- Mas agora você quer voltar?
- Gostaria muito.
- Rapaz, veja bem, você é o único garçom que eu tive que faz ou fazia um curso superior, você não acha que merece coisa melhor?
- Todo mundo honesto merece coisa melhor, eu sou honesto e também mereço, só que eu não tenho o luxo de me limitar a certas coisas, não tenho a opção de escolher.
- Você deve estar passando por maus bocados.
- É. Fui expulso de casa pela minha mãe.
- Hum...
- Agora preciso trabalhar mais que nunca. Nem que seja de garçom. É um emprego digno o senhor não acha?
- Bem, eu comecei de baixo também, mas naquela época não se tinha ideia de como uma faculdade é importante, só se pensava em começar a trabalhar logo pra garantir um futuro melhor, mas, sinceramente, eu não deixaria um filho meu trabalhar de garçom.
- Sem ofensas, mas deve ser por isso que existem tantos garotos mimados por aí, filhos de industriais e empresários que se acham no direito de se rotularem superiores e no fim não têm caráter nenhum, só a arrogância. Em muitos países europeus os filhos começam a trabalhar na empresa de seus pais nos setores de baixo; depois de muito tempo é que eles vêm a assumir um cargo de maior importância e levam o negócio muito bem porque eles têm uma ideia do que realmente eles estão gerenciando - sem querer, descrevi o Henrique nesse discurso.
- Não, claro; concordo com você, mas não deixaria porque ele seria humilhado pelos outros... entende?
- Ô, se entendo!
- Mas você quer o emprego?
- Eu preciso do emprego!
- Tá bom, você volta.
- Começo hoje?
- Seria bom, né? Haha...
- Haha... ok, venho às dezenove horas, pode ser?
- Ok, traga a carteira de trabalho pra eu assinar .
Saí do escritório com um aperto de mão amigável do patrão. Desci as escadas e fui em direção ao salão, encontrar a Joana.
- Consegui.
- Conseguiu o quê?
- Meu emprego de volta.
- Não entendi.
- Eu demorei porque fui pedir meu emprego aqui de volta.
- Hum... certo... que bom! Vai conseguir conciliar?
- Vou, acho que sim.
- Tudo bem?
- Aham.
- Quer carona pra casa?
- Eu nem tenho mais casa...
- Como assim?
- Depois eu te explico, mas se a carona ainda estiver de pé, quero que me leve em um lugar.
- Ok, vamos?
- Vamos .
A casa do Henrique não era longe, então foi só eu dizer pra ela virar em algumas ruas, seguir reto, fazer a curva...
Chegando lá, saí do carro, dei um beijo naquela que parecia ser a minha mais nova amiga e ela foi embora com o carro.
Fui para o orelhão e liguei para o Vagner.
- Cachorro!
- Não é hora de xingar.
- Quer que eu vá te buscar?
- Não, isso tem que ser resolvido o mais rápido possível.
- Tenho medo de que você fraqueje e o perdoe.
- Nunca estive tão forte.
- Me liga quando tudo acabar?
- Sim, claro.
- Acho que vou para aí, você faz o que tem que fazer e eu te busco depois.
- Você vai se deslocar aí da sua cidade pra cá? Por minha causa? Precisa não! Vai que né! Não me recuperarei jamais.
- Ai, ai, você viu? Deixa da tua boca de praga e faz logo isso e eu, quando chegar, dou um jeito de te avisar, o celular está com você?
- Tá sim; ligue quando chegar.
- Ok... Benjamim?
- Fala.
- Te cuida, viu?
- Pode deixar.
- Seja escravo somente de um amor: o amor-próprio.
- Para; vai me fazer chorar.
- Haha... ok, até mais!
- Até.
Depois de ouvir uma voz amiga, peguei as chaves, porque, afinal de contas, até então, era lá na casa do Henrique o meu lar, que agora, de doce não tinha nada. Passei pelo porteiro que me deu boa tarde e segui para o elevador.
O que parecia uma subida longa, foi rápida e angustiante. Fiquei em frente à porta alguns segundos, peguei a chave no bolso e fiquei tirando e colocando a chave na fechadura.
Será que estou forte o suficiente para fazer isso? Pensei.
Não dava mais para correr atrás. Abri a porta. Uma porta que se abre para que nunca mais fosse aberta novamente.
Assim que entrei na sala, o Henrique salta do sofá com um copo de whisky na mão. Ele estava de calça, sem camisa e de meias; todo suado e com uma cara pálida.
Ele deixou o copo no centro e veio na minha direção. Eu fiquei parado, esperando o que viria.
- Tem explicação; deixa eu explicar e você vai entender.
Foi me pegando pelo braço, chorando muito, uma voz soluçante, uma respiração profunda. Ele estava mesmo muito assustado. Ele, ao contrário de mim, não conseguia prender os sentimentos no peito, ele estava a ponto de ter um ataque. Senti pena na hora...
- Não precisa encostar em mim pra falar - tirando as mãos dele dos meus braços.
- Amor, deixa eu explicar, você vai entender tudo, me escuta.
- Estou escutando; você tem todo o tempo do mundo pra falar. Fale quilos - bem calmo e sentando no sofá com os braços cruzadosacho que ele não estava entendendo aquela minha paciência toda.
- Vamos querido, fale! Meus ouvidos estão curiosos.
- Ela é minha namorada... - esperando que eu me manifestasse, mas não fiz nada - mas eu não a amo, nem tenho nenhum tipo de atração por ela, quem me deixa desarmado é você, você é a minha vidaNão vai falar nada? – ele já chorando muito.
- Já acabou? É só isso a sua explicação?
- Diga alguma coisa pelo menos!
Viram como a indiferença é a melhor maneira de se magoar alguém? Ele sentia a minha indiferença.
- Estou esperando você terminar tudo. Se for só isso que você tem pra me contar...
- Tem uma explicação pra tudo isso.
- Ótimo, comece-a e fale o quanto quiser, tem todo o tempo do mundo.
- Você pegou o emprego?
- Ai, ai. – super calmo - Vamos Henrique, comece logo o discurso.
- Você me perdoa?
- Ok, já entendi. É só isso que você tem pra me dizer, né? Dá licença que eu vou arrumar a mala - fui me levantando do sofá.
- NÃO, NÃO, NÃO, SENTE, SENTE-SE AÍ, EU VOU FALAR, NÃO VÁ EMBORA!
- Tá - sentei e cruzei os braços.
- O congresso que eu fui, lembra? Eu não me senti bem lá. De início eu estava super empolgado, mas depois aconteceu algo que me deixou doente: tinha uma palestra que eu estava doido pra ver, mas aí quando eu e meus amigos estávamos indo, nesse momento só eu sabia quem era o palestrante, mas aí um dos caras olhou o papel da programação e disse: xi, essa palestra não rola. Aí eu disse: porque não? Então ele disse: porque um viado é quem vai palestrar. Aí eu disse: qual o problema dele ser gay. Aí ele disse que problema nenhum, ele que se foda com os machos dele. Haha, mas é muita queimação ser visto aqui, ou melhor, gaymação.
Fiquei sem entender e fomos pra outra palestra. Sentei, estava todo mundo animado e eu encucado. Foi aí que eu perguntei pro meu amigo por que ele achava que a gente ia se queimar lá. E pra ele não desconfiar, eu disse que estava muito interessado na palestra dele e tal. E ele disse que médicos homossexuais não têm credibilidade nenhuma, são motivo de piada na comunidade médica, as pessoas não respeitam e quando os clientes sabem, não frequentam mais.
Fiquei em pânico, imagine só; aquilo que eu sonhei pra minha vida havia se tornado um pesadelo.
Comecei a sentir pena dele e comecei a me odiar por isso. Eu queria ir embora o mais depressa possível, mas agora, mais do que nunca, ele precisava de colo, mas eu não queria dar. Quer dizer, querer eu queria, mas eu estava com o orgulho muito ferido pra voltar atrás.
Ele começou a chorar e se sentou no sofá em frente... foi colocando as mãos nos rosto, escondeu a cara e chorou muito.
Senti muita pena, meu impulso era de ir lá, sentar ao seu lado e abraçá-lo, dizer que estava tudo bem.
Quantas vezes ele não fez o mesmo por mim? Mas eu estava magoado demais, eu tinha sido muito humilhado por ele. Ele não pensava em mim quando fazia isso, ele só pensava nele. Inclusive esse ato de namorar uma garota, ele não pensou em mim. A gente estava morando juntos e de marido eu tinha virado o amante sem saber.
O que seria depois de um tempo?
Ele se casaria com ela e me deixaria no apê como o outro?
Eu enfrentei o mundo pra ficar com ele e na primeira dificuldade que ele passa, ele me apronta uma dessas.
Eu sei que essa situação dele era complicada, mas e eu? Talvez eu esteja parecendo egoísta, mas posso garantir que essa foi a primeira vez que eu pensei em mim primeiro. Todas as vezes em que eu pensava em assumir era por causa dele, porque ele sofria com isso, ou seja, eu pensava nele e não em mim. Quando deixei o emprego, pensei nele e não em mim, pensei na arrogância dele, mas agradá-lo era mais importante. Tive até que ir atrás dele e implorar perdão, sendo que tinha sido ele quem deveria pedir, mesmo assim, tinha feito isso por ele e não por mim.
Agora ele encontra o primeiro obstáculo e me trai me fazendo de o inconveniente, O amante, O outro... e sem eu ao menos saber.
Não estou aqui para julgá-lo... cada um sabe das suas fraquezas, mas essa foi a primeira vez nessa relação que pensei em mim primeiro.
A quanto tempo eu não fazia isso?
Deixei que ele me guiasse e agora sentia que não tinha tido o valor que eu merecia. Não sou de cobrar essas coisas, mas desta vez, eu queria me amar antes, coisa que eu nunca fiz.
Até então eu nunca havia me amado!
Ele continuou chorando e esperando que eu fizesse algo, mas não fiz nada, no entanto.
Ele tirou a mão do rosto e vi que ele estava muito vermelho, o rosto dele estava ensopado, eu nunca tinha visto alguém chorar tanto.
- Acabou?
- B, não seja tão frio comigo!
- Acabou?
- O que mais você quer? isso não explica o que eu fiz?
- Explica o quanto você é falso?
- Hã? Eu fiz isso por você, por nós!
- Como é?
- É, B... eu fiz isso por nós, eu vou ter um bom emprego e vou te levar comigo.
- Me levar pra onde?
- Pra qualquer lugar na minha vida.
- Não estou entendendo mais nada...
- Eu quero você e fiz isso pra eu poder ficar com você só pra mim.
- Espera um pouco; deixa eu ver se eu entendi: você está dizendo que você fez isso pelo seu sucesso profissional e que depois que alcançasse o auge você teria a liberdade de me sustentar e me manter intacto só pra você... é isso? Entendi errado?
- É isso sim, viu? você entendeu.
- Isso é pior do que eu pensava.
- Como? Se eu estou fazendo por você?
- Não me vi nas sua palavras fáceis. Você está fazendo isso para ter o seu nome lá em cima como médico, quer ser muito bem sucedido para poder fazer o que quiser e uma dessas coisas é me sustentar para que eu fique à sua disposição, não é isso?
- E o que isso tem de mal?
- O que isso tem de mal? Tudo, querido; tudo! Não percebeu que você só pensou em você? E eu? Onde entro na história?
- Eu que não estou entendendo esse seu não-entender.
- Eu não vou trabalhar? Eu não vou fazer a minha vida? Vou ficar nesse apê esperando você ter tempo disponível pra mim e vir me visitar, é isso? Eu não vou viver a minha vida? Todo o resto de mim daqui pra frente vai
ser esperar a sua boa vontade de vir me ver? VOCÊ É PATÉTICO!
- Mas... – e eu o interrompo.
- Deixa eu te perguntar uma coisa: você vai casar com aquela garota?
- Bem... eu... ah, não sei.
- Não sabe? Como não sabe?
- Ah, talvez.
- E eu?
- Eu tenho que fazer a minha carreira, eu tenho que me tornar um bom profissional.
- Eu, eu, eu... é tudo o que você diz. Dá pra ver que você não me leva a sério. Eu vou me formar e depois eu vou ficar aqui de amante.
- Será que você não entende que esse é único jeito da gente ficar junto?
- Nada disso... esse é único jeito de você satisfazer os seus desejos sem perder a pose de homem lá fora. Você não acha que tá me humilhando, não?
- Eu te amo!
- Eu também te amo e enfrentei tudo por você. Olhe só onde cheguei por você! Eu sou um cara comum, um corpo comum. Seus músculos não fazem de você um cara forte. Na primeira dificuldade você tá fazendo isso. Lembra quando você pedia pra eu assumir pra minha mãe? Agora eu vejo que não era pra eu me sentir bem que você pedia aquilo. Você pedia era pra poder me ver com mais frequência, PRA VOCÊ me ver...
- É difícil pra mim, eu tenho mais coisas a perder que você.
- Agora você está colocando tudo o que eu passei por você numa balança e autoritariamente está dizendo que as suas dificuldades são maiores que as minhas? O que você tem a perder? Você vai perder a sua família? Sua casa? Amigos? Vida estável? Seus carros importados? As suas roupas de grife? Porque eu perdi tudo isso. Eu só não perdi as roupas caras e os carros porque não tenho isso, mas perdi a base da minha vida por você, porque transferi a base da minha vida que era a minha família, pra você. Agora você é a minha base. Você vai sair por aquela porta várias vezes, voltar para a sua esposa e filhos. E eu? Onde eu vou ter a minha base?
- AAAAAAAAA! - ele deu um grito, segurando os ouvidos - não quero escutar mais nada, eu me sinto sujo!
- E eu?
- Tente aceitar isso; só assim seremos felizes.
- Seremos? Você me garante isso?
- Eu prometo.
- Tudo bem. Depois que você se casar, quero você todos os dias aqui pra tomar café comigo. Venha todas as noites, sem exceção, e durma comigo. Quero passar as férias, os feriados, fins de semana e datas comemorativas como o dia dos namorados com você só pra mim. Quero que me leve na casa da sua família quando for a festa da sua mãe, do seu pai ou dos seus irmãos. Não me importo se você casar com ela, desde que não a beije e nem transe com ela. Pode fazer isso?
- Quer mesmo que eu responda?
- Quero sim.
- Claro que isso é impossível!
- Parabéns! Pelo menos você é homem o bastante pra reconhecer isso. Então eu já vi que você não pode me fazer feliz.
- Você está pedindo demais.
- Quem você ama: eu ou ela?
- Para, B!
- Quem Henrique? Quem?
- Você.
- E vai ter que ser eu quem vai ficar escondido aqui nesse apartamento? Ela vai ficar com tudo o que é meu e eu com que eu fico?
- Com o meu amor, não basta?
- Pra mim basta sim! Mas pra você não bastava quando eu dizia que nunca iria assumir, que não largaria o emprego... lembra? Você não acha que isso é mais grave? Você vai casar com outra pessoa, vai dormir com ela a maioria das noites, beijá-la, vai dizer eu te amo, levá-la nos dias dos namorados a um restaurante legal... e eu?
- Eu não aguento mais essa vida de pressão, pare de falar por favor, eu te amo, mas não posso fazer mais nada... por favor, pare de falar! Eu sei que estou errado, mas é o único jeito, entende amor, entende, por favor! – chorando.
- Tudo bem, só mais uma pergunta: enquanto você vai estar lá com ela, já que eu vou estar aqui jogado pra escanteio, eu posso sair com outra pessoa? Com um outro cara?
Ele me olhou com um ar de estranhamento, depois a cara dele ficou enrugada de raiva pela pergunta. Ele se levantou do sofá e disse:
- Tem outro, já?
- Eu não! Mas você, sim.
- Não; você não pode ficar com mais ninguém! Eu amo você e quero você só pra mim.
- Eu também, Rique; eu também; você acha justo isso? Eu não vou ter você só pra mim, você acha que eu estou aqui é para te servir?
- Não quero te ver com mais ninguém. - voltou a chorar.
- Trato é trato. Se for assim, a partir de agora, eu também quero outra pessoa.
- Mas eu não vou estar te traindo, eu não tenho atração nenhuma por mulheres, vou fazer isso pela profissão.
- E pelo egoísmo.
- É errado querer crescer na vida?
Levantei do sofá calmamente, olhei bem pra ele e disse:
- Sabe o que é errado? É você destruir a minha vida em um minuto e me abandonar como você está fazendo agora!
- Mas...
- Você é a pessoa mais babaca, imunda, nojenta, desgraçada, filha da puta, egoísta, mimada, mal caráter e escrota que eu já conheci na minha vida!
Ele fez uma cara de espanto com as minhas palavras e não disse nada. Passei por ele no sofá, fui subindo as escadas e não derramei uma lágrima. Não sei porque. Peguei minha mochila e fui depositando o que pude lá dentro. Do quarto, eu só pude escutar o choro desesperado do Henrique; ele não parava, ele estava muito mal. Aposto que ele nunca havia passado por uma perda tão significativa na vida dele.
Desci e fui ao encontro dele, que ainda estava sentado e quando me viu, parou de chorar e me olhou fixamente.
Olhei fundo nos olhos dele com a mochila nas mãos e disparei a minha última dose de indiferença:
- No hospital, você encontrou um garotinho indefeso, com febre, precisando de ajuda e de um homem para me dar colo e amor. Agora, depois de tudo o que você me fez, você encontra alguém muito mais maduro, forte, centrado, norteado, seguro, enfim, um homem de verdade. Eu só tenho uma coisa pra te dizer: Obrigado!
Da primeira vez que saí da casa do Henrique, na minha primeira vez, dei de cara com o mar, ele sorria pra mim e eu retribuí.
Da primeira vez que brigamos feio, saí do apê dele e dei de cara com um mar acinzentado e feio, ele não estava sorrindo pra mim.
Dessa vez, eu saía da casa dele, que por alguns dias tinha sido minha também e o mar estava lindo, convidativo.
Não entendi o sorriso do mar. Achei que ele estava zombando de mim. Fui pro ponto de ônibus e liguei a cobrar para o Vagner.
- Já ia ligar.
- Hum...
- E aí? Tudo bem?
- Tudo.
- Você terminou?
- Sim.
- Foi melhor assim... Onde você está, pra eu te buscar?
- Estou no ponto de ônibus aqui perto.
- Tá. Não pega ônibus nenhum; já já estou aí.
Desligamos os celulares e voltei a olhar para o sorriso do mar.
Entendi! – pensei comigo.
O mar devia estar se solidarizando com o meu ato, com a minha hombridade.
Não era motivo de ficar triste. Pelo menos eu ainda não sentia a dor da separação... não ainda.
O Vagner ainda ligou mais uma vez pra perguntar onde ficava o tal ponto. Eu expliquei. Não demorou muito e ele chegou de moto.
- Sobe!
Peguei o capacete que ele estava me oferecendo e subi. Me agarrei na cintura dele e sumimos dali.
- Pra onde você quer que eu te leve?
- Ah, sei lá; seja criativo, me distraia!
- Ok, já sei o lugar.
Chegamos em uma sorveteria que tem aqui na orla marítima. É a minha sorveteria favorita... tem os sabores que eu mais amo e eu sempre os repito; nunca troco por outro, mas é super caro e eu só ia lá quando o meu pai me levava ou o Henrique.
Fomos pedindo as bolas de sorvete para o balconista e o Vagner pediu pra ele caprichar na dose de sorvete e cobertura de chocolate.
Sentamos e nos deliciamos.
- Quer conversar?
- Haha... Eu não disse que era pra você me distrair?
- Hihi... desculpa, esqueci.
- Cadê a Ana?
- Aff, nem fale; ela agora só se liga no casamento da irmã dela, chega a encher o saco; estou com medo já. Haha...
- Éh, Ana e Vagner vão casar! Ana e Vagner vão casar! – cantarolando.
- Joga essa praga pra lá!
- Ah... você não quer?
- Quero sim, mas não agora, né?
- Hehe... Olha, nem te contei: voltei pro Giordano.
- Você vai voltar a trabalhar?
- É preciso, né?
- E onde vai morar agora? Minha casa está à disposição. Você sabe.
- Estava pensando nisso e acho melhor pedir à minha mãe pra voltar.
- Tá louco?
- Não, nunca estive tão lúcido.
- GARÇOM, ESSE SORVETE TEM CRACK, HAXIXE, ALGUMA COISA DO TIPO? – berrou.
- Haha... Para, tá todo mundo olhando...
- Não, B... – interrompo.
- Não me chama de B, o falecido me chamava assim.
- Desculpa... mas você não pode voltar pra lá, eu não posso deixar.
- E pra onde eu vou?
- Pra minha casa, já disse.
- Não, e seus pais?
- Eu dou um jeito.
- Não, melhor não.
- E você vai se humilhar desse jeito?
- Já fiz isso uma vez, sem problemas pra fazer isso de novo .
- Cadê aquele amor próprio que você proclamou agora há pouco?
- Tá aqui, mas às vezes é preciso deixar o orgulho de lado e seguir, aceitar certas coisas.
- E se ela não deixar?
- Aí depois eu vejo.
- Aí você me procura.
- Tá, vou pensar no seu caso.
Terminamos o sorvete e passeamos um pouco na orla.
Ligamos pra Ana e falamos pra ela o que tinha acontecido. Depois conversei um pouco com o Vagner e falei o que tinha acontecido no apê do Henrique. Ele ficou chocado com o que aconteceu.
- Q babaca! Ele disse isso mesmo?
- Disse, Vagner...
- É muita audácia dele, né não?
- Sei lá... não quero pensar nos defeitos dele; quero pensar no Rique agora como algo bom que passou e que me deixou marcas, mas que essas marcas me fizeram bem, de certo modo .
- Ele foi nojento; eu já te disse isso antes, não já?
- Disse.
- Odeio ele mortalmente...
- Vamos deixar isso pra lá.
- Ah, se eu encontro ele na rua.
- Vai fazer o quê? Bater? Ele dá dois de você.
- Tá defendendo ele?
- Não; quero é que você pare de falar nele, só isso.
- Tá bom.
- Já, já tá na hora de eu ir pro restaurante.
- Sei.
- Queria te pedir um favor...
- Fala.
- Queria que você fosse na casa dele; não hoje... mas ir lá buscar o resto das minhas coisas.
- Ôh, com o maior prazer!
- Mas não faça nada, não fale nada demais, só pegue as minhas coisas e suma de lá.
- Tranquilo! Só vou dizer umas verdades.
- Nada de verdades. Só pegue as minhas coisas e suma.
- Tá, tá.
Eu sabia que ele não ia cumprir, mas eu tinha que pedir a ele pra fazer isso... Voltar lá é que não dava.
Deu dezoito horas e fui para o Giordano. Começava às dezenove a labuta.