A minha mãe ainda não havia chegado e eu fui para o meu quarto, peguei meu violão e me lembrei de uma música bem legal de uma banda chamada “O Teatro Mágico” que dizia mais ou menos assim:
“ Onde já se viu o mar apaixonado por uma menina?
Quem já conseguiu dominar o amor!!!
Por que que o mar não se apaixona por uma lagoa?
Por que a gente nunca sabe de quem vai gostar?”
https://www.youtube.com/watch?v=HDwHQk70-P8
(Essa música é meio diferente das outras que eu já postei aqui, mas eu gosto bastante dela. Foi a Marília que me apresentou a essa banda, mas confesso que foi essa situação com o Carlos que me fez perceber o quão interessante era essa letra. Hoje sou meio fã dessa banda, eles tem várias musicas muito boas!)
Minha mãe chegou enquanto eu estava tocando e eu não reparei.
Quando olhei para a porta ela estava escorada na porta me olhando.
- Você fica tão lindo quando está com esse violão!
- Elogio de mãe não conta.
- Sério! Olha, na minha época tinha muitas garotas que eram Maria gasolina, não podiam ver um carinha de carango que já se derretiam todas... Bom, eu era Maria palheta... Não podia ver um homem de violão que eu gamava!
- kkk - que nojo, mãe! Não acredito que minha mãe era uma garota fácil.
- Fácil não! Mas eu tendia a facilitar quando alguém me dedicava uma canção... Foi assim que seu pai me conquistou.
- Eu nunca soube que papai tocava!
- E não tocava mesmo! Ele andava pra cima e pra baixo com o violão, pra chamar minha atenção, mas nunca teve nem metade do seu talento... Na verdade a única música que ele aprendeu a tocar, e a tocar bem mal, diga-se de passagem, foi “A Carta” do Erasmo Carlos.
- Eu nunca soube dessa história.
- Tem muitas coisas sobre mim que você não sabe, filho! E nem vai saber!
- Você tem tanta coisa a esconder?
- Tenho, nada sério, mas fiz coisas de que me envergonho.
- Hum...
Minha mãe era mesmo uma figura...
Nessa hora me lembrei da festa e perguntei para ela se era viável, expliquei os planos que a Marília, o Carlos e eu fizemos.
Ela gostou muito da ideia. Estava querendo fazer alguma coisinha pra comemorar e tinha algum dinheirinho guardado; daria pra alugar aparelhagem de som e de luz, além de rodar os convites e garantir um DJ. Contudo ela disse que falaria pessoalmente com o Senhor Erasmo. E iria resolver isso no dia seguinte.
No domingo ela foi comigo e a Marília até a árvore das Luzes. o Senhor Erasmo topou, mas advertiu que fazer no dia dez, no meio da semana não seria uma boa para os negócios e talvez impedisse os convidados de vir por “N” motivos, então ele sugeriu no sábado dia treze de junho.
A gente aceitou. Seria um dia depois do show da escola e a gente iria poder fazer um convite coletivo do palco.
E a melhor parte é que o Senhor Erasmo disse que poderia alugar o material de som e a pista por um preço bem legal. E se viessem bastante pessoas e o consumo na lanchonete fosse alto, a gente não precisava pagar.
O velho era muito esperto, ele ia ter muito lucro se tudo desse certo, mas mesmo esperto, era um homem íntegro e honesto e disse que pagaria o cachê da banda.
Então estava tudo certo. Eu e a Marília passamos a tarde do domingo na casa dela elaborando um convite e o Carlos entrou em contato com o primo dele que alugava iluminação - era o mesmo que iniciou ele e que agora estava morando na nossa cidade, mas em um bairro distante.
Na segunda-feira nós tínhamos muito o que fazer. Era o dia dos teste para a banda.
Cara, eu fiquei impressionado com a quantidade de gente que queria fazer parte da Tsubasa! Gente que nem sabia tocar. Sério, teve um cara que quando subiu no palco do mini auditório, confessou que não sabia tocar e que aquele baixo era do irmão mais velho e teve a cara de pau de dizer que só estava pagando esse mico porque queria um motivo pra falar com a Marília e ainda lançou a seguinte frase: “Bom, de agora em diante eu posso te cumprimentar quando você passar no corredor”.
Eu fiquei puto com esse cara. O pior é que eu sabia que tinha sido uma ótima forma de chamar a atenção dela. Não sei por que, só sei que isso me incomodou muito.
Depois tiveram uns caras legais que faziam percussão. Eles eram bem bonitinhos.
Eu virei pra Marília e disse baixinho: “eu quero um pra mim”.
Recebi um chute na canela e ela despachou os caras, que no final das contas, não eram tão bons assim.
Depois deles subiu uma menina com uma guitarra no palco. Ela devia ter um metro e setenta e cinco, cabelos lisos e negros passando dos ombros, com uma mecha caindo sobre um dos olhos. Ela usava uma saia daquelas “estilo Sabrina”, botas pretas e uma blusa branca de botões. A blusa meio aberta deixava à vista um belo decote e destacava o busto. No pescoço uma gargantilha com uma única cruz lisa como pingente.
A Marília disse baixinho, “essa garota é da sala do Cláudio, ele diz que ela é meio estranha, não fala com ninguém, mas é bem talentosa”. “Já gostei dela”. - eu respondi.
A menina no palco parecia meio sem jeito, um pouco tímida, o que destoava do seu visual super “cool”, e então falou:
- Será... Será que eu posso cantar enquanto toco? Eu... Eu me sinto melhor assim...
- Ah... Claro; pode sim - eu disse. - E a propósito, qual é seu nome?
- Celyne. - ela disse meio baixo.
- Muito bem Celyne; pode começar.
Ela ligou a guitarra no amplificador, ajustou as cordas, testou algumas notas...
Ela ganhou ponto só nessa parte; me passou a impressão de que ela era alguém que sabia o que estava fazendo, embora estivesse meio desajeitada.
Ela começou a tocar uma música chamada “Torn” da Natalie Imbruglia. Foi bem legal porque o Carlos tinha ensaiado com ela e tocou a bateria de fundo. A Alê, que estava no fundo do palco, conhecia a música e entrou no ritmo e acompanhou no teclado e ainda fez um back vocal, fazendo o “ahhhh” de fundo.
Me apaixonei à primeira vista pela música e pelo jeito que a Celyne tocava.
A música mexeu comigo e não foi à toa.
Virei para a Marília que estava tão boquiaberta quanto eu e dissemos ao mesmo tempo: “contratada”.
A Celyne ficou super feliz e acabou confessando que tinha combinado com o Cláudio que iria tocar essa música. E a Alê foi avisada a tempo de aprender a tocar.
Aparentemente o Cláudio era o único amigo dela.
Infelizmente não tivemos o mesmo sucesso com o baixista e o cara para percussão... Acabamos ficando com os que sabiam tocar melhorzinho.
O baixista seria um tal de Jhony e o percussionista escolhido foi um loirinho da oitava série chamado Pablo.
Renato, Marília, Alê, Carlinha, Cláudio, Celyne, Jonhy e Pablo... Essa seria a nova formação da “Banda Tsubasa”.
A banda estava totalmente renovada e agora nós tínhamos muito o que fazer. A apresentação na escola e o meu aniversário seriam dali há duas semanas e precisávamos ensaiar.
Paralelo a isso, eu tinha realmente que estudar física, dar um jeito de voltar a treinar com o pessoal do time de futsal, que estava completamente esquecido na minha vida, assistir aulas no conservatório e procurar músicas novas para os dois shows.
Com a Marília me ajudando, não foi difícil preparar, entregar os convites para a festa e fazer a divulgação com cartazes no bairro e na escola.
O Carlos voltou a me ajudar com física. Ele estava sendo muito profissional e ético.
Primeiro me dava aulas e só depois que eu entregasse um exercício todo certo é que ele me agarrava e me fazia de gato e sapato.
E ele estava era botando pra regaçar mesmo.
Meu cu estava todo arreganhado já. E aquela vara branquinha era gostosa demais...
Eu estava aprendendo muito (nunca imaginei que minha bunda pudesse ser comida de tantas formas diferentes).
Na escola ainda havia muito o que se fazer para a feira de ciências. A minha turma falaria sobre soluções químicas. Nós iríamos transformar o nosso estande em um laboratório onde poderíamos demonstrar várias reações químicas interessantes ao público.
Eu estava ficando meio maluco com tanta coisa para estudar. Por sorte o Carlos e a Marília eram dois pequenos gênios (eu morria de inveja), eles me ajudaram bastante naquela semana.
Quando chegou a sexta-feira a gente marcou de estudar soluções lá em casa e depois de estudarmos eu liguei o som e me joguei na minha cama ao lado da Marília. O Carlos ficou deitado no puf ao lado da minha cama. Nós ficamos ali jogados pelo cansaço mental, simplesmente ouvindo música.
- Nossa, eu estou tão cansado que acho que vou morrer...
- Não fala bobagem, Renato. - fui repreendido pela Marília.
Na rádio estava tocando uma música que eu adorava: “Here Without You” do 3 Door Down e para provocar a Marília, eu disse:
- Se eu morrer na sua frente eu quero que você me prometa que vai tocar essa música no meu enterro, Marília!
- Credo, Renato... Deus me livre!
- Vai, promete!
- Se for pra mudar de assunto, eu prometo.
- Ei, se você tocar no enterro dele, vai ter que tocar no meu também. Aliás, se eu morrer eu quero que vocês toquem uma música pra mim.
Eu olhei para o puf onde o Carlos estava sentado e perguntei:
- E qual seria essa música?
- “Stop Crying Your Heart Out” do Oasis; nada dessas músicas de viado... Eu quero o verdadeiro rock britânico no meu funeral...
- Prometido! Agora se eu e a Marília esticarmos as canelas antes... Está difícil de você tocar alguma coisa pra gente...
- Ah não se preocupem que eu contrato uma banda ou colo um radinho na hora do enterro.
- Vamos mudar o rumo dessa prosa? Deus me livre! Que papo mais mórbido.
- Está bom, Marília.
Ela deu um sorriso e comentou:
- Ei, lembra do louco que não sabia tocar baixo? Ele falou comigo hoje no corredor e me convidou pra tomar um sorvete amanhã na árvore das Luzes!
- Não acredito que você vai sair com aquele cara ridículo! - eu disse já ficando vermelho.
- Ele não é ridículo! É até bonitinho, na verdade...
- É; olhando de longe e à noite, até que dá pra enrolar uma bandeira e fazer pela pátria. - o Carlos comentou.
- Olha meninos, eu não estou entendo essa reação de vocês.
- Não é nada, quero dizer, é só que você não gosta desse cara... Acho que você deveria...
- Deveria o quê? - ela disse com um tom mais ríspido que o comum na voz, enquanto ficava vermelha de raiva. - Deveria esperar encontrar alguém que eu goste? Adivinha... Eu já encontrei e só falto dançar nua na frente dele com uma placa escrito “ei eu estou aqui”, mas ele não me olha!
Ela levantou da cama, passou a mão na bolsa que estava na minha bancada de estudos e se virou para mim. Eu fiquei calado por uns segundos e tentei fala o nome dela... Mas ela foi mais rápida e disse:
- Ele não olha... E acho que nunca vai olhar...
Tinha uma lágrima brilhando nos olhos dela quando ela se virou e saiu batendo a porta do meu quarto.
Eu olhei para o puf e o Carlos estava imóvel, com o olhar pensativo e sério.
Ele se levantou em silêncio, pegou as coisas dele e saiu do meu quarto sem dizer uma palavra.
Eu percebi que tinha alguma coisa muito errada acontecendo. Fui atrás dele e coloquei a mão no seu ombro enquanto ele andava.
Ele colocou a mão dele em cima da minha, mas não se virou para me olhar.
- Me desculpa, não é o que você está pensando...
Ele se virou para mim e disse:
- Você tem certeza? Você tem certeza que não está se apaixonando por ela?
- Ela minha amiga.
- Eu também sou! E você está cansado de saber que nós dois te amamos! Droga Renato, por que você é assim?
- Assim como? - eu perguntei em tom desesperado.
Ele colocou a mão no meu rosto e eu descansei minha face nas suas mãos macias e quentes.
- Tão... Apaixonante... Eu nunca imaginei que fosse amar um menino, mas você me faz desejar viver o resto da vida ao seu lado.
Ele colocou as duas mãos no meus pescoço e continuou.
- Eu te quero por inteiro, Renato! Não quero só o seu corpo físico; eu quero a sua alma, o seu coração, comigo... E que se dane o que os outros pensem... QUE SE DANE O MUNDO... Se eu tiver você comigo... O resto é só o resto.
Eu fechei meus olhos e aproximei meu rosto do dele.
Cada célula do meu corpo desejava pelo beijo dele, pelo toque das mãos quentes dele. Mas ele só me braçou. Ele me deu um abraço forte e carinhoso e disse no meu ouvido:
- Deus sabe o quanto foi difícil negar o seu beijo, mas chega de ser guiado por impulsos... Eu quero que você pense sobre mim e sobre a Marília. E tome uma decisão.
- Não me pede pra escolher entre vocês dois, por favor!
- Eu não sei se você faz de propósito, mas às vezes você dá esperanças pra mim, às vezes dá para ela. Você não precisa escolher entre nós dois. Só precisa escolher pra quem você vai deixar claro que é só amizade.
Ele me soltou do seu abraço e caminhou e direção à porta e eu fiquei na minha cama pensando.
Ele estava certo. Eu alimentava as esperanças dos dois esperando meu sentimento pelo Alex acabar.
Mas a verdade é que o amor não é um sentimento que a gente pega em um balde e use até acabar. O amor é uma construção e se bem edificado dura para sempre.
Mesmo que a forma como esse amor é visto mude, ele nunca acaba.
Era hora de fazer o passado parar de interferir na minha vida atual. Era a hora de acabar com esse estranho triângulo amoroso insustentável.
Eu precisava ficar um tempo sozinho, me concentrar no meu coração e entender a tempestade de sentimentos contraditórios que se debatiam ali dentroO final de semana foi bem diferente; sem sinal da Marília ou do Carlos e a saudade da presença constante deles foi forte.
No domingo à noite resolvi dar uma caminhada até a praça mais distante do conjunto, aquela onde meses atrás eu e a Marília conversamos sobre a viagem do Alex.
A praça continuava a mesma, com os ipês dando um colorido especial ao lugar. As folhas enchiam o chão da praça e quando o vento batia causava redemoinhos de folhas.
Aquele lugar me tranquilizava, mas meus pensamentos continuavam a voar para longe, para perto de três pessoas: Alex, Marília e Carlos...
Imagens das mais diversas situações vividas com eles me vinham à mente. A música que emanava do Alex como se fosse o ar que ele respirava; o perfume doce de flores de laranjeiras da Marília, a sua lealdade e confiança, as graças intermináveis do Carlos, o seu jeito sedutor, a voracidade com a qual me possuía e os momentos de seriedade nos quais mostrava a sua verdadeira e majestosa face.
Um deles eu sabia que amava e esse amor já me fez sofrer o suficiente, era hora de deixá-lo de lado e viver o presente.
Já os outros dois... Nossa, como era difícil separar as lembranças. Parecia sempre que os momentos se misturavam.
Bom, eu já tinha feito sexo algumas vezes com o Carlos, mas para essa escolha isso não poderia interferir, pois para nós dois sexo e amor eram coisas diferentes.
Já para a Marília, que era uma garota, o sexo estava indissociável do amor.
Como era difícil pensar sobre isso!
Resolvi voltar para casa e no caminho vi uma cena que me assustou: um cara que passou de bicicleta do meu lado abordou uma moça que estava andando um pouco mais à minha frente, armado com um revolver prateado. Ele a ameaçava pedindo tudo que ela tinha.
Fiquei congelado, não sabia que o nosso bairro estava tão perigoso assim...
O ladrão pegou o produto do roubo e pedalou em disparada por uma rua transversal logo à frente.
Cheguei em minha casa ainda tremendo de medo e contei para minha mãe do acontecido.
Ela ficou muito preocupada e começou a me dar uma série de recomendações que eu não ouvi porque estava com a cabeça no mundo da lua.
A semana iniciou a mil por hora.
Aulas, feira de ciências, soluções, ensaios da banda, aulas de física, preparativos para o aniversário...
Os ensaios foram bem tranquilos. A Marília fingia que estava tudo bem e falava comigo normalmente, mas fora dos ensaios eu reparei que ela estava falando comigo somente o estritamente necessário.
Eu me esforcei e implorei o perdão dela e disse que nunca mais iria me meter com quem ela sai ou deixa de sair.
Depois disso as coisas ficaram bem entre a gente. Eu me esforçava para esconder meu incômodo com aquele estúpido chamado Daniel que estava andando com ela para cima e para baixo.
As aulas de física ficaram só na física. O Carlos estava me tratando super bem, mas deixou claro que não teria “diversão” até que eu anunciasse minha decisão.
A semana foi passando e eu fui ficando a cada dia mais confuso...
Eu queria o Carlos com todas as minhas forças, mas também queria voar no pescoço do Daniel e arrancar aquele sorrisinho da cara dele quando estava com a MaríliaNo dia dez, meu aniversário, os dois foram lá em casa me dar um abraço e levar um bolo que a Marília tinha feito.
O problema é que eles não foram sozinhos. Toda a banda e anexos (Matheus e Daniel) foram junto.
Eu descobri, perguntando para as meninas, que embora o Daniel estivesse investindo pesado e a Marília o estivesse carregando para cima e para baixo, os dois ainda não haviam chegado a se beijar.
Senti certo alívio ao ouvir isso, mas também não conseguia parar de pensar no Carlos... E nas coisas lindas que ele me disse.
Ali estava um menino lindo que me amava!
Eu olhei para ele que estava anormalmente sério naquela semana.
Depois que todo mundo foi embora ficou a bagunça para eu limpar.
Naquela noite eu tomei minha decisão.
Naquela altura, por mais estranho que possa parecer, eu já sabia que estava meio apaixonado pelos dois, mas eu teria que escolher um e dar seguimento a essa paixão. E eu já sabia quem eu iria escolher.
No dia seguinte, por mais que eu tentasse me concentrar nas soluções, ou nas músicas que eu cantaria no encerramento da feira e no show do meu aniversário, tinha uma pessoa que não saía da minha mente.
Por fim, eu havia tomado a minha decisão.