O Médico [12] ~ Mudanças

Um conto erótico de BENJAMIM
Categoria: Gay
Contém 7948 palavras
Data: 19/01/2024 12:17:10
Assuntos: Foda, Gay, Primeiro amor, Sexo

A prova de que ele é uma boa pessoa é que eu sempre fui pobre e em comparação com ele, muita gente é, e ele nunca se importou com isso.

Lembro de eu ter dito que era melhor a gente não namorar porque ele era rico demais. Ele me interrompeu com um beijo e desconversou da mesma maneira que eu costumo fazer.

Achei isso fofo. Mas a prova de que ele também é uma, ou foi, má pessoa, é que ele simplesmente não dá a mínima pra vida dos outros. Ele estando feliz e fazendo feliz a quem ele ama, basta.

Existe pobreza e miséria no mundo? Bem, ele não se importa! Os empregados da casa dele são bem pagos, bem tratados e respeitados, mas não são nada mais além disso: alguém que esta ali para servir. Criado é ensinado a ser invisível dentro de uma casa. Os patrões conversam sobre tudo, até segredos na presença deles e não se importam porque eles não são pessoas naquele momento, são empregados.

Henrique, infelizmente, foi criado nesse meio. Uma pena!

[...]

Depois que ele disse aquilo, fiquei ali, quieto, parado, estático.

Olhei bem nos olhos dele e só pude fazer isso:

- Tá aqui a sua comida: pão, carne, azeite, tomate... ah! Os tomates, eu tirei as sementes, senhor; está servido?

Falei isso oferecendo o prato que estava na minha mão e que eu tinha ido buscar enquanto ele bisbilhotava a minha carteira de trabalho.

- Isso não teve graça.

- Pois é isso o que eu vou dizer daqui uns dias, quando eu servir mesas no Giordano.

- Ok; se é isso o que você quer... faça. Não terá o meu apoio.

- Não pedi seu apoio. Era obrigação sua me dar sempre, mas pelo visto parece que você não sabe ser um bom companheiro.

- B, eu não quero brigar.

- Meu nome é Benjamim e você já brigou!

- Pensa bem em você servindo mesas, limpando pratos pra pessoas que você nem conhece.

- Você já lavou pratos alguma vez na sua vida?

- Nunca precisei.

- E quem é que lava?

- Ah, B; que pergunta...

- Você se acha melhor que os empregados do seu pai?

- Não e eu não disse isso. Mas pergunte a eles se eles pudessem ter outro emprego, se eles não diriam que sim.

- Sua arrogância me enoja. Nunca pensei que você pudesse fazer isso!

- Eu te enojo? É uma pena; mas não vou mudar só porque você quer. Você quer abraçar o mundo com as pernas, é metido a salvador do mundo, quer ser mártir e viver na miséria? Adeus! Eu não vou ficar com alguém que se submete a esse tipo de humilhação. Eu quero mais!

O homem que o meu coração escolhera para amar estava se revelando uma boa bisca.

Não podia crer nas palavras dele.

A cada abertura da boca dele, só me fazia odiá-lo mais e mais.

Comecei a chorar e ele veio me abraçar, me consolar...

- B, vamos parar de brigar.

- SAI HENRIQUE, NÃO TOCA EM MIM, EU TÔ COM NOJO DE VOCÊ!

- PAROU O DRAMA, VOCÊ TÁ LEVANDO ISSO A SÉRIO? ÓTIMO! EU TE AMO E SE VOCÊ NÃO QUER DAR VALOR A ISSO, PREFERE SERVIR O POVO, SE REBAIXAR, VÁ EM FRENTE E SEJA FELIZ!

Peguei a mochila e fui colocando tudo o que eu tinha tirado dela.

Peguei umas coisas que já estavam lá há muito tempo e fui descendo as escadas. Ele veio bem atrás.

Quando eu estava abrindo a porta ele disse:

- Tem certeza do que você está fazendo? Desperdiçando o meu amor desse jeito? Nunca amei ninguém como eu te amo, mas se você sair por essa porta... não tem volta! - disse isso calmo e lentamente.

Olhei pra cara dele e bati a porta. Peguei o elevador, apertei o andar do estacionamento e a porta foi se fechando.

Quando ela cerrou de vez, eu desabei no choro. Nunca tinha sentido dor física quando chorava, mas dessa vez... Eu chorava gritando dentro do elevador, arremessei a mochila no chão e fui caindo. Fiquei lá deitado enquanto me esperneava como uma criança, chorando, chorando e chorando...

O andar foi chegando e eu fui levantando. Quando botei a mochila nas costas, percebi que se eu saísse dali, não teria mais volta. Foi me dando uma agonia, uma aflição, uma dor no peito e depois... não lembro de mais nada.

Acordei e vi o branco. Tudo branco. Totalmente branco.

Depois, vi que um pontinho preto aparecia bem no meio desse branco. Depois de um tempo, esse pontinho se mostrou como a luminária do teto do Henrique. Pronto, já havia me situado... estava deitado na cama do Henrique.

A minha cabeça doía e eu não entendia como tinha parado ali.

Henrique foi entrando no quarto com uma xícara e sentou numa cadeira ao lado.

- Amor, você está bem?

- Hã?... O que aconteceu?

- Você desmaiou no elevador; o porteiro viu e interfonou; desci correndo e te trouxe

- Uhm...

- Fala comigo, B; você está bem? Tá sentindo dor?

- Cabeça... dor de cabeça.

- Bebe isso.

Foi me dando o chá assim como da primeira vez que nos conhecemos.

Depois desse desmaio, fiquei lembrando das minhas primeiras impressões dele e de como nos conhecemos. A forma como ele me deu o chá se assemelhava com a forma que ele me deu café, no hospital, quando o Vagner estava internado.

A cara preocupada também parecia a mesma. Fui lembrando enquanto bebia. Ele ficou ali, quieto, me olhando, atento a tudo.

- Não dorme, B; fique acordado.

Eu fiquei um tempo ali deitado. A noite foi passando e ele não dormiu, ficou me velando. Depois eu dormi e acho que ele também.

Quando acordei, o vi deitado ao meu lado; senti a paixão que eu sentia por ele ressurgir, mas lembrei da briga e senti repulsa.

Ele acordou logo em seguida, com um sorriso e me deu bom dia.

- Melhor?

- Aham.

- Chateado ainda?

- Não quero falar disso.

Ele deu um mega sorriso como se ele tivesse entendido que através dessas minhas palavras eu tivesse acatado a ordem, por assim dizer, dele.

Saiu da cama e foi em direção à cozinha gritando, dizendo que ia fazer o café.

Tomei café e ele só ficava me olhando com uma cara de satisfação.

- Mais?

- Não, obrigado!

- Quer mais leite no café?

- Já disse não!

- Você ainda está chateado, né? Ôh amor... entende o meu lado, eu não posso... enfim.

- Sabe o que eu vou fazer?

- O quê?

- Vou pro Giordano e pedir demissão; é isso o que você quer?

- É o melhor pra nós... pra você, principalmente .

- É ISSO O QUE VOCÊ QUER?

- Não posso negar que sim.

- Volto em quinze minutos.

Vesti uma roupa limpa que peguei na mochila. Ele ficou na cozinha e eu subi.

Depois de vestido, peguei a mochila e escondi atrás do sofá, porque sabia que ele iria me ver ir embora.

Quando percebi que ele estava distraído, saí correndo, peguei o elevador e saí pelo estacionamento.

Me lembrei da minha primeira vez... da nossa primeira vez!

Eu saí pelo estacionamento feliz da vida naquele dia e vi que o mar abriu um sorriso pra mim.

Dessa vez, coincidentemente, o tempo estava fechado, o mar estava cinza e tudo estava nublado. Chuvas de verão, foi o que eu pensei.

Fui ao ponto de ônibus e não sabia o que fazer. Agora, eu era um sem-teto. Fiquei pensando pra onde iria e cheguei à conclusão de que não tinha outro jeito, não tinha outro lugar.

Um lar é sempre um lar, mesmo que você tenha que dividi-lo com alguém que agora sinta nojo...

Será que eu sou um moço muito intransigente, exigente demais?

É isso mesmo... voltei pra casa.

Para a minha antiga casa. A casa onde eu morava com a minha mãe.

Aquela que me deu amor e carinho e que, assim como eu sinto nojo do Henrique, ela agora sentia o mesmo por mim.

Pois é... se ela não me queria mais lá, como que eu voltei?

Essa é uma das coisas das quais eu tenho vergonha. Das quais eu me arrependo. Das quais eu não consigo esquecer.

Peguei o ônibus e fui em direção à minha casa. A viagem foi horrível. Tive dores de cabeça e náuseas. A barriga embrulhava. Era como se não bastasse toda a morte que eu mesmo provoquei dentro de mim durante anos de escuridão, agora eu voltava para a mentira para tomar mais um pouco de arsênico.

Para quem não sabe, arsênico é um tipo de veneno que não tem gosto.

Realmente, o meu paladar não sofria ao ingeri-lo, já a minha alma... bem como a minha consciência e paz de espírito, sofria a cada segundo naquela volta.

Desci do coletivo e apesar de não ser uma caminhada longa do ponto até a minha casa, parecia que eu estava percorrendo uns quinhentos quilômetros.

Eu passei cerca de quatro dias fora de casa, quer dizer, expulso dela. Andar por aquelas ruas me fez perceber que fazia anos que eu não andava por lá.

Estranho né? Mas é fácil de explicar: a minha vida tomou um rumo inimaginável para mim há um ano.

A primeira coisa que os sentidos se prendem, ou uma das primeiras, é o ambiente físico, para mostrar que eu estava há anos daquele lugar.

O que estou querendo dizer é que definitivamente eu não era o mesmo Benjamim de outrora. Eu havia mudado, a minha cabeça foi junto nessa metamorfose, mas aquelas ruas... pareciam as mesmas. A velha mesmice.

Só não sabia identificar se havia mudado para melhor.

Eu mudei para melhor? Será? Mudei sem finalidade? Mudei por algum motivo que ainda não fora revelado a mim? Eu estava merecendo isso?

Alguém responderá essa indagações?

Eu voltei e bati no portão de ferro. Ela apareceu perguntando quem era.

Quando ouvi sua voz, tremi. Não poderia ter sido de outro jeito. Tremi.

Ela ficou um pouco parada na varanda, acho que encucada com a minha volta. Foram minutos que se transformaram em horas na minha cabeça: eu de um lado do portão, pensando se ela abriria; ela do outro lado, pensando se eu merecia outra chance.

Longos minutos!

Ela abriu. Me olhou dos pés à cabeça. Eu só conseguia tremer...

- O QUE VOCÊ QUER?

- Voltar.

- Voltar?

- Vamos conversar.

- Não quero conversas comnessa hora ela pôs a cabeça na rua pra ver se não tinha ninguém – viado.

- Mãe... - comecei a chorar - Vamos conversarEntra, vai.

Entrei... e o primeiro cômodo, depois da sala, é, ou era, não sabia ainda, o meu quarto. Fiquei olhando pra ele, os pôsteres nas paredes, minha cama, o guarda-roupas, meu computador e a mesinha de estudos.

Definir meu quarto em uma palavra? Minúsculo. Ele parecia tão pequeno, quando na verdade eu sabia que ele não era pequeno como eu estava visualizando naquela hora.

Ela ficou em pé, na minha frente, braços cruzados, esperando por uma explicação. Eu pus a mochila no chão, encostada no sofá, enquanto eu sentava. Olhei pra ela e desfiz o que demorei séculos de angústia para fazer.

- Mãe, eu não sou gay!

- Você não é gay? Sei. – debochando.

- Foi uma fase ruim... que passou e não volta mais.

- Que história...?

- É mãe; você sempre teve razão, me alertava das más companhias na universidade; eu não dei ouvidos e acabei me envolvendo com o que não presta... Lembra do Vagner?

- O que tem ele? É seu amante também?

- Não mãe; pelo contrário; ele é bem macho e me alertava dessas coisas, só que eu não dei ouvidos a ele e acabei me desvirtuando.

- Você quer mesmo que eu acredite nisso?

- Quero, porque é verdade.

- Coisa estranha!

Mais estranho que isso? Impossível.

Mas eu sabia que ela ia acreditar e sabem por quê? Porque a maioria das pessoas que não aceitam a homossexualidade é porque acham que fazemos isso porque queremos chocar e se um gay aparece dizendo que foi algo que passou, uma fase, só uma experimentação... e eles não acreditarem, é pôr em xeque toda a defesa anti gay que eles têm.

É como concordar conosco e aceitar que isso é natural, é humano.

Eles não querem isso.

Se ela não acreditasse, era como se ela estivesse confirmando o fato de eu não ter culpa.

No fundo, eu sei que ela não acredita. Sei também que ela sabe disso. Mas o que ela poderia fazer? Aceitar que tem um filho gay?

Pus ela contra a parede.

E então, mãe, eu sou gay ou não? Responda! - pensei comigo.

Ela me olhou como se estivesse perdida.

É como ter fé em algo a vida toda e em segundos ver tudo isso ruir, desparecer com um sopro. Foi o que vi naquele olhar.

- Ok, pode ficar; mas se eu te pegar de novo com outro cara, não tem mais volta, mocinho.

Ela saiu em direção à cozinha e eu fiquei no sofá, pensando no que eu tinha acabado de fazer.

Eu, passarinho, preso numa gaiola por anos. Um dia um beija-flor veio e me libertou. Não sei como, mas eu, passarinho, voltei à gaiola.

Era estranho. No mínimo isso.

É como saber que isso iria me matar aos poucos - experiência própria - e retornar à forca. O que será que eu estava fazendo?

Briguei feio com o homem que eu amava, defendendo as minhas convicções. E agora o que eu estava fazendo? Meia hora depois de deixá-lo?

Depois de um tempo fui pro meu quarto.

Fui tirando as coisas da mochila e pondo de volta nas prateleiras da minha antiga cela.

Foi a coisa mais deprimente que eu já fiz! Retornar.

Quis chorar muito, mas contive as lágrimas.

Essas férias de um ano com o Henrique me fizeram amolecer o coração. Quando eu estava emocionado, eu expressava isso, ele me fez ser assim.

Eu não o tinha mais e precisava reaprender a me reprimir.

O primeiro exercício foi conter as lágrimas. Segurei-as atrás dos meus olhos com toda a força e consegui. Finalmente consegui.

Pronto. Agora eu reaprendi a me suicidar lentamente, como eu fazia antes do médico.

Maldito médico!

Liguei pro Vagner, horas depois.

- E ela acreditou?

- Não sei; só sei que eu voltei.

- Você não devia ter feito isso, você não sabe como é essa vida?

- Onde eu ia morar? Na rua?

- Vinha pra cá.

- Claro que não!

- Claro que sim!

- Tarde demaisVagner?

- Estou aqui, pensando no que você fez; nessa situação... Te admiro, garoto!

- Não me chame de garoto!

- Por quê?

- Porque o falecido... ah, esquece, continua.

- Bem, te admiro porque não consigo me imaginar vivendo assim, sem poder ser livre; um monte de dedos apontados no seu rosto, sem poder amar em paz... desculpa, amigo; desculpa mesmo, mas tenho pena de você!

Quis morrer. Ele tem pena de mim? Bem, não poderia esperar outra coisa quando eu mesmo me fazia isso. Eu mesmo sentia pena de mim.

- Bem... me liga sempre, tá?

- Tá bom.

- Abração.

- Outro.

- HEI!

- Fala.

- Te amo, moleque!

Eu sabia que ia morrer aos poucos, mas as palavras do Vagner serviram de sentença oficial: sou alguém digno de pena!

Tomei banho e fui pra cama sem falar palavra com a minha mãe. Deitei e senti o gosto do nada.

Não sei explicar, mas sabia que depois que eu dormisse, tudo estaria selado e o nada seria o meu destino, porque eu não sabia o que ele me reservava.

Por enquanto, a única coisa que sei, é que vou ganhar um salário mínimo no fim do mês.

Trabalhei como um condenado durante o dia seguinte. Depois de uma noite de bandejas e cocktails, um cliente sentou na mesa mais afastada do bar do restaurante.

O local era um antigo galpão e por ter uma aparência antiga, denotava certo charme. A luz era baixa e vermelha. Tudo parecia intimista demais. Tinha um bar, onde a maioria dos clientes que iam sozinho, ou iam para paquerar, ficavam.

Estranhei aquele cliente, mas não fui servi-lo. Até que um dos meus companheiros de trabalho me pediu para ir lá porque ele estava ocupado com duas mesas. Tudo bem! Fui lá.

Cheguei na mesa e... era ele. ELE!

- Boa noite! – ele falou.

- Cínico. – falei com raiva.

- Não é cinismo. Vim saber o porquê de você ter saído daquele jeito.

- Quer o porquê? Você sabe por quê.

- Não, não sei. Você disse que vinha pedir demissão.

- E você achou que eu, como um cachorrinho, ia fazer os seus gostos, só porque você quer!

- Não é nada disso, amor!

- Não sou o seu amor.

- Não?

- Não mais.

- Você está morando onde? Posso saber?

- Na minha casa, de onde eu nunca deveria ter saído.

- Sua mãe aceitou você?

- Aceitou o filho hétero dela.

- Hã?

- Disse a ela que era uma fase, que passou.

- Mentira, né? Você não fez isso! ...Como pode? Ela acreditou?

- Não é da sua conta. Vai querer o quê?

- Nada!

- Desculpe, mas para usar o espaço do restaurante, tem que consumir.

- É isso o que você quer? Me servir?

- Quero a satisfação dos clientes.

- Não sou cliente.

- Então, por favor, saia!

- Não faça isso, B.

- Benjamim; meu nome é Benjamim.

- Vamos conversar.

- Vou chamar os seguranças.

- Tá, eu vou querer whisky.

Anotei no bloquinho e saí em disparada pra cozinha. Senti como se um passado bem distante estivesse batendo à minha porta...

- Rafael, serve a mesa que eu estava servindo e eu sirvo a tua.

- Por quê?

- Porque... só faz isso, por favor!

- Tá bom.

Eu dei o whisky na mão dele e peguei a bandeja que ele deveria levar.

Servi os dois casais da mesa e voltei pra cozinha.

- Ele não quer aceitar, pediu que você fosse.

- Eu não vou.

- E você vai deixar o cliente lá?

- Que se foda!

- Hã? Olha, resolve seus problemas, não tenho nada com isso, vai lá e resolve.

Olhei para o Rafael com uma cara de decepção, peguei o copo e fui.

- Tá aqui. - botei o copo agressivamente na mesa, até caiu algumas gotas na toalha.

- Espere; seja homem e enfrente.

- Enfrentar? O quê?

- A verdade.

- A sua verdade? Aquela onde todas as nuvens são cor de rosa e não existe infelicidade no mundo?

- Não, aquela que você ainda me ama e não pode voltar a viver do jeito que vivia. Pensa bem, Benjamim; você vai viver tudo aquilo de novo; é o que você quer?

- Vá embora, Henrique; me deixa em paz.

- É isso o que você quer? - repetiu a pergunta, agora me puxando pelo braço.

- Ai, tá me machucando.

- Desculpa.

- Sai, Henrique; por favor, eu estou te pedindo; vai embora, não quero mais te ver; por favor, Henrique, por favor!

- Por que está implorando pra eu ir? Se você quisesse me mandar embora, teria feito de outro jeito.

Dei um ‘hunf’ de cansaço e saí dando as costas.

Ele pagou, deixou o dinheiro na mesa e o copo vazio.

Horas depois, me aparece um homem desconhecido, cutucando o meu ombro.

- Você é o Benjamim?

- Sou eu, por quê?

- Tem um cara te procurando.

- Que cara?

- Não conheço; só sei que ele está bebíssimo.

Henrique, o que você fez? – pensei.

Fiquei pensando no que o Henrique tinha feito. Ele era impulsivo, fazia o que dava na telha.

Corri e fui ver o acontecido. Cheguei na rua e ele estava deitado no chão, todo sujo, suado e com uma garrafa na mão, que ele não deixava ninguém tirar. - ai de quem tentasse! - Ele estava muito bêbado e chamando o meu nome. Eu cheguei e me aproximei dele.

- Tá maluco?

- Hehe... ele ai gente! Meu amor!

Morri de vergonha.

Um monte de gente ao redor e ele berrando que me amava.

- Vem já para o carro.

- Ele está bebo; não pode dirigir assim. – um estranho falou isso.

- Eu vou levar.

- MEU AMOR VAI ME LEVAR, SEUS OTÁRIOS! HAHA...

- Haha... Ele está tão bêbado que tá me confundindo com a namorada. - todo sem graça.

Fui levantando ele e alguns me ajudaram. Um dos garçons do restaurante apareceu e eu pedi pra ele dizer que ia levar um cliente pra casa, porque ele estava muito bêbado e tals.

- AMOR, ME TIRA DAQUI, ME LEVA PRA CAMA! HAHA...

- Para cara, não sou sua namorada.

- HÃ? HAHA... ELE TÁ DOIDO, GENTE!

- Vai ver ele bebeu e tá se revelando... Haha... – falou um outro lá.

- Haha... deve ser esse maluco. – despistando.

Colocamos ele no carro e eu fui dirigindo.

- Não quer que eu leve o cara? – um moço perguntou.

- Não, eu tenho que levar; é obrigação do restaurante, você sabe?

- Ok.

Botei a chave no painel, rodei e perguntei onde ele morava, como se não o conhecesse.

Ele dormiu no caminho. Fiquei pensando nos rumos que a minha vida estava tomando. Ao contrário do carro que eu estava guiando, a minha vida estava fora de controle; a cada esquina que ele ultrapassava eu não sabia o que fazer.

Só não entrei em pânico porque tenho prática em reprimir sentimentos. PhD.

Toquei a campainha e o interfone se manifestou:

- Pois não?

- É... o Benj... o Henrique está aqui e ele está muito mal.

- Ok, estou abrindo o portão.

O portão se abriu e eu fui levando o carro. Os pais dele apareceram, perguntando o que tinha acontecido.

- Ele está bêbado? – a mãe dele, Dona Edna, perguntou.

- É.

- Vamos levar ele pra cima. – disse o Senhor Henry.

Quando deitamos ele na cama, eu fui tirando o tênis, o pai dele a camiseta e abrindo o cinto, quando...

- Por que você está com essa roupa? – o pai dele me pergunta.

- Estou trabalhando agora.

- Com essa roupa? Você virou cozinheiro?

- Não. Garçom.

Ele me olhou com uma cara de nojo misturada com desentendimento e se virou pro Henrique, tentando acordá-lo.

- Henrique! - batendo na cara dele. - Acorde.

- Hum... Que foi? Pai? Cadê o Benjamim?

- Oi, estou aqui.

- Meu amor! Me dá um abraço?

- Você está bêbado, vamos tirar essa roupa, tomar banho e pôr uma roupa limpa.

- Hum, não; quero banho, não; nem roupa limpa. Haha... bejinho, bejinho.

- Tá, Henrique, - dei um selinho. - agora vá pro banho.

- Você dá banho nele... que eu coloco a roupa em cima da cama.

- Eu?

- Claro, por que não?

Ele não sabia que a gente tinha terminado, pelo visto.

Fui tirando o resto da roupa: calça, cueca e meias. Acordei-o e fui levando ele pro chuveiro.

Abri a torneira e o empurrei pra debaixo d'água. Ele me puxou pra dentro.

- NÃO HENRIQUE, TÁ MOLHANDO A MINHA ROUPA.

- Haha... o que é que tem? Você vai ter que tirar mesmo...

- Eu ainda vou trabalhar.

- Onde?

- Esqueceu, foi?

- Estou vendo tudo dobrado, Haha... vem, vamos trepar.

- Não, Rique; toma aí seu banho.

Saí do box e fiquei encostado na pia, enquanto ele deixava a água rolar no corpo dele. Senti vontade de chorar, não sabia o que estava acontecendo. Eu não estava bêbado, mas também estava alucinado com o Henrique. Ele fechou o chuveiro.

- BÊ! Pronto, já tomei banho.

Parecia uma criancinha. Peguei ele do chuveiro e fui levando em direção ao quarto. Peguei a roupa dele e fui dando na mão dele.

- Pra que roupa? Haha... vamos trepar.

- Vai ser ótimo com o seu pai vendo.

- HAHA... RUA PAI, VAI EMBORA, EU VOU TREPAR! HAHA...

- Tá, Henrique; veste a roupa primeiro, depois eu saio.

- Toma. – fui entregando as peças.

- Não... quero trepar; nada de roupa, vai, tira a sua logo também.

- Eita bebum pra dar trabalho! Veste logo a roupa, depois você... enfim... – falou o pai dele, já sem paciência.

- Toma logo.

- Me veste, você.

Não teve jeito. Aí eu fui pondo a cueca dele e tive que me abaixar pra passar o pé dele.

- Eita, agora dá um chupão! - eu já estava constrangido com o pai dele ali.

- Depois, né? Vai, veste a cueca.

Ele vestiu e o pai dele deu café pra tirar o efeito do álcool.

Depois que ele bebeu, não foi difícil pôr ele pra dormir. Deixamos o quarto, eu e o ex-sogro.

- Que trabalhão!

- É, pois é.

- Bem, estou indo.

- Não vai me contar o que aconteceu?

- O que aconteceu?

- Por que ele bebeu?

- Acho melhor o senhor perguntar pra ele quando acordar.

- Vocês brigaram?

- Sim.

- Por quê?

- Ele responde, amanhã.

- Sei... E por que está trabalhando?

- Minha mãe me expulsou de casa.

- E você está morando onde?

- Eu voltei, mas arrumei o emprego enquanto estava fora, aí continuei.

- Ele descobriu, não foi?

- Foi.

- Viu? Eu disse que isso não ia durar muito tempo. - sermão de ex-sogro é dose.

- Pois é; mas tenho que voltar para o restaurante.

- Garçom, né?

- Sim, garçom.

Ele ficou com uma cara de insatisfação e foi me acompanhando até a porta.

- Eu vou pedir para o Zé levar você.

- Obrigado!

- Aposto que o Henrique não gostou nada disso.

- Disso o quê?

- Você, garçom.

- Ele não tem que gostar nem desgostar.

- Mas convenhamos que é um empreguinho meia boca.

- Mas foi o que eu consegui. Tem que se começar de baixo, o senhor não acha?

- Você está começando do subsolo, haha...

- Haha... - ri pra não perder a amizade.

- Ele não deve ter gostado.

- Mas vai ter que aceitar, se me quiser mesmo.

- Mas você não disse que sua mãe te aceitou?

- É complicado! E depois, eu não quero mais ser sustentado por ela.

- Mesmo assim... sei lá... você, garçom. Você pode arrumar coisa melhor.

- Estou atrasado, tenho que ir. Tchau!

- Tá, mas pense no que eu falei; o Henrique não vai querer namorar um garçom.

Peguei o carro e sumi dali.

Será que só eu notei que ele falou como se não tivesse dizendo nada demais? Ridículo!

Cheguei no restaurante e lá vem o chefe...

- O que foi que aconteceu?

- Um cliente, estava bêbado, eu o levei pra casa.

- Hum... fez bem. Ficou tudo bem?

- Ficou sim.

Estava disposto a perdoar o Henrique apesar de ainda estar com um ódio mortal dele. Eu já estava sentindo falta, mas, se antes eu não deixaria o emprego, por orgulho, agora eu não poderia deixar porque eu não iria mais ser sustentado pela minha mãe e ouvi-la passar na cara as coisas que ela me daria e depois, eu seria mais livre assim pra poder ficar com o Henrique.

No dia seguinte, ele me procurou na faculdade.

- Achei você!

- Oi?

- Você não disse ao meu pai que terminamos?

- Não... deixei que você contasse.

- Eu não contei.

- Olha, eu estou disposto a te perdoar.

- E depois eu que sou o arrogante, né?

- Hã?

- Quem disse que vim pedir desculpas?

- Tá, não interessa. Eu vou ficar com você, mas você vai ter que aceitar que estou trabalhando agora.

- Mendigar é o verbo mais correto.

- Não começa!

- Eu também quero ficar com você, mas você vai ter que deixar o emprego.

- E eu vou viver de quê?

- Você não voltou pra casa?

- Você acha que ela vai me sustentar depois de tudo? Além do mais, se a gente voltar, ela vai desconfiar e aí eu não vou poder dizer que não e nem quero dizer. Mas pelo menos eu terei um emprego.

- Deixa de conversa, peça demissão.

- Não, Henrique; não vou pedir; por que você não aceita?

- Porque não namoro garçons.

- Agora eu sou indigno da sua ilustre presença? Antes eu não era.

- Antes você só era um estudante.

- Então você confirma que o fato de eu trabalhar me torna indigno?

- Não quis dizer isso.

- Mas disse.

- Olha, vamos ser práticos: você quer sair da casa da sua mãe? Eu estou disposto a morar com você no apê e te banco, sem problemas.

- Não quero ser sustentado por você, quero ser independente, entenda isso.

- Não consigo entender como você quer continuar a se rebaixar desse jeito. Eu estou te dando a oportunidade de viver comigo e você não quer.

- Eu quero, Henrique... e quero trabalhar também.

- Não.

- Rique!

- Não, B; desse jeito eu não quero .

- Mas o que é que tem eu trabalhar?

- Tem tudo.

- Você se importa com o que os outros vão pensar?

- Não mude de assunto, peça demissão.

- Não mudei o assunto, quero entender por que você não aceita.

- N-ã-o-n-a-m-o-r-o g-a-r-ç-o-n-s – soletrou.

- Vai namorar a partir de agora.

- Ok, me dê o anel.

- Hã?

- É isso mesmo, passe o anel que tá no seu dedo.

- Mas...

- O anel, meu filho; quer que eu desenhe?

Arranquei o anel do dedo e dei na mão dele. Ele segurou o anel e botou no bolso, deu as costas e foi embora.

Não entendi nada!

Meu ódio só aumentou.

Fui pro banheiro da faculdade e sentei no vaso. Fiquei lá pensando no que tinha acabado de acontecer. Ainda não entendia e tudo estava confuso.

Por que ele estava fazendo isso? Ele, de uma pessoal afável e doce, se tornou um bruto mimado. Ele não queria e pronto!

Saí da cabine e fui procurar o Vagner.

- Ele disse isso mesmo?

- Disse.

- Que nojentinho, ele!

- Não fala assim dele.

- Ah, você bem que gosta da safadeza que ele tá fazendo, né? Se você fosse mulher eu chamaria você de mulher de malandro...

- Para Vagner, me ajuda, o que eu faço?

- Arrume outro.

- Não, eu quero esse.

- Que te faz de besta?

- Eu o amo, Vagner, não consigo viver sem ele, esses dias foram insuportáveis.

- A única coisa boa que ele te trouxe foi a coragem pra você assumir, apesar de você ter estragado isso

- Vou atrás dele.

- Não digo mais nada, você quer ser feito de trouxa... à vontade!

Eu não sabia se ia atrás ou não. Fiquei na dúvida se ele merecia.

Fui atrás dele no prédio de medicina.

- Oi, você é da sala do Henrique?

- Um alto, loirinho? – uma menina lá me perguntou de volta.

- Isso.

- Sou.

- Onde eu o encontro?

- Ele deve estar na sala... é aquela ali. – apontando.

- Obrigado!

Fui subindo uns degraus e cheguei na sala dele. Ele estava sentado, rindo com uns amigos. Eu pus o rosto na porta, ele me viu e eu o chamei.

- O que você quer?

- Vamos conversar.

- Fala.

- Você está sendo muito imaturo; você não acha legal que eu tenha um emprego?

- Putz, B; por que você tá fazendo isso com a gente? A nossa história é tão linda! Eu te amo tanto... por que você tá fazendo isso comigo?

- Mas eu não estou fazendo nada!

- Está me magoando.

- Você também está me magoando.

- Então vamos fazer o seguinte: vamos voltar e sermos como éramos antes, eu te amando e você me amando, você deixa o emprego e tudo certo.

- Ahrg! PORRA, ACEITE O MEU TRABALHO !

- Não vou aceitar, meu filho!

- Pare de me chamar de meu filho.

- Você quer o anel? Tem que fazer por merecer.

- O que foi que eu te fiz pra não merecer mais?

- Está me desobedecendo.

- Au, au! Quer que eu role ou me finja de morto agora?

- Você leva tudo na brincadeira, né?

- E você leva tudo no orgulho. Tem vergonha de namorar alguém que trabalha?

- Depende do trabalho.

- Para, Rique; te amo seu porra! Aceite logo isso pra gente ser feliz.

- Aceite eu te sustentando. Eu não cedo de cá, você não cede de lá... você me quer? Aceite você!

- Tá bom, mas eu não vou sair de casa, eu vou ficar lá.

- Hã? Não, vamos morar juntos. Assuma logo pra sua mãe e se livre dela.

Aí eu comecei a chorar porque estava sendo bombardeado por um monte de coisas que não tinha me preparado pra passar. Eu fui saindo pra ninguém ali notar e ele veio atrás. Passei na frente de um banheiro e ele me puxou pelo braço e entramos. Fomos pra uma cabine.

Ele me abraçou forte e voltou a ser o Rique de sempre.

- Meu amor, eu te amo tanto, você nem sabe, não sei o que tá acontecendo com a gente, eu só quero você como antes.

Demos um beijo como há muito não dávamos. Foi bom, foi quente. Ele me abraçava forte, passava a mão nas minhas costas, mas a minha paranoia – lembram dela? - voltava nesses momentos de amassos em público.

- Aqui não, Rique.

- Esse é o B que eu conheço!

- Hihi...

Saímos quase que de mãos dadas do banheiro.

Decidimos que eu ia sair do restaurante, mas que continuaria em casa. Ele ficou todo contente e realmente parecia que tudo voltaria a ser como antes.

Voltei pra casa com um anel no dedo.

Sabem por que é mais difícil de pegar uma mulher em adultério que um homem? Ela é super detalhista e se prende aos detalhes para não ser descoberta. Já o homem não; ele só pensa euforicamente na hora H e acaba deixando rastros. Sempre.

Voltei pra casa com um anel no dedo, contente e crente de que tinha feito a coisa certa. Ele era o homem que eu amava, apesar dos defeitos que só agora, um ano depois, eu começava a desvendar.

Foi surpreendente sentir um Henrique superficial e volúvel. Mas o misto de paixão e ódio não permitiam que eu o deixasse. Voltei com ele!

Fui pra casa com um mega sorriso nos lábios e me perguntando o que seria daqui pra frente, porque eu já deveria estar me acostumando que a minha vida estava ficando fora do meu controle.

Eu sempre tive as rédeas da minha vida porque nunca permiti que meu coração fosse tocado. Agora, esse mesmo coração já não era mais meu, apesar de estar batendo no meu peito. E batia forte.

Cheguei em casa e encontrei a minha mãe. Tudo normal, apesar do clima estar pesado por causa dos últimos acontecimentos.

Fui tomar banho, comer, ler alguma coisa da faculdade e assistir TV com

ela. Ficamos ali um tempo, normalmente, como sempre fazíamos. Acho que esqueci de dizer que meus pais são separados, sou filho único e morava nessa época com a minha mãe.

Estávamos lá no sofá, quando algo chamou a atenção dos olhos dela.

- De aliança?

- Nada mãe, é só um anel qualquer.

- Deixa eu ver esse anel direito, Benjamim.

- É bijuteria, mãe! - já nervoso.

- Anda menino, me dá! - puxando o meu dedo anelar.

Ela ficou analisando o anel e eu fui tentar tomar da mão dela. Ela se esquivou e disse:

- Velhos hábitos nunca mudam, não é?

- Tá falando do quê?

- Você tá ficando com um homem, né?

- Para mãe, já disse que foi uma fase.

- Fase permanente, você quer dizer.

- Mãe... – interrompe.

- Saia da minha casa - fala calmamente, consciente.

- Mãe, eu... - interrompe de novo.

- É melhor assim, eu não quero ver meu único filho dando por aí. Você quer isso pra sua vida? Ótimo! Vá em frente... pegue suas coisas, depois, se quiser, leve o computador, os móveis do quarto, tudo!

- Mãe, - já chorando – por que a senhora não pode aceitar isso? Por que é tão difícil? Eu ainda sou eu. Eu te amo!

- Saia, não reconheço mais você como filho .

Depois disso dito, as lágrimas pararam. Estava claro que dali pra diante o meu relacionamento com a minha mãe não seria nunca mais o mesmo.

Fiquei analisando tudo e vi que era o melhor, não sei por que, mas acho que não amava mais a minha mãe.

Parece impossível não amar a própria mãe, sendo que laços como esses são tão fortes e fogem de escolhas. Amamos e ponto.

Mas eu, aparentemente, não a amava mais. Achei que foi melhor assim, ao menos não gritamos nem desrespeitamos um ao outro, foi civilizado, calmo e assustador. Mas foi como deveria ser.

- Oi, amor, fala.

- Vem me buscar? Eu estou saindo de casa.

- Por que? O que houve?

- Te explico depois.

Em quinze minutos Henrique tinha chegado. Pela primeira vez, ele vinha me buscar na porta de casa, como namorados normais fazem.

O anormal era a situação em si.

Fui pondo as malas no banco de trás e ele me ajudava. Nessa hora, minha mãe veio pra rua ver a minha partida.

- Então você é o safado que corrompeu meu filho?

- Não quero discutir com a senhora.

- Mas ninguém está discutindo... fiz uma simples pergunta...

- Vamos, Henrique.

- Henrique? Então você tem nome?

- É uma vergonha que uma senhora da sua idade faça o que está fazendo com o seu filho.

- Hum, sei. Seus pais sabem da sua boiolice?

- Eu não tenho boiolice; eu sou homossexual, respeite! E pro seu governo, sim, eles sabem e me apoiam, porque são pais de verdade, não são amargos como você, eles amam os seus filhos e nos querem felizes, se ser pai é expulsar o filho de casa porque ele quer ajuda, quer apoio, porque foi sincero e porque é diferente, então eu não tenho pais.

- Uhuu! – irônica - Bravo! Essa vai pra sua lápide.

- Vamos, Rique, por favor!

Do nada, o Henrique me puxa pela cintura e me beija na frente dela. Eu começo a empurrá-lo, não queria isso, mas ele é bem mais forte.

Depois do beijo, ele olhou pra ela e ela estava com uma cara de nojo, e eu de cabeça baixa, só chorava.

- É essa libertinagem que você quer na sua vida, né?

- Vamos, B, nem responde.

Entrei no carro e sumi. Sumi da órbita da minha mãe. Agora eu era órfão de mãe...

- Você está bem?

- Aham.

- Tem certeza?

- Só dirige, Henrique.

- Tá bom... Quando chegarmos em casa, na nossa casa, eu vou te fazer uma massagem e você vai ficar novinho.

Não me lembro mais como foi esse dia. Simplesmente foi deletado da memória e usurpado pelo tempo.

Dizem que o tempo tem sempre razão. Não sei, mas há coisas que tenho que agradecer a ele, ainda!

Os problemas esnobes do Henrique parece que tinham sumido. Assim como eu sumi de casa.

Os dias foram passando e já nem lembrava mais do emprego de garçom.

Estávamos muito bem, eu o recebia com beijos e ele me abraçava como se fosse a última vez. Sempre!

Eu visitava muito a família dele e aprendi a gostar do meu sogro - não me perguntem como.

Como eu fazia pra me sustentar? Adivinhem!

Pois é; a mesada do Henrique pagava a minha passagem de ônibus, minhas roupas, calçados, comida, materiais da faculdade... Era vergonhoso, mas se eu não aceitasse, perderia o meu rapaz. Eu o amava tanto e ele sempre fazia questão de me ver feliz.

Os dias passaram e quando dei por mim, havia dois meses que estava morando no apê com ele. Estávamos mesmo casados.

Felizes, o que importa.

Houve uma época que o Henrique passou uma semana fora de casa por causa de um congresso em uma outra cidade e ele tinha que ir.

Estava quase se formando, não poderia faltar e ele estava super empolgado porque, dizia ele, que faria muitos contatos e ficaria por dentro do mercado de trabalho.

Fazia tempo que não tinha conhecimento sobre a minha mãe, como ela estava e ela também parecia não se importar.

Mas soube que ela tinha arrumado um namorado e levado o cara pra ir morar com ela. Fiquei feliz; há tempos ela queria um novo amor. Que seja feliz!

O dia da viagem estava chegando e a empolgação do Henrique só aumentava... parecia um bebezão.

Mesmo não tendo mais contato com o lado negro do Henrique, acho que fiquei mais atento aos defeitos dele, às falhas de caráter que ele tinha, os deslizes.

Não havia como negar: ele era mimado sim. Mas há muito que não presenciava os seus ataques de garoto chorão.

Ele era um homem, um super homem, pronto pra me proteger e fazer amor comigo como só ele sabe.

- Já estou sentindo falta de você.

- Você nem foi.

- Mas já sinto, posso?

- À vontade...

- Você vai sentir minha falta?

- Claro que sim; mas é fácil de suprir essa carência quando surgir.

- Ah é? Olha só pra ele! Devo deixar espiões por aí?

- Hahh... não precisa, eu vou saciar a saudade com chocolates.

Ele se foi. Me ligava todos os dias. Foi na quinta, voltaria na sexta da próxima semana, se não me engano.

Os primeiros dias, notei um Henrique animado, feliz. Os últimos, ele estava tenso, triste, meio calado. As ligações já estavam constrangedoras, mas ele ligava mais ainda.

Estranho! Super estranho!

Finalmente, a volta. Nem pude ir ao aeroporto, mas encontrei-o em casa.

Feliz, eu, confuso, ele...

- Hum... que lindinho, amei o relógio, obrigado!

- De nada.

- Como foi a viagem?

- Boa.

- Fez muitos amigos? Os contatos?

- É.

- E o hotel, era bom?

- Aham.

- Aconteceu alguma coisa?

- Nada.

- Você está estranho... enfim, vem, eu já sei como liberar essa tensão. - fui me chegando.

- Não, amor; estou cansadão, faz aí alguma coisa pra eu comer e me leva lá em cima enquanto tomo banho, tá?

- Hum, tá bom... Ei, vai embora sem me dar um beijinho? - fazendo charme.

Ele desce os degraus que já tinha subido e vem em minha direção, dá um selinho e sobe.

Definitivamente, algo aconteceu nessa viagem, ele estava muito fechado, concentrado, cabisbaixo.

Não era o Henrique!

Ele estava sim, diferente do habitual, diferente do que eu conheço por Henrique.

Durante um ano eu convivi com uma pessoa que eu imaginava ser uma e se mostrou ser outra, só que não foi uma simples mudança de comportamento, foi uma mudança de caráter.

Talvez, se eu não o amasse tanto, eu não teria perdoado as humilhações que eu sofri.

Humilhações sim!

É ou não é humilhação ser subestimado simplesmente por ser pobre? Mas o amor sempre foi mais forte em mim, eu sempre acreditei na existência desse sentimento. O Henrique, apesar de tudo, sempre me saltou aos olhos como alguém que me amava também.

Em nome desse amor, me fiz de esquecido e perdoei. Perdoei mesmo sem dizer que perdoava.

Aceitei um anel no dedo e segui.

Uma semana se passa e mais outra mudança à vista.

O que será que ele me aprontará dessa vez? Será que vou aguentar?

Bem, eu sempre aguentei os maiores sofrimentos, afinal, não é problema para nós que escondemos um segredo tão significativo, segurar emoções que na verdade deveríamos extravasar.

Desde essa viagem de uma semana, Henrique estava diferente comigo, como se escondesse algo que queria me contar, mas não podia ou temia a minha reação.

Decidi esperar, esperar no que ia dar. Ele não estava frio, só estranho mesmo.

As estranhezas começaram com a moleza que ele tinha.

Ele já não tinha mais ânimo para ir às festas e ficávamos a maior parte do tempo em casa, eu em um cômodo e ele em outro.

Transávamos uma vez por dia e dormíamos, quer dizer, ele logo ia dormir e eu, como não tinha mais o que fazer, dormia também.

Ele acordava antes de mim, fazia o café, tomava-o sozinho, saía pra correr na orla marítima e me deixava o café da manhã pronto. Voltava minutos antes de irmos pra faculdade, ou seja, ele chegava no tempo certo de tomar banho, vestir-se, almoçar e irmos juntos.

Quase não conversávamos e, quando isso acontecia, era sobre coisas superficiais, não sobre nós.

No fim de cada semana, ele me deixava um cheque no criado-mudo e ia para os plantões da residência. Chegava pela manhã, tomava banho e dormia.

- Sei lá, ele está tão distante, Vagner...

- Acha que ele está te traindo?

- Acho que não. Acho que ele tá passando por algum problema e não quer me contar. Evita ficar comigo; ele não inventa motivos pra sair só.

- Mas sai, não sai?

- É, sai. Ele vai correr às vezes; tem o plantão que é alguns dias na semana.

- Bem... você conhece ele melhor que eu.

Eu não sabia o que fazer e como perguntar pra ele.

Um dia desses, eu larguei mais cedo e decidi ir no prédio de medicina pra ver se ele estava livre pra gente sair juntos, fazer alguma coisa; mas ele estava em aula.

Coincidentemente, quando eu chego ao prédio, ele me liga e pergunta se eu posso ir lá na sala dele.

- Na verdade, eu já estou aqui.

- Ah... então vem pra minha sala, eu vou apresentar um trabalho e tá aberto ao público.

- Tá, estou indo.

Fiquei contente. Ele me convidando pra ir junto a ele... enfim, era algo que eu não esperava, devido ao comportamento estranho dele nesses dias.

Entrei na sala e ia dar um tchauzinho, mas tinha muita gente e ele estava de costas, não me veria. Sentei e dei um toque anunciando que eu estava na plateia já.

O grupo dele começou. Não me lembro bem o tema, mas acredito que tenha sido de alguma anomalia, porque me lembro de ter vistos uns banners com umas fotos de pessoas com um tipo físico bem incomum.

Ele ficou sentado em uma cadeira em cima o palanque, onde estavam sendo apresentadas as discussões, enquanto um outro membro do grupo dele explanava o assunto.

Eu estava cercado de gente de branco. Nunca tinha visto tantos jalecos...

Ele estava lindo e super empolgado lá em cima.

Fiquei feliz por ele.

Quando chegou a vez dele, ouço risadinhas atrás de mim. Não pareciam ser à toa, pareciam ter sido causadas quando o nome do Henrique foi anunciado. Estranhei, afinal, as pessoa ali eram sóbrias e sérias. Aquilo me pareceu diferente de um comportamento de estudantes de medicina.

Quando ele se levanta e vai em direção ao outro companheiro para pegar o microfone, ouço algo:

- Eita, lá vem o ego...

- Hã? Ego?

- Haha.. ela tá por fora da piada.

- É menina, o ego.

- O Henrique? Por que ego?

- Egocêntrico.

- Haha... – os três riram.

- Vocês são maus. Haha...

- A gente? Esse cara é um pé no saco, metido a sabe-tudo, a gostosão, se acha demais!

- Tá, tudo bem que ele realmente é gostosão. Haha...

- Ô! Haha..

- Mas ele poderia ser mais humilde, né?

Fiquei tão triste com aquilo.

Na frente, Henrique tinha vários amigos, mas pelo visto, por trás, ele tinha pessoa maldosas. Claro, não me surpreendia mais se eu ouvisse isso sobre ele, porque ele mesmo já tinha me mostrado o quanto é pretensioso, mas ser motivo de piadas é diferente.

Nem consegui prestar atenção na apresentação dele, que por sinal ganhou a maior nota dos grupos. Eu só conseguia dar sorrisos e fingir que estava orgulhoso.

Senti pena dele!

Eu decidi esperar por ele lá fora porque não sabia se ele gostaria que as pessoas nos vissem juntos. Eu mesmo ficaria constrangido.

Ele demorou porque recebeu muitos cumprimentos, alguns falsos, diga-se de passagem. Mas sem dúvida ele era popular entre os alunos e professores. O sobrenome que ele carregava o precedia sempre.

Ele finalmente se livrou das pessoas e fomos para o estacionamento pegar o carro.

- Fui bem?

- É claro que foi! Que pergunta...

- Nossa, estava tão nervoso...

- Bobagem, você sempre se dá bem com o público.

- Viu aquela hora que eu gaguejei? Haha... quis morrer.

- Haha... acho que ninguém notou.

Fomos a um restaurante afastado do centro e conversamos as mesmas coisas de sempre. Durante o jantar, à meia luz, o celular dele toca. Ele atende, fica me olhando enquanto fala, ri um pouco e fala de uma festa.

- Vai dar, não; estou jantando com a minha família, fica pra próxima... pois é, fomos tão bem que merecíamos uma comemoração, né?... Ok, então, até amanhã, tchau!

- Os amigos?

- É, eles estavam me chamando pra comemorar a nota do trabalho de hoje.

- Se você quiser ir...

- Não, imagina... vamos ficar aqui mesmo.

- Mas, se você quiser, achar constrangedor, eu fico em casa e você vai.

- Não, amor, que isso? Vamos jantar, só nós dois.

- Tá. Você que sabe.

Será que ele sabe que é motivo de chacota entre os amigos?

Por causa dessa popularidade, festas e convites nunca faltaram.

Há um ano eu sabia disso. Mas essas novas festas estavam tão esquisitas como o novo Henrique.

Quando ele não ia, simplesmente ele me ligava no meio da noite, depois de esperá-lo um bom tempo, dizendo que tinha sido obrigado a ir numa festa e que os amigos faziam questão da presença dele.

Essas festas ficaram mais comuns e ele agora tinha virado um festeiro.

Agora sim, comecei a temer o pior. Ele está me traindo?

Eu não sou o ciumento paranoico; não pergunto insistentemente.

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Comentários

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MEU DEUS QUANTA PARANÓIA. ISSO SE CHAMA LOUCURA. VAMOS VER QUEM CAI PRIMEIRO DO PEDESTAL. ESSA MÃE DO B ACHO QUE É FILHA DE CHOCADEIRA, NÃO SABE O QUE É SER MÃE. E VC DEVE É DAR GRAÇAS POR ELA TER T COLOCADO PRA FORA DE CASA E SAIR DAS GARRAS DELA. MAS VC PREFERIU DEIXAR O AMOR A SUA VIDA PRA VOLTAR. QUE FALTA DE AMOR PRÓPRIO NÉ? AGORA ESTOU EXTREMAMENTE CURIOSO PRA SABER O PORQUÊ DA MUDANÇA DE COMPORTAMENTO DO HENRIQUE. VC RODOU MUITO E NÃO FALOU NADA. UMA COISA É CERTA, UM MÉDICO TEM A VIDA MUITO ATRIBULADA COM CERTEZA E QUASE NÃO TÊM VIDA PESSOAL, ACOSTUME-SE COM ISSO. SEM CONTAR DE FATO QUE SÃO MUITO ASSEDIADOS E É UM GRUPO ONDE AS TRAIÇÕES SÃO COMUNS. FIQUE DE OLHO...

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Deu pena do Benjamim, muita pena mesmo. Ele se anulou para não perder o namorado, isso é muito triste.

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Bem triste este capítulo. Se submeter ao ego de alguém, depender dele é negar-se o direito de ser. Não que alguém não se submeta, todos nós temos que nos submeter às vezes. Mas negar-se o direito de ser é morte.

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