Amar alguém em si já é uma relação de dependência. Quando se ama, se depende daquela pessoa. No amor verdadeiro, você depende da felicidade do amado, mesmo que ele não te ame.
Para a minha família, que já me amava antes, era difícil odiar algo que eles amavam, era difícil saber que eu, o amado, não os amava.
Eles não entendiam a minha condição, mas me queriam perto quando eu estava longe. Talvez até me quisessem longe quando eu estivesse perto, mas o certo seria dizer que me queriam hétero para me terem perto para todo o sempre.
Isso estava claro agora, mas na minha cabeça eu dizia “que se danem. Quero que sofram me amando, mas que me deixem em paz. Se deixarem de me amar, melhor ainda. Se me esquecerem por completo, serei feliz!”. Mas querer não é poder.
Cheguei em casa em frangalhos. Eu posso ter tirado uma tonelada das costas, mas tudo o que eu queria era esquecer. Lembrar que eu havia brigado feio com a minha família não era bom. Não queria odiá-los, só esquecê-los.
Contei tudo ao Caio quando cheguei. Fomos para o quarto e ele fez o ritual de me devolver a paz como sempre fez. Ficamos deitados juntos, a luz apagada, uma vela acesa e fones de ouvido. Lembro que choveu naquele dia. Também não fomos à aula. No jantar, a mãe do Caio me avisou que ligaram da minha casa horas depois de eu ter saído. Perguntaram se eu tinha chegado bem.
A minha expectativa depois daquele dia foram duas: ou eles me esqueciam de vez, ou eles tentariam uma reaproximação mais rápida do que eu havia imaginado. Eu esperava que a primeira se realizasse.
Enquanto a minha família se mantinha longe, uma pessoa que estava longe se manteve muito próxima.
O Sérgio agora vivia lá em casa. Da noite para o dia, ele havia se revelado. Em menos de uma semana, assumiu para todo mundo e vivia na rua. Parecia que queria tirar o atraso de toda a sua repressão. O Caio sentiu-se responsável por ele e vivia no telefone, ligando para o Sérgio, perguntando onde ele estava, com quem estava e quando voltaria para casa. Ele não ficava muito, tão pouco transava muito. O que ele fazia mais era sair para dançar e beber. O que assustava não eram os parceiros de cama que ele poderia estar tendo, mas sim os companheiros de balada com quem ele poderia estar bebendo. Talvez até, quem sabe, se drogando.
O Vinícius, para a minha surpresa, nada tinha a ver com isso. Ele até tentou acompanhar o ritmo do Sérgio, mas não conseguiu e o deixou. Não culpei o Vinícius por isso.
Uma noite, contudo, o Sérgio convidou o Caio para sair. Disse que os pais dele só deixariam que ele saísse se o Caio fosse junto.
Ele insistiu, fez chantagem emocional. Eu e o Caio estávamos tão maduros quanto à nossa relação que eu nem ligava muito para os outros.
Eu sabia o quanto o Caio era especial para muita gente e não me importava em dividi-lo. Mas, dessa vez, eu não quis que o Caio fosse, pois achei a atitude do Sérgio imatura e um pouco psicótica.
A forma como ele vivia agora não me agradava. Nem o Caio queria ir, mas acabou indo. Infelizmente ele foi. Eu não pude ir, pois tinha um exame médico marcado no dia seguinte.
Mas lá para as três horas da manhã, o Sérgio me liga.
- Marlon? Marlon? Acho que aconteceu merda! - chorava ele.
- Quem está falando? - eu ainda acordava.
- O Serginho, Marlon.
- Cadê o Caio?
Ele não respondeu.
- Cadê o Caio, Serginho? - perguntei já nervoso.
- Vem para cá, Marlon!
Desliguei e comecei a me vestir. Saí escondido. Chamei um táxi e cheguei à tal festa.
Era uma casa não muito longe da nossa, mas fui de táxi porque já estava muito tarde. As casas da nossa vizinhança são grandes, dá até para se perder nelas. Era o que eu achava que tinha acontecido: um desencontro entre eles dois. Quando eu cheguei ao portão, liguei para o Sérgio vir me buscar. Depois que liguei, me bateu a ideia de ligar para o próprio Caio e perguntar o que estava acontecendo. Me senti um idiota por não ter pensado naquilo antes. Mas ele não atendia. Aí sim comecei a ficar preocupado de verdade.
O Sergio apareceu.
- O que está havendo? Cadê o Caio?
Ele estava nervoso, mas parecia alterado, bêbado.
- CADÊ O CAIO, SERGINHO? ME FALA LOGO! - gritei.
- A gente vai ter que chamar uma ambulância!
- Hã?
- Eu te explico lá dentro.
O Serginho foi me puxando para dentro da casa. Tentava não pensar em tragédias durante o percurso. Tinha muita gente na casa, o som era alto. Não tinha tantos gays como eu achei que teria. Atravessamos uma piscina e subíamos uma escada.
- Me conta logo o que está acontecendo!
- Eu não sei, eu não sei! - dizia ele desesperado.
Nos corredores do primeiro andar havia muita gente querendo usar os banheiros. Foi difícil atravessar a multidão. Depois entramos em um quarto. O Caio estava deitado no tapete e tinha um rapaz em cima dele.
Eles estavam se beijando. Na verdade, foi isso o que eu vi assim que entrei no quarto. Assustei-me. Mas foi só olhar mais um pouco, e eu percebi que o cara beijava o Caio sozinho. O Caio parecia desacordado. Ambos estavam sem camisa.
Tinha mais gente no quarto, mas todos eram casais que não estavam nem aí para o que acontecia. Essas festas são muito “famosas” na vizinhança porque sempre a polícia é chamada e também porque há muita prostituição.
São aquelas festas onde garotos e garotas perdem a virgindade. É chamada de “A Primeira Vez Agendada!”. Mas a maioria já é bem experiente no assunto.
Quando percebi que o rapaz se aproveitava do Caio, voei em cima dele e o tirei de cima. Eu bateria mais no cara, mas ele estava muito bêbado, ou chapado.
Mas quando eu pude ver o rosto do Caio, ele não respirava direito, o peito dele não se erguia normalmente. Comecei a chamar pelo nome dele, mas ele não respondia. Eu o agitei, mas ele não acordava. Se não era overdose, era quase isso.
Eu olhei para o Sérgio e ele estava encostado na parede, nos olhava com apreensão. Foi quando eu percebi quem era o culpado disso tudo.
- A gente tem que chamar uma ambulância, Marlon! - disse ele bem calminho, diferente de minutos atrás.
- E POR QUE VOCÊ NÃO CHAMOU ANTES DE ME CHAMAR? - berrei.
- Eu não sabia o que fazer!
- CHAMA A AMBULÂNCIA AGORA!
Ele pegou o celular e ligou.
Tive a idéia de ir descendo com o Caio, mas tive medo de não ser um procedimento acertado. Então quando eles atenderam, tomei o celular das mãos do Sérgio e falei com o atendente. Disse que era um possível caso de overdose, disse que estava em uma casa de primeiro andar e perguntei se poderia descer com o Caio. Ele perguntou se era só isso, pois se não fosse, como por exemplo, se houvesse fraturas, era melhor deixar o Caio imóvel.
Decidi não arriscar e deixei o Caio como estava. Tive medo da minha sobriedade. Ainda não tinha derramado uma lágrima sequer e nem olhava para o Caio com desespero. Saí de cima dele, respirei fundo e disse:
- Você conhece os donos da casa?
- Por quê?
- Não é hora de fazer pergunta. Conhece ou não?
- Não muito.
- Puta que pariu!
- Desculpa! - ele começou a chorar.
- Vá falar com os donos, diga que uma ambulância está chegando e que as pessoas têm que dar espaço para o Caio descer.
- Mas se eu fizer isso, o pessoal vai ter raiva de mim.
- Hã?
- É, eles nunca mais vão me chamar para as festas!
Sabe quando a sua cabeça dá um branco, congela? Foi o que me aconteceu. Aquela resposta foi tão irreal que eu nem percebi a gravidade da situação. Eu simplesmente parei no meio do quarto.
- Eu vou ligar para os pais do Caio.
- Não!
O Sérgio veio para cima de mim, me atacou, quis tomar o celular. Caímos em cima de um casal. Dei um soco no rosto do Sérgio e ele caiu no chão, com a mão na boca. O sangue logo se espalhou na palma da mão dele. Estourei os seus lábios. Não era a intenção, mas isso o manteve longe de mim. O rapaz que eu caí em cima se levantou e veio tirar satisfações:
- “Qualé”, cara?
- “Qualé” uma porra. Sai de perto de mim.
- Tirando onda comigo?
- Meu namorado está ali no chão, vocês não viram isso não? Está desacordado!
- E eu com isso?
- AH É? CHAMEI A POLÍCIA JÁ, É BOM TODO MUNDO QUE TEM ALGO PARA ESCONDER SE MANDAR DAQUI AGORA! - gritei para todos no quarto.
- Ta maluco, “mermão”? Chamou a polícia?
- É bom você correr, então!
As pessoas foram saindo. O encrenqueiro saiu por último e seguiu pelo corredor gritando:
- VAZA, VAZA. CHAMARAM A POLÍCIA!
Eu liguei para casa e eles demoraram a atender.
- Alô?
- Oi, oi. É o Marlon!
- Marlon? - perguntou o pai do Caio.
- É, eu estou aqui na festa que o Caio veio com o Sérgio. Ele está aqui desacordado!
- Como é? Mas você não está no quarto dormindo?
- Não!
- Não entendi.
- Sabe onde é a rua XXXX? É perto do posto de gasolina da Shell. Lembra?
- Sei - disse ele ainda sonolento.
- É sério, vem para cá!
- Chama o Caio aí.
- O Caio está desmaiado, acho que foi "Boa noite, Cinderela"!
- Como é, Marlon? Eu não estou entendendo nada!
- O Caio está desmaiado!
- Cadê o Serginho?
- Tio, entenda! O Caio está desmaiado aqui no chão, drogaram ele, chamei a ambulância agora. O senhor pode vir aqui?
- Estou indo. É perto do posto da Shell, então?
- É.
- Tá bom, eu acho vocês.
Sentei na cama e fiquei esperando a ambulância.
- Sérgio, desça e vá ver se ambulância está chegando.
- Eu não queria... - chorava.
Minutos depois, a música parou. A notícia de que alguém tinha chamado a polícia se espalhou. Foi bom, pois quando a ambulância chegou, deu para ouvir a sirene de onde estávamos. Só que, antes que chegassem ao quarto, o Caio acordou!
A sirene tocava lá em baixo e o Caio acordava no primeiro andar. Ele abriu os olhos instantaneamente. Os olhos não foram se abrindo lentamente. Foi estranho, assustador. Mas quando ele abriu, fechou-os de novo e os espremeu. Eu fui até ele, comecei a erguer o seu tronco, elevando um pouco a cabeça dele. Me ajoelhei no chão e pus a cabeça dele em cima da minha coxa.
- Caio? Fala comigo, Caio!
Mas ele não respondia, só abria os olhos. Comecei a ficar preocupado de verdade.
- Serginho, vá chamar o pessoal da ambulância!
- A culpa não foi minha... - chorava ele.
- VÁ! - gritei.
Ele desceu. Eu comecei a tentar reanimar o Caio. O ergui mais um pouco.
- Caio, fala comigo!
- Minha cabeça dói.
Fiquei tão emocionado que ele tinha falado, que comecei a chorar.
- Fale mais, meu amor. Fale tudo!
- Cadê o Serginho?
- Não importa.
A voz dele era de alguém alterado, alguém bêbado.
- O Serginho fugiu?
- Não, está lá embaixo.
- Ele vai fugir, Marlon. - dizia ele quase sem força.
- Não, não fugiu.
- Não deixa ele fugir, Marlon.
- Não vou deixar. Vamos, me diz, o que foi que você tomou?
- Não lem...não lembro... cadê o Serginho?
Os enfermeiros chegaram correndo. Eram dois, entraram no quarto e se ajoelharam perante o Caio.
Você está sentindo o quê? - perguntou um deles, colocando uma lanterninha nos olhos do Caio.
Eles foram muito rápidos. Eu tive que sair do quarto. Mas os três também não ficaram muito tempo no quarto. Logo eles desceram e o Caio foi atendido na ambulância. Não tinha mais ninguém dentro da casa. Ele já estava bem animado e já fazia até piada com os enfermeiros. Um carro foi se aproximando e de dentro dele o pai do Caio saltou.
Saiu atropelando, agora de pé, as pessoas que estavam em volta. Não consegui vê-los. Eu estava distante.
Para encurtar a história, o Caio, o meu sogro e eu fomos para o hospital de carro. Dessa parte eu não me lembro bem, só sei que a substância que fez o Caio apagar era um sonífero simples. Por sorte não era uma droga mais pesada. Mas fizeram exames e uma lavagem estomacal.
Mas antes de chegarmos ao hospital e depois de sairmos de lá, o Caio não fazia outra coisa senão perguntar pelo Sérgio. Enquanto ele era atendido, eu tentava ligar para ele. O Sérgio sumiu. Depois que ele desceu para chamar os enfermeiros, como eu havia pedido, ele desapareceu. O celular dava fora de área.
Mas eu não estava preocupado com ele. Liguei umas duas vezes e ele não atendia, então deixei para lá. Voltamos para casa de manhã.
- Eu ainda não sei como você pôde ter caído nesse truque, Caio. Você não é de se passar por isso. - dizia o seu pai enquanto dirigia.
O Caio e eu vínhamos no banco de trás. Ele vinha deitado no meu colo.
- Eu também não sei como isso aconteceu. Quando dei por mim, já estava fraco e me apoiando nos móveis do quarto.
- Você sentiu que tinha um cara se aproveitando de você, enquanto você estava apagado? - eu perguntei.
- Não. - disse o Caio alarmado.
- VOCÊ VIU ESSE CARA, MARLON? - perguntou o pai do Caio aos berros.
- Vi.
- Você consegue reconhecer?
- Vocês não estão pensando que esse cara pode ter me sedado, né?
- Claro que estamos! - disse o pai dele - quem mais poderia ser?
- Eu consigo reconhecer sim.
- Ótimo. No fim do dia de hoje esse cara vai estar preso!
- Pai, não exagera!
- E vou deixar isso assim?
- Marlon, você ligou para o Serginho?
- Liguei, mas só dá fora de área.
- Amor, ligue de novo.
- Depois a gente vê isso, Caio.
- Depois não. Depois pode ser tarde!
- Tarde para quê?
- Quem sabe onde ele está? Com quem está?
Fiquei irado que, depois de tudo aquilo, o Caio ainda se preocupava com o Sérgio. Claro, ele não sabia de nada sobre o que aconteceu no quarto enquanto ele “dormia”.
- Caio, o Serginho não é nenhum bebê não, sabia? - perguntei irritado.
- Eu sei, mas ele sumiu, oras.
- Vá dormir, vá descansar e depois a gente vê isso!
- Está com raiva de mim?
- Não, meu amor, só estou nervoso ainda.
Passamos numa farmácia para comparar uns remédios receitados para o Caio e depois fomos para casa. Ele foi direto para a cama e dormiu um bom tempo. O seu pai e eu ficamos na sala conversando. Eu o contei sobre tudo o que tinha acontecido, principalmente tudo o que tinha acontecido no quarto enquanto o Caio estava apagado. O pai dele decidiu ligar para os pais do Sérgio e contar tudo. Aliás, meu sogro também estava preocupado com o que tinha acontecido ao Sérgio.
Confesso que eu não estava. Ele deveria estar com medo da culpa que ele estava carregando por ter deixado o Caio naquele estado e fugiu. Não por muito tempo, é claro. Só até as coisas esfriarem. Muito simples!
Mais tarde, eu fui acordar o Caio, para que ele comesse. Acabei levando o almoço para o quarto.
- Não está tão bom como a sua comida, mas é de coração!
-Você não pode dizer que o cara que estava me pegando foi o mesmo que me drogou. - disparou assim, do nada.
- Hã?
- É, você não pode fazer isso. - cochichava.
- Você fala de um jeito como se soubesse que ele te agarrava.
- Claro que não, né? Eu estava... eu nem sei como eu estava.
- Eu vou dizer sim, Caio. Me dê um bom motivo para eu não fazer isso?
- Porque esse cara, que eu não faço a mínima de quem seja, é inocente.
- Como assim? Espere... então você sabe quem fez isso com você?
- Marlon, só me prometa... - eu o interrompi.
Ele não precisava dizer mais nada. Eu já sabia quem era o culpado.
- Ah não, foi o Serginho, não foi?
Ele iria falar algo, mas só com o olhar que ele fez antes de responder, respondeu tudo.
- FOI, NÃO FOI? NÃO ACREDITO NISSO! - gritei.
- Psiu!
- Não diga para eu calar a boca. Tem alguma coisa que justifique isso?
- Marlon, deixe que eu resolvo isso.
- Não. Uma porra que eu vou deixar isso passar. Está maluco?
- Marlon... - interrompi.
- Me diz porque ele fez isso.
- Porque...
- Porque, Caio?
- Porque ele queria sair com um cara aí e eu não quis deixar.
- Como assim?
- É um cara que ele conheceu pela internet. Ele queria sair com o cara, mas quando eu botei os olhos no infeliz, vi que não era coisa boa.
- Puta que pariu! Aí você foi dar uma de pai do Serginho, aposto!
- Não briga comigo, amor.
- Eu sei, desculpa. Não estou com raiva de você, estou com raiva da situação. Mas aí você bebeu uma merda lá e caiu?
- Foi.
- E quem te deu essa bebida foi o Sérgio!
- Foi.
- Filho da puta! Eu vou contar, Caio. Vou contar para os seus pais.
- Não, Marlon!
- Não porquê?
- Estou te pedindo.
- Caio... e você vai fazer o quê? Vai dar uma de pai dele? Vai dar uma punição para ele?
- Mais ou menos isso.
- Não.
- Marlon!
- Não, Caio. Não está vendo esse absurdo que você está tagarelando aí? Não é obrigação sua fazer nada não. Aliás, ele quis foder com você. Não está com raiva dele não?
- Claro que estou, mas ele não pode se ferrar com os pais dele.
- Pode sim. Pode e deve. Ele quase te mata, seu idiota.
- Marlon!
- Caio, está decidido para mim. Eu vou contar. Agora come!
- Se eu comer, você promete que não conta?
- Ou você come, ou você come. Porque eu vou fazer você comer de qualquer jeito. E vou contar de qualquer jeito também.
- Me dê uma chance de... interrompo.
- Chance de nada, Caio. Pirou? Esqueça qualquer plano mirabolante que você tenha arquitetado, pois você não vai fazer. É a minha palavra final, Caio, queira você ou não. Agora coma!
Quando o Caio estava terminando de comer, tocam a campanhinha. Quando ele acaba e eu pego o prato para levar para a cozinha e o pai dele entra no quarto.
- Caio, o Serginho está aqui. - disse o pai do Caio - Pode entrar, Serginho, pode entrar porque eu, você e o senhor Caio vamos ter uma conversinha.
Quando ele entrou, a minha vontade era de esmurrar a cabeça dele contra a parede até ele morrer. O Caio pegou minha mão e me puxou para perto dele. Ele segurou minha mão e não soltou. Ele apertava e me olhava nos olhos, me implorando para não contar nada. Para minha surpresa, entraram o Sérgio e o pai dele. Por essa eu não esperava. Todos foram se acomodando na cama e nas poltronas que tinham no quarto. O Sérgio só olhava para baixo e não dizia nada.
- O Marlon me contou uma coisas que me assustaram muito, Serginho. Eu liguei para o seu pai e contei. - começou o pai do Caio.
- Pois é, eu já disse a ele. - disse o pai do Sérgio em um tom bem mais agressivo - mas a gente veio aqui porque queremos ouvir do Marlon.
Eu senti a mão do Caio apertando a minha.
- O que é para eu dizer, na verdade?
- Tudo o que você me contou, Marlon. - disse o meu sogro.
Eu olhava para o Sergio e ele tremia na cadeira. Eu torcia para que ele me olhasse nos olhos, porque eu o faria tremer ainda mais enquanto contava tudo.
- O Serginho me ligou, afoito, pedindo para que eu fosse para a festa buscar ele e o Caio, porque tinha dado merda. Aí quando eu cheguei, ele me disse que a gente tinha que chamar uma ambulância...
Enfim, contei tudo o que aconteceu, até o momento em que o pai do Caio chegou lá. Depois de tudo isso, o pai do Sérgio começou a falar dos porquês que ele não queria que o Sérgio fosse para essa festa. Começou a brigar com o Sérgio, fazendo-o chorar na nossa frente. Eu ficava cada vez mais impaciente. Eu só estava esperando alguém falar de quem poderia ter sido a bebida que o Caio tinha tomado, ou do cara que estava se aproveitando dele, pois eu contaria todo o resto. Mas ao invés disso, o pai do Sérgio começou a falar do machucado na boca do filho.
- Foi na hora da confusão, que todo mundo estava correndo, me bateram na boca.
- Pois é, muito me surpreende você andar agora em festas do ecstasy, no meio de uma confusão... está indo por um caminho excelente.
- Ainda está bem roxo - disse o Caio.
Foi quando Sérgio e eu nos olhamos pela primeira vez desde que ele chegou. Eu torcia para que ele dissesse que tinha sido eu. Mas a história de que ele estava tão bêbado quanto o Caio estava colando e isso me revoltava. Me revoltava mais porque eu me afrouxava. Eu me odiava a cada segundo naquele quarto, então saí.
E porque eu fiz isso?
Foi justamente quando eu saí que tudo o que eu não queria aconteceu.
Depois que eu saí do quarto, parece que aquela conversa se encerrou ali. Eu estava tão chateado comigo mesmo por ter me arrependido de contar a verdade... e estava chateado com o Caio também. Ele sempre me convence. Eu odeio isso.
No dia seguinte, o Caio saiu cedo para se informar sobre um vestibular em Gastronomia. Eu não pude acompanhá-lo porque minutos depois eu também sairia, mas para o estágio. Estávamos meus sogros e eu na cozinha, minutos antes de eu sair.
- Eu fiquei com muito medo de ter acontecido algo sério com o Caio. - disse a minha sogra.
- O que eu não entendi foi esse descuido do Caio. Como é que ele pôde ter tomado uma bebida qualquer, dada por um estranho...
Obviamente que a conversa me interessou. Eles continuaram a falar e eu sentia a mentira a cada letra. Não resisti e interrompi:
- Então foi isso o que o Caio disse para vocês? - perguntei interessado.
- Não. O Caio ficou calado. Quem disse isso foi o Serginho!
Eu não poderia deixar as coisas como estavam. Não consegui ouvir que o próprio Sérgio foi quem disse que o Caio bebeu a droga de um estranho. Isso não. Fiquei possesso!
- COMO É?
- Por que? Não foi? - perguntou ingenuamente o pai do Caio.
- NÃO! – gritei
E comecei a dizer tudo o que eu sabia. Não iria deixar por isso mesmo. Absurdo. Não iria deixar meu namorado passar por irresponsável. Despejei tudo o que eu sabia, mas carregado com a raiva que eu estava sentindo.
- Marlon, essas acusações são muito sérias!
- PERGUNTEM AO CAIO! - gritei furiosamente - não vou deixar o Sérgio falar merda do Caio não!
- Calma... - interrompeu.
- NÃO VOU TER CALMA, NÃO VOU! - ainda gritava.
Perdi a paciência e até quebrei uma xícara. Nem consegui ir ao estágio. Decidimos esperar o Caio chegar e tirar a prova dos nove.
Quando o Caio chegou, estávamos na sala. Ele se surpreendeu, claro. Os pais dele sentavam em um sofá e eu em outro. Ele fez uma cara de estranhamento e se sentou ao meu lado.
- Tudo bem por aqui? - perguntou ele apreensivo.
- O que você acha, Caio? - Perguntei com raiva.
- Não sei!
- Ah não sabe não?
O Caio olhou para os pais dele e ficou calado. Abaixou a cabeça e ficou “brincando” com os dedos.
- Então é verdade o que o Marlon nos contou? - perguntou o pai do Caio.
O Caio ficou calado.
- Seu pai fez uma pergunta, Caio! - eu disse.
- Marlon, eu te disse...
- O Marlon não tem culpa de nada. Foi ele quem te salvou. Não ponha a culpa nele.
- Não estou pondo a culpa em ninguém, eu sei o que o Serginho fez.
- E você acobertou! - eu retruquei.
- Marlon, você não deveria estar no estágio? Você vai perder a vaga desse jeito. Deixe que agora eu me resolvo com os meus pais.
- Você está com raiva de mim? - perguntei.
.
- Não, né?
- Ah, bom!
Levantamos-nos. Ele me levou até a porta e me abraçou.
- Eu sabia que não iria durar muito. - ele disse baixinho.
- Você, hein?
- Eu sei, eu sei.
Ele segurou o meu rosto e me deu um selinho. Depois que a porta se fechou, fiquei mais aliviado. Senti-me mais seguro. Senti-me mais honesto.
Fui para o trabalho tranquilo.
O bom foi que esse primeiro dia eu não trabalharia, era somente para conhecer o lugar. Esse estágio fazia parte de um programa dessa empresa de incentivo a novos profissionais no ramo do marketing. Quando voltei para casa, - depois eu iria para a faculdade - percebi um alvoroço.
Assim que entrei (pois já tinha a minha chave), o Caio estava no sofá chorando, a mãe do Caio pegando a bolsa e o pai, as chaves do carro.
- O que houve? - perguntei.
- O Serginho tentou suicídio ainda há pouco. - disse a minha sogra.
Fiquei atônito. Olhei para o Caio, que se desmanchava no sofá. Senti-me culpado, mesmo não sendo. Sentei-me ao lado dele, com medo de ser repreendido por ele, mas era meu dever ampará-lo.
- Caio? - perguntei temeroso.
Ele me olhou, cessou um pouco as lágrimas. Em seguida ele voltou a chorar e me abraçou. Eu queria ser o seu herói e o proteger todas as coisas que o pudessem fazer mal, mas infelizmente ainda não tinha esse poder. E isso é triste.
Fomos para o hospital. No carro, o Caio foi deitado no meu colo. Quando chegamos, ele se levantou, olhou para os lados, para as janelas, e se assustou.
- Não vou descer! - disse ele prensando a minha mão com sua.
- Calma, Caio!
- Não, não vou!
- Tudo bem, meu amor. Pode soltar minha mão.
- Não! - disse ele subitamente e ainda apertava a minha mão.
- Caio, calma. Se você não quiser descer, então não desce. Fique aqui com o Marlon. Pronto! - disse a mãe dele.
Os seus pais desceram. Ficamos no carro e eu tentava acalmá-lo. Tive medo de que ele achasse ser o culpado por essa tragédia. Ele tremia. Eu o abracei forte, para aquecê-lo, fazê-lo se acalmar, mas parecia não surtir efeito.
- Caio, quer que eu pegue um copo d’água?
- NÃO, FIQUE AQUI! - gritou.
- Caio, tenha calma. Eu não vou fugir daqui não.
Ele se pendurava no meu pescoço, pressionava a minha mão. Palavras não adiantavam, então esperei. Fui paciente com ele. Comecei a abraçá-lo mais forte. Ele foi se acalmando e voltou a se deitar no meu colo. Eu o fazia cafuné. Depois de uma hora e meia, mais ou menos, a mãe do Caio aparece com um lanche para nós.
- Caio, você quer ir ver o Serginho?
- Como ele está? - perguntou o Caio.
- Por que você não desce e vem ver?
- Mãe, como ele está? - perguntou mais aflito.
- Caio... - ele interrompe
- Diz logo, mãe!
- O quadro é grave. Ele cortou os pulsos na vertical e não na horizontal. Esse corte é mais grave e foi muito grande.
- Ele vai morrer? - perguntou o Caio de forma infantil.
A mãe dele não respondeu.
- E os pais dele? - eu perguntei.
- Estão arrasados no corredor. Estão se sentindo culpados por N motivos: culpa por não ter assessorado o Serginho quando ele ainda não tinha assumido; eu e o (pai do Caio) alertávamos sempre, para eles olharem mais o Serginho, mas eles teimavam em esperar o Serginho assumir por conta própria; também se sentem culpados por terem brigado com ele, primeiro por ter ido a essa festa infame e segundo por terem brigado mais ainda quando a gente contou quem tinha dado o copo ao Caio... bem está tudo nebuloso lá dentro.
Pairou um silêncio. O Caio o quebrou logo em seguida:
- Ele vai morrer? - perguntou do mesmo jeito de antes.
- Não, Caio.
- A senhora está mentindo!
- Caio, por que você não desce?
- NÃO! - gritou agressivamente, de uma maneira absurda.
Depois do grito, que assustou tanto a mim quanto à mãe dele, o Caio voou em cima de mim e me abraçou forte.
- Saia daqui. Você sabe que ele vai morrer!
- Não vai morrer, Caio! - insistia a mãe dele.
- Vai sim.
- Pode ir, tia, eu cuido dele.
- É melhor mesmo. Eu acho que eu estou deixando ele nervoso.
Depois que ela se foi, eu perguntei:
- Ô Caio, o que foi isso, hein?
- Ele vai morrer!
- Não vai morrer, pare de dizer isso.
- Vai sim e vocês não querem me contar.
- O que deu em você?
- Não brigue comigo agora.
- Não estou brigando.
- Está sim.
- Caio, eu nunca te vi descontrolado desse jeito.
- Vocês querem me deixar doido!
- Hã?
- Marlon... - e começou a chorar.
Eu não entendia. Aquele não era o Caio. O Caio de verdade não se deixaria levar desse jeito. O Caio que eu conheço é maduro e sóbrio nos momentos certos. Mesmo quando esses momentos são tão trágicos como este...
- Caio, você não tem culpa de nada!
- Eu sei que não. Está vendo? Vocês querem me deixar louco, querem pôr a culpa em mim!
- Caio, para com isso!
- Me largue agora...
- Menino!
- ME SOLTA - gritou.
Eu o soltei. Ele abriu a porta do carro e desceu. Quando ele ficou de pé, demorou um pouco assim e logo depois ele correu para dentro do carro e me abraçou. Foi tão forte, que a cabeça dele bateu no meu queixo.
- Ele não vai morrer, não é, Marlon?
A situação era crítica e piorava a cada lágrima que escorria na face dele. Ele me preocupava. Estava claro que ele se culpava pelo ocorrido. Ele voltou correndo para o carro e me abraçou forte, se refugiou em meus braços.
Eu peguei o celular, liguei para o pai do Caio e disse que eu levaria o carro para um canto mais afastado do estacionamento do hospital. O Caio olhava a todo momento para o portão. Conduzi o carro para um lugar mais afastado e voltei para o banco de trás. O Caio estava com uma expressão que me lembrava as vezes em que ele sentia dores no estômago. Ele sente dores lá quando fica nervoso.
- Está sentindo dor, amor? - disse eu voltando a abraçá-lo.
- Física, não.
- Vem cá, me abraça!
Eu o apertei contra o meu peito. Eu senti a pulsação do peito dele bem acelerada, mas com o tempo, o coração dele entrava em sintonia com o meu, através da velocidade, que abaixava. Ele começou a enfiar o rosto entre o meu pescoço e o meu ombro e respirava fundo. Eu sentia o ar na minha nuca. Ficamos um tempo assim, abraçadinhos.
- Você acha que ele vai morrer?
- Ele não conseguiu finalizar o suicídio. Agora que ele está sendo amparado pelos médicos... bem, a gente pode dizer que foi só um corte. Não se preocupe, meu amor.
- Ele caiu no mundo rápido demais...
- Sabia que você iria começar a se culpar: a culpa não é sua. A culpa é dele, exclusivamente.
- Exclusivamente não. Eu que comecei com tudo.
- Caio, você quis ajudá-lo e você conseguiu. Quando você o juntou com o Vinícius, tudo estava dando certo, até que o próprio Serginho abandonasse o Vincius e partisse para outras coisas. De um dia para outro, o Sérgio começou a ficar com homens, mas, até onde você pôde acompanhar, tudo estava correndo bem. Foi quando ele decidiu agir sozinho que tudo isso aconteceu.´
Parecia que eu o havia convencido de que ele não tinha culpa. Então ele se acalmou e ficou mais relaxado. Ainda estávamos abraçados e a respiração dele começou a desacelerar. Acho que ele começou a cochilar, ficamos quietos. Mas depois que a conversa acabou, ele se afastou um pouco do meu corpo. Ele me olhou nos olhos e disse:
- Te amo!
Eu achei aquilo uma gracinha e não consegui retribuir com palavras. Foi tão inesperado, que eu sorri. Então nos beijamos. Estávamos tão próximos um do outro. Era apenas um beijo de lábios. Um jogo de lábios simples. Mas depois envolvemos as nossas línguas e o beijo não parou mais. Ele estava pedindo por aquele momento de paz. Um momento em que a gente se abraçaria e se entregaria para algo mais parazeroso, algo mais calmo.
Depois desse beijo, ele me beijou no pescoço e voltamos a ficar abraçadinhos.
Começou a escurecer. O pai do Caio me ligou, perguntou como estávamos. O Caio pediu para falar com o pai.
- Pai, como é que está o Serginho? ... Tá, eu vou vê-lo. - desligou - Marlon, vamos descer?
- Se você quiser...
- Vamos!
Descemos, então.
Quando chegamos lá, parecia que estava tudo calmo. Os pais do Sérgio estavam bem. Eles conversavam com os pais do Caio. Perguntamos ao irmão do Sérgio como ele estava. Parecia que ele dormia. Ficamos mais um tempo, depois fomos embora.
No carro, conversávamos:
- A (mãe do Sérgio) disse que a discussão foi feia, muito feia. Mas também, o Serginho não merecia menos. Ele se descontrolou de um jeito... É por isso que eu, modéstia a parte, tenho muito orgulho de você, Caio. Tenho orgulho da educação que demos a você. - disse o pai do Caio - E eu estou dizendo isso porque eu tenho certeza de que foi essa educação que você passou para o Serginho, mas você não tem culpa se ele se desvirtuou.
- Eu disse isso para ele já. Estávamos conversando sobre isso. - eu disse.
- Mas continue, pai. Como foi a briga? - disse o Caio.
- Não, eles não falaram muito. Só disseram que gritaram muito com ele, ele começou a chorar e correu para o quarto. Se trancou. Aí o resto nós já sabemos.
Espero que ele se recupere logo. Eu só não sei como é que vai ser a vida dele daqui para frente. Espero que ele não se reprima mais que antes.
Depois desse episódio trágico, a nossa vida começava a voltar ao normal. O Caio e o Sérgio passaram a se evitar. Não sei bem o porquê.
O Caio estava decidido a fazer Gastronomia. As pessoas da nossa turma ficaram desoladas. Talvez a palavra “desoladas” pareça exagero, mas não era.
O Tom e a Claudinha ficaram irados com ele. Chegaram a confundir vocação profissional com abandono. Todos sabíamos o porquê de o Caio estar fazendo isso, mas não apreendíamos essa notícia muito bem. Não era bem aceita.
Eu estava me dando bem no estágio, consegui me desenvolver na empresa aos poucos.
O meu aniversário estava chegando e eu temia que a minha família quisesse fazer algum contato. Não queria mais uma “sessão hipocrisia”, que também poderia se chamar de “Nós te amamos, mas você não presta!”. Não me importava com eles, não sentia falta e tão pouco queria aproximação.
Perguntei ao Caio se não haveria a possibilidade de viajarmos, passarmos o final de semana em algum lugar fora da cidade.
Por outro lado, eu não queria abusar. O dinheiro que eu ganhava, como já disse antes, só dava para as necessidades básicas, mas não custeava os “luxos”.
Mas como o Caio sempre resolve tudo, ele pediu ao Tom se ele não poderia emprestar alguma casa, algum lugar longe da cidade para fazermos uma comemoração simples, íntima. Contanto que fosse longe.
A mãe do Tom vende imóveis, mas era pouco provável que ela tivesse uma casa fora da cidade. Aliás, ela só vendia apartamentos. Mas eu não disse que o Caio sempre dá um jeito?
E o Tom também.
Fomos para uma casa de campo bem legal. Pequena, mas confortável. A casa onde aconteceu a festa do Caio no ano passado estava ocupada.
Fomos só os amigos íntimos. Pouco menos de 10 pessoas. Passaríamos o final de semana.
Quando estávamos com as malas prontas e com a chave na porta, o telefone toca.
- Alô? - atendeu o Caio - Marlon, é o seu irmão!
Não seria um final de semana espetacular. Seria um final de semana calmo. Pedi ao Caio & Cia que não me surpreendessem com nada. Queria paz. Um fim de semana no campo e um aconchego durante a noite. Nada de mais.
Talvez até um bolinho e uma vela, mas nada, além disso. Eu estava bem como estava e estava feliz por namorar quem eu namorava. Isso me bastava. Era nisso o que eu pensava quando abri a porta para descer com as malas.
O telefone tocou e o Caio, por estar mais próximo, atendeu:
- Como assim o meu irmão? - me surpreendi.
- É o Ewerton.
- Não vou atender.
- E o que eu digo?
- A verdade. Toda a verdade. Diga que estamos de saída, que estou bem aqui pertinho, mas que não quero atender, diga que estamos com pressa... enfim, diga a verdade.
- Ewerton? O Marlon disse que não quer atender... o que?... não, é que estamos de saída - o Caio se calou um pouco - Marlon, é melhor você vir atender.
Estranhei. Mas fui atender.
- O que você quer?
- Parabéns!
“Estátua”. Foi o que me disseram no outro ouvido. Eu congelei. Parecia piada, mas não engraçada, mas de humor negro.
- Como?
- Parabéns!
- Obrigado.
- Você está de saída?
- Estou.
- Vai para onde?
- Viajar.
- Para onde?
- Uma cidade aí.
- Posso ir junto?
“Estátua”. Mais uma vez.
- Posso? - repetiu ele.
- Do que você está falando?
- Eu posso ir com vocês?
- Você quer ir com a gente?
Quando disse isso, o Caio se assustou.
- Posso?
- Só vai ter viado.
- Tudo bem!
- Mas nós já estamos de saída.
- Me diz onde fica a casa e eu vou em seguida.
- Ewerton, o que você quer, hein? - perguntei de maneira mais firme e impaciente.
- Passar o aniversário com você.
- Por que isso agora?
- Não sei. Só permita que eu vá.
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