- Chacal era o apelido, na verdade, ele se chamava Charles Caldas.
- Mamãe, o que está fazendo em pé?! Já ia levar o almoço. Esse moço atrapalhou.
- Tudo bem, filho. Cof, cof…caf.
- Olha o que você fez?!
- Precisa de ajuda?
- Não, meu rapaz. Estou bem, meus filhos são exagerados. Cof,cof,cof.
- Posso conversar com você, em particular?
- Claro, vamos lá fora.
- Mas, mãe e o almoço?
- Pode esperar. E outra, os dois aqui dentro. Não quero ninguém xeretando, hein?!
- Certo, mãe.
Saímos para uma pequena área que havia em frente a casa.
- O que você quer saber do Charles?
- Nada, é que vi seus filhos no semáforo e fiquei comovido com tamanha pobreza.
- Somos pobres, mas honestos.
- Disso não tenho dúvida. Mas gostaria de ajudá-los. Está doente, né?! Posso tentar um tratamento.
- Amigo, estou à beira da morte. Não preciso de tratamento. O que desejo é alguém para olhar pelos meninos. Não tenho família, muito menos eles.
- E a família do Chacal?
- Charles. Ele era órfão também.
- E por qual motivo sumiu, o que a…
- Shiu. Ele não sumiu. Eu..fiz algo…
- Sim
- Eu o matei.
- O que?
- Ele me agredia constantemente. Numa tarde de domingo, me levou a uma área de mata. Tinha certeza que morreria. Ele queria transar a força, me bateu, arrancou minhas roupas. Num impulso, peguei uma pedra e joguei sobre sua cabeça, enquanto ele me lambia com aquele bafo de cachaça. Ficou lá desacordado. Desesperada, andei por aquela região horas, até encontrar uma estrada. Um casal de idosos, Agripino e Deise, me socorreram.
- Uau.
- Desde então, a polícia nunca me procurou. Então assumi que o desgraçado tinha batido as botas. Meus filhos não sabem disso, acreditam que foram abandonados.
- Uau.
- Por favor, você pode cuidar deles? Dar educação, cuidado, amor. Se ficarem aqui, serão piores que o pai.
- Meu Deus, mediante a situação posso tentar uma guarda compartilhada. Assim, ficamos os dois com o cuidado deles.
- Pode ser. O médico disse que tenho dois meses. Acha que vai dar tempo?
- Conheço uma juíza da vara de família que pode ajudar.
- Ótimo. Muito obrigada.
- Mãe, a comida esfriou.
- Já vou, Pietro. Por favor, não conte nada a eles. Pelo menos até eu morrer. Você promete?
- Sim, claro. Vou providenciar para que voltem a escola, comprar alimentos para vocês.
- Deus lhe pague, moço
- Gabriel Campos Costa.
- Cristina da Silva.
Ela entrou e resolvi sair em direção ao escritório para redigir a ação de guarda compartilhada e ir atrás dos alimentos, roupas, materiais, enfim tudo o que eles precisavam.
A juíza conseguiu acelerar o trâmite e em 45 dias, tinha a guarda dos meninos. Fui à favela contar a notícia para Cris. Ao chegar na casa, achei estranho que estava fechada. Bati várias vezes, até que uma vizinha apareceu.
- Cristina passou mal. Foi levada para o hospital.
- E as crianças?
- Acho que foram com ela, moço.
- Ah, obrigado. Que hospital?
- Nas clínicas.
Ao chegar no hospital, perguntei à enfermeira por Cristina da Silva. Ela me disse que a paciente estava sob cuidados paliativos. Inconsciente. Esperando pelo pior.
- E as crianças?
- Crianças?
- Sim, seus filhos. Pietro e Camila.
- Não apareceram.
- Deus do céu. Onde foram parar?
Voltei à favela e nenhum sinal deles. Perguntei aos vizinhos, ao Chicão e nada. Resolvi ir ao escritório. Ao chegar, a secretária disse:
- Sr, tem duas crianças na sua sala.
Entrei rapidamente.
- Graças a Deus, são vocês. Como acharam meu escritório?
- Mamãe disse para procurar o Gabriel Campos Costa. Ficamos o dia todo perguntando até achar esse prédio. Moço, ajuda a gente. Mamãe piorou, não sabemos o que fazer. Quem vai cuidar de nós?
- Olha, fiz um acordo com a mãe de vocês. Vou cuidar de vocês, junto com ela.
- Então, você será nosso papai - disse Camila de uma forma muito comovente.
- Sim, mas a mãe de vocês vai…
O celular vibra. Número desconhecido, São Paulo.
- Sr. Gabriel Costa?
- Sim
- Boa tarde. Infelizmente a sra. Cristina da Silva faleceu às 16h30. Preciso que compareça ao hospital ou algum familiar da paciente para fazer os trâmites.
- Claro, estou indo. Obrigado.
Como vou dar essa notícia para eles? O que será de nós a partir de agora? De repente virei pai de duas crianças que conheci a poucos dias. Calma Gabriel, dizia em pensamentos.
O celular vibra novamente. João Paulo.
- Fala meu amigo.
- Tenho boas e más notícias. Pode passar aqui em casa?
<(Continua no próximo capítulo)>