Ele despertou com um sorriso leve no rosto; virou de lado para mim e ficou me olhando nos olhos.
- Eu te amo! - Ele disse com a voz ainda embargada pelo sono.
Eu sorri e comecei a tocar uma das músicas favoritas dele. Uma música que segundo ele descrevia o jeito como ele me amava.
https://www.youtube.com/watch?v=KQ5n6_iDswc
I Hate The Way I Love You - Joe Nichols
Tradução - Eu Odeio o Jeito Como Eu te Amo
“Você me faz andar nas nuvens
E eu tenho medo das alturas
Você preenche meus dias com a sua presença
Presença que agita meu sono à noite
Eu vejo um outro lado de mim
Quando começa a se mostrar
Eu odeio o jeito como eu te amo, mas eu amo
Eu odeio o jeito como sinto sua falta
Toda vez que você não está por perto
E a maneira que você me faz pensar
É hora de sossegar
Eu tentei lutar contra esse sentimento
Mas desta vez não adiantou
Eu odeio o jeito como eu te amo
Mas eu amo
Eu sempre me orgulho de nunca perder o controle
Mas quando eu senti que era muito profundo
Me deixei guiar pelo meu coração e fui em frente
Agora eu me despedaço só de pensar em perder você
Eu odeio o jeito como eu te amo
Mas eu amo
Eu odeio o jeito como sinto sua falta
Toda vez que você não está por perto
E a maneira que você me faz pensar
É hora de sossegar
Eu tentei lutar contra esse sentimento
Mas desta vez não adiantou
Eu odeio o jeito como eu te amo
Mas eu amo
Oh, eu odeio o jeito que eu amo você
Mas eu amo”
Naquela noite ele jantou em casa e depois nós ficamos conversando sentados na mureta do vizinho.
A Marília veio se juntar à gente e nós ficamos conversando por horas...
Na hora da despedida a Marília me deu um abraço e depois o abraçou por um tempo maior do que o comum.
Ele deu um beijo na testa dela e disse:
- Te cuida, tá!
- Eu sempre me cuido, Carlos. - ela disse com um ar mais sério que o comum e os dois tornaram a se abraçar mais uma vez.
Eu senti uma pontada de angústia ao ver essa despedida mais emotiva que o nosso habitual e me aproximei dele. E quando eles se separaram eu segurei na mão dele e me arrepiei.
Ele percebeu minha reação estranha e se virou para mim.
- O que foi?
- Sei lá, me senti estranho...
- Eh rapaz; acho que você está precisando de carinho.
- kkk. Pode ser.
E eu o abracei. Não tinha quase ninguém na rua, nessa hora.
- Eu vou indo tá... - e me deu um beijo selinho.
Ele foi andando e eu e a Marília ficamos o olhando se afastar.
A Marília se despediu de mim mais uma vez e foi pra casa dela.
Eu entrei em casa, tranquei tudo e como já era tarde e eu estava cansado, fui dormir.
Não demorei a pegar no sono. Foi uma noite sem sonhos e acordei com o toque do meu celular.
Ainda não havia amanhecido e o Carlos estava me ligando.
Eu sorri sozinho pensando que devia ser mais uma das loucuras dele; provavelmente sua loucura favorita: ver o sol nascer na praça dos ipês.
Eu não estava enganado. Era ele.
- Amor, se arruma e vem comigo... Estou te esperando aqui na mureta.
- Você tem noção de que ainda são quatro horas da madrugada?
- É claro! Mas a gente vai ver o nascer do sol...
- O sol só nasce às cinco e meia, Carlos!
- Mas a gente pode ficar namorando na praça deserta até o sol nascer...
- kkk; só você pra me arrancar da cama às quatro da madrugada, seu louco!
- Um louco que te ama!
- Tá. Espera aí que eu estou indo.
Troquei de roupa rapidamente, peguei meu celular e saí de casa.
Ele estava sentado na mureta, me esperando. Ele estava usando uma calça jeans, uma bota dessas de fazer trilha e uma camiseta branca que deixava bem à vista a musculatura pequena, mas bem definida dos braços e peito.
O cabelo castanho claro caía um pouco sobre o rosto e o sorriso lindo, que eu tanto amava, não saía do rosto dele... Um sorriso que se estendia aos olhos brilhantes.
Ele estendeu a mão pra mim e disse: "vem comigo."
E assim a gente saiu pra mais uma aventura... A maior de todas.
A caminhada até a praça dos ipês foi tranquila; não havia viva alma na rua e nós andamos de mãos dadas sem medo das críticas que a sociedade diurna nos faria... Sem os olhares de censura.
Quando chegamos lá na praça, levei um susto. O chão estava coberto de folhas amarelas e o veto da madrugada fazia com que as folhas girassem em pequenos redemoinhos de folhas.
Era a perfeita imagem dos meus sonhos.
Nós nos sentamos no banco de sempre e eu me deitei no colo dele e falei:
- Carlos, você acredita que alguns sonhos podem se tornar reais?
- Claro! Eu sempre sonhei ficar com você e aqui estamos nós.
- Para! - eu disse sorrindo. - Não é desse tipo de sonho que eu estou falando; eu falo de sonhos mesmo; aqueles do travesseiro.
- Ah tá... Bom, eu nunca parei pra pensar muito nisso, mas eu acho que sim, quer dizer, algumas pessoas acreditam nisso e juram que esse tipo de coisa é real.
- Pois é. É que na verdade, essa cena de agora... Nós dois aqui na praça, as folhas amarelas no chão... Eu já sonhei com isso várias vezes... E hoje nós estamos aqui, como no meu sonho.
- Hum! Por isso você puxou esse assunto. Bom, você já parou pra pensar que nós já viemos aqui muitas vezes nesse tempo que estamos juntos? Não é estranho sonhar com coisas que nos fazem felizes.
- É, você está certo... Bobagem minha!
Mas eu ainda não estava tranquilo.
Por mais feliz que eu estivesse de estar ali, ainda havia alguma coisa me angustiando e eu não sabia bem como explicar.
- Carlos... Mas não é só isso. É que nesse sonho... Sempre no final me dá uma angústia muito grande. - eu me levantei, me sentei do lado dele, o olhei nos olhos e continuei a falar.
- Durante o sonho tudo é lindo; exatamente como esse momento aqui, mas depois quando eu estou quase acordando, me vem a sensação angustiante de que você não está por perto. Que tudo isso que a gente tem foi só um sonho... E eu sempre acordo pensando nisso... Sentindo a sua falta...
- Ei! Presta bem atenção no que eu vou te dizer: - ele segurou minhas mãos enquanto falava. – Eu te amo! E não importa o que aconteça; eu sempre vou estar com você! Promete que nunca vai esquecer isso? Eu sempre vou estar com você; até mesmo quando eu não estiver aqui, esse sentimento incrível que eu sinto por você vai te tocar e você vai me sentir por perto.
Eu fiquei tão emocionado de ouvir isso dele que o beijei. Foi o beijo mais doce e carinhoso de toda minha vida. Eu pude sentir o calor que emanava dele e me acalmava.
Aquele beijo me fez sentir exatamente o que ele sentia e os nossos corações entraram em sincronia... Batendo juntos, pulsando o mesmo sentimento.
Ali eu pude sentir de forma muito concreta esse laço imaterial que nos unia, que nos une... E que nos unirá para sempre.
Esse foi o último beijo que eu dei no grande amor da minha vida.
O sol estava nascendo e enquanto eu e o Carlos nos beijávamos a praça foi ganhando um tom mais amarelado que o comum e enquanto aproveitávamos nosso último beijo, não percebemos uma terceira pessoa se aproximar...
Eu me afastei do Carlos e quando percebi que havia mais alguém ali, eu procurei ver quem era e meu coração, que até a pouco, estava pulsando como nunca, parou de medo quando eu reconheci a pessoa que nos apontava um revolver prateado.
Era o mesmo rapaz que eu vi cometer um assalto meses atrás.
- Você bichas me dão nojo, sabiam. - ele disse.
- Fica calmo, cara! Leva o que você quiser. - eu disse.
- Passa logo o celular pra cá. - ele disse apontando com a cabeça o celular que estava do meu lado no banco.
Eu estava paralisado de medo e não me movi nem pra entregar o celular.
- Bicha burra; quer morrer, é? - ele falou vindo na minha direção com a mão erguida para me dar um golpe no rosto.
Eu me apavorei e o Carlos se meteu na minha frente e defendeu o golpe do assaltante, mas ele não parou por aí e tentou segurar as mão do bandido.
Esse foi o seu erro. O ladrão apertou o gatilho a primeira vez e o tiro pegou no lado direito do peito do Carlos e ele caiu no chão com um grito de dor.
O ladrão mirou no seu corpo caído e disparou mais três tiros. Dois perfuraram o peito dele e um o feriu na perna.
Eu me joguei em cima dele gritando de dor e de desespero...
- CARLOS! SOCORRO! SOCORRO! CARLOS!
O assassino saiu correndo e eu fique ali com o Carlos sangrando.
Eu olhei para ele com os olhos marejados de lágrimas. Ele ainda estava vivo... Mas sua expressão facial se tornava mais inexpressiva a cada segundo. A camisa branca, agora manchada de sangue; os olhos brilhando.
Ele tentava formar algumas palavras, mas o esforço era demais e agora havia um raio de sangue escorrendo da sua boca.
- SOCORRO! ALGUÉM ME AJUDA!
Ele me olhava ainda vivo... Piscando.
Com um último esforço levantou a mão cheia de sangue até o meu rosto e me fez um último carinho.
A essa altura o meu escândalo já havia acordado os vizinhos que moravam mais perto da praça. O som dos tiros os atraiu também.
Já havia umas dez pessoas nos cercando. Eu ouvi alguém ligando para a emergência e por mais que meu coração quisesse ter esperanças, eu sabia que era tarde demais. Um dos tiros havia perfurado perto demais do coração.
Ali estava eu, olhando para o melhor amigo que alguém poderia ter. O melhor namorado do mundo. O cara mais legal que eu conhecia... E ele estava morrendo nas minhas mãos.
- Por favor... Aguenta... - eu dizia entre lágrimas enquanto segurava sua mão.
Mas ele estava perdendo muito sangue e já não tinha mais forças para apertar minha mão.
A qualquer segundo o brilho dos seus olhos ia se apagar.
Eu nunca vou me esquecer dessa cena, por mais que os anos passem, por mais que eu envelheça, por mais que eu veja outras pessoas desencarnarem na minha profissão médica...
O momento no qual eu vi o brilho no olhar do Carlos desaparecer e eu tomei consciência de que nas minhas mãos havia só um corpo inerte... Uma capa de carne que se parecia com o Carlos, mas não era mais ele!
Esse momento vai ficar sempre gravado à brasa na minha memória!
A mais dolorida de todas as minhas lembranças!
Eu fechei os olhos dele e segurei firme o seu corpo...
Por quanto tempo eu fiquei ali, cercado de estranhos, até a ambulância chegar, eu não sei.
Eu não queria largar o corpo dele.
Foi nessa hora que eu ouvi a voz da minha mãe dizer chorosa: "acabou meu filho... Você não pode fazer mais nada por ele... Você precisa ser forte"
Um dos meus amigos da escola morava lá perto e quando viu a cena, avisou minha mãe do assassinato do Carlos.
Eu me separei dele com muito sacrifício da minha mãe e dos paramédicos que o afastavam de mim.
- Pra onde vocês vão levar ele? - eu gritava desesperado. - Eu quero ir com eles, mãe! Me larga, eu quero ir com eles!
- Acabou, meu filho! Por favor, entenda! - ela também estava aos prantos. - Você não pode fazer mais nada por ele.
- Não mãe! Não acabou. Ele disse que nunca ia me deixar! Ele disse.
Depois que a ambulância o levou para longe de mim... E eu fiquei gritando, chamando por ele, enquanto minha mãe tentava me acalmar, eu fui perdendo as forças. Me joguei no chão perto da poça de sangue, onde minutos atrás estivera o corpo dele... E eu chorei como nunca chorei na minha vida.
Depois disso, tudo ficou confuso; entrei em estado de choque e minhas lembranças não são um bom guia.
Não sei como me tiraram dali e me levaram para a casa da Marília.
Não podia ir para casa, porque mamãe foi dar a notícia à família dele.
Mamãe me disse, dias depois, que essa foi a coisa mais difícil que ela já fez na vida.
E ela nunca vai esquecer da dor da mãe dele. Perder um filho é uma dor que apenas outra mãe pode imaginar e entender.
Eu fiquei na casa da Marília.
Ela também se desesperou quando soube. Ela o conhecia desde sempre. Para ela perder o Carlos foi como perder um irmão.
Nós dois choramos muito, juntos. Eu me desliguei da realidade por várias horas. Fiquei jogado no chão do quarto da Marília, sem forças até para chorar.
A imagem dos olhos dele, se apagando, se repetindo na minha mente como em um disco que só tem uma faixa. O beijo, os tiros, o sangue... O olhar se apagando... Desespero, dor... Era tudo que eu via.
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comentário pessoal meu (Lucas)
Esse conto mexeu muito cmg, quando eu li! na primeira vez que eu li esse conto, eu não aceitei a morte de Carlos eu passei um dia todo chorando, passei a semana ruim e mal, e prometi a mim mesmo que não ia mais ler esse conto! Mas passou um ano e alguns meses, e eu tive coragem de ler tudo novamente e terminar, pq na minha cabeça na época que eu li, o final era pra ser aqui e não ter um final feliz, eu amei Carlos desde o primeiro momento, eu amei o jeito que ele amou o Renato ate os últimos momentos, e isso foi tudo muito difícil! mas infelizmente são coisas da vida, hoje sigo chorando novamente, não tanto como das outras vezes que eu li, mas é impossível não se apaixonar por toda essa historia! e um conselho que eu dou, não façam a burrada que eu fiz de parar de ler o conto, pq realmente vale muito a pena terminar! eu acredito que não falte muito ainda, devemos fechar em 23 capítulos, então é assim, caso alguém esteja chorando se sinta abraçado por mim!