“Amanhã será um lindo dia
Da mais louca alegria
Que se possa imaginar
Amanhã, redobrada a força
Pra cima que não cessa
Há de vingar”(...)
Nunca a poesia de Guilherme Arantes foi tão útil na nossa história. Passadas três semanas após meu regresso ao Brasil, estou prestes a concentrar-me em Marcos. O processo com o jovem Leandro Alves de Lima foi intenso, com reviravoltas mas um final feliz. Ele foi inocentado pelo júri e vamos entrar com ação pedindo indenização. Mas isso é pra outro momento.
Guardei aquele cartão como se fosse a minha vida. Prestes a descobrir o verdadeiro culpado por todo sofrimento que Marcos está passando.
Porém, ao abrir o conteúdo do cartão, encontrei muitas gravações aleatórias, sem data correta e alguns trechos não visíveis, causas de uma câmera obsoleta e nas mãos de uma pessoa inexperiente em tecnologia.
Assim, para ajudar chamei João Paulo, o técnico mais foda que eu conheço. Já venci processos por causa dele, e ele sabe disso. Nunca se gabou, entende seu papel como uma ferramenta de justiça.
E é por isso que somos grandes amigos.
- Fala, doutor?
- João, meu querido. Preciso de um help.
- Manda
- Tenho em mãos um cartão de memória com muitas imagens, porém com datas e horários errados. Quero que você busque duas pessoas em particular. Vou mandar as fotos deles.
- Sabe que isso vai demorar dias, né?
- Sim, estou ciente. Faça o que for necessário.
- Combinado. Falamos em alguns dias.
Hora do almoço. Fiquei com muita vontade de conhecer o novo restaurante do shopping. Amo a comida italiana.
O celular vibra. É Marcos.
- Oi!
- Amor…vou falar rápido. Chacal descobriu onde estava escondido. Mandou aquele delegado atrás de mim. Vou precisar fugir para o Norte, pra Braga.
- Marcos, qual lugar você vai?
- Tenho um conhecido que mora num sítio afastado do centro. Vou ajudá-lo disfarçado. Cortei o cabelo e a barba.
- Nossa, manda uma foto. Mas se precisar, fala que envio mais dinheiro.
- Ok.
Uma foto chega. O safado enviou um nude com o novo visual.
- Tá bem gostoso.
- Aprovou?
- Super. Quero provar cada parte sua.
- E eu que tô com saudade desse rabo. Não paro de pensar no seu cu apertado e quentinho.
- Aí, que tesão.
- Vamos! - ouço uma outra voz ao fundo.
- Preciso ir amor. Quando chegar lá, ligo.
- Por favor, mande notícias.
De repente, paro em um semáforo. Meu olhar é rapidamente levado para duas crianças lindas mas bem sujas. Suas roupas estavam rasgadas. O olhar delas exprimia o desejo de serem socorridas daquela situação de miséria.
- Ei, vem aqui!
- Boa tarde, sr. Tenho balas de hortelã, canela e café. - Qual deseja?
- Qual é seu nome?
- Pietro da Silva.
- Quantos anos?
- 10 anos.
- E sua amiga?
- Camila, minha irmã. Tem 6 anos.
- Cadê a mãe de vocês?
- Tio, não interessa. Vai querer ou não?
O semáforo abriu.
- Desculpe, tenho que ir.
- Ah, vai se foder. Arrombado.
- Olha o respeito, garoto.
Acelerei e continuei na avenida, rumo ao shopping. Mas aquele garoto, despertou a curiosidade dentro desse advogado. Afinal, todos têm o direito de serem livres.
Durante o almoço, não parei de pensar neles. O que será que almoçaram? Moram na rua? Praticam algum crime?
Voltei ao semáforo. Sumiram. Mas vi outros garotos e suspeitei que sabiam do paradeiro dos dois.
- Ei, aqui!
- Conhece o Pietro e a Camila?
- Claro. Gente boa.
- Onde moram?
- Na favela do K9.
- Certo, mas exatamente?
- Na viela do bonde, do lado do bar do Tião.
- Ok, obrigado.
- Opa, não vai levar nada pela informação?
- Sim, quero halls preto e azul.
- Tá na mão, tio.
Dei 10 reais.
- Daora, tio.
- Pode ficar o troco.
- Deus te pague.
Avancei rumo à favela do K9. Existe uma associação de moradores e por sorte, tinha contato com o líder, José Francisco (vulgo Chicão).
- Dr. O que faz por aqui?
- Chicão, conheci duas crianças que moram aqui. Pietro e Camila.
- Ah, coitados.
- Por quê?
- A mãe deles está com câncer terminal e fica o dia todo na cama esperando a morte chegar. Vejo aqueles garotos saírem 5h da manhã pra tentar ganhar algum troco e voltam só a noite.
- Nossa, e vocês não conseguem ajudar?
- Sim, mas ainda é pouco.
- Não tem parentes?
- Não, ela é filha única e os pais já morreram.
- Quero ajudar. Vou visitá-los.
- Tome cuidado
- Certo, muito obrigado.
Ao bater na porta, ouço:
- Quem está nessa merda? Será o cobrador do aluguel?
- Pietro abre.
- Bom dia! Não me reconhece?
- O que quer?
- Ajudar, rapaz.
- Não precisa, tchau.
- Calma, moço. Vocês precisam de um suporte, pois a sua mãe está…
- Cala a boca! Não tem nada.
- Como assim?
- Tá ótima e não precisa da sua ajuda. Pode ir embora?!
- Vim com sinceras intenções.
- RU-A!
Ao retornar a porta, me deparo com um retrato. O homem tinha um olhar assustador. A mulher estava cansada, com uma criança menor no colo e um garoto grudado nela.
- Cadê seu pai?
- Chacal?! Ele sumiu. Na real, não temos pai. Não temos ninguém.
- Oi?! Chacal?!
<(Continua no próximo capítulo)>