- Como é o seu nome?
- Hélio.
- Hélio? Eu já ouvi esse nome.
- Natal, casa do Henrique, lembra?
- Ah, rapaz, você é primo do Henrique. - chegamos na árvore.
- Isso.
- Mas o que você quer comigo? É importante?
- Ah, nada de mais, só conversar.
- Sobre?
Ele ficou me olhando. Corou o rosto, baixou a cabeça, brincava com os dedos da mão... Tudo para atrasar o rumo da conversa.
- E então?
- Você é namorado do Henrique, né?
- Fomos.
- Uai, não é mais?
- Acho que não.
- Coisa estranha! Ele me fala de você como se vocês fossem namorados.
- Que eu saiba, não somos.
- Mas acabou recentemente, né?
- Acabou desde o dia que eu soube que ele ia se mudar pra sempre... mas por que você está me perguntando isso?
- Henrique disse que eu poderia confiar em você.
- E por que ele diria isso?
- Você é de confiança mesmo?
- Não sei; é necessário tempo pra se confiar em alguém.
- Mas eu confio no meu primo e ele confia em você.
- Você é gay, não é mesmo?
- É. Deu pra sacar, né?
- Pelo seu jeito, não. Mas pela sua timidez sobre isso e as suas perguntas sobre o Henrique, denunciaram.
- Ele é o único que sabe de mim e era o meu irmãozão.
- Sei.
- Estou sentindo a falta dele.
- Sei como é isso; eu sempre quis alguém pra conversar, na sua idade também.
- Eu estava conversando com ele esses dias e falando da falta que ele me faz, aí ele disse pra eu te procurar, disse que eu poderia confiar em você mais do que nele mesmo, porque você passou pelas mesmas coisas que eu.
- Ah, o Henrique também passou.
- Claro que não. Os pais do Henrique são tranquilos, os meus não. O Henrique não teve que se esconder deles; eu me escondo o tempo todo, é foda! Aí ele disse que você era pior que eu, que era muito paranoico.
- Haha... é verdade; ainda sou um pouco.
- Eu só queria um amigo pra conversar...
Foi um encontro inesquecível.
Vocês têm ideia do que isso significava pra mim?
Era o meu EU do presente se encontrando com o meu EU do passado. Eu sentia as angústias que ele descrevia, porque eu sabia exatamente o que eram.
E, nossa! Como não se identificar com aquele garoto?
Eu estendi a minha mão prontamente, claro.
O que me faltou na adolescência eu não ia deixar que faltasse pra ele.
- Você já tem um amigo, pode sossegar. - sorri.
- É que eu preciso de muitas coisas; tirar dúvidas, saber como me comportar, dividir o peso, você entende, né?
- Aham.
- Que bom! Ah, adorei a camiseta!
Papo vai, papo vem...
- Mas por que você disse que o Henrique foi pra sempre?
- Porque foi.
- Não, ele volta.
- Não, não volta.
- Por quê?
- Porque o pai dele quer que ele more lá.
- Não, mas ele me fala outra coisa.
- O quê?
- Ele disse que volta. Que vai montar o consultório dele aqui, depois de tudo acabar lá.
- Quando ele te disse isso?
- Ah... ele sempre diz isso, desde quando ele me contou que ia embora.
- Espera! Você está falando que antes de ele ir, ele dizia pra você que voltava?
- É. Ele até me falou da proposta que ele ia te fazer... Você aceitou, né?
- Não, eu... - interrompe.
- Uai, por que não aceitou?
- Porque eu não gosto dessas coisas, o Henrique sabe.
- Então ele não tá te contando tudo, não. Meu filho, olha só, eu vou te contar tudo tim-tim por tim-tim e depois você vê se ele não vai voltar.
Ele ia me contando das coisas que o Henrique falava pra ele e eu não podia acreditar. Fiquei pensando o porquê dele não ter falado logo tudo aquilo pra mim, antes de ter ido embora.
- Enfim; eu acho que você devia voltar pra ele sim; vocês estão juntos a tanto tempo, pensa bem, você acha que ele não te ama? Quantas vezes eu já peguei o Henrique chorando quando era casado com a
nojenta! Ele disfarçava porque eu ainda era muito novinho e nem entendia direito o meu corpo e tals; mas eu lembro que uma vez eu perguntei por que ele tinha feito isso se ele gostava de homens; perguntei se era por causa disso que ele chorava. Ele disse que não; que era porque você não entendia que com ele tudo era mais difícil, porque ele é muito menos homem que você. Aí ele me dizia que se você dissesse "Henrique, deixa ela e fica comigo!", ele não pensaria duas vezes.
Essa foi uma das milhões de coisas que o Hélio me contou.
Ele me falou tanta coisa que eu senti vontade de tomar cicuta na mesma hora de ódio que eu sentia de mim mesmo.
Tudo o que eu dizia pra mim mesmo, coisas que eu me ordenava a não fazer, esperar que ele fizesse porque, afinal, o injustiçado era eu e blá, blá, blá.
Ou seja, tudo o que eu me dizia pra não fazer era o que o Henrique esperava de mim. Bastava eu ter deixado o meu orgulho de lado apenas uma dessas várias vezes, que o rumo dessa história tinha tomado um caminho diferente.
Eu não sei se estou sendo claro: quantas vezes, por exemplo, eu disse a mim mesmo que não ia impedi-lo de casar com a Débora, porque ele era homem o bastante para decidir por si só?
O que o Hélio acabava de me contar era que se em uma dessas milhões de vezes, não só nessa situação, mas em outras também, onde o meu orgulho se sobrepôs, se eu tivesse feito o que o meu coração suplicava pra fazer, eu estaria em outra situação agora.
ÓDIOO!
O pior de tudo era o porquê que o Henrique não me falava essas coisas, já que era ele mesmo que queria que eu fizesse isso.
Eu e o Hélio ficamos amiguinhos.
Conversávamos todo dia no MSN e celular.
Quando ele falava com o Henrique, vinha logo me contar tudo. Fez até uma comunidade pra mim no Orkut, onde todas aquelas pessoas da palestra entraram. Até hoje a gente marca de ir a um barzinho, um show mais alternativo e galera toda vai. Me sinto o Paizão dos moleques.
Depois dessa semana, finalmente encontrei o Henrique on-line no MSN.
Tinha tanto o que falar, tanto o que perguntar...
- Finalmente você entra no MSN!
- Hã? É você mesmo? Logo você, sentindo a minha falta?
- Olha só; desarma esse tom áspero e vamos conversar.
- Uhuu! Olha, essa vai pra posteridade, hein?
- Já disse, Rique; vamos falar sério agora.
- Nossa! Vamos falar sério? Espera, deixa eu printar essa conversa.
- Ok, já que você quer assim, tchau!
*Benjamim está off-line*
Me deu um ódio porque eu estava muito afim de falar sério, afim de resolver tudo, mas ele, como de costume, aparece em tom acusador como se a culpa de o nosso relacionamento sempre achar empecilhos, fosse minha e não dele.
Fiquei P da vida e me desconectei. Desliguei o computador e, se não me engano, fui brincar de dormir, porque dormir mesmo, eu não consegui.
ÓDIO!
Minutos depois me liga o Hélio...
- Ben? - ele me chama assim.
- Oi, Hélio, fala aí.
- Você está no MSN?
- Não, por quê?
- Não, é que eu estava afim de conversar, aí eu queria que você entrasse na net, pode ser?
- Ah, por que a gente não fala por aqui mesmo?
- É porque eu não sou de falar, sou mais de escrever.
- Como é que um futuro comunicólogo não gosta de falar?
- Ah, vai Ben!
- Seu primo ligou pra você, né? - já desconfiado.
- Não, por quê?
- Não, nada... Olha, a Ana tá me chamando aqui pra ajudar na cozinha, então, pode ser depois?
- Eu queria que fosse agora, Bem; pode ser? É que eu estou num dilema danado aqui.
- Me adianta o assunto por aqui.
- Nãão! Só no MSN; vai, por favor, por favor, por favor!
- Só se for off-line, tá?
- Tá.
- Você fica off também?
- Por quê?
- Fica ou não?
- Fico, fico.
Aí eu entrei. Eu tinha quase certeza de que o Henrique tinha pedido para o Hélio me ligar e já estava sacando que a timidez desse quase cunhado não existia, ele era bem soltinho para um gay reprimido. Ou seja: Henrique longe + incerteza de reatar + primo gay sem muito o que fazer = espionagem.
Eu já tinha quase certeza que o que eu e o Hélio tínhamos não era uma amizadezinha, mas sim um pedido do Henrique para que ele me vigiasse .
Eu entro no MSN off-line e vou procurar o Hélio que também está off.
Inicio a conversa.
- Oi, Helinho; fala.
- Aí, Bem; você nem sabe o que me aconteceu hoje.
- O quê?
Em questão de segundos, ele muda o status para on-line e convida o Henrique.
*Henrique [sobrenome] está na conversa*
Eu não dou nem chance dele falar alguma coisa. Saio imediatamente.
Tanto é que quando eu clico em "sair" aparece uma janelinha: "Não foi possível continuar a conversa com Helinho popboy e Henrique [sobrenome]".
Aí, o primo do tal, me liga.
- Ben, por que você saiu?
- Vou dar uma chance pra você adivinhar o porquê.
- Ben, ele quer falar contigo, ele está arrependido.
- Pergunta a ele se ele se arrependeu de ter caçoado da minha cara.
- Ele tá.
- Ah, então quer dizer que ele admite que caçoou de mim, né?
- Não, Bem; eu não quis dizer isso.
- Mas disse.
- Ele quer falar com você.
- Diga a ele que não falo com crianças, porque pra mim quem faz birra é criança rica e mimada... Ah! Mas diga essas palavras mesmo e dê maior ênfase à palavra "mimada" .
- Ben... - interrompo.
- Tchau, Hélio! - desligo.
O telefone ainda toca algumas vezes, umas três ou quatro, mas é claro que eu não atendo.
O que é que eu faço quando quero me vingar do Henrique mesmo? Ah sim, indiferença. Não têm veneno que surta efeito tão instantâneo como esse no Henrique.
Eu já estava estressado pelas merdas que ele tinha feito. Acumulou tudo na cabeça e eu explodi de vez. Mesmo depois de saber o que eu sabia sobre os futuros planos do Henrique.
Mais uma vez: ÓDIOOO!
Estava claro que, mesmo que esses tais planos fossem mentiras ou não, o que o Henrique pretendia era me fazer sofrer de culpa por ter brigado com ele. Ele queria que o primo dele me contasse coisas e me fizesse arrepender da briga e depois ir procurá-lo para que assim ele me maltratasse um pouco, me fazendo implorar para que ele me ouvisse, ou melhor, me lesse.
Ele queria fazer o mesmo que eu faço com ele nesses casos; só que eu, ao contrário dele, tenho razão e talento pra fazer isso!
Meu telefone nunca tocou tanto quanto nessa semana.
Pois é. Uma semana desde o episódio e eu nada de retornar as ligações ou entrar no MSN on-line, apesar de ter um monte de recados off-line do Hélio e do Henrique.
Uai, ele não queria que alguém se arrependesse? Só que não foi a pessoa que ele achou que iria se arrepender.
Perceberam como o meu discurso mudou um pouco desde o relato dessa seção no MSN pra cá?
Ficou mais informal não é mesmo?
É porque eu, até hoje, sou indignado com isso...
ÓDIOO!
Passou uma semana e alguns dias, até que eu resolvi despejar mais um pouco de maldade na rede mundial de computadores.
- B, você tá ON, né?
- O que é?
- Oi, B; vamos conversar?
- Hã? Você? Logo você querendo conversar?
- Não, eu sei que eu estou merecendo uma puniçãozinha, mas vamos conversar?
- Punição pelo quê?
- Por tudo.
- Tudo o quê?
- Você sabe.
- Sei não, fala.
Se tem outra coisa que ele odeia e eu adoro fazer é com que ele faça listar os erros dele perante mim.
- Desculpa por aquele dia no MSN!
- Que dia?
- Aquele que eu brinquei.
- Brincou?
- É, B; foi brincadeira.
- Pois é, coisa de menino birrento e m...
- O que é esse “m” aí?
- Digitei errado.
- Vamos conversar?
- Espera... antes você vai dizer por que você merece punição.
- Eu já disse o porquê.
- Disse não.
Aí ele cola: “H - desculpa por aquele dia no MSN”
- Que dia?
- Aquele que eu brinquei.
- Mas isso não explicou a brincadeira. Que brincadeira foi essa?
- Ah, B...
- Vai falar, não?
- Para, B!
- Tchau.
- Não.
- Não o quê?
- Não vá, amor!
Odeio/amo esses joguinhos de ganhou-perdeu no amor: odeio quando é comigo, lógico, e principalmente quando sei que estou certo; amo quando sou eu quem está fazendo, principalmente nesses momentos delicados.
Adoro saber os pontos fracos dele e as falhas de caráter. Eu sou bem do mal quando quero!
- Tá, fala então o que é essa brincadeira.
- Eu sei que eu errei, é verdade; o Hélio tentou me ajudar.
- Aposto que você pediu pra ele me vigiar, né?
- Foi.
- Tá, fala mais.
Ele foi revelando tudo o que eu já desconfiava.
- E agora? Está feliz?
- Mas você tem que me entender também; eu fico aqui agoniado, longe de você, eu só quero saber se você não está me traindo; eu sempre entro no MSN na esperança de te encontrar e da vez que eu te encontro você é todo áspero, você nem leva em consideração essa distância e o meu amor.
- Primeiro... - eu aperto o Enter e começo a digitar a continuação da frase.
- Às vezes eu acho você tão frio e distante, eu não sou assim com você.
- ...eu não posso estar traindo você, porque a gente não está namorando, esqueceu?
- aperto Enter - ...segundo: eu estou tão distante quanto você e não fico com esse grilo todo de você estar com outra pessoa, até porque eu acho que posso confiar em você, ou não posso?
- Tá vendo como você é frio? - aperta Enter - mesmo a gente sabendo que oficialmente a gente não tá junto, a gente sabe o quanto a gente se ama - Enter - ...se você soubesse que eu estou ficando com outra pessoa, você ia aceitar numa boa? Eu acho que não. - Enter - ...Do mesmo jeito eu fico, só que eu pelo menos tenho coragem de demonstrar e você fica se escondendo nessa armadura de gelo como o garoto maduro e eu o mimado como você adora esfregar na minha cara.
Aí eu fiquei lendo e refletindo e não digitei nada por algum tempo. Aí ele...
- B?
- Estou aqui.
- Fala alguma coisa.
- Eu estou aqui pensando... - Enter - ...o porquê da gente brigar tanto.
- Nem vem falando em desistir da gente, porque eu não vou deixar.
- Não, não é isso, não.
- Ah, bom.
- Mas é que você me irrita e eu sou frio mesmo nesses tempos que você fica fazendo merda, pra ver se você aprende.
- E você acha que me punindo desse jeito, é melhor?
- É a minha pedagogia.
- E você acha que resolve?
- Sempre resolve; das últimas vezes você caiu em si.
- É... É uma boa pedagogia, hein ¬¬
- Por que a ironia?
- Porque isso está errado.
- Então tente errar menos.
- Tem uma frase piegas, mas verdadeira: "Quando eu estiver errado, me ame mais, porque é quando eu mais preciso".
- É piegas mesmo.
- Aff, para com isso, B!
- Por que você não tenta errar menos?
- Idiota... - Enter - não percebeu que eu erro tentando fazer o que eu acho certo?
- Mas às vezes você já sabe que é errado e faz do mesmo jeito.
- É porque quando eu mais preciso, o meu professor se afasta da minha carteira.
- É uma boa metáfora ¬¬
- Para de ser agressivo.
- ¬¬
- Eu amo você! Me ajude a não cometer mais erros; por favor eu estou pedindo. - Enter - ...Será que assim, agora você para e me ajuda a ser o namorado perfeito pra você?
É que não dava pra perceber a entonação, mas sempre que eu leio qualquer coisinha meiga no MSN, seja de quem for, eu fico bobo. Imagina isso...
- Estou me sentindo bobo.
- Você não é bobo, só é turrão.
- Mas você quem provoca.
- Não vou responder a esse comentário, senão a gente volta tudo de novo.
- Tá, tá.
- Eu estou aqui admitindo que estou errado. Isso pra mim é um sacrifício danado. Será que você não pode descer do salto também e me estender a mão? - liga a Cam.
Aí ele coloca a webcam em cima da cama, vai na frente da lente, se ajoelha no chão e junta as mãos como se estivesse implorando ajuda. Aí, não resisti, né?
- Para, Rique!
- Viva, ele me chamou de Rique de novo!
- Idiota! Haha.
- Haha... besta!
- Odeioooo você!
- Mentiroso!
- Hum... vamos fazer as pazes, né? - falei.
- Estamos namorando de novo! Aff, não aguentava mais.
- Você não me pediu em namoro ainda.
- Haha... besta!
- Peça!
Aí, pela Cam, eu vejo ele indo buscar alguma coisa na estante do quarto dele.
Ele volta com uma folha de papel e uma caneta. Escreve algo na mesa do computador e coloca na Cam: "Idiota, namora comigo de uma vez!".
Aí eu começo a rir e digito: "Vou pensar!".
Aí ele aparece na Cam com uma cara de impaciente, e eu digito: "me convença".
Ele fica olhando pra baixo, bota a Cam presa no monitor e começa a fazer um stripp pra mim.
Isso foi hilário!
Ele ficou só de cueca, ameaçando de tirar e eu: "Tiraaaa!"
Ele vai tirando e para; volta para a cadeira e digita: "tiro nada!"
Eu: "Ah não, Riquee... tiraa!"
Aí ele "Haha... nananinanão!",
Eu: "odeeeio você [2]"
Ele: "mentiroso [2]"
Eu: "tira, Rique, estou com saudades de ver. Hehe..."
Ele: "isso foi a minha tática pra te convencer a namorar comigo outra vez. Quando eu for aí, você volta comigo, aposto".
- Safado, só pra me deixar na vontade.
- Lógico, você acha que eu sou burro?
- Não faz pergunta difícil.
Eu não sei se vocês já passaram por isso, mas a sensação de se namorar à distancia é tão gostosa...
É claro que você fica com medo do outro se desgastar - ou desgostar mesmo - do romance, ou até mesmo sentir falta do físico. Mas eu sinceramente gostava de sentir que estava comprometido com alguém que estava distante.
Isso pra mim representava que o sentimento era realmente mais forte, afinal, nos submetemos a ser de uma só pessoa da qual não usufruímos, mas nos prestamos a isso porque sabemos o quanto ela vale a pena.
Eu valia a pena pra ele, isso me bastava.
Ele valia a pena todo o sacrifício. Não me imaginava dormindo com outra pessoa que não fosse ele, nem dividindo o mesmo teto, rindo, tendo certas intimidades.
Era com ele que eu me sentia confortável para ser eu genuinamente.
O difícil sempre é a distância.
A saudada é estranha. Antes, eu tinha saudade de algo que não me pertencia, porque oficialmente ele não era mais meu quando foi pra Europa, mas ainda assim eu sentia uma saudade angustiante e rotineira.
Desde o momento em que nos reconciliamos, eu sentia uma saudade menos dolorida e mais, como posso dizer... presente.
Vou tentar explicar: quando estávamos separados, a saudade que eu sentia dele, era mais da falta que eu sentia de ser dele, mas agora, a falta era de senti-lo presente fisicamente. Não só sexo, na verdade, nem era em sexo que eu pensava.
Eu só queria sentir o cheirinho do pescoço dele enquanto a minha cabeça ficava recostada sobre o peito dele, quando ele fazia cafuné na minha cabeça e enrolava os meus cachinhos entre os dedos.
Mas eu sentia mais falta de ouvi-lo me chamando de B.
Ninguém nunca, nunca me chamou de B; no máximo de Ben.
Mentira!
Eu sentia mais falta de ouvi-lo dizer que me amava e que precisava de mim.
Ele me ligava duas vezes por dia.
Uma era sempre antes de sair de casa pra ir estudar. A outra era quando ele ia comer ou fazer alguma coisa na rua e que precisasse estar sozinho.
Uma vez, nessa mesma semana, ele me ligou antes de subir na London Eye e me disse que eu estava junto com ele, sentindo a emoção das alturas.
Ele estava tão romântico e tão choroso...
Era sempre um drama pra se despedir.
Por muitas vezes ele me ligava antes de dormir.
- B, estou indo dormir, já.
- Hum, tá bom, meu lindo; tá cansadinho?
- Não, só estou sentindo falta de dormir de conchinha.
- Haha... para de falar essas coisas, porque sempre fica mais difícil pra desligar.
- Mas é verdade.
- Hum, eu sei; também estou com saudades disso. Hoje eu estava lembrando de você enrolando os meus cachinhos. Eu estava no ônibus, com o rosto encostado na janela e enrolando o cabelo e pensando em você... Rique? Você tá chorando?... Oh, amor, faz isso não, senão eu também choro.
E esse era o clima.
Quando não era telefone, era MSN, mas MSN era cada vez mais raro, até porque, naquela época, já estava cada vez mais raro eu estar em casa.
Eu sempre ficava de comprar uma webcam, mas nunca comprava, nunca tinha grana.
Mas em uma dessas conversas via internet, o Henrique voltou com a velha proposta.
- E aí? Agora que estamos juntos de novo... você tem que aceitar.
- Ainda não me sinto à vontade pra isso.
- Para, B; você e seus dedos.
- Dedos?
- É! Você fica todo cheio de dedos quando eu toco nesse assunto... desde a época em que você insistia em trabalhar.
- Mas é porque você tem que entender que todo mundo que é responsável, que tem uma vida produtiva, tem que ser autossuficiente, amor.
- Casal que é casal, tem sua autossuficiência alicerçada no outro.
- A gente não vai brigar por isso agora, né?
- Não estou brigando; é o MSN que não permite que a pessoa perceba a entonação.
- Sim, mas e como vai tudo?
- Eu já tinha me esquecido de como você gosta de mudar o assunto quando não te convémfiquei envergonhado.
- Hum, lindinho... Mas me fale: aceita ou não aceita?
- Quero não aceitar, Rique .
Me incomodava muito as ideias do Henrique.
E logo agora que reatamos e estava fazendo tudo para não brigarmos mais, ele voltava com as insistências.
- B, aceite, é de coração; você precisa e eu quero muito isso. Por que é tão difícil você aceitar, hein?
- Porque gosto de ser autossuficiente nesse mérito, você não sabe disso?
- Para, B; somos um casal agora.
- E daí? Rique, não quero brigar, não.
- Nem eu. Aceite logo e a gente para.
- Haha... besta.
- Idiotazinho alcoólatra.
- Eu não sou alcoólatra, talvez idiota, mas não alcoólatra.
- Ui!
- Haha.
E assim eu fui empurrando com a barriga a proposta, até não dar mais.
Por acaso vocês querem saber que raios de proposta era essa? Pois bem.
Henrique, como sempre, queria me sustentar. Mas dessa vez ele queria me pagar uma mesada mensal, me pôr morando só, no antigo apartamento e pôr meu nome em uma conta conjunta com ele.
Bem, vocês devem estar pensando:
"Mas ele não vai ficar em Londres?"
Eu ainda não contei o que o Hélio me disse da vez em que nos encontramos pela primeira vez.
O Hélio me disse que o Henrique havia comprado uma galeria onde ele instalaria um consultório particular e alugaria as outras salas para outros médicos de outras áreas. Ou seja, ele voltaria e trabalharia aqui mesmo, contra a vontade do pai, que já sabia da malcriação e, não vendo saída, acabou ajudando o Henrique com o negócio da compra do imóvel.
Meses após, Henrique viria, ficaria e seríamos felizes para sempre.
Mas... como eu odeio ser sustentado!
Em contrapartida, eu estava fazendo duas faculdades e me ocupando de um monte de atividades.
Como eu trabalharia e me sustentaria? Que mágica me salvaria?
Até então, eu ganhava algo de mamis e papis, que ajudava a pagar algumas contas na casa do casal-maravilha e pagava coisinhas pessoais.
Eu já estava quase aceitando a proposta. Era tudo muito conveniente para mim. Agora eu era um senhor de idade e precisava das regalias que ele tanto queria me proporcionar.
Uma casa onde eu pudesse morar sozinho era tudo o que eu precisava porque já não dava mais pra atrapalhar o casamento dos meus amigos. Era bom deixá-los em paz.
Eu estava mesmo precisando de dinheiro, porque as contas estavam ficando pesadas e eu precisava pagá-las. E o pior é que não eram dívidas fúteis, eram coisas necessárias.
Eu mesmo comprava minhas roupas em um brechó. Chiq, mas ainda era um brechó!
Eu mesmo não me sinto nem à vontade falando dessas coisas, mas...
E ele insistindo.
- Aceita logo!
- Melhor não.
- Tá, tá, depois a gente fala sobre isso, agora eu tenho que ir, beijo.
- Beijo.
- Te amo!
Passou uma semana e eu e o Henrique ainda estávamos naquele climinha
pós-reencontro.
Eu me lembro de pouca coisa dessa época que não seja sobre o médico pra contar pra vocês.
Lembro que a minha mãe tinha se mudado, mas isso eu já falei. Lembro de ter ganho uma festa surpresa na turma do Hélio, mas não era meu aniversário. Enfim, simplesmente passou a semana.
No fim da mesma, num sábado, mais precisamente, cheguei da faculdade um e passei em casa para ir pra faculdade dois.
O comum era eu ir direto, porque não dava tempo de tomar banho e almoçar em casa. Eu fazia tudo isso na faculdade dois, mas nesse dia eu só teria as últimas aulas, aí deu tempo de descansar um pouco.
Cheguei em casa, abro a porta e...
- Você por aqui?
Fiquei estático.
Parei, deixei a porta aberta, ainda segurando as chaves.
Fiquei olhando pra ele, boquiaberto, sem acreditar que era verdade.
Ele estava com um copo d'água na mão, sentado no sofá. De camiseta branca, calça cáqui e óculos. Loiro, olhos azuis... enfim, era ele.
Ele, por outro lado, estava calmo, continuou sentado, como se tivesse me visto ontem. Continuou bebendo a sua água, colocou-a na mesinha de centro, se levantou e veio em minha direção.
Quase um ano sem nos vermos, esses passos pareciam em câmera lenta, como da primeira vez em que ele veio na minha direção naquele quarto de hospital.
Ele vinha em minha direção e eu, como em um flashback - juro! - fui lembrando dos primeiros dias em que a gente se conheceu.
Eu lembrei daquela passagem que ele fez pelo hall do hospital, de jaleco e com um sorrisinho jovem e fresco. Lembrei dos primeiros beijos e das primeiras aventuras.
Me lembro disso perfeitamente, porque foi o que me fez chorar durante a vinda dele até mim.
- Oi!