- Não, eu que te deixei ir embora e não fiz nada.
- Não, para com isso, você estava precisando de mim, se casou por minha causa.
- Eu me casei porque sou um idiota! Você não tem culpa de nada.
E ficamos nessa de pedir perdão um para o outro por muito tempo.
- Lembra do que eu te perguntei ainda há pouco?
- Lembro.
- E aí?
- Mas você vai deixá-la do nada?
- Você quer que eu fique com ela?
- Não, mas... sei lá, eu... - me interrompe.
- Olha, não se preocupa, eu cavei essa cova, deixa que eu resolvo, só me aceite de volta.
- Sim, sim, sim, sim, sim!
- Ai, era esse "sim" que eu queria ouvir um ano atrás.
Aí, algo com o que eu sonhara a tanto tempo aconteceu: nós nos beijamos ali mesmo. Não sou de falar palavrão, mas PUTA QUE PARIU que se dane os vizinhos, que se dane a moralidade, que se dane o síndico, que se dane as crianças que vão se chocar com isso, se virem; que se dane o mundo todo!
CARALHO, EU AMO ESSE HOMEM!
Pois é, ele estava de terno. Era preto, a gravata eu acho que era azul e a camisa branca. A barba estava por fazer e ele estava enorme de forte!
Acho que ele tinha passado de garoto playboy para um bear. Haha...
Já eu, estava todo amarrotado, de shortinho velho, camiseta, enfim, roupa de casa. A gente ficou se beijando, se babando todo, chupando o pescoço um do outro. Quando a Ana viu a cena, ela gritou "Vocês estão malucos? Entrem agora!!! Já, passem pra cá!".
A gente nem deu ouvidos e nem nos desgrudamos; ficando nos beijando e ela nos arrastando pra dentro.
Aí ela fechou a porta e nós ficamos nos beijando ali. Ficamos um tempão.
- Ai, que saudade disso! - mega ofegante.
- Eu também. - sem fôlego.
- Vamos sair daqui. – ele.
- Pra onde?
- Não interessa, só vamos!
- Me leva pra onde você quiser.
A gente foi descendo as escadas. Parecia uma competição de quem chegava primeiro. Eu desci antes e fiquei gritando no estacionamento "Qual é o carro? Qual é o carro?" Aí ele: "É esse!" e desativou o alarme.
Quando o carro piscou, adentrei agressivamente e pus logo o cinto. Ele
entrou, nem pôs o cinto e saiu cantando o pneu. Chegamos em um motel.
- Mas ele, que era eu, tá sem a identidade, não pode entrar.
- Quanto você quer pra deixar ele entrar? Duzentos tá bom?
Ele tirou um maço enorme de notas e jogou em cima do balcão. O homem apertou o botão e a porta abriu. Fomos para um quarto e saímos do carro nos pegando. Abrimos a porta e ele já foi logo tirando o paletó sem tirar a língua da minha boca.
O tempo tinha passado, mas o beijo não tinha mudado. A língua dele era enorme e ainda ocupava a minha boca inteira, como nos velhos tempos.
Depois do paletó, foi a camisa e deu pra ouvir uns dois botões caindo no chão. Depois foi a calça, a cueca; só que ele ainda estava calçado, então ficou tudo preso nos tornozelos.
Depois foi embora a minha camiseta, o meu short e a minha cueca. Eu não pensava em nada naquele momento, mas ainda bem que eu tinha tomado banho! E nesse tira-tira de peças de roupa, as nossas bocas se desgrudaram por algum milésimo de segundo? Uma chance de resposta.
Ele foi tirando os sapatos pra poder se locomover melhor e depois me agarrou forte de novo. Estávamos completamente nus. A pele dele estava quente e a minha, fria. Foi uma esfregação de derme, suores, pelos, salivas, barba, mãos e ainda estávamos de pé. Ele mexia muito o rosto pra lá e pra cá.
Como já dizia a Ana: "Beijo bom, é quando simplesmente não se pensa, não se vê, não se ouve nada!" E foi o que aconteceu. Caímos na cama, sem largar as línguas e fomos subindo.
- Camisinha, rápido!
Ele disparou da cama e foi procurar camisinha no quarto, abriu todas as gavetas e nada, aí ele foi no banheiro e tinha uma em cima da pia. Rasgou a embalagem violentamente e foi desenrolando. Depois, ele veio deitando na cama.
- Vem, me beija, meu amor, me beija !
Por algum tempo pensei que voltaria a agir como antes. A me negar tudo o que sentia e a tudo o que eu era. Já não tinha mais esperança de felicidade nenhuma. Só que dessa vez eu sofreria ainda mais porque tinha o conhecimento de como era bom amar alguém de verdade.
Mas, numa virada de mesa, o Henrique volta para os meus braços. Felicidade!
Ele desenrolou a camisinha naquele cacete enorme e grosso e veio pra cama. Ele veio me beijando daquele jeito tão típico dele. A língua ocupando toda a minha boca e a sensação do hálito quente dele me tomando, ou melhor, roubando todas as sensações. Era aquele beijo que começava lentinho, com movimentos intensos, mas suaves, algumas mordidinhas nos lábios e um passar de línguas. Aqueles estalinhos de beijo que soavam das nossas bocas apaixonadas.
Estávamos completamente nus
Primeiro foi a boca, depois todo o meu corpo se uniu ao dele e eu pude reviver a experiência de senti-lo por inteiro. As peles foram se tocando, o quente dele se chocava com a minha pele fria daquela tarde. As peles se confundiam e as pernas já não eram só minhas e dele... eram nossas.
Mas o fogo da saudade não deixou que aquela lentidão romanciada permanecesse. Os beijos ficaram mais fortes e as mãos do Henrique agora me pressionavam para junto do corpo dele, e eu pude sentir aquela sufocação que há tanto eu não sentia.
Perder o fôlego num só amasso. Nós ainda não estávamos fazendo amor de verdade, mas era muito mais forte do que isso, quer dizer, tanto tempo
sem tocar naquele que eu amava que agora não era só sexo, - na verdade, nunca foi só sexo - agora era muito mais do que a consumação de um amor forte; era o reencontro de homens que aprenderam através dos erros o valor que se deve dar ao amor do outro.
Um de frente para o outro, começamos a fazer amor como gente grande. Doeu coisa pouca, na verdade nem dei atenção a isso.
Depois que ele estava todo dentro de mim e eu pude senti-lo ainda mais quente, forte e meu, começamos com movimentos lentos. O que mais queríamos era nos beijar. Mas aquela esfregação praticamente nos obrigou a nos movimentar de maneira rápida e intensa. Mais intensa e mais rápida. Agora mais rápida e intensa.
Em pouco menos de cinco minutos, eu já estava gozando no abdômen dele e alguns segundos depois, ele, dentro de mim.
Acabou tão rápido porque o tesão era maior do que aquele quarto de motel. Mas quem disse que parava por aí? Depois desse prazer, estávamos ainda mais sensíveis a qualquer toque. Quando se obtém o prazer máximo, qualquer homem se sente sensível para qualquer tipo de prazer. Os beijos voltaram e eu estava tão ofegante...
Gemi horrores. Ele gritou mais ainda. Os beijos violentos, quase uma guerra de lábios e dentes, nos levaram a uma outra posição.
Fiquei de bruços na cama e ele se deitou sobre mim. O peso dele me deu mais tesão. E quando o senti todo dentro de mim, soltei um suspiro alto de alívio e prazer que o deixou animado.
- Há quanto tempo eu não sinto prazer em dar prazer! - ele falou no meu ouvido.
- Cala a boca e me ama como um homem.
Ele estava com o controle. Mesmo quando parecia que eu era quem estava, era ele o comandante.
Ainda por cima de mim, ele começou a rebolar os quadris bem lentinho, como se ele estivesse acomodando o seu corpo ao meu e se deitou sobre mim. Ele ficou com a boca bem perto do meu ouvido e começou a sussurrar umas sacanagens enquanto se mexia bem devagar por trás.
As sacanagens acabaram e a língua dele entrou em ação entrando na minha orelha. Senti um arrepio forte que deu vida a todos os pouquíssimos pelinhos dos meus braços e pernas. Os movimentos se aceleraram e o vai-e-vem ficou violento.
Como ele sempre foi mais forte e estava por cima, o senti por inteiro dentro de mim. Esse também não demorou... gozamos em minutos.
Não me lembro quantas foram; só sei que no fim estávamos exaustos. Nos enrolamos nos lençóis e ficamos abraçadinhos nos beijando.
- Oi.
- Oi.
- E aí?
- Hã?
- Haha...
- Haha.
- Ah, que gostoso!
Ele começou a me pegar pelo queixo e olhar fixamente para mim...
- Te amo!
- Te amo também!
- Por que fizemos isso com a gente?
- Não sei.
- Porra! Nunca fui tão feliz desde que te conheci e eu faço uma merda dessas...
- Não vamos nos culpar agora, por favor!
- Parece que foi ontem que eu te vi entrando na biblioteca da faculdade, sentando com os seus amigos e fazendo-os rir.
- Mais de seis anos isso.
- Pra mim foi um dia desses. Eu já tinha me envolvido com homens, mas foi amor à primeira vista sim, sem dúvidas. Sempre que eu me lembrava de você, ou melhor, todos os dias, eu lembrava de você na biblioteca, porque essa era a época em que você era inalcançável pra mim. Você era tão lindo, com os seus cachinhos claros na cabeça, olhos grandes e sorriso largo. Era um moleque brincando de ser universitário. Isso me deixava louco e hoje, mesmo maduro, você ainda é aquele moleque que me deixa de pau duro e o coração na mão, pronto para ser dado a você a qualquer momento.
- Senti sua falta! - falei choramingando.
- Eu também senti.
- Parece sonho.
- Vou cumprir o que te prometi. Vou te fazer feliz, custe o que custar.
Ficamos um tempo namorando, as horas passando e depois fomos para o chuveiro.
Depois de descansar, começamos tudo de novo embaixo d'água. Com ele nu e em pé, eu pude perceber que ele não estava gordo como diziam. Ele estava realmente mais forte e musculoso. Ele não se depilava mais, ou pelo menos tinha passado um bom tempo sem fazer isso. Estava com as pernas, abdômen, peito, barba, bigode, axila e virilha todos por fazer uma depilação, ou pelo menos uma aparada.
Claro que eu não estou reclamando, estou comparando com o Henrique de antes. Um homenzarrão estava ali, em pé, na minha frente, nu e cheio de desejo. Ele me agarra forte e esfrega o seu corpo peludo no meu, lisinho, lisinho...
Ficamos molhados e cheios de tesão. Agora a minha pele estava tão quente quanto a dele, mesmo com a água caindo.
Fui descendo com a boca e me direcionei ao peito dele. Eu esmagava o peito dele com a palma da minha mão e lambia o mamilo. Ele não geme, grita!
Fica acariciando o meu cabelo enquanto desço mais e chego ao abdômen. Começo a mordiscar, mas depois começo a fazer mordidas fortes na barriga. Eu mal tinha chegado lá e já sentia o cacete dele tocando a minha garganta, enquanto eu mordia o umbigo dele. Não deu outra, segurei aquilo e... Eu só conseguia ouvir o barulho da água caindo e escorrendo para o ralo e as súplicas do Henrique:
- Ahh! Não para, B; faz de novo!
Depois de um tempo, fiquei de pé de novo e ele arrastou a minha cabeça pra axila dele. Eu sou tarado por uma e ele é tarado pela minha taradice. Levantei os braços dele sobre a cabeça e comecei a beijar de língua. Às vezes eu passava de uma axila para outra, esfregando a língua no peito dele.
Depois, ele me atirou na parede do banheiro, me pôs de costas, abriu minhas pernas e mandou ver.
Foi a primeira vez - eu acho, se não me engano - que fizemos amor sem camisinha. É muito mais gostoso mesmo.
Depois de tudo, fomos pra cama e conversamos:
- A gente voltou?
- Você tem dúvidas?
- Voltou como antes?
- Não, voltamos como sempre deveria ter sido: juntos enfrentando o mundo.
- Você está tão poético, Rique!
- É o amor, é amor!
- E o casamento?
- Me separo.
- É tão complicado isso...
- Não é nada complicado; é só eu dizer que não a quero mais.
- E descartá-la?
- Você quer que eu fique com ela?
- Claro que não!
- E então?
- Mas seja delicado.
- Serei, mas o fim é sempre o mesmo.
- Ela ama muito você?
- Não sei.
- Não dá pra perceber isso?
- Ah, nunca fiz questão de saber. Pensei tanto em você esses dias. Vi que não dava mais, eu já não aguentava ter que abraçar a Débora. Até nojo eu sinto, às vezes.
- Coitada, Henrique!
- Coitada? Isso é porque você não a conhece. Ela é tão chata, fresca, depende de mim pra tudo, é manhosa, mimada. Não aguento mais isso - falando um pouco alto.
- Imagino.
- Imagina nada; você nem sonha como é ruim isso.
- E o que você vai dizer pra ela?
- A verdade.
- Mas isso vai ser um choque muito grande.
- Mas eu não vou assumir de vez você?
- Tá, mas... ah, sei lá.
- Não vejo outra forma.
- Hum!
- Ai! Faz tanto tempo que a gente não conversa, não se abraça, não se beija... Hehe... como eu estou feliz! É como escapar de um cativeiro.
- Eu também estou feliz, mega feliz.
- Eu lembrava de você muito mais nos dias de chuva, porque adoramos fazer amor com o barulho de chuva e eu ficava pensando que você estava com outro.
- Você saiu com outros caras?
- Tentei amenizar a dor, mas eu voltava mais magoado...
- Por quê?
- Porque eu ficava comparando você com o cara e no fim eu via que realmente ele não poderia ser você e me arrependia de ter saído. Era um saco isso, porque depois eu voltava pra casa e dava de cara com a Débora, aí com ela não tinha jeito, nem fechando os olhos eu imaginava você.
- Você nunca brochou com ela?
- Várias vezes, por isso que cada dia está mais insuportável, porque não tem mais desculpas pra dar.
- Nossa! E ela nunca desconfiou de nada?
- Se você não soubesse que eu sou gay, você desconfiaria de mim?
- Sinceramente? Não!
- Pois é; pelo menos eu não dou pinta... mas, e você? Saiu com outros caras?
- Com um só.
- Só com um? Você...você...namorou com esse cara?
- Foi uma ficada longa. Era só sexo.
- Era bom?
- Não me pergunta isso, Rique!
- Então era! - decepcionado.
- Mas já passou; eu estava em outra... - ele interrompe.
- Não precisa se justificar; você não me deve nada desse tempo que ficamos separados. Você gostou dele?
- Não! Ele era frio, só me procurava pra transar e até para umas boates GLS a gente ia e ele ficava dando em cima de outros caras.
- Você em boate gay? Que boate?
- A...
- Eu também ia nessa boate. Caramba! Uma vez eu estava muito bêbado saindo do banheiro e pensei ter visto você, será que não era?
- Pode ser.
A conversa a seguir era pra fazer a retrospectiva de tudo o que passamos separados, quando de repente...
- CARAMBA! JÁ SEI COMO ME SEPARAR DA DÉBORA!
A ideia de como o Henrique ia fazer para se separar da Débora surgiu como um estalo de dedos. Os olhos dele brilharam e um sorriso malicioso, mas ainda assim lindo e enorme, surgiu nos lábios dele.
- Já sei, B; como é que eu vou mandar a Débora pra escanteio.
- Como?
- Vou fazer com que ela seja a culpada pela separação.
- Hã?
- É! Eu vou fazer com que nos separemos por causa dela.
- E por quê? Eu não estou entendendo nada.
- É simples; eu vou fazer com que ela me traia.
- E como você vai fazer isso? Tá maluco?
- Ah, não sei ainda, mas vou fazer com que ela tenha culpa.
- Isso nem é justo, quanto mais executável.
- É muito justo! Você não conhece a esposa que eu tenho.
- Hum! - eu com expressão de nojo.
- O que foi?
- Você falou esposa.
- Uai! Não entendi.
- Esquece.
- Ah, já sei; você está com ciúmes.
- Eeeeeeeu? Eu não mesmo!
- Haha... tá sim, tá sim, dá pra ver no seu rosto.
- Dá nada.
- Oh, meu lindinho; demoramos tanto pra ficar juntos de novo... E eu te amo mais que tudo; você não tem motivos pra ficar com ciúmes, eu nem gosto de mulher, quanto mais daquela mulher. Ai, B; se você soubesse a falta que você me fez. Quando chovia eu só lembrava da gente naquele chalezinho, lembra?
- Lembro sim e com muita saudade.
- A gente tem que recuperar esse tempo perdido, deixar o passado ruim para trás e nos amar muito para sempre.
- Hum, lindinho!
- Hum! - ele me dá um super-hiper-mega beijo.
- Agora me fala, como está tudo?
- Ah, vai indo, ainda sou clínico geral porque não terminei a minha especialização, por isso nem abri consultório ainda, mas já estou terminando e vou começar a medicar, mas, além disso, nada de novidades... e você?
- Ah, tudo na mesma também.
- Você estava morando sozinho. Por que se mudou pra casa do Vagner?
- Foi por causa de uns assaltos que estavam acontecendo por lá, fiquei com medo e minha casa estava marcada pra ser invadida, daí saí de lá o mais rápido que pude.
- Ah, eu lembro disso.
- Pois é.
Estávamos colocando o papo em dia.
- Minha mãe vai ficar tão feliz quando souber...
- Eita, Dona Edna, saudades dela; sogrinha.
- Eterna sogrinha. Hehe.
- Ela te contou que veio me procurar semanas antes de você casar?
- Não. Como foi isso?
- Ela veio pedir pra eu impedir o seu casamento. A sua irmã também, ela me ligou no dia do casamento pedindo pra eu ir na sua casa e não deixar você casar.
- E você?
- Eu?
- É, você. Por que não impediu?
- Ah, eu estava ainda muito magoado e também porque eu achava que era você quem deveria acabar com essa farsinha.
- Poxa, B; você deixou que eu fizesse isso? Você nem sabe como eu estive naqueles dias. Eu estava podre, um nojo só. Teve uma época que eu passei cinco dias sem tomar banho, só comendo Mc Donalds e assistindo TV. Eu estava um lixo e só pensava em você. Por que você não veio me socorrer?
- Oh Rique, você disse que eu não deveria me sentir culpado por isso.
- Eu sei, mas é que sabendo disso que você me contou agora... ah sei lá, bem que você poderia ter me procurado, né?
- Eu me arrependi do que fiz no momento em que eu soube que você estava casado.
- Hunf!
- Você também não pode falar nada; você é um... você me abandonou pra ficar com a Débora e me fez uma proposta nojenta...
- Eu sempre precisei de mais apoio do que você. Eu posso ser mais forte fisicamente, mas você sabia quem era realmente o forte de nós dois. Foi egoísmo seu.
- Rique, eu não acredito nisso... - interrompe.
- NÃO, B; CALA A BOCA, NÃO VAMOS BRIGAR, TA MALUCO? ASSUMO TODA A CULPA SE VOCÊ QUISER, MAS POR FAVOR, NÃO VAMOS MAIS BRIGAR!
Brigar a uma hora dessas... parecia brincar com a sorte. Eu, ou melhor, nós dois esperando por esse dia há tanto tempo e o desperdiçando brigando.
Até hoje eu acho que se o Henrique não tivesse interrompido a briga, a gente teria brigado ainda mais. Aquilo era a prova de quem tinha sofrido mais durante esse tempo separados.
Depois de namorar um pouco mais e matar a saudade, nós nos deitamos agarradinhos, nos cobrimos com o lençol e eu pus a cabeça sobre o peito dele.
- Ah! Sabe do que mais eu senti falta? E falo muito sério.
- Hã, fala, fala... - eu todo curioso.
- Da sua cabeça sobre o meu peito e eu enrolando os seus cachinhos nos meus dedos... Era tão bom, você dormia mole-mole!
- Ai que fofo! Eu lembro disso, você fazia cafuné nos meus cachos todas as noites.
- Aham, vou matar a minha saudade dos seus cabelos.
- Pode liquidar com essa saudade, se joga!
É verdade, o Henrique fazia muito isso em mim depois de uma noite inteira de amor. Era tão bom! Saudades...
O que eu não estava gostando era do plano dele pra se separar da Débora. Coitada! Não tinha culpa de nada. Ele a enganou esse tempo todo, quer queira, quer não, casou com ela e prometeu amor eterno.
Coitada!
Coitada? Será?
Tanto tempo sem sentir aquele cheiro tão familiar... Fiquei um tempão com o rosto grudado no pescoço dele enquanto estávamos abraçados na cama daquele quarto de motel. Quanto tempo me privando daquilo que me deixava vivo, me deixava feliz e solto.
Ele também parecia tão feliz, como se tivesse procurando por isso há muito tempo, como se essa procura tivesse consumido os seus nervos, - e de nervos ele entende muito bem: neurologia - mas agora ele achara o que tanto almejava.
- B, tá acordado?
- Uhum, não vou perder esse momento dormindo.
- Eu também não, mas a gente vai ter que dormir alguma hora e eu quero dormir com você, mas aqui não dá, vamos pra um hotel? Motel não é tão romântico.
- Hum. - me levantando do tórax dele - Ok meu lindo, vamos!
Descemos, fomos ao estacionamento, pagamos a hospedagem e seguimos para a rua.
O motel era perto da praia e fomos pela avenida da orla marítima. Como eu estava com um shortinho super curto, senti os dedos do Henrique passando sobre a minha coxa. O que parecia um carinho, se tornou uma agressão física.
- AI, RIQUEEEE! Me beliscou; doeu viu?
- Claro! É pra você aprender.
- Hã? O que eu fiz?
- O que você fez?
Segundos antes do beliscão, passavam na frente do carro dois surfistas bem moços, de cabelos encaracolados, bronzeados, de bermuda, descamisados e com a prancha debaixo do braço. Deveriam ter uns dezesseis aninhos. Super fofos.
- É Rique, o que eu fiz?
- Pensa que eu não vi você olhando aqueles dois carinhas que passaram agora há pouco?
- Quem? Os surfistas?
- HÁ! Tá vendo como você estava ligado?
- Haha... fala sério né, Rique; ciúmes agora?
- Ciúmes agora não, ciúmes sempre! Vem cá que eu vou cuidar do que é meu.
O sinal vermelho acende na avenida, ele freia o carro e me agarra ali mesmo.
- Tá maluco? Alguém vai ver!
- Tá bom, então eu vou deixar você em casa e ir dormir com a Débora.
- NÃO, NÃO, NÃO, TÁ BOM, TÁ BOM!
- Haha.
- Quer dizer, por falar em Débora, não é melhor você ir dormir com ela? Ela pode desconfiar.
- É o que você quer?
- Não né, Rique. Mas pelo menos não levanta suspeitas.
- Você escutou quando eu disse que vou me separar dela?
- Tá, mas ainda não se separou e você sabe que eu odeio traição.
- Você já me ajudou a traí-la e além do mais, você acha que ela também não me trai?
- Ai, Rique! Sério que ela te trai?
- Certeza eu não tenho, mas desconfio, também né, eu dou motivos.
- Ai que horrível!
- Ai que hipocrisia. - zombando.
- Hehe... mas é horrível isso, Rique. Por que você acha que ela te trai?
- Ora, porque eu não compareço muito. Quando não é plantão, é cansaço e quando não é nenhuma coisa nem outra, é brochice, Provavelmente tem uns chifres pairando na minha testa.
- E você não se importa com isso?
- Olha a minha cara de preocupado. Quanto mais ela me trai, menos cobra sexo e sexo é a última coisa que eu quero dar pra ela. Por mim, ela que dê pra todos os caras da cidade, inclusive aqueles dois surfistas que você estava de olho.
- Eu não estava de olho em ninguém, mentiroso! Vai ver era você que estava que achou que eu pudesse achá-los bonitinhos e me beliscou.
- Ah, quer dizer que eles eram bonitinhos? Bom saber. Parece que os chifres rolam soltos na minha cabeça. É a Débora de um lado e você do outro.
- Haha... besta! Falando sério, tem certeza que não vai dormir em casa?
- Tenho sim, é claro que tenho; a gente se reencontrando... quer motivo melhor que esse? Além do mais, isso acaba fazendo parte do plano.
- Eu não entendo; se ela já te trai, você vai fazer com que ela te traia de novo pra quê?
- Dessa vez vai ser arquitetado. Eu não sei bem como fazer isso, mas era algo que eu já havia planejado há algum tempo; só que havia desistido da ideia por que do que adiantava ficar solteiro se eu não tinha você? Só que hoje isso brilhou na minha cabeça e eu vi que essa era a oportunidade perfeita de pôr esse antigo plano em prática.
- Há quanto tempo você tem esse plano?
- Desde quando eu disse "Sim" pra ela.
Nesse papo pude perceber o que foram esses dois anos de casados. Como ele suportou tudo isso eu não sei, mas que ele sofreu muito não há dúvidas.
Ele deveria estar tão triste, ou melhor, ele deveria ser tão triste...
Senti tanta alegria em perceber que o fato de ele me ter de novo tinha dado novo gás a ele. Parecia que eu estava proporcionando isso.
Toda a conversa que tivemos no carro, apesar da tensão sobre o tal plano, foi amistosa e nostálgica.
A barbinha mal feita apresentava um sorriso enorme e de dentes alvos. Uma cara contente apesar das olheiras e da roupa amassada.
Ainda era lindo de qualquer forma.
Quando nos vimos pela primeira vez, vi um rapaz belo e atraente, mas ele estava de jaleco e nem dei tanta importância para isso. Agora ele estava de jaleco dentro do carro, enquanto dirigia e aquela roupa branca convidava os meus olhos a fitá-lo ainda mais.
Não sei por que, mas não era a barba nem o corpo mais robusto e forte que me faziam perceber que eu estava diante de um homem de verdade, mas sim aquele jaleco.
Era como se aquele traje me lembrasse que ele era um homem responsável, respeitável, um homem de família, gente grande.
Ele tinha crescido, não era mais aquele playboy que eu conheci há seis anos; era um homem com H maiúsculo.
- Já que você falou da minha mãe, já faz um tempo que ela me chateia pra eu te procurar. Ela vive dizendo que eu deveria voltar com você e mandar a Débora para o espaço.
- Sua mãe chamou ela de uns nomes feios quando me procurou.
- Ela se refere à Débora de "Vaca Louca" quando estamos só nós dois.
- Puxa!
- Você tá tão meiguinho! Que pudores são esses?
- Ah, é que eu estou mais sensível.
- Pois eu estou mais forte e a minha mãe tinha razão, sempre teve, mas sabe, não me arrependo de ter feito o que fiz porque isso me formou e me fez enxergar as coisas como elas são de verdade. Haha... estou louco pra ligar pra ela.
- Você está tão feliz!
- Por que você está tão surpreso com isso? - ele me olha um pouco enquanto dirige de forma doce e com um sorriso singelo.
- Não achei que você estivesse tão desesperado assim; só de me ver já ficou assim desse jeito. Tá tão sorridente...
- As pessoas costumam ficar assim quando amam.
- Eu pensei que eu sentisse uma falta tremenda sua, mas já vi que você sentiu mais.
- Não sei se senti mais saudades, mas pensei em morrer algumas vezes, acabar com isso de vez. - o sorriso acabando e a melancolia começando - Eu ainda não sei por que fiz isso, eu era tão bobo! Sempre me diziam que a faculdade iria me mudar, me fazer amadurecer, mas me fez mais idiota.
Pensei de forma empreendedora sobre tudo o que fiz. Às vezes eu penso que, se não fosse pelo amor que eu sinto pela profissão, eu não teria feito medicina. Não sei se em outros lugares são assim, mas aqui eu não estudei medicina; eu estudei mercado de trabalho na área de saúde e isso me cegou de tal modo que me desfiz de você, da pessoa que eu amo por um punhado maior de moedas. Bem, olhe pra mim - ironicamente feliz - aqui estou eu, mais rico que os meus pais, mais famoso que os meus irmãos e com uma esposa de fazer inveja a qualquer cara do mundo! Diga-me: sou ou não sou o maior sortudo do mundo?
Aquela ironia disfarçada de satisfação me perturbou muito. Eu me sentia cada vez mais culpado por tudo o que acontecera a ele. Senti que o tivera abandonado à própria sorte.
É verdade o que ele me disse horas atrás: eu sempre fui mais forte e ele não me dissera isso só nesse dia. Em outros, há muito mais tempo, ele já assumia isso.
E pra falar sério, era verdade! Eu era o consciente, aquele que raciocinava, que pensava doze vezes antes de fazer qualquer coisa. Ele era e sempre foi o impulso, o imediato, o prazer de agora, a emoção desesperadora.
Não havia maturidade que desfizesse isso, apesar de ele estar bem maduro agora.
Senti que ele era responsabilidade minha, que era meu dever protegê-lo. Eu tinha vinte e quatro e ele trinta, próximo de fazer trinta eVamos parar com esse papo? - eu disse.
- Você que manda.
- Você está bem?
- Não entendi a pergunta
- Deixa...
Uma tensão, uma tristeza havia se situado naquele carro.
Chegamos no hotel. Eu estava com uma roupa ridícula para aquele ambiente, fui morrendo de vergonha.
O Henrique me deu o jaleco e eu o vesti. Fiquei ainda mais ridículo, mas pelo menos fiquei mais composto. Fizemos a reserva e subimos de elevador. Não dissemos palavra, nem nos olhamos direito durante a subida para a suíte. Entramos no quarto e o clima do carro ainda persistia. Não adiantava negar o passado. Era inevitável. Fingir que nada aconteceu... Como? Eu só sei que quando a porta foi fechada, nos olhamos e ele veio vindo a passos lentos na minha direção, soltou um sorriso bobo e disse:
- Você tá uma coisa de jaleco! - meio brincalhão.
Mas a zombaria era pra disfarçar as lágrimas que já rolavam no rosto dele.
Como uma criança carente, ele veio, me abraçou forte e todo aquele tesão do motel já havia sido saciado. O corpo estava satisfeito, mas o coração ainda precisava acertar contas.
Senti um aperto de músculos me sufocando, um sussurrar de lágrimas no meu ouvido, uma voz rouca a berrar, mas não escondia a meninice daquele desabafo.
Não me permiti chorar porque precisava ficar sóbrio para acalmá-lo. Ele agora era a minha responsabilidade.
- B, - chorando - me promete que você nunca vai me deixar fazer besteira?
- Prometo, Rique; agora fica calmo, por favor!
Nesse momento o celular dele toca.
Já era umas dezessete horas, eu acho. Ele tira o celular do bolso e joga na cama e volta a me abraçar.
- Não quero ficar calmo, quero chorar com você.
- Tá bom, meu amor; então chore, quer deitar? - como um pai perguntando à criança se ela quer comer, o mesmo mimo.
- Quero, me ajudar a tirar a roupa.
A gente foi tirando a roupa dele: primeiro a camisa, depois a gravata, a
calça, o sapato e o relógio. Ficou de meias e de cueca.
Foi tirando o meu jaleco e depois a minha camiseta. Fiquei com o shortinho.
Apagamos as luzes e nos deitamos abraçadinhos enrolados no edredom. O celular que estava na cama ainda, voltou a vibrar, ele pegou e olhou o visor.
- VAI PRA MERDA!
- Que foi, Rique?
- É a Débora.
- Ela deve estar preocupada.
- VAI DEFENDER ESSA NOJENTA AGORA?
- Não Rique. Ela simplesmente não tem culpa de tudo o que nos aconteceu. Você poderia ter casado com outra e a situação não mudaria. A culpa não é dela... - ele me interrompe.
- Tá, tá, tá; eu vou desligar o celular... Pronto!
Nos abraçamos. Ele me apertou inconsequentemente contra o corpo dele.
- Tá me sufocando.
- Ah, desculpa!
- Tudo bem, passa a mão por aqui, fica mais confortável.
Ficamos abraçados por um tempo, as coxas entrelaçadas e, apesar de estarmos de novo super excitados, não fizemos nada, só ficamos abraçados sem dizer nada.
- Espera, vou ligar pra minha mãe... Alô, mãe? Eu não durmo em casa hoje, dá pra ligar pra Débora, inventar qualquer coisa e dizer que eu não durmo lá?... Tá, ok mãe... hã? Onde eu estou? Num hotel aqui perto... Ah mãe porque eu quero ficar sozinho, se eu fosse para aí, você ia ficar buzinando no meu ouvido... Tá mãe... tá... hã?... É, é, é... Eita mãe! Preciso desligar.
Nesse momento eu solto uma risadinha porque a cena estava engraçada. Depois, deu até pra ouvir...
- Quem tá aí?
- Ninguém mãe, ninguém. Tchau... Aff, mãe, eu sei me cuidar... Hã?... Não mãe...
- Não, mãe; não é prostituto.
Aí eu não me aguento e caio na gargalhada.
- Tá mãe, é o Benjamim que tá aqui. - ele tira o celular do ouvido porque ouve um grito que não deu pra ouvir direito o que era - Não precisa berrar! - rindo - Tá, vou passar pra ele.
- Não, não, não – falei bem baixinho - ... Hã? Alô?... Oi, Dona Edna!
- Nada de Dona, me chame de sogra. Ai estou tão feliz!
Um tempo depois da algazarra no viva-voz:
- Pode deixar que eu vou falar com a Vaca Louca. Beijo meninos, usem camisinha, haha. Tchau, boa noite!
- Sabia que ela ia ficar desse jeito.
- Haha... Eu, um prostituto.
- Tem cara mesmo de prostituto.
- Sai pra lá. - falei rindo.
- Haha... hum... vem cá.
Nos beijamos e voltamos a nos deitar. Por mais que estivéssemos afim de fazer amor de novo, estávamos cansados de mais cedo e caímos no sono.
Acordei e não vi o Henrique na cama. Procurei no quarto e nada. Ouvi uma voz no banheiro e fui pra lá.
- Tá certo, tudo certo, então? Ok, abraço, tchau. - e desliga.
- Quem era?
- O cara que vai me tirar dessa enrascada.
- Hã? Quem é esse cara? É ele quem vai ficar com a Débora?
- Isso! - tirando o celular do rosto.
- Por que será que eu não gosto dessa ideia?
- Também não sei; você vai se beneficiar dela tanto quanto eu. Relaxa!
Tomamos café juntinhos na cama do hotel e o celular do Henrique já tinha um zilhão de chamadas não atendidas da Débora. Coitada! Eu tinha pena dela.
Não é só porque ele é bonito, mas eu imaginava como ela devia gostar do Henrique. Ele é diferente das outras pessoas. Ele se comporta e trata a todos de maneira especial, mesmo quando não gosta da pessoa.
Todo mundo se sente bem na presença dele. É uma analogia idiota, - já que ele também é médico - mas quem já foi a um médico que não necessariamente precisa ser bonito, mas é na forma atenciosa e na voz diferente com a qual ele trata os pacientes, tipo, quem já foi a um médico que perturba por deixar o paciente tão tenso, mas que não quer sair de lá, mas sim, impressioná-lo?
Ele é bem assim! Eu ficava pensando como a Débora não tem culpa do que aconteceu e que ela não deveria sofrer por um erro nosso. Não é difícil se apaixonar por ele; amá-lo. Tem que se acostumar com certas manias e ela deveria ser louca por ele. Quem não era?
Ainda tentei conversar com o Henrique sobre esse plano. Esclarecer tudo pra ela; talvez fosse menos cruel, mas nada tirava da cabeça dele essa ideia.
Enquanto o tal cara passava dias tentando levar a Débora pra cama, eu e o Henrique saíamos às escondidas.
Mas eram escondidas não tão escondidas assim. A gente tomava sorvete juntos na praia, ríamos juntos em público. Uma vez chorei muito de tanto rir.
- Tá chorando de tanto rir? Haha.
- Não; na verdade estou chorando porque faz tempo que não ríamos juntos.
- Oh, meu garoto, meu garotinho lindo, vem cá.
- Não, maluco! Estamos na praia, tá louco?
- Eu quero que a Débora se dane!
- Mas não é da Débora que eu estou falando. Tem centenas de pessoas aqui, a homossexualidade ainda é um tabu na nossa sociedade
ocidental-latina-brasileira-nordestina ou você se esqueceu disso? Haha.
- Ás vezes eu esqueço de tanta coisa quando estou com você, eu só não esqueço que estou vivo porque eu só me sinto vivo quando estou com você!... Mamãe quer te ver.
- Eu tô com vergonha de vê-la, Rique.
- Por quê?
- Ah, porque ela veio suplicando pra eu impedir o seu casório e eu não fiz nada.
- Foi por isso que você não queria faria com ela no celular, né?
- Aham.
- Bobo, minha mãe tá super feliz da gente ter voltado, a gente já tá há uma semana juntos e ela vem me cobrando a sua visita lá em casa, ela quer te ver. Vamos?
Dizer não é que não podia! Fui. A recepção foi na mesma saleta que eu conheci os pais do Henrique pela primeira vez. Só os móveis tinham mudado, mas as paredes ainda eram brancas.
Na verdade, muita coisa tinha mudado. Se por acaso alguma empregada aparecesse e o seu Henri dissesse que eu era gay na frente dela, eu não mais me importaria.
- Eu sabia que essa separação não ia durar muito tempo! Como você está, menino? - me abraçando.
- Bem, Dona Edna e a senhora?
- Eu estou com raiva de você.
Pronto! Sabia que ia dar problema. Tremi todo.
- Por que mãe?
- Porque ele me chamou de Dona, eu disse que tem que me chamar de sogra.
- Ah tá! Haha.
"Como você está? Como tem passado? O que tem feito?"
Enfim, conversa vai, conversa vem...
- Jura que uma barata entrou no seu ouvido? – Senhor Henri me perguntando.
- B, você não tinha me falado disso!
- O quê? Da barata?
- Não, você não me falou se voltou ao médico depois; se você fez o tratamento tudo certinho.
- Ah tá, fiz sim, pode deixar.
- Os exames ainda estão na sua casa, né?
- Estão sim.
- Depois eu quero dar uma olhadinha, ver se não ficou resquícios e tals.
- Eita, Rique, por acaso você é médico?
- Por acaso eu sou sim, esqueceu?
Esqueci completamente! Era como se tivéssemos voltado no tempo e eu fosse aquele mesmo estudante sonhador e ele o mesmo carinha que me sequestrou na dispensa de um hospital.
- E pra quando é o casamento? – a mãe dele.
Todos calados. Aquela pergunta no meio das gargalhadas constrangeu todo mundo.
- Falei alguma besteira? – ela.
- Não mãe, só que eu ia pedir o B em casamento, mas você estragou tudo.
- Eu e minha bocona.
- Na verdade vocês sempre foram casados; cadê aquelas alianças, Henrique?
- Estão lá em cima, pai.
- Você ainda as tem, Rique?
- Claro! - falou como se eu tivesse dito alguma bobagem. - Você acha que eu ia jogá-las no lixo?
Conversa vai, conversa vem. Almoçamos. Voltamos para a salinha.
- Eu não queria que fosse desse jeito... – interrompe.
- Eu também não, por mim você afogava ela na piscina, eu dou apoio.
- Haha... por mim também, mãe.
- É sério minha gente, isso não é muito justo. – eu.
- Como você é ingênuo, Benjamim; vai Henrique, fala pra ele quem é a Débora.
O Henrique ficou encabulado, mas era como se ele estivesse tendo lembranças não muito agradáveis.
- Está bem, eu conto: Ela é uma rapariga, vadia, cachorra, nojenta, tudo o que você imaginar de podre de uma mulher. E esse bobão aí - apontando pro Henrique - deixava ela fazer dele capacho. Eu não sei se você sabe, mas ela é nutricionista. A vaca louca entupiu ele de coisas naturebas e tal, não deixava ele mais comer da minha comida, pode?
- Haha... só por isso?
- Não é pra rir, Benjamim; é sério! Nos jantares, quando o Henrique ia se servir de alguma coisa que ela não gostava, ela dava uma bronca no
Henrique como se ele fosse um bebê e ele ficava quieto.
- Edna, tá pegando pesado. – Henri.
- Nada disso, os dois tem que ouvir, o seu Henrique principalmente: isso é pouco, Benjamim, ela não deixava ele ir pra nenhum lugar se ela não fosse e não deixava ele se vestir como ele queria. Uma vez a gente foi pra uma festa da empresa do Rinho - é como ela chama o Senhor Henri - e era black-tie; aí quando o Henrique estava descendo as escadas, ela viu que ele estava com a camisa preta, ou seja, ele estava todo de preto porque o terno e a gravata também era pretos, mas a camisa que ela queria que ele vestisse era branca, você sabe, aquela camisa que fica debaixo do paletó.
- Sei, sei.
- Aí a vadia: "Henrique, suba e coloque a camisa branca porque essa parece que você é um garanhão solteiro". - imitando a voz dela - Você acredita que ele subiu e foi trocar? Isso todo dia, Benjamim, imagine isso todo dia! E isso é pouco, tem muito mais...
Ela foi contando um monte de coisa que a Débora fazia.
Umas pirraças, uns vexames que ela fazia o Henrique passar. Eu não sei se todos ali tinham chegado nessa conclusão, mas só pelos relatos da Dona Edna eu cheguei a entender que ela era histérica. Histérica patologicamente falando. Sério!
- Mas, Rique, por que você...? Por que...? - eu tinha vergonha de perguntar o porquê dele não ter se separado dela antes.
- Por que ele não se separou dela? Porque é um banana, oras! – mãe dele.
O Henrique ficou o tempo todo de cabeça baixa com o rosto todo vermelho; parecia que ele iria chorar.
Até eu estava achando que a Dona Edna estava pegando pesado. Imagina o que o Henrique deve ter passado nas mãos da Débora. A pena que eu tinha dela tinha se apagado completamente.
- Depois eu te falo por que não me separei dela, apesar de que você já sabe o motivo principal.
- Que motivo é esse, Henrique?
- Nada, mãe, nada!
O tempo foi passando e eu fui sentindo como era a vida de amante, apesar de que o Henrique não tinha mais nada com a Débora.
Até porque ele me dizia que eles nem transavam mais. Mas eu sentindo o que ele sentia quando eu não tinha me assumido para algumas pessoas, porque na prática ainda, eu não era assumido, só a minha família sabia e a família do Henrique e o Vagner e a Ana também.
- Alô!
- B, comprei celular novo, depois você salva esse número, tá?
- Tá bom.
- Olha, o cara já tá ficando com a Débora.
- Agora?
- Sim, quer dizer, agora, agora, não, eu quis dizer que eles já estão ficando fixos, só que ainda não transaram.
- Que cara é esse, Henrique?
- Um cara com quem eu malhava na academia, ele pegava todas por lá.
- Mudando de assunto, quando é que você vai me dizer o motivo de você não ter se separado dela antes?
- O principal você já sabe, eu não me separei dela porque eu não teria você do mesmo jeito.
- Sei. E o que não é principal, quando vou saber?
- Mais tarde, quando tudo estiver resolvido .
- Tá... olha, quando a gente se ver de novo eu quero a minha aliança de volta.
- Xi...
- Que foi, Henrique?
- Eu fui procurá-las hoje e eu acho que as perdi.
- NÃO ACREDITO!
- Depois eu compro outras.
- Mas aquelas eram especiais, Rique.
- É, eu sei, mas você não vai brigar comigo por causa disso, vai?
- Hunpf...não, não vou, deixa.
- Tá com raiva, amor?
- Não, só estou meio tristinho, eu queria tanto aquelas alianças, me faziam lembrar de tanta coisa boa...
- É, eu sei, meu garoto; mas depois eu compro outras que representarão o nosso futuro.
- Hum... tá bom, beijinho.
- Beijinho.
- Não demora hoje, viu?
- Tá; quando eu acabar aqui, eu vou te buscar, tenho uma surpresa pra você.
- O quê? Me fala, vai!
- Não né, B? Deixe de curiosidade, depois você verá.
- Ain! Vai, me conta, vai!
- Haha, não.
- Então por que disse que ia me fazer surpresa se não vai contar o que é?
- Por que você acha que eu fiz isso?
- Ain... que ódio de você!
- Haha... bobo, beijo!
- Beijo!
[...]
- Ai que gelado!
- É por causa do condicionador de ar.
No dia seguinte à visita à casa dos pais do Henrique, ele insistiu em me examinar para ver se não tinha ficado alguma sequela da barata intrusa no meu ouvido. Levei os exames, ele conferiu, viu que não tinha nada, mas mesmo assim ele pediu novos exames.
- Rique, isso faz mais ou menos dois anos, deixa pra lá.
- É justamente porque faz tanto tempo que é bom não deixar passar. Ah vai, não vai te custar nada.
- Só o meu tempo que é escasso.
- Se der problema depois? Como fica o seu precioso tempo? Hã? Me fala.
- Tá, tá.
- E você ainda com história de fazer arquitetura.
- É, mas eu não sei se... AI QUE GELADO ESSE TROÇO!
O Henrique estava introduzindo aqueles aparelhinhos dos quais eu não sei o nome e que se enfia no ouvido pra ver não sei o quê. Nós estávamos no consultório dele. Ele estava preocupado com esse caso da barata.
Ele não era só o médico precavido, ele era o médico precavido que me amava.
- Deixa de frescura.
- Aff... enfim, mas eu não sei ainda se vou fazer porque tem muito cálculo, quer dizer, provavelmente tem e você sabe que eu e os números ainda não fomos apresentados com as devidas honras.
- Mas você vai mesmo fazer?
- Ai, não sei, Rique, vou ver aí... Tem um curso de design que também quero fazer, tem o concurso de fotografia que eu estava afim de participar. Ah... também tem o concurso de poesias. O pessoal estava dando uma força pra eu inscrever uma poesia minha.
- Você acha que dá conta?
- No fim, Serviço Social não me serviu muito e depois eu descobri que o meu negócio é criar, desenhar, escrever, pintar o sete.
- Contanto que entre pintar o sete e trabalhar você tenha tempo pra mim, tudo certo.
- Bobo!
- Vê se não se atrasa hoje para o jantar, tá? - tirando o troço do meu ouvido.
- Tá bom. Posso descer da maca?
- Aham. - guardando o instrumento.
- Bem, então vou indo.
- Ôôô, que pressa! Espera um pouquinho que a gente ainda não batizou o meu consultório.
- Haha... tá maluco? Agora não! Hoje não!
- Hum... quer dizer que você tá me recusando? - me abraçando.
- Não, Rique; para, haha, maníaco!
Nos beijamos rápido.
- Tá bom, estou indo.
- Às vinte e uma horas.
- Em ponto.
Saí suspirando e ainda não acreditando que estávamos juntos a mais de uma semana.
Tanto tempo longe um do outro...
Era manhã e fui bater meu ponto no trabalho. Trabalhava na assistência universitária, voluntariamente.
Às nove da noite eu já o esperava. Não tardou e ele chegou.
- Aonde vamos?
- Antes eu queria dar uma palavrinha com o Vagner.
- Por quê?
- Ah, porque ele é seu amigo, te abrigou na casa dele e a gente ainda tá brigado desde aquela época. Chama ele pra mim?
Eu e a Ana ficamos na cozinha e de lá não dava pra escutar nada. Só me lembro de os dois chegarem juntos e com as pazes feitas.
Saímos no carro dele.
- Ah, foi muito lindinho o que você fez hoje.
- É... estava chata aquela situação.
- Pois é... Então, onde vamos?
- Um restaurante aí.
- E esse restaurante tem nome?
- Mas é chato!
- Chato é você!
Chegamos.
Era um lugar lindo. Uma chácara onde cada mesa era afastada da outra e não tinha energia elétrica. Cada mesa tinha uma vela e o clima era bem especial. As paredes eram adornadas com tijolos à amostra, como se fossem as ruínas de uma fazenda antiga do tempo do Brasil colônia. Super romântico.
Chato foi ver que algumas pessoas olhavam com desprezo pra gente, mas quem disse que eu estava ligando? Não naquela noite, não naquele momento tão mágico.
Algumas até saíram do restaurante, mas tudo o que importava eram as estrelas que enfeitavam o céu e os olhos do Henrique que, naquela escuridão, se confundiam com elas.
- Que lugar lindo!
- Faz muito tempo que eu descobri esse lugar, mas nunca tinha vindo.
- Por quê?
- Ah, não queria vir sozinho.
- Ah... por que você não veio com... er... enfim, vamos pedir?
- Vamos, hehe... só você pra me fazer rir da desgraça alheia.
[...]
- O que quer de sobremesa?
- A minha surpresa.
- Que surpresa?
- Vamos, Rique; deixa de me enrolar, cadê o que você me prometeu?
- Você sabe o quanto eu te amo e quanto você é especial pra mim. Quando se promete algo a alguém que se ama, deve-se cumprir. Eu te prometi fazer você feliz. Eu sei, eu errei nessa promessa, acabei pensando mais em mim do que em você e ainda pensei mais no meu ter do que no meu ser. Só que tudo na vida acontece por algum motivo e se isso tudo aconteceu, tem valor. Na verdade, isso tudo aconteceu pra eu te dar mais valor. Se sem você não sei viver e se eu sabia disso antes, agora eu sinto que isso é verdade porque senti na pele a falta que você me fez. Eu te prometi felicidade. Prometi quando você ainda era um garoto. Eu não cumpri quando você era um garoto, mas se você deixar eu posso cumprir agora que você é um homem feito. B, quer se casar comigo de novo?
Um anel prateado bem familiar tilinta nos dedos do Henrique. Era a minha antiga aliança. Fiquei boquiaberto. Não podia acreditar que as nossas alianças não tinham se perdido coisa nenhuma.