O Médico [20] ~ TEMPESTADE

Um conto erótico de BENJAMIM
Categoria: Gay
Contém 5744 palavras
Data: 22/01/2024 16:00:49

- Mas tem umas versões hoje em dia que você não precisa saber.

- A gente tem mesmo que falar disso hoje?

- Haha... não, tem razão.

- Certo. Boa noite!

- Só mais uma pergunta: se você for mesmo fazer um poema, que título você escolheria?

- Espera... hum... ah, sem criatividade hoje.

- Tá. - ele me beija. - Boa noite, meu poetazinho!

Manhã.

Acordei antes dele. Fui pro banheiro e lavei o rosto. Quando voltei para o quarto, me veio uma luz:

"Um quarto de Hora"

Eu sempre penso primeiro no título, depois no resto do texto ou poema.

Sempre foi assim.

Procurei uma caneta pelo quarto inteiro e achei uma na gaveta do criado mudo, junto com um panfleto que estampava o cardápio do restaurante do hotel. Peguei esse papel e, no verso, me pus a escrever.

É muito pessoal, mas posso revelar um versinho do que escrevi:

"Uma derme robusta sufoca um espírito

Que antes era doce e agora é só vapor d'água

Entre as pernas daquele homem sóbrio

Contamina-me.

Agora padeço de amor

Do latin: Eternus ti amo

(...)"

- Não resisti, escrevi aqui mais do que eu previa. É que eu adoro essa poesia. - Escrevi e fiquei orgulhoso do resultado final. Pus sobre o criado mudo e o esperei acordar. Quando ele abriu os olhos, me viu sentado aos pés da cama e com um sorriso lindo e infantil me deu um "Bom dia, amor!" que foi respondido logo depois.

Com a cabeça, fiz um sinal apontando para o criado-mudo, para que ele pegasse o papel e começasse a ler o que eu tinha acabado de fazer.

Ele começa a chorar e fala "Eternus ti amo".

Ele vem, me abraça forte.

- Te amo, te amo, te amo, te amo, te amo!

O "Eternus ti amo" tinha surtido efeito.

Ele achou muito intensas todas aquelas palavras articuladas juntas. Ele pôs o papel em cima do criado-mudo e veio em minha direção. Me abraçou forte, chorou e repetia diversas vezes "eu te amo, eu te amo, eu te amo".

Quase um mês depois de termos feito as pazes, ainda parecia que tinha sido no dia anterior que decidimos deixar os nossos orgulhos de lado e vivermos em paz.

Ainda não acreditávamos que estávamos voltando a sermos felizes. Abraços e um beijo longo em seguida, daquele jeito que ele adora: um beijo forte, com a língua toda dentro da minha boca e fazendo com que ela se mexesse lentamente.

Ele estava de joelhos na cama e eu estava sentado. O abraço foi tão forte, que foi me arrastando para junto dele no colchão. De repente, estávamos os dois de joelhos em cima da cama, abraçados e com os lábios de um tentando agradar os lábios do outro.

Os meus braços estavam por sobre os ombros dele, enquanto os dele estavam na minha cintura. Ele foi me puxando pra mais perto do corpo dele até que as nossas cuecas - e o que se encontrava dentro delas - se tocaram. Não haveria balde d'água fria que nos separasse. Se jogassem um, em questão de segundos, toda aquela água seria evaporada.

Fomos tirando aquele pedaço de pano que nos impedia de nos amar de verdade e nos deitamos um sobre o outro. Nos beijamos um pouco até que só as bocas não eram mais suficientes para manter aquela chama ardendo.

Então ele foi buscar a camisinha da embalagem dourada e... joga em cima de mim. Na verdade, ele atira a camisinha na minha direção e, em tom de ordem, diz:

- Põe pra gente!

Eu fui em direção a ele para pôr, mas aí...

- NÃÃÃÃO! É pra você pôr em você.

Fazia tempo que eu não era o ativo e, como esse ano todo sem dormir com ninguém, a coisa da qual eu mais sentia falta era em ser o passivo.

Mas esse desejo há muito havia sido saciado, então, não vi problemas em saciá-lo também.

Ele se deitou na cama e com as mãos me chamou para subir nele.

Começamos de leve. Mas aí, assim como eu faço com ele, o Henrique prendeu os joelhos na minha cintura e eu não pude suportar com o peso das coxas dele sobre as minhas costas e caí - que mico!

Caímos na gargalhada.

- Haha... mas como é mole!

- Haha... você que é enorme.

- Vem, vamos tentar outra posição... Qual?

- Vamos ficar de joelhos e você de costas pra mim?

E assim foi. Eu mesmo não aguentei ficar com movimentos leves e comecei a acelerar o meu corpo em relação ao dele.

Ele também não suportou sentir toda aquela pressão de forma paciente e começou a ficar ora de quatro, ora ajoelhado.

Ele se agarrava à cabeça da cama com toda a força das mãos e gemia bastantes. Me agarrei na cintura dele, enquanto o corpo dele também ganhava vida: ele remexia os quadris com meu pau todo enterrado.

Logo, ele mesmo fazia os movimentos por nós dois.

Ele segurava a cabeça da cama e nela buscava apoio para executar os movimentos. Eu não suportei tudo aquilo e gozei muito. Ele percebeu que eu tinha chegado lá e se virou. Me abraçou e me beijou de novo. Nos deitamos um sobre o outro e mantivemos o fogo nos lábios, mas eu ainda estava com a camisinha e ficamos nos esfregando com ela lá.

Eu cheguei a gozar de novo só com aquele amasso.

- É tão bom você dentro de mim!

- É... eu gosto também.

- Mas que fique claro que o macho aqui sou eu.

- Haha... não se preocupe, eu sempre vou comer você como um bom macho que você é. Na verdade você já foi pra categoria de bear.

- Eu não, nem sou peludão, nem sou gordo.

- Mas já é um coroa!

- Hum! E você, meu garotão...

Ficamos naquele clima zombeteiro o resto da manhã.

- Eu vou descendo, acertar a conta na recepção e você se arruma aí e desce em seguida, tá?

- Por que, Rique; você tem vergonha de descer comigo?

Senti aquele fantasma do medo ressurgindo entre nós.

- Claro que não, né B! Se você quiser, eu espero você se trocar, eu só queria agilizar as coisas, até porque eu te esperaria no restaurante do hotel.

- Ah bom, menos mal...

- Não se preocupe, o meu amor por você vem em primeiro lugar agora.

Sentamos em uma das mesas do restaurante do hotel e pedimos o nosso café da manhã. Rimos, brincamos com a comida... enfim, foi uma manhã perfeita para dois moleques grandes.

Depois da refeição, conversamos.

- Você tem certeza que não está preocupado no que a Débora pode estar aprontando agora?

- Tenho, afinal, o que é que ela pode fazer?

- Não sei, me diga você do que ela é capaz.

- No máximo, ela vai fofocar tudo na associação e mais nada.

- E as consequências disso?

- O máximo que podem fazer é me expulsar, apesar de que acho pouco provável que isso aconteça.

- Por quê?

- Tem um médico lá que assumiu. Foi o maior bafafá, mas ele ainda continua lá porque ameaçou processar judicialmente qualquer pessoa que fizesse algo de caráter preconceituoso. Tudo bem que agora ninguém fala com ele, ninguém se aproxima dele nas confraternizações. mas pelo menos ele ainda é associado.

- Que triste isso! Quer dizer, que nojo desse povo! E você, não fala com esse médico também?

- Não falo porque não o conheço ainda, nunca vi o figura, ou pelo menos não estou associando o nome à pessoa. Mas é claro que eu não teria problemas em falar com ele.

- Ah, tá!

- Mas também tem outra coisa que talvez me impeça de ser expulso.

Ele disse isso num tom baixo e cauteloso. Abaixou a cabeça e começou a brincar com as mãos debaixo da toalha da mesa.

Me preocupei.

- O que é?

- Não sei como você vai reagir a isso.

- Ah não, não, não! Me fala logo o que é, Rique. Por favor, não me diz que é grave.

- Depende do seu julgamento .

Tive medo de insistir na pergunta e receber uma bomba como resposta.

Para todos os efeitos, o Henrique ainda era casado com a Débora. O que mais o impediria de ser expulso da associação que ser casado com a filha de um dos membros do conselho dessa instituição?

- Vai falar ou não?

- Garçom, traz duas xícaras de café preto?

- Pronto, o garçom já foi.

- Eu quero muito isso, B!

- O que é que você quer muito? Ficar na associação?

- Também; mas não é disso que eu estou falando.

- Então fala logo o que é.

- A associação também é importante, mas não é nada comparada a isso que eu estou vivendo agora.

- O que é que você está vivendo agora?

- Está prestes a acontecer.

- RiquêêêêÊêÊÊêÊ!

- É, eu sei que eu estou enrolando, enrolando... - interrompo.

- Pois é.

- Mas é que eu acho que vai ser chato isso pra você.

- Você vai continuar com a Débora, é isso?

- Não, claro que não.

- Você não vai ficar comigo?

- Vou sim; quer dizer, se você ainda quiser.

- Hã? Eu acho que já ficou claro que eu quero, ou não?

- Mas nessas circunstâncias?

- ARRRGH! FALA LOGO HENRIQUE!

Ele estava me deixando aflito.

Passeava com as mãos na toalha da mesa e dedilhava a asa da xícara do café preto.

O que seria o motivo que possivelmente nos separaria de novo? Tudo bem, eu sempre fui emocionalmente forte, mas será que eu suportaria essa perda novamente?

Principalmente agora que eu sabia o que eu queria e tinha dimensão do que o Henrique representava pra mim?

- Henrique, isso não tem graça.

- Mas não é pra achar engraçado mesmo.

- Poxa, Rique; então fala logo de uma vezTudo bem, eu vou embora.

- Não, espera! Eu conto... Eu vou embora pra longeÉ algo que eu venho planejando há algum tempoE... ah, sei lá, eu quero tanto issoVocê não vai falar nada?

- Quando você decidir contar pra onde e o porquê disso, eu falo.

- Eu vou pra Londres, morar com o meu irmão.

- Hã? Londres, Inglaterra?

- É claro, tem outra Londres sem ser na Inglaterra?

- Não tem graça, Henrique.

- Desculpe.

- E por que você quer tanto morar lá?

- Eu não quero tanto morar lá; eu quero tanto é estudar lá.

- Você já está formado, especializou-se já, vai estudar mais o quê?

- Estudo nunca é demais, B.

- Tá, tá, eu sei; mas por que você vai estudar lá?

- Vou terminar a especialização lá, entende?

- Hum.

- Eu sei que agora não é hora de ir pra longe, mas é uma oportunidade única.

- Eu entendo.

- Entende mesmo?

- Sim. Eu no seu lugar faria o mesmo.

- Faria?

- Sim.

- E me deixaria?

- Claro que não!

- Mas iria sem pensar em mim?

- Não estou entendendo.

- Eu vou com um aperto no peito.

- Eu sei.

- Mas você iria sem problemas.

- Eu não disse isso.

- Mas se você fosse fazer o mesmo que eu... bem...

- Como assim, Rique? Você está terminando comigo?

- Eu pensei, repensei e vi que é melhor assim.

- Melhor o quê? Terminar?

- É.

- Melhor pra quem?

- Pra gente.

- Por quê? Quer se ver livre de mim pra poder arrumar um outro alguém em Londres?

- Não é por isso; mas é que eu pensei em você. Você vai estar aqui me esperando, não é justo.

- Quanto tempo de especialização?

- Um ano e meio, mais ou menos.

- Eu já esperei mais que isso.

- Eu sei, mas dessa vez é diferente.

- Diferente por que temos certeza de que nos amamos? Quer dizer, eu tenho certeza que eu amo você, eu não sei se você também tem a mesma certeza de que me ama.

- Não fique bravo.

- Como é que eu não vou ficar bravo?

- E se você encontra outra pessoa aqui?

- Não tem esse perigo, mas se você pensa assim então você deve achar que você também pode encontrar outra pessoa por lá, é isso?

- Não, B; de mim eu tenho certeza do que eu quero.

- Você me quer?

- Não me peça pra ficar, por favor! Senão eu choro aqui mesmo.

- Não vou pedir pra você ficar. Quero dizer que eu te espero.

- Mas... - interrompo.

- Mas o que, Henrique? Quer mais que isso? Ou você realmente quer se ver livre de mim?

Era difícil de acreditar que o Henrique estava terminando comigo porque estava pensando no meu bem estar.

Eu sei, devido a toda essa história que vocês leram, devem estar pensando que realmente ele não faria isso. Eu também, conhecendo-o do jeito que o conheço, também acharia isso.

Mas era a forma como ele falava em terminar comigo e os motivos que o levaram a fazer isso que me angustiavam.

Precisavam ver como ele falava disso com vergonha e um pouco de naturalidade. Sabe o jeito de como a gente se comporta quando sabemos que estamos errados e mesmo assim queremos levar o nosso erro adiante? Pois é, ele agia da mesma forma.

Eu não podia acreditar que tinha acabado de fazer amor com o mesmo cara que estava falando aqueles absurdos.

Eu estava ainda meio fraco da noite e porque tinha acabado de acordar, por isso a reação imediata foi tremer, sentir o pulsar do coração com mais pressão dentro do peito.

Eu só conseguia olhar para o vidro da janela do hotel, que dava no mar,

aquele mesmo mar que havia presenciado a minha primeira vez.

Ele estava vermelho e envergonhado. Na raiva, fúria, descontentamento, ou qualquer outro sentimento ruim que eu não saberia definir, arranquei a aliança do meu dedo, - ai que saudades dela! - pus em cima da mesa e disse:

- É isso o que você quer, Henrique?

- Claro que não, B; põe isso de volta no dedo.

- Pra quê? A gente nem namora mais mesmo...

- Para com isso!

- Você vai embora e terminamos, não é isso? Então não tem mais motivos pra usar esse pedaço de metal retorcido.

- Não é só um pedaço de metal. Representa o que eu sinto por você. É forte e é pra sempre.

- Pra sempre até você embarcar num avião e ir pra longe? Nossa! Seu pra sempre não dura nem meses.

- Você acha que se eu pudesse ficar com você e a especialização eu não ficaria?

Por favor, não me peça pra ficar, me partiria o coração e a minha ida se tornaria mais difícil.

- ARGH! QUE MERDA, MEU FILHO; VOCÊ NÃO ESCUTOU? E-U E-S-P-E-R-O V-O-C-Ê!

- Mas... B; não é justo eu te pedir pra esperar.

- Se você tem que ir e eu tenho que ficar, por que a gente não pode esperar? E você não precisa pedir, eu, de minha livre e espontânea vontade, espero você, sem problemas.

- Coloca esse anel no dedo, por favor!

- Você concorda com o que eu disse?

- Vai, Benjamim! - choramingando.

- Concorda, ou não? - ameaçando.

- Tá; agora põe.

Um sorriso brotou nos meus lábios e depois eu comecei a sorver o café preto da xícara.

Coloquei o anel e, depois de paquerá-lo no meu dedo...

- Olha, amor; não fica lindo em mim?

Ele ainda estava sério, mas não dei maiores atenções a isso, afinal, ainda estávamos juntos.

Acho que em 2006, não sei o dia, o namorado da minha mãe pediu para que eu fosse com ele na casa de uma tia minha, irmã da minha mãe, no carro dele.

Fomos buscar umas caixas e ele me chamou porque não conhecia mais o local e dissera ele que ia se perder se fosse sozinho.

Fazia muito tempo que eu e minha mãe não conversávamos... quer dizer, fazia tempo que eu nem via a minha mãe.

Apesar de o relacionamento da gente ter melhorado, vez ou outra ela dava os ataques dela e eu me mandava.

Uma vez pegamos uma briga feia e como briga familiar quando começa vem à tona tudo o que está engasgado, ela mais uma vez me insultou por eu ser gay.

Por diversas vezes eu dissera a mim mesmo que dia tal foi a gota d'água, mas esse dia realmente foi. Ficamos meses sem nos falar, até esse dia, mas eu não sabia que ia encontrar a minha mãe lá.

Quando chegamos na casa da minha tia...

- É aqui, né? - o Hamilton me perguntou.

- É sim.

O Hamilton buzina.

- Mas o pessoal vai trazer as caixas pra cá? Não é melhor a gente ir buscar?

Ele nem respondeu.

De repente eu ouço um "Tchau" numa voz bem familiar. Era a minha mãe.

Eu não sabia que nos encontraríamos e olhei feio para o Hamilton.

- Vocês precisam fazer as pazes.

- Você não devia ter feito isso.

Ela entra no banco de trás.

- Por que ele está aqui? - ela pergunta.

- Vocês precisam fazer as pazes.

- Você e suas intromissões. Já disse que não quero mais falar com essa pessoa.

- Essa pessoa é o seu filho único.

- E minha única decepção.

- Isso é jeito de falar?

- Oi, alô? Eu estou aqui; dá pra parar de falar como se eu não estivesse?

O Hamilton liga o carro e segue em direção à casa deles, ou seja, a minha antiga casa.

No caminho nada é dito. Um silêncio mudo se instala dentro daquele automóvel.

A viagem seria longa...

Do nada, o Hamilton põe um CD pra tocar. Era Bon Jovi. Eu e minha mãe nunca tivemos gostos musicais parecidos, mas adorávamos Bon Jovi, quer dizer, era a única coisa que escutávamos juntos. - não sou muito fã, não - mas tinha uma música que adorávamos: Keep the Faith. É super animada e ao vivo então...

Escutando os primeiros acordes do baixo a gente se olhou através daquele vidrinho do carro, que agora esqueci o nome, e a gente se estranhou. Foi engraçado, vendo hoje.

Depois do baixo, vinha a bateria e aí era só animação. O John Bon Jovi começava cantando e não deu outra.

- Aí, adoro essa música! - ela.

- É, eu também. - falei automaticamente.

Mas até então não tínhamos feito as pazes.

- Eu não sei como é que vocês gostam de metal. - o Hamilton.

- Isso não é metal, é só rock. - ela.

- Pra mim, uma música antigona dessas... eca! - ele.

- Prefiro isso que os seus bregas, Hamilton. - eu.

- Haha... é verdade, não aguento mais aquelas porcarias "Come on keep the faith, HEEEYYYY". - ela.

- Haha... aê, mãe; lembrando os velhos tempos; se cuida Hamilton!

- Estou sentindo falta do show do cover deles, nunca mais fez show aqui.

- Engano seu; uns dois meses atrás, se não me engano, eles vieram. - eu.

- Mas como? E eu não soube? Poxa!

- Eu mesmo fui; muito bom! Tocou ainda um Dj de música dos anos 80, um que tocava Beatles remix, eu não sei cantar, mas eu sabia alguns refrões, tipo, eu como um louco lá no meio do povo: "Lucy in the sky with diamonds!" Haha... e eu só sei esse refrão porque os livros de história falam dessa música e do Sgt Peppers.

- Que inveja! Mas aí, no caso, você foi com o tal do Henrique, né?

- Não, a gente não está mais junto, faz um tempão. - com uma voz triste.

- Por que?

- Ele casou.

- E pode casar com homem?

- Não, mas com mulher pode.

- Mas ele deixou de ser gay?

- Ah, mãe, pare de se iludir...

- Não tem jeito né? Você vai ser assim pra sempre? - conformada.

- Não, pra sempre, não... só até eu morrer.

- Tá né, fazer o quê?

- Eu sei o que fazer. Esperar o cover do Bon Jovi voltar pra cidade e a gente ir juntos.

- É uma boa.

E assim, ao som de Bon Jovi, selou-se a paz que reina entre eu e minha mãe até hoje.

[...]

- Então o Henrique vai mesmo para o estrangeiro? - Vagner.

- Vai.

- E volta?

- Daqui a um ano e meio.

- Putz, muito tempo; mas vocês aguentam.

- Eu aguento, não sei ele.

- Por quê?

- Ah, porque ele ficou cheio de dedos pra falar isso pra mim e depois disse que era melhor a gente terminar porque ele não achava justo eu ficar esperando por ele e tals.

- Mas vocês estão juntos?

- É, né...

- Pelo menos isso. Mas depois que ele voltar, vocês não desgrudam.

Dias depois, almoço na casa dos pais dele.

- Eita, vai ter tanto choro no aeroporto... - Dona Edna.

- Nem me fale, Dona Edna.

- Mas é assim mesmo, pra quem quer uma vida melhor, tem que fazer o melhor. - Senhor Henry.

- Pois é.

- Que bom que você entende isso, Benjamim, porque o Henrique tem que ir atrás de uma vida melhor.

O Henrique não estava na sala naquele momento.

- Pois é, Senhor Henry. Primeiro o dever, depois o lazer.

- É, e depois você pode ir visitá-lo.

- Não tenho passaporte.

- Tira-se um.

- Pra conseguir visto é tão difícil...

- Nem tanto; falando com as pessoas certas...

- Acho melhor esperar quando ele vir nas férias e dias assim, e depois desse um ano e meio, a gente fica junto outra vez, mesmo.

- Como assim?

- Uai, quando ele voltar, a gente constrói a nossa vida.

- Mas... ele não falou nada?

- Falou o quê?

Era uma pergunta que não precisava de resposta. Ele não voltaria. Por isso o pedido pra terminar o namoro recém-começado; por isso a seriedade dos últimos dias e as extravagantes provas de amor que ele fazia. Por isso a tristeza no olhar que eu achava que era só por causa do um ano e meio que ele ficaria distante.

Na verdade, seria um ano e meio de especialização e o resto da vida pra morar lá. Eu não sei se eu já contei aqui, mas a família paterna do Henrique é inglesa e ele todos possuem as duas nacionalidades.

Quando eu perguntei "Falou o quê?", o Henrique chega com um sorrisinho lindo.

Ele chegou na sala e aposto que ele notou tudo, aposto como ele sacou naquele mesmo instante que eu já sabia que ele iria pra Londres pra ficar, mas como ele não tinha certeza e na certa ele não iria arriscar perguntar e contar uma coisa que ele queria esconder, ele simplesmente sentou ao meu lado, pegou a minha mão e ficamos ali, em uma reuniãozinha familiar comum.

Eu, percebendo isso, também me fiz de que eu não sabia de nada, o beijei no rosto e me encostei no sofá ao lado dele. O resto da tarde conversamos sobre futilidades e coisas amenas.

Quando fomos embora, mudei totalmente o meu humor.

- Hoje eu não durmo com você, me leva pra casa, tá?

- Uai, por quê?

- Só faz isso.

- O que foi, B?

- Henrique, me leva pra casa, só isso.

- Por que você está tão frio comigo? - todo carinhoso.

- Olha, me leva pra casa; é melhor pra nós dois.

- Mas o que foi que aconteceu que ainda há pouco você estava todo carinhoso comigo... o que eu fiz, amor?

- Caramba! Rique, me leva pra casa e ponto final, que saco! - já estressado.

- Você e suas mudanças de humor.

- Você me conhece bem, não é mesmo? Sabe então que eu não faço birra por nada, aliás, eu não faço birra, evito brigas, porque quem é o mimado aqui é você... e vamos deixar de conversa, me leva pra casa e acabou!

Ele ficou me olhando como se estivesse duvidando do meu estresse, meio boquiaberto, com a chave do carro na mão.

Depois, ele enrugou a testa tentando entender o porquê de toda a minha raiva, mas ela já sacara o porquê.

- Meu pai falou alguma coisa?

- Seu pai?

- Nada, esquece.

- O que o seu pai poderia ter falado pra mim?

- Sei lá, você costuma não gostar das coisas que ele te fala e depois desconta em mim.

- Que mentira, Henrique, eu nunca fiz isso!

- Mas tá fazendo agora.

- Fazendo o quê? Descontando em você uma coisa que seu pai me disse eu não sei o que é?

- Ah, esquece.

- Esquece uma ova; me fala agora o que seu pai poderia ter me falado.

- Nada, B; esquece. - choramingando.

Por que ele não queria me contar? Se ele já estava indo mesmo, qual o problema? Me irritei muito.

- Você vai pra Londres e não volta mais, não é?

Ele ficou de cabeça baixa, envergonhado.

- Fala, Henrique; não é isso?

- É - ainda de cabeça baixa.

- E quando é que você ia me falar?

- Quando eu já estivesse lá. - levantou a cabeça.

Nunca imaginei fazer isso, mas quando ele levantou a cabeça com uma carinha de choro, todo vermelhinho e me dizendo que só iria me contar quando já tivesse partido, eu me enchi de ódio e, com toda a força que eu tinha nos punhos, arremessei a minha mão espalmada no rosto dele. Foi tão forte, tão forte... que o rosto dele bateu no encosto de cabeça do banco, a minha mão doeu e ficou vermelha, fez ruído de estalo, todo o corpo dele se projetou pra trás e, pelo fato de estarmos tão próximos, a mão estava mais firme do que se estivéssemos em pé.

Foi tão forte, tão forte que por reflexo, em contra partida, ele iria revidar automaticamente.

Ele inclinou o corpo para frente, preparou o punho e iria me bater, mas quando o efeito do tapa passou, ele recuou.

- VAI, HENRIQUE, ME BATE! DESGRAÇADO, FILHO DA MÃE, EU ODEIO VOCÊ!VAI HENRIQUE, BATE, BATE, BATE!

A provocação durou mais alguns segundos até que ele me olha no fundo dos olhos.

- Você sempre me decepciona.

- Como é que é? Eu ouvi isso mesmo?

- Você nem me ouviu direito.

- Você me esconde uma coisa dessa... iria me deixar com a ilusão de que eu ainda iria te ver um dia e eu é quem decepciono? Você é um idiota,

mimado, filho da mãe!

- PARA DE ME CHAMAR DE MIMADO, EU ODEIO ISSO, VOCÊ SABE! - gritou ferozmente.

- VOCÊ ODEIA OUVIR A VERDADE.

- PARA, OU EU TE BATO DE VERDADE.

- BATE, BATE!

- BENJAMIM, PARA!

- DESGRAÇADO MIMADO! MIMADO, M-I-M-A-D-OOO !

Não deu outra.

Ele me bateu com a mesma força. Eu não quis acreditar que ele tinha feito isso. Me subiu um ódio enorme, uma vontade de matá-lo.

Mas logo depois do tapa, que ele me viu todo espremido no canto do carro, ele veio me abraçando, desesperado e choroso.

- DESCULPA, DESCULPA, EU NÃO QUERIA, MEU AMOR; ME PERDOA!

- SAI DAQUI, HENRIQUE. - chorando - ME SOLTA. - afastando os braços dele. - EU ODEIO VOCÊ, ODEIO VOCÊ PRA SEMPRE!

- NÃO, B; EU TE AMO; VAMOS PARAR DE BRIGAR!

- SAI DAQUI, ME SOLTA - começo a bater muito nele - EU ODEIO VOCÊ. SUMA DA MINHA VIDA, VÁ EMBORA E NÃO VOLTE, EU ODEIO TUDO EM VOCÊ, EU ODEIO VOCÊ TER ME FEITO DE BOBO ESSES ANOS TODOS. MALDITO SEJA O DIA QUE EU TE CONHECI.

- NÃO, B; PARA! - tentando se esquivar dos meus tabefes - NÃO DIZ ISSO, MEU AMOR - chorando - A GENTE SE AMA TANTO, NÃO DIZ ISSO, B; ME PERDOA, ME PERDOA... AI... AI... AI... ME PERDOA! - chorando muito enquanto eu continuava batendo - DEIXA EU EXPLICAR, MEU AMOR, POR FAVOR, NÃO ME DEIXE, NÃO ME DEIXE, NÃO ME ODEIE POR ISSO!

Ele segurou os meus punhos, mas eu ainda estava inquieto. Só não o chutei porque era impossível dentro do carro. Ele ficava tentando me pôr em ordem, mas eu não deixava. Ele me segurava forte e dizia "Não quero te machucar, B; para de se mexer e vamos conversar", mas eu queria matá-lo mais que tudo. Sorte não ter nada pontiagudo naquele carro.

Eu mesmo não me reconhecia.

Não sou do tipo brigão, odeio esse tipo de coisa. Mas isso era sete anos acumulando ressentimentos pequenos e bobos que, com o tempo, transbordaram.

Depois que os ânimos ficaram mais calmos, eu fiquei chorando de um lado, com a mão no rosto e nem queria olhar pra ele.

O Henrique, por outro lado, chorava, mas ficava me acariciando os cabelos ou as costas e eu tirava a mão dele e voltava a chorar.

- B, me escuta... - interrompo.

- NÃÃÃO!

- Para com isso, você não é assim, vamos conversar.

- Eu não sou assim, você é que me faz assim.

- Não, B. - começa a chorar mais intensamente.

- Eu odeio você!

- Para de me falar isso.

- ODEIO, ODEIO, ODEIO!

- PARE, POR FAVOR! - implorando.

- Não quero ouvir mais nada, eu não tenho que ficar falando o porquê dessa raiva toda, você sabe que eu estou certo.

- Deixa eu explicar?

- Não quero ouvir mais nada.

Desci do carro e estava indo em direção ao portão da casa dele, já que tudo isso tinha acontecido na garagem.

Ele veio atrás, puxava o meu braço, implorava pra falar e eu não deixava.

- Quer saber, Henrique? Desisto, desisto de tudo. Esse relacionamento já deu o que tinha que dar. Não dá mais. Você chegou, mas já passou da sua hora há muito tempo.

Lembram da indiferença? pois é: é a arma perfeita pra fazer com que o Henrique sofra ainda mais.

Eu sei, isso tudo parece maldade minha, mas eu não aguentava mais tanta incerteza, tanto vai e volta... e sempre que brigávamos desse jeito eu me lembrava dos meus primeiros votos e me perguntava se tinha valido a pena ter arriscado tudo o que eu arrisquei e ter assumido desse jeito por ele.

Eu gosto de ter a certeza do meu amanhã próximo, não me dou bem com tanta insegurança. Sou controladinho demais pra deixar a coisa fluir.

Essas estripulias do Henrique já não eram mais tão suportáveis assim. Há um limite pra isso tudo. Amor nenhum sobrevive desse jeito porque senão vira obsessão, submissão e eu acho que já fui submisso demais em toda a minha vida e em todos os aspectos.

O bom menino se revoltou.

- Tá me assustando, B.

- Não se assuste, eu só estou fazendo o que a gente já deveria ter feito.

- Não quero terminar.

- Mas de todas as vezes que a gente termina é você quem faz as honras.

- Mas eu não quero.

- Mas eu quero.

- Não, B. - choramingando.

- Olhe pra gente... não tem mais jeito, o tempo passou e a gente sempre bate nos mesmos obstáculos.

- Parece que eu sou o culpado de tudo. (e realmente é sim, oras! - pensei)

- Não há culpados, só há o tempo que acaba, mas nós somos ignorantes e humanos demais para interpretar que já chegou o fim.

- Não quero poesia agora, só quero você.

- Reconstrua a sua vida e eu tenho certeza que, se você deixar as pré noções de lado, você vai ser mais feliz com outra pessoa.

- Outra pessoa, não. Eu quero você; pare de ser frio comigo e reaja. Eu prefiro que você me bata de novo a agir dessa forma calculista.

- Enxergue o palmo à frente do seu nariz, Henrique... e veja que tudo indica que a experiência foi boa, mas já está na hora de renovar o repertório.

- Pare de fazer melodias, pare de falar tão calmamente e pare de me chamar de Henrique, me chame de Rique!

- Henrique... - interrompe.

- RIQUEEEEE! - desesperado.

- Você disse que não gosta de ser chamado de mimado, então aja com maturidade e me deixe ir.

- Primeiro me deixe explicar o que realmente aconteceuMeu pai quer que eu vá morar lá, - ele já tinha trinta anos - mas eu não quero, eu disse pra ele que concordaria em ir morar lá, mas depois, mesmo que ele não queira, eu volto. E depois que eu tiver feito a especialização, nada restará pra fazer, aí eu volto pra gente ficar junto, você não disse que me esperaria?

- Acabou, Rique.

- Para!

- Me deixe ir.

- Não!

Já estava ficando chata aquela situação, eu queria era mesmo chorar e esquecer tudo.

O meu ódio continuava, mas a indiferença ainda era a arma mais letal para o Henrique.

- Espera... E se você vir morar comigo depois?

- Não quero.

- Por que não?

- Porque acabou.

- Mas é Londres, você não gostaria de morar lá? Nos casaríamos no civil e você ganharia nacionalidade inglesa...nossa! Por que não pensei nisso antes?

- Não. - calmo e alheio à grande ideia.

- Por que não? É uma boa ideia.

- Porque acabou, Henrique; entenda.

- Mas é Londres!

- E daí? Eu gosto daqui mesmo e não vou por nada no mundo, principalmente agora que não temos mais nada um com o outro.

- Benjamim, para! Falo sério. - choramingando.

- Eu também. - sério e rígido.

- Então me espere!

- Não.

- Então venha comigo.

- Acabou!

- Fala sério, B!

- Tenha uma boa viagem.

Na esperança de me sensibilizar, ele agarra o meu rosto e tenta me dar um beijo, mas eu resisto e o máximo que ele consegue é encostar os lábios.

- Vem morar comigo.

- Vou fazer vestibular pra algum curso.

- Depois você faz.

- Primeiro eu faço, pois agora eu venho em primeiro lugar. Não vou depositar o meu futuro e a minha confiança em ninguém mais, só em mim mesmo.

- Se você não parar com essas besteiras, eu vou me matar.

- Tá legal.

- Eu disse que vou me matar.

- Eu sei o que é suicídio.

- E pra você, tá legal?

- Você não vai fazer isso; vai pegar um avião e vai para a Inglaterra fazer a sua especialização.

- Depois eu volto pra gente ficar junto.

- Se volta eu não sei, mas a gente não fica mais junto.

- Tem outro no meu lugar, já?

- Tem.

- Mentiroso!

- Tem sim. Essa pessoa sou eu mesmo, decidi que desisto, que não dá mais, que acabou. Foi bom enquanto durou.

- E só você decide isso?

- Basta que eu queira.

- Se você sair por esse portão, amanhã você vai para o meu velório.

- Então é bom eu me apressar pra escolher a roupa.

- Então tá. Adeus por toda a eternidade!

Eu passei pelo portão e fui embora.

Estava solteiro outra vez.

Viúvo? TalvezAntes de continuar, tenho que falar do relacionamento que tenho com o meu pai.

Quando ele soube, ficamos brigados, sem nos falar.

Papai é ultra-mega-hiper-super machista e não aceitava de jeito algum.

Houve uma época em que ele precisou muito de mim e se rendeu. Me pediu ajuda e desculpas.

Eu o ajudei e logo em seguida me afastei. Usei o mesmo método da indiferença. Mas o objetivo era mostrar para o meu pai que eu não precisava de uma figura paterna na minha vida; que ele não me fazia falta e que se ele ainda me amasse ou não, não me fazia diferença alguma.

Acho que funcionou.

Às vezes eu tenho medo de ser indiferente com alguém porque esse pessoa realmente sente o meu "tô nem aí".

Ele me liga às vezes, me manda uma mesada, mas ainda não aceita, não acredita que isso seja de ordem natural... enfim.

Realmente não sinto falta dele. Menos mal, porque se sentisse até hoje eu estaria péssimo; mas nós nunca fomos próximos mesmo... nem na época em que ele ainda era casado com a minha mãe.

Não me lembro de ter passado um dia dos pais inteiro com ele ou vê-lo numa festa de aniversário minha.

Eu já até recebi presente pelo correioAtravessei o portão sob ameaças de morte, ou melhor, de suicídio.

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Comentários

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Mais uma vez Henrique fazendo merda! Ele não consegue viver muito tempo sem decepcionar Benjamim. Henrique sempre tenta esconder as coisas de Benjamim e isso em um relacionamento é a pior coisa.

Henrique tem 30 anos, um diploma e muitos contatos, não precisa mais obedecer o papai em tudo... Mas, principalmente, ele não pode esconder as coisas do parceiro, parceria funciona na base da confiança.

Eu não confio mais em Henrique, ainda bem que essa bomba mimada é do Benjamim.

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