Se foi só isso o que ele me dizia, eu aceitava e ficava acumulando dúvidas a respeito da fidelidade dele.
Uma semana bastou para que ele mudasse comigo. Festas, reuniões, encontros... sempre que eu sabia que tinha um, com antecedência, eu perguntava se ele ia e ele me dizia que não. Próximo do tal evento ele decidia que ia e que eu não poderia ir porque tinha pessoas que não sabiam que ele era gay e que tinha medo pela reação delas.
Mas havia uma festa que não haveria problema nenhum de eu ir: a festa de aniversário da mãe dele, D. Edna.
Ela sabia da gente e até onde eu tinha notado, ela dava maior apoio ao nosso relacionamento. Eu fui com a cara dela desde o início e ela com a minha, pelo visto.
Mas, adivinhem... Não dava pra eu ir, porque tinham familiares que ficariam chocados e incomodados com a minha presença lá.
- Você entende, né? Imagina só o meu avô, todo conservador, os meus tios... ficaria estranho.
- Ok, ok, Henrique. Mande os meus parabéns para a sua mãe.
- Aham, mandarei.
- Mas também não vou ficar em casa, acho que vou sair.
- Pra onde?
- Ah, sei lá; vou ligar para o pessoal da faculdade, ver se eles têm um programinha...
- Tá chateado, né?
- Não, eu só não quero ficar sozinho.
- Eita, Benjamim; não precisa fazer-se de pobre coitado.
- Hã? Eu não. Só quero sair um pouco, faz tempo que não saímos, quer dizer, juntos, porque sair, você sai.
- Viu? É pra se vingar de mim, não é?
- Nem tudo gira em torno de você, Henrique. Eu quero sair porque quero rir com os meus amigos.
O que ele poderia dizer? Não? Ele não poderia porque sabia que eu estava certo.
Ele fez cara feia, pediu pra eu não sair, mas não teve jeito, eu saí. E saí pelos motivos que eu disse mesmo. Eu estava precisando rir um pouco, ver uns amigos que há tanto não os via.
Ele foi pra festa da minha sogra e eu liguei para o Vagner, Ana e companhia. Fomos para um barzinho, tomamos um chopp e rimos um pouco. Éramos um grupo de quinze pessoas, mais ou menos.
Enfim, foi divertido, esqueci dos problemas.
Dois dias depois da festa meu telefone toca.
- Alô.
- Oi Benjamim, é a Edna.
- Oi sogrona, tudo bom?
- Tudo! Henrique está aí?
- Não, saiu.
- Pra onde?
- Não disse.
- Como assim? Que namorado da poxa é você? Tem que cuidar do seu homem, rapaz!
- Haha... só a senhora mesmo...
- Escute... por que não veio pra minha festa? Senti sua falta aqui.
Como assim?
Eu não poderia ir, lembra D. Edna? Talvez seu pai ficasse constrangido, seus irmãos estranhassem...
Pronto. Era fato de que o motivo pra eu não ter ido nessa festa e provavelmente nas outras, era o simples fato de o Henrique não querer que eu fosse.
Por quê?
- Ah, eu estava muito cansado, acho que machuquei a mão, achei até que ia engessar, mas está tudo bem agora.
- Ah, tadinho! Ok, então, diga ao Henrique que eu liguei, tá? Beijão!
- Ok, beijão!
Nessa mesma noite, o Henrique me pergunta:
- A minha mãe disse que você disse a ela que tinha machucado a mão. Por que não me contou?
- Você quer que eu minta pra você?
- Hã? Não entendi... Você mentiu pra minha mãe?
- Claro. Tinha que dar uma desculpa pra justificar a minha falta na festa dela.
Ele fez uma cara como se suspeitasse que eu soubesse que não haveria nada que me impediria de ir parabenizar a minha sogra pessoalmente.
- Ah, tá, é... eu esqueci de contar a ela que você não ia.
- Eu achei que ela mesma tivesse pedido pra você não me levar.
- Não, achei sensato não te levar, a minha mãe é toda liberal, é a ovelha negra da família, haha... aí ela não tem neuras, mas os meus avós e os meus tios são diferentes.
- Sei... - irônico.
Definitivamente, ele estava me escondendo algo. Será que ele está me traindo?
Mas se na casa da família dele, onde não há problema que eu vá, mesmo lá ele não quis que eu fosse; então ele estava levando o outro lá também, mas pelo visto a Dona Edna não sabia, talvez o pai dele soubesse, ou simplesmente ninguém. Talvez ele só tenha levado porque o cara disse que queria conhecer a família do Henrique e tals.
Mas se a Dona Edna não sabia e o cara não falou nada, então o Henrique levou ele como amigo e mostrou como tal. Se tudo isso for verdade, o cara sabe que eu existo, sabe que é o amante. Bem, essa era a teoria que tinha sido gerada na minha cabeça. Se é traição e ele não queria que eu fosse a um lugar onde sou bem vindo, só pode ser isso.
Perguntar eu não iria e nisso já fazia uns meses que nós morávamos juntos.
Um dia desses, estou em casa, época de férias e me liga a Joana, uma amiga da faculdade, muito legal e que sabia de mim e do Henrique. Numa voz de desespero, ela fala:
- Benjamim, corre pro Giordano!
- Alô? Quem fala?
- É a Joana, olha, corre pro Giordano!
- O restaurante? O que eu trabalhei?
- Ééééé! Vem logo.
- Por quê?
- Não pergunta, cara! Anda logo! - desligou.
Eu fui desesperado para o restaurante. De início, achei que ela estava precisando de ajuda, algo do tipo. Mas depois, eu pensei que ela estivesse falando sobre trabalhar lá. Na verdade nem sei por que pensei nisso, vai ver porque eu já tinha trabalhado lá. Botei uma calça e um tênis e fui. Cheguei no ponto e o ônibus demorou. Eu já estava aflitíssimo. O ônibus finalmente chegou e, por sorte, o Giordano não ficava muito longe.
Cheguei alguns minutos depois e fui procurar a Joana no salão. Fiquei esticando o pescoço, para vê-la até que eu vejo uma mão sendo acenada para mim e vou em direção a ela.
Ela estava com uma cara tensa e junto a ela tinha mais duas meninas que eu não conhecia, mas também estavam tensas. Foi nesse momento que descobri que não era pra sobre trabalhar lá que ela me chamou.
- Garota, você estava tão tensa no telefone, o que houve?
- Ali ó... - fez o gesto com a cabeça, inclinando-a para a direita.
- Hã? Fala com a boca, que eu não estou entendendo nada.
- Ali, ó, olha pra lá. - o mesmo gesto com a cabeça.
- Hã? Onde? Fala direito!
- Nossa, como você é lerdo, Benjamim! Acorda!
Nesse momento ela se levanta, dá uma volta na mesa e vem em minha direção. Eu não entendia nada.
Ela veio com as mãos em minha orelha, aproximou a boca e sussurrou:
- Ali, na mesa ao lado, depois daquela coluna, tá vendo? O Henrique tá ali
Ela tira as mão da minha orelha e eu fico curioso a procurar o Henrique com os olhos.
Quando a minha visão se situou, eu vi um Henrique sorridente, falante e rindo bastante. Foi estranho vê-lo daquela forma já que ele estava tão melancólico esses dias. Ele parecia estar bebendo. Ele gesticulava muito com as mãos, principalmente passava muito a mão no rosto da companhia dele. Eu estranhei o carinho dele para com aquela pessoa, parecia carinho de namorados, não entendi isso.
Demorei um pouco para sacar que estava sendo traído. Demorei porque ele fazia isso não com um homem e sim com uma mulher.
Sim, com uma mulher. Loira, cabelos longos, pele clara, corpo bonito, sorridente... Mas ainda assim eu estranhei, a ficha não caiu de imediato.
Mas, de repente, depois que o garçom sai da mesa deles, eu vejo um beijo. Um beijo de língua... longo e apaixonado.
Ele se inclinou por sobre a mesa, pegou o pescoço dela com carinho e a beijou.
Eu ainda estava de pé, quando os meus joelhos ficaram fracos. Eu me segurei na cadeira de uma das amigas da Joana e fiquei olhando a cena do início do beijo até o selinho que ele deu nela pra finalizar o carinho.
Ele ficou direito na cadeira e eu ainda de pé.
Não podia crer que ele estava fazendo isso. Por quê? Eu o amava tanto, fazia tudo o que ele queria e é isso que recebo em troca? Independente de ter sido com um homem ou uma mulher, acho que me sentiria do mesmo jeito. Senti como se eu tivesse falhado em algo e ele estivesse buscando o plus em outra pessoa.
Sentei na mesa da Joana enquanto ela passava as mãos nas minhas costas. Eu pus os cotovelos na mesa e apoiei o rosto com as mãos.
Pensei naquele momento que tudo deveria acabar. Mesmo o fato de ele estar fazendo só pra que certas pessoas não desconfiassem da sua macheza e que, portanto, ele não estaria me traindo, mas só despistando curiosos.
Mesmo assim, para mim, traição não tem perdão. Nunca! Quer dizer, eu até perdoo, mas não voltaria com a pessoa jamais.
Depois de descansar a cabeça nas minhas mãos, vi que um garçom que eu conhecia do tempo que trabalhei lá, que por sinal não fazia muito tempo, passava perto da minha mesa. Chamei-o e pedi que ele entregasse um bilhete na mesa do Henrique, mas que fizesse isso sem que a moça percebesse.
Ele esperou eu escrever em um guardanapo e colocou o bilhete no bolso do avental. Só que ele me alertou de que só poderia fazer isso se o casal pedisse alguma coisa.
Infelizmente, ou felizmente, o pedido seguinte do Henrique foi a conta. O garçom, Igor o nome se não me engano, levou a conta dentro daqueles fichariozinhos, que eu nunca sei o nome e deu perfeitamente para que o bilhete ficasse preso, que o Henrique lesse e que a garota que o acompanhava não percebesse.
Eu vi a cara de estranhamento que ele fez quando viu algo de estranho na conta. Depois eu vi que ele começou a ler. Meu coração palpitava como nunca. Senti uma tristeza e uma ansiedade enorme.
Nunca um sentimento emocional me causara tanta dor física. O bilhete dizia:
"Oi meu amor.
Se alimentando direitinho? Espero que a carne não tenha queimado a sua língua. Rique, não demora, te espero em casa amorzão.
B"
Ele arregalou os olhos e fez uma cara de espanto.
Não deu pra escutar porque eu estava longe, mas acho que a garota percebeu e perguntou algo e ele fez um gesto de tudo bem. Depois ele ficou me procurando no salão e acho que ele não me viu, então fui em direção à mesa pra ver se ele me via.
Ele me viu. Passei pela mesa e fui em direção ao balcão. Ele veio atrás.
- Por gentileza, o seu Amilton está aí?
- Oi Benjamim, quanto tempo! – disse o balconista.
- Pois é, tudo bem? Seu Amilton está?
- Está sim; quer que eu chame, é?
- Eu queria falar com ele. - o Henrique chega nessa hora e ouve o meu pedido.
- Tá, eu vou ver se ele está disponível e venho aqui te dizer pra subir.
- Beleza, valeu!
- O que você está fazendo aqui? – o Henrique, aflito.
- Nada, só comendo com as minhas amigas e você?
- Eu? Você não...? Bem, eu vim com uma amiga da faculdade pra gente combinar umas coisas de um trabalho aí?
- Aqui no restaurante? Por que não foram pra casa um do outro?
- Haha... – nervoso - A gente estava com fome.
- Hum..sei, vai embora agora?
- Eu vou levá-la em casa, você não se importa, né?
- Imagina, Rique, claro que não.
- Por que mandou o bilhete? Poderia ter ido lá.
- Ah... sei lá, Rique, poderia estar atrapalhando... - chega o balconista.
- Ele perguntou qual é o assunto.
- Diz que eu quero saber se ainda tem vaga pra garçom ou pra qualquer outra coisa aqui.
- Ah, você vai voltar?
- Se ele me recontratar...
- Hã? Você tá louco? – Henrique.
- Por quê?
- Por quê? Eu que pergunto; por que decidiu isso agora? É pra gente brigar de novo?
- Não, é porque eu quero ter o meu próprio dinheiro.
- Você quer mesmo me fazer raiva, né?
- Já disse que o mundo não gira em torno de você e que existem coisas que não são feitas por sua causa.
- Mas... – interrompo.
- E quer saber do que mais? A sua namorada está te esperando.
- Hã? - nervosíssimo - Que história de namorada, B? - fala amigável, apaziguando a discussão.
- Desculpa... ficante; deve ser só isso.
- Você viu, não foi?
- O que é que eu vi?
- Nada.
- Conta agora!
- Não teve nada .
- Você deve tá falando do beijo super carinhoso que você deu nela, né?É disso que você tá falando?
- Tem explicação, B.
- É claro que tem explicação: eu sou um idiota!
- Não, B; relaxa; eu explico tudo, não é o que você está pensando.
- Nossa! Agora ele deu pra ouvir pensamentos – irônico.
- Benjamim, o seu Amilton disse que você pode subir. – o balconista.
- Diz para o seu Amilton que ninguém vai subir. – o Henrique.
- Diz para o seu Amilton que eu já chego, é só uns minutos pra eu jogar o lixo fora.
- Agora eu sou lixo? – o Henrique.
- Agora não; desde sempre... só que você só veio feder agora.
Ele fez uma cara de desentendido e não falou nada.
- Te espero em casa, não demoro, já já eu estarei lá. – falei.
Ele ficou com uma cara triste, de choro.
- Eu te amo, B... eu te amo! Não esquece disso.
Ele saiu e foi com a garota pra fora do restaurante. Meu coração sufocava dentro do peito. Mas agora não era o momento de chorar, eu tinha que recuperar o emprego perdido, porque agora, mais do que nunca, eu sabia que ia precisar trabalhar; não teria mais mãe nem marido pra me sustentar.
Eu voltaria pra casa do Henrique pra dizer que a partir de agora seriam só eu e o mundão lá fora.
Subi a escada do escritório do restaurante.
A cada degrau, sentia como se perdesse o Henrique aos poucos.
Eu havia me perdido também. Eu já não era mais o mesmo há mais de um ano. Eu sempre fui mais maduro que os meus amigos.
Isso é curioso. A maturidade vem com a experiência. Como alguém como eu que, até então, não havia tido experiência de nada na vida teria tanta sensatez para lidar com as amenidades da vida? Mas era fato que eu sempre fui um adolescente maduro, maduro até demais.
Agora eu sentia essa maturidade me corroer. Quando se é maduro se tem visão geral dos fatos, se tem medo de fazer algo que se arrependa depois.
Eu não me arrependo do que nunca fiz porque, se não o fiz, é por causa do medo das consequências.
Nunca assumi, até então, pelo medo da rejeição dos outros, nunca tinha ficado com um homem com medo de que esse desejo ficasse mais latente, nunca perdi algo que me desse segurança, trabalho ou qualquer outra ocupação, por sentimentos avulsos.
Nunca... até o Henrique chegar. Agora eu não era mais só maduro por experiência dos outros, pois aprendo muito com os erros dos outros, mas agora eu também era maduro por experiência própria.
Eu era eu naqueles degraus que, por sinal, acabam aqui.
- Olá, Benjamim; entra aí.
- Oi, seu Amilton!
- Você está querendo voltar, é isso?
- Sim; eu passei por uns problemas pessoais aí, por isso me demiti, não queria atrapalhar o Senhor. Foi melhor assim.