diferença entre aquele momento e este de agora? O que havia mudado? Eu sabia exatamente o que tinha mudado: eu namorei Rafael. Não me entendam mal, Rafael não foi um mal namorado. Aliás, ele foi um ótimo namorado. Mas Ricardo tinha sido um namorado melhor. Era uma comparação muito injusta por usar uma métrica muito discutível, eu sei, mas era como eu me sentia.

_O meu problema é o mesmo que o seu, Alice._ falei _Eu tenho medo de quem eu me tornaria com Rafael. Até aqui estamos muito bem, Rafael me faz muito feliz apesar das brigas. Só que os sonhos dele são tão diferentes dos meus. Eu tenho medo de me esforçar tanto para dar a ele a vida que ele quer, que eu me perca e esqueça dos meus próprios sonhos.

_Sua dúvida não é entre Rafael e Ricardo, Bernardo._ ela falou rindo _É entre ir ou ficar.

Era a mais pura verdade. Eu amava Ricardo, mas eu amava Rafael mais e nunca o trocaria. A questão era que Ricardo representava uma chance real de eu não ter que ir para aquele país tão distante de tudo e de todos. O seu beijo só me abriu os olhos para aquela verdade. No fim, Pedro estava errado quando disse que Alice não o amava tanto quanto eu amava Rafael. Eu e ela estávamos exatamente no mesmo ponto:

“Eu amava ele o bastante para abrir mão dos meus sonhos?”

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Comentários

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SÓ VALE a última postagem. Não consegui excluir as primeiras.

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Bernardo está numa encruzilhada. E a culpa pelo beijo dado em Ricardo só ampliou sua dúvida. Sentir-se parte de uma coletividade é essencial para o ser humano. Deixar família, amigos, sua terra, sua gente, seu modo de vida, principalmente quando isso não é questão de sobrevivência, é muito complicado. Um relacionamento afetivo dá conta de cobrir todas as perdas, dá conta de cobrir tudo que foi deixado pra trás?

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16:28:21

Bernardo está numa encruzilhada. E a culpa pelo beijo dado em Ricardo só ampliou sua dúvida. Sentir-se parte de uma coletividade é essencial para o ser humano. Deixar família, amigos, sua terra, sua gente, seu modo de vida, principalmente quando isso não é questão de sobrevivência, é muito complicado. Um relacionamento afetivo dá conta de cobrir todas as perdas, dá conta de cobrir tudo que foi deixado pra trás?

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Bernardo está numa encruzilhada. E a culpa pelo beijo dado em Ricardo só ampliou sua dúvida. Sentir-se parte de uma coletividade é essencial para o ser humano. Deixar família, amigos, sua terra, sua gente, seu modo de vida, principalmente quando isso não é questão de sobrevivência, é muito complicado. Um relacionamento afetivo dá conta de cobrir todas as perdas, dá conta de cobrir tudo que foi deixado pra trás,

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Ricardo está numa encruzilhada. E a culpa pelo beijo dado em Ricardo só ampliou sua dúvida. Sentir-se parte de uma coletividade é essencial para o ser humano. Deixar família, amigos, sua terra, sua gente, seu modo de vida, principalmente quando isso não é questão de sobrevivência, é muito complicado. Um relacionamento afetivo dá conta de cobrir todas as perdas, dá conta de cobrir tudo que foi deixado pra trás,

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