Bernardo [98] ~ Adeus Rafa

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2517 palavras
Data: 10/12/2023 15:52:00
Assuntos: Gay, Início, Sexo, Traição

Durante os dois anos de namoro com Rafael, nós nunca tivemos uma grande briga. Certo, tínhamos algumas pequenas discussões, e às vezes passávamos alguns dias sem nos ver para esfriar a cabeça, mas eu sempre achei aquilo muito normal. Nossas brigas nunca iam em frente, um sempre acabava cedendo pelo bem do relacionamento e a vida seguia. Hoje eu sei que essa estratégia nos fez mal. Nós nunca discutimos seriamente sobre nossas diferenças, sobre o futuro do nosso relacionamento. Todas conversas sobre o assunto eram muito vagas, como se ambos soubéssemos que havia ali uma grande briga. Foi como uma panela de pressão. Acumulamos mágoas e ressentimentos um do outro por dois anos sem perceber. Até que na nossa primeira briga realmente grande, tudo veio à tona. Por causa disso, aquela acabou por ser a nossa última briga também.

Rafa não falou nada de imediato. Ele apenas seguia me olhando com os olhos vermelhos. Mais do que raiva ou uma simples tristeza, eu via no seu olhar uma dor profunda. Eu tinha enfiado uma espada no seu coração sem aviso prévio. Eu nunca lhe dei nenhum tipo de sinal que eu seria capaz de fazer aquilo com ele algum dia. Eu cheguei na calada da noite por trás dele e o apunhalei.

_Você fez o que?_ ele perguntou como se não estivesse acreditando no que tinha ouvido.

_Rafa, por favor._ falei chorando _Eu não sei o que deu eu mim, eu...

_Repete para mim o que você fez?_ ele falou com raiva na voz _Eu preciso ouvir de novo para saber que é verdade!

_Eu... Eu... Eu beijei Ricardo.

Antes que eu pudesse sequer adivinhar seus movimentos, seu punho veio muito rápido na direção do meu rosto. O impacto do soco na minha bochecha me fez cambalear para trás e cair sentado no chão da sua sala. A dor na minha bochecha, a surpresa, o fato dele ter chegado àquele ponto, e, principalmente, a consciência que eu causei aquilo me derrubaram. Fiquei ali deitado no seu chão sem me mover e chorando baixinho. Não para comovê-lo de alguma forma, mas por realmente querer chorar, tentar aliviar um pouco a minha cabeça.

Ele tampouco foi me ajudar a levantar. Ele nem mesmo parecia alguma coisa arrependido. E eu não sei se deveria estar. Eu mereci? Ele cobriu o rosto com as mãos e sentou no sofá. Em algum momento, eu parei de chorar e fiquei ali no chão por puro medo. Medo de que se eu me levantasse, seria para ir embora e nunca mais voltar. Ficamos os dois no mais mortal dos silêncios por longos minutos.

_Quem beijou quem?_ ele perguntou com frieza na voz.

Eu não queria que a nossa conversa caminhasse por aquele caminho, mas eu não tinha como escapar. Eu conhecia Rafael muito bem, ele iria querer ouvir cada detalhe sórdido para aumentar sua raiva.

_Ele me beijou._ falei sem olhá-lo.

_Aquele filho de uma puta!_ ele gritou raivoso.

Rafael começou a caminhar impaciente de um lado o outro da sala. Era como se ele tivesse que fazer alguma coisa no momento, caminhar e maldizer Ricardo que fosse, ou senão ele explodiria.

_Eu sempre soube que ele não prestava! Eu sabia que ele só estava esperando a primeira oportunidade! Viado desgraçado!_ e chutou com força uma almofada que estava caída no chão.

Me arrastei e fiquei sentado no chão encostado numa parede. Rafael estava muito vermelho, o que era difícil de acontecer por ele ser moreno claro. Seus olhos vermelhos estavam inflamados de raiva, e ele não parecia ligar para as lágrimas que caíam. Me lembrei de tê-lo visto naquele estado só uma outra vez: quando ele descobriu que Eric estava se encontrando com nós dois ao mesmo tempo.

Ele veio até mim e se agachou até ficar com o rosto a centímetros do meu. Eu não queria encarar seu olhar, mas ele pegou meu queixo e me forçou a encará-lo. Sua expressão em nada lembrava o cara por quem eu me apaixonei, o garoto de um milhão de sorrisos. E quem mais além de mim eu poderia culpar?

_Me diz: você gostou, não foi?_ perguntou apertando com força meu queixo _Você estava sedento pelo beijo do seu príncipe encantado, não estava?!

_Eu sempre achei que fosse você o meu príncipe encantado._ respondi num tom triste.

_Mentiroso!

Ele forçou meu queixo contra a parede, me fazendo bater a cabeça.

_Eu sou só um palhaço pra você!_ ele falou agora chorando para valer e com a voz quebrada _Um degrau na sua escada para aquele desgraçado! Você sempre mentiu pra mim!

_Eu nunca menti pra você._ respondi sem nenhuma emoção na voz.

_Não?!_ gritou em encarando.

_Não. Eu nunca disse que tinha deixado de amar Ricardo.

Seus olhos brilharam de raiva e ele veio pra cima de mim. Eu vi o movimento do chute se desenhar na sua perna direita, mas desta vez eu fui mais rápido e desviei. Ele chutou a parede e saiu mancando com a dor. Me levantei e ele ficou me encarando.

_Vem._ falei abrindo os braços _Pode me bater. Pode descontar toda sua raiva em mim. Eu aguento.

Ele veio pra cima de mim. O primeiro soco no meu ombro doeu, o segundo doeu menos, o terceiro ainda menos, e assim ele foi perdendo força. Eu não aguentei mais e o prendi num abraço. Ele tentou resistir por um tempo, mas depois desistiu e começou a chorar descontroladamente no meu ombro. Foi inevitável chorar junto. Uma das cenas mais tristes da minha vida: nós dois abraçados ali naquela sala nos afogando em lágrimas. Era como se tivéssemos certeza do fim.

_Eu te amo tanto, Rafa._ falei no seu ouvido.

_Quem ama não faz isso! Como você pôde fazer isso comigo?!

_Me desculpa...

_Por que você fez isso comigo?!

_Porque eu não quero ir com você pro Canadá.

Não era aquela toda a verdade? Eu acredito muito no poder do subconsciente. Eu poderia ter impedido Ricardo antes dele me beijar. Eu já tinha feito com Rafael quando eu voltei ao Brasil. Por que eu não fiz de novo? Acho que no fundo eu queria um motivo para não ir com Rafael. Mais do que um motivo para eu mesmo não ir, eu precisava de um motivo para ele querer ir sem mim. Rafael era um romântico incorrigível, eu tenho certeza que ele desistiria da viagem para ficar comigo. Mas eu nunca seria capaz de ficar entre ele e seu sonho, por mais que o amasse.

_Isso não é justificativa._ ele falou me soltando.

_Eu sei, me desculpe.

Ele se jogou no sofá com uma cara de derrotado.

_Por que você me deixou sonhar?_ ele perguntou.

Sua voz não tinha mais raiva, mas uma profunda tristeza.

_Você tem ideia do quanto isso é cruel?_ ele perguntou _Me deixar sonhar com nosso futuro, nossa casa, com a gente caminhando de mãos dadas na neve. E você sabia que não ia ser assim. Por que você disse sim? Foi só pelo prazer de me machucar?

_Eu nunca quis te machucar, Rafa._ respondi voltando a chorar _Em algum ponto eu achei que queria. Em algum ponto eu pensei que eu poderia fazer do seu sonho o meu também.

_E o que mudou isso?

_Ricardo...

Ele riu sem humor nenhum na voz, como se não conseguisse acreditar no que ouvia.

_Mas não do jeito que você pensa._ continuei _ Eu nunca pensei em te trocar por ele. A vinda dele me fez perceber que eu não quero deixar as pessoas da minha vida para trás. Me fez perceber que eu seria infeliz lá com você.

_Agora tanto faz._ ele respondeu _Ele ganhou. Vocês podem criar sua família feliz aqui juntos.

_Eu ainda estou usando a sua aliança._ comentei.

_Por pura formalidade.

Falando nisso, ele tirou a aliança do dedo dele e a jogou na mesinha de centro. Era assim que tudo acabava? Todos os sonhos, todas as promessas, todos os nossos possíveis futuros evaporavam no ar assim com aquele simples gesto? Toda uma história de amor jogada no lixo? No fim, nossa história de amor seria somente isso, uma história que contaríamos pros nossos filhos e netos?

Eu comecei a chorar e ele me seguiu. Eu não consegui tirar a aliança, eu não tinha forças para isso.

_Não me venha com essa, Bernardo._ ele falou _Você não veio aqui me pedir perdão, você veio aqui para terminar comigo. Só que você é um covarde, não tem coragem de fazer nem isso. Você veio aqui me fazer terminar com você.

_Eu te amo, Rafa._ falei com toda força que ainda me restava.

_Ama uma porra!

_Amo!_ falei firme _Só que no fim, amor não era tudo. Nós nos amamos, mas nos esquecemos do resto.

_É o Ricardo que você ama, Bernardo. Desde o segundo que ele apareceu na sua vida.

_Eu amo Ricardo. Mas eu te amo mais. E eu vou repetir isso até meu último suspiro.

_Eu não acredito.

_Você é um sonhador, Rafa._ falei sorrindo para ele, apesar de ainda chorar _Você simplesmente pregou em mim uma plaquinha de “amor da minha vida” e esperou que a vida cuidasse do resto. Mas não funciona assim. Se você visse a vida pelos meus olhos, viria que não é assim.

_Não use esse seu realismo como desculpa para sua covardia._ ele respondeu _Covarde demais para ir, covarde demais pra se deixar levar, covarde demais para não aguentar o tranco.

_Disso você não pode me acusar. Quando todo mundo virou a cara pra gente, eu peguei na sua mão e enfrentei todos.

_Você acha que essa era a grande prova, Bernardo? Não era. Você acha que eu não sei os problemas de se morar junto? O que é o olhar atravessado dos outros perto do olhar atravessado da pessoa que você ama depois de uma briga? Nada! Você acha que se assumir para sua família era o grande desafio? O grande desafio é pegar um bebê no colo e prometer dar a sua vida pela dele! Isso é desafio! Você acha que vai ter outra oportunidade de fugir para Paris assim que os problemas se apertarem? Não, sabe por quê? Porque você teria uma família, pessoas que dependem de você e que você não pode abrir mão. Isso é casamento, encarar seus problemas de frente a despeito de qualquer vontade de jogar tudo pro alto. E você não aguentou esse tranco. Digo e repito: covarde!

Não que as lágrimas alguma hora tenham deixado de cair, mas ouvir tudo aquilo da boca dele fez o choro se intensificar. Talvez seja verdade, talvez eu nunca tenha deixado de ser fraco, covarde. Talvez, ao me assumir, eu tenha simplesmente armado uma rede de proteção antes para só então pular. De todas as coisas difíceis de ouvir que Rafa me disse aquela noite, aquelas palavras foram as que mais me marcaram. Volta e meia elas voltam à minha cabeça...

_Talvez você tenha razão._ falei limpando os olhos _Talvez eu ainda seja o mesmo covarde. Me desculpe por não estar disposto a pular nessa com você, eu não consigo.

Ele não respondeu. Permaneceu como estava, sentado no sofá com a cabeça recostada e encarando teto.

_Sabe qual o nosso problema, Rafa?_ falei _Dez anos.

Ele me encarou curioso.

_Nós temos vinte e dois anos de idade, Rafa, e estamos falando em casamento! Isso é loucura. Não importa o quanto a gente se ama, nós não estamos pronto pra isso. Sim, o casamento implica em todos os desafios que você citou, mas não acho que você estaria mais preparado para encará-los do que eu estou agora. Nós estamos começando a vida agora, como vamos nos prender à outra pessoa assim? E não estou falando de fidelidade. Inevitavelmente, num casamento a gente coloca nossos sonhos de lado por causa do bem estar geral. Aos vinte e dois anos de idade você acha que estamos prontos pra jogar isso nas costas um do outro assim? Quanto tempo você acha que a gente duraria? Quanto tempo até a gente se odiar?

_Mais uma vez, seu realismo me soa como simples medo de encarar o desafio.

Balancei a cabeça. Como era teimoso! E como eu sempre amei aquela sua teimosia, sua perseverança!

_Nós nunca caminhamos na mesma direção, Rafa, só não queríamos ver isso._ falei _Enquanto estávamos aqui, presos financeiramente aos nossos pais e vivendo lado a lado, estava tudo bem. No momento que a faculdade está acabando e temos a liberdade de escolher nossos caminhos, escolhemos caminhos diferentes.

_Se você sempre soube que acabaria assim, por que deixou que chegássemos a esse ponto?_ me perguntou com um sorriso triste.

Dei de ombros indicando não saber a resposta.

_Não sei... Talvez você tenha me contaminado com um pouco do seu romantismo. Talvez uma pequena parte de mim tenha acreditado que o amor seria o suficiente para resolver todos os nossos problemas.

Fiquei calado por um tempo admirando a aliança que ainda brilhava no meu dedo.

_Eu não quero tirar a aliança._ falei com a voz embargada.

_Vai ter que tirar. Como Ricardo colocaria a dele?_ comentou com um sorriso amargo.

_Eu não vou correr pra cama dele assim que sair daqui._ respondi o encarando _Pra ser sincero, eu não faço a mínima ideia se eu vou ter alguma coisa com Ricardo. Mesmo se eu quisesse, vai demorar meses para eu me curar desta noite.

_Ele te esperou por dois anos, vai conseguir esperar mais um pouco._ completou ainda mais amargo.

Ficamos mais um longo tempo em silêncio.

_Acho que está na hora de você ir embora, Bernardo._ ele falou enfim.

Eu sabia que quando passasse pela porta daquele apartamento, seria definitivo. Me segurei naqueles nossos últimos minutos juntos com o mesmo desespero de um náufrago ao segurar o colete salva-vidas. Ele me acompanhou até a porta.

_Posso te pedir uma coisa, Rafa?

Ele não respondeu, continuou me encarando.

_Por favor, não me odeie.

Ele sorriu. O primeiro sorriso de verdade que ele me deu desde que aquela briga começou.

_Eu te amo, Bernardo.

E eu sorri para ele de volta. Por poucos segundos, meu coração se aqueceu com a esperança de alguma outra possibilidade que sequer existiu.

_Mas eu acho que também fui contaminado com um pouco do seu realismo. Amor não é tudo._ ele completou.

Sorri triste e lutei para segurar minhas lágrimas. Me aproximei dele e lhe dei um demorado beijo na bochecha.

_Adeus, Rafael.

_Adeus, Bernardo.

Lhe dei costas e só ouvi a porta se fechar quando eu já estava no elevador. Eu já tinha chorado muito aquela noite, então as lágrimas que me acompanharam até em casa eram bem menos dramáticas, silenciosas. Durante todo o caminho eu me pegava distraído olhando para aliança. E eu não a tirei quando me deitei também. Na verdade, só fui conseguir tirar aquela aliança cerca de uma semana depois. Ali, no escuro e na solidão do meu quarto, dormi murmurando:

_Adeus, Rafa...

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Comentários

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Não acho mesmo que ele tenha amado de verdade o Rafa. Ele romantizou e idealizou. De longe nunca foi amor verdadeiro. Foi tesão, foi paixão, foi obsessão, mas não amor. Sinto pelo Rafa. Ele já deveria ter dito não em Gramado.

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Não consigo parar de chorar. Eu, um marmanjo de 57 anos. É um misto de sentimentos. Orfandade?! Nada é eterno. Temos que continuar vivendo, com as cicatrizes que as nossas escolhas teimam em deixar. Isso é viver!

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