As semanas que se passaram depois que ele partiu foram difíceis.
Voltar à escola e encarar todo mundo me olhando. Alguns me dando olhar de força. Outros com nojo e preconceito.
Nem mesmo minha popularidade poderia me defender da fama de "viadinho" que eu ganhei por estar namorando com um garoto minutos antes dele ser assassinado.
Como eu odiava a hipocrisia das pessoas...
Todo mundo sempre soube do meu namoro com o Carlos, mas como ninguém tinha feito uma declaração oficial e eu e ele éramos muito populares, ninguém nunca disse nada... Mas agora que eu estava fragilizado, todo mundo queria atirar uma pedra.
Mas eu também tinha bons amigos.
O pessoal da banda e da minha turma me dava muita força. Todos eles sentiam muito a perda do Carlos.
Sabe... A pior parte de terminar um namoro longo, porque se acostuma com a pessoa, se acostuma com os hábitos, programas, tudo é pensado em dupla, é difícil terminar um namoro assim, porque é quase uma simbiose...
Agora imaginem o como era difícil retomar a minha vida sem o Carlos. Principalmente porque eu não terminei com ele. A nossa história foi interrompida por uma tragédia.
Era difícil sair com os amigos. Era difícil tocar, mas eu precisava seguir adiante. Ele iria querer que eu fosse feliz... E eu prometi que ia fazer meu coração parar de chorar!
Tinha outra coisa: eu precisava entender mais sobre a própria morte.
Eu sempre fui católico, mas em uma situação dessa os católicos diriam que o Carlos ia para o inferno por ser gay. Pelo menos era isso que o filho do vizinho disse pra mim: "Papai disse que o seu namoradinho foi para o inferno porque era uma bicha".
Ouvir uma criança me dizer isso foi um choque!
Bom... Os evangélicos não deixaram nem o corpo dele ser velado na igreja...
Com certeza deviam dividir a mesma opinião sobre o inferno.
E tem mais uma coisa: como um Deus tão bom e misericordioso poderia condenar um dos seus filhos ao inferno por toda a eternidade?
Eu acreditei na música e nas palavras do Senhor Erasmo.
Por isso jurei que um dia encontraria o Carlos...
E por mais que eu tivesse fé e acreditasse nisso com todas as minhas forças, eu não sabia como isso seria possível!
Foi aí que eu e a Marília fomos procurar o Senhor Erasmo.
A caminho da árvore das Luzes eu lembrei que uma vez, há muito tempo atrás, ele tinha me falado da morte da sua mulher... E eu fiquei muito tocado com o fato dele ainda comemorar o aniversário de casamento, mesmo depois da morte dela.
Quando chegamos lá, ele teve muito prazer em conversar comigo e me contar que ele era espírita e frequentava um centro no bairro vizinho.
Eu fiquei muito inquieto.
Nunca pensei em me envolver com espiritismo.
Mas ele me explicou muita coisa e quebrou muitos dos meus preconceitos.
O espiritismo mostrou-se para mim muito diferente daquilo que eu imaginava. A começar por ser uma doutrina cristã baseada nos evangelhos do novo testamento. Ele também me disse que eu não deveria procurar esse centro no intuito de me comunicar com o Carlos. Um centro espírita sério não expõe sessões mediúnicas assim.
E me disse que lá eu ia aprender um pouco mais sobre as várias dimensões da vida. Segundo ele, foi esse conhecimento que o consolou pela morte da mulher e o tornou uma pessoa melhor.
E quando eu perguntei se ele já tinha se comunicado com a esposa em alguma reunião mediúnica, ele disse que não, mas que existem outras formas de comunicação; pelo sonho e pela prece.
E assim eu me despedi dele muito curioso sobre a Doutrina Espírita.
Eu e a Marília marcamos de irmos juntos conhecer esse centro.
Mas chegando lá, me ocorreu que eu não sabia se eu poderia frequentar, por ser homossexual...
Lá nós fomos conduzidos a uma entrevista a partir da qual nós seríamos encaminhados a um grupo de estudos. E quando o rapaz veio conversar comigo, eu disse:
- Moço, eu tenho um... Não é exatamente um problema, mas eu não sei se vai ser problema pra vocês. Eu... Sou gay!
E o rapaz sorriu e disse:
- Eu que lhe pergunto. Qual é o problema?
- Eu sou gay. Isso não é um problema pra vocês?
- Não se preocupe com isso. Antes de mais nada você é um espírito filho de Deus.
Esse primeiro contato foi muito bom; eu me senti à vontade de contar tudo sobre mim para aquele rapaz simpático que me acolheu tão bem.
Eu falei para ele sobre o Carlos e sobre as coisas que as pessoas me diziam por aí.
Ele lamentou pelo o equívoco dessas pessoas e me explicou muita coisa.
Coisas como o fato de, para a doutrina espírita, não existir um céu ou um inferno, mas sim uma infinidade de planos espirituais para o qual nós vamos de acordo com o nosso grau evolutivo. E que a verdadeira vida é nessa dimensão espiritual e aqui na terra nós estamos vivendo apenas experiências necessárias à nossa evolução. Vivendo assim existências como homem e como mulher. E que o espírito em si não tem um gênero. E que, às vezes, após sucessivas reencarnações em corpos femininos, é difícil se adaptar a um corpo masculino, porque os desejos e os sentimentos não mudam tanto de uma vida para outra, ocorrendo assim, com muita frequência, o homossexualismo. E que isso não é nenhum pecado e não te impede de evoluir, muito menos te condena ao inferno ou a um plano inferior...
E ele me disse que se eu amei tanto assim o Carlos, que eu não tivesse dúvidas de que ele sempre ia estar ao meu lado, me ajudando a realizar os meus sonhos, orando para a minha felicidade, e nós, com certeza, nos encontraríamos de novo, porque aqueles que se amam, se atraem.
Essa é a lei do universo.
Na verdade, a frase que ele usou foi:
"Se eu te amo, te encontrarei em qualquer parte do universo"
E esse é o grande paradoxo do amor, porque ao mesmo tempo que ele liberta, ele te torna cativo desse sentimento e te liga a alguém por toda a eternidade!
Ele me encaminhou a um grupo de jovens e lá eu fiz muitos amigos e aprendi muita coisa que eu tento usar no meu dia a dia para me tornar uma pessoa melhor.
E claro, aprendi coisas que fortaleceram meu coração a passar por esse momento tão difícil que foi o desencarne do Carlos.
Eu não vou me alongar nessa parte da história porque cada um tem sua religião e sua fé... E eu coloquei isso no conto porque foi graças a essa nova fé que eu encontrei explicação para a pessoa que eu sou, para as coisas que eu sinto.
Foi assim que eu aprendi a fazer meu coração parar de chorar.
Os dias foram passando e se tornando semanas...
E as semanas se tornaram meses...
Minha vida mudou com a partida do Carlos, mas a dor torna as pessoas mais fortes. E com o apoio espiritual e o apoio dos amigos eu consegui superar esse momento.
Mesmo assim, no dia vinte e cinco de novembro do mesmo ano, quando ele completaria dezessete, foi impossível sair de casa e fazer qualquer coisa.
Já fazia quase quatro meses desde o dia na praça dos ipês e eu já estava bem melhor, mas mesmo assim, nesse dia eu fiquei em casa olhando para as estrelas do teto do meu quarto e me lembrando do ano anterior quando a gente tinha ido a um parque de diversões com todo o pessoal.
Foi um dia muito feliz. Andamos em todos os brinquedos e depois demos o nó na galera e fomos jantar sozinhos em uma lanchonete bacana do centro.
Como ele estava feliz naquele dia... Cheio de sonhos...
Tentei desviar meus pensamentos pra outras coisas; sentei na frente do PC e abri meu e-mail.
Levei um susto quando vi um e-mail do Alex...
O texto era pequeno e dizia assim:
"Oi, Renato!
Estou chegando ao Brasil no dia vinte e três de dezembro.
Espero ter a chance de me desculpar pessoalmente por todas as burradas que eu fiz com você.
Com carinho... Alexander"
Alex...
Como as coisas tinham mudado...
De repente, depois do desencarne do Carlos e de todo o preconceito que eu passei, esses meus probleminhas com o Alex pareciam tão pequenos...
Deitei na minha cama e olhei para as estrelas do teto. Foi divertido lembrar que um dia eu fiz questão de transar ali para me lembrar dele sempre que olhasse para o teto...
Eu ri sozinho das bobagens que fiz.
Imagina só: cheguei a planejar um jeito de o magoar pra não sofrermos muito com a separação.
A verdade é que havia passado quase dois anos desde que eu conheci o Alex e nós dois namoramos.
Não fazia muito tempo, mas nesse tempo eu mudei muito, e as lembranças desse romance me pareciam flashes de outra vida.
Fechei os olhos e lembrei dos olhos misteriosos do Alex... Uma cor indecisa entre o verde e o azul.
Fiquei meio surpreso com a lembrança do olhar dele, depois da última vez que transamos.
Parece que eu tinha guardado essa lembrança por tanto tempo que nem tinha mais consciência que ela estava lá.
Quantas coisas a gente viveu...
A nossa história foi conduzida por livros, música e paixão...
Uma paixão impulsiva e intensa; como toda paixão adolescente.
Nossa... Como tinha sido bom; mesmo com toda a imaturidade e os problemas.
Ele foi o herói que havia me tirado de um mundo onde eu vivia sozinho; me apresentou amigos; me apresentou o Carlos.
More Than Words, Tsubasa, Romeu e Julieta...
Quantas histórias nós lemos juntos naquelas tardes separadas do tempo... Aonde nós íamos para um mundo só nosso... Conhecendo o corpo um do outro. Conhecendo o próprio corpo; aquela nossa rotina...
Sem dúvida tinha sido bom e por mais imaturo que tivesse sido toda a nossa relação, eu não podia negar que havia amado o Alex.
E se ele iria voltar para o Brasil, pra passar o natal, eu decidi que iria pelo menos conversar com ele, afinal a gente não terminou de um jeito muito bacana. Havia sobrado sopapo até para o Carlos; kkk.
Havia muitas coisas que eu e ele precisávamos colocar em pratos limpos.
Alex! Meu primeiro amor...
Sem dúvida ia ser bom o ver de novo.
Quando deu 19:00 h eu tive que sair de casa para ensaiar com a banda. Nós tocamos algumas músicas e fizemos uma pausa pra molhar a garganta.
Eu chamei a Marília para conversar em um canto e lhe contei em voz baixa sobre o e-mail do Alex.
- Então ele está voltando mesmo?
- Na verdade eu acho que ele vem só passar o Natal.
- E você vai falar com ele? Depois daquilo tudo?
- Acho que vou. Já se passou algum tempo e sinceramente eu tenho até um pouco de vergonha de todas as cenas que eu armei por causa da viagem dele. E em relação àquela confusão e da briga, eu acho que precisamos conversar; não para cobrar nada um do outro, nem nada disso... É só que as coisas ficaram muito mal resolvidas e isso não foi legal.
- É, não foi mesmo. Mas sabe, eu acho bom isso. Vai ser bom pra vocês dois finalmente se livrarem dessa caveira no armário.
- É, você tem razão.
- E vai ser bom pra você também porque ele é seu primeiro amor... E o primeiro é pra sempre!
- Mas a Senhorita mudou muito de opinião né? Da última vez que ele me mandou uma mensagem você fez a maior cena.
- Mas muita coisa mudou desde então. E na época você estava com o Carlos.
- Ah... Falando nele, você lembrou?
- Do niver dele? Claro! Eu nunca vou esquecer. - ela disse com um olhar meio triste. – Aliás, vamos tocar aquela música pra o homenagear?
- Vamos sim.
Eu e ela reunimos a galera e demos para todos as cifras de uma música do Legião Urbana que nós queríamos tocar para lembrar do Carlos.
O Nome da música é "Os bons morrem Jovens".
Nossa eu chorei muito depois de cantar essa música. Ela tem tudo a ver com a nossa história.
Eu a ouvi na rádio alguns dias depois do enterro dele e liguei a música à minha vida.
Desde então sempre que eu a toco, canto ou escuto, me lembro dele.
Até mesmo agora enquanto copiava a letra... Eu escutei a música e me lembrei dele e as lágrimas foram inevitáveisNessa noite eu recebi um presente de Deus... Sonhei com ele.
No sonho eu estava sentado em um banco de praça, mas aquela não era uma praça onde eu já tivesse ido. Havia várias árvores floridas e vários ipês, um grande lago se estendia à minha frente e o sol estava nascendo. - a hora do dia favorita dele.
Eu senti o toque da sua mão em meu ombro e uma sensação de calor e carinho correu por todo o meu corpo.
Eu me virei e ele estava sorrindo.
O sorriso mais lindo que eu me lembrava.
Ele usava uma espécie de manto branco. Tão branco que parecia irradiar luz, mas a verdade era que a luz irradiava dele...
Ele sentou ao meu lado e disse:
- Lindo, não é?
Eu ouvi a voz dele, mas ele nem sequer moveu os lábios.
Eu tentei responder, mas não consegui.
Ele sorriu mais uma vez e disse:
- Você ainda vai salvar muitas vidas antes de se juntar a mim... Até lá eu vou ficar do seu lado..
Ele disse outras coisas que, por mais que eu tente, não consigo me lembrar.
Foi um dos sonhos mais nítidos e longos de toda a minha vida.
Antes de eu acordar ele ainda me disse:
- Aproveite a chance de amar mais uma vez!
E com um sorriso se afastou de mim.
Eu fiquei algum tempo naquele lugar antes de acordar sentindo meu coração pulsar... Como nas vezes na qual ele me beijava.
Depois desse dia, até hoje, eu só sonhei com ele uma outra vez: no dia em que escrevi sobre a morte dele nesse conto. Mas o sonho foi diferente e eu me lembro muito pouco.
As coisas acontecem de um jeito inesperado nas nossas vidas.
Em um dia estamos tocando com os amigos debaixo da árvore das Luzes e no outro estamos tocando no festival musical da cidade.
Eu estava muito ansioso por esse momento. Nós já estávamos na terceira semana do mês de dezembro e desde que recebemos o convite da secretária de cultura, que estava organizando o evento, (dias depois do e-mail do Alex) eu não parei de pensar nesse dia e agora eu estava ali no palco tocando e tocando para a maior plateia para a qual eu já tinha tocado na minha vida.
Aquele show elevaria para sempre o nível da nossa banda “Tsubasa” - enfim... Vocês já sabem que esse não é o nome, .mas o meu nome também não é Renato. Nem Adrian... Então vou continuar usando.
Eu e a Marília pensamos em várias músicas para esse momento e a escolha gerou algum tumulto entre os meninos da banda, que começaram a dizer que eu e a Marília mandávamos demais em tudo. Esse tipo de coisa sempre acontece em qualquer grupo, seja de amigos, de trabalho ou um grupo musical. Quando alguém que se torna o líder natural começa a ser questionado.
É hora de parar e escolher um novo líder com o qual todos estejam de acordo.
Felizmente nossa banda é um grupo de amigos. E mesmo com alguns problemas, a gente se entendeu sem grandes problemas.
O fato é que depois disso eu passei a me vigiar para sempre consultar os outros integrantes sobre alguma coisa antes de simplesmente mandar uma cifra de música por e-mail pedindo que eles aprendessem e tocassem porque aquela música representava algo para mim.
Eu percebi naquele momento que por sermos uma banda, nossas músicas não deveriam transmitir apenas o que eu estava sentindo e sim refletir o todo do grupo.
Eu estava muito ansioso para esse show e queria dar um passo além nesse, e mostrar alguma coisa minha.
Eu estava muito ansioso para esse show e queria dar um passo além nesse, e mostrar alguma coisa minha.
Tentei compor por várias semanas, mas não consegui nada. Eu me surpreendi com isso, pois sempre achei que seria fácil escrever e musicalizar meus sentimentos.
Mas pelo visto eu tinha mais sorte com textos em prosa do que em versos.
Não deixei isso me abalar. Procurei por músicas especiais para mim e pedi para o pessoal da banda fazer o mesmo. Nós iríamos escolher o nosso novo repertório para aquele evento.
O engraçado foi que alguns dos meninos, na hora de sugerir as músicas, disseram “em time que está ganhando não se mexe”. - kkk - acabamos ficando com muitas das músicas antigas e escolhemos poucas novas.
E depois de tanto tempo de preparo, ali estava eu cantando para a maior plateia que eu já tinha enfrentado.
Nesse momento eu senti que éramos uma banda de verdade. E olha que havia muita gente para o horário de 19:00 h.
Como todo mundo da banda era menor de idade, não poderíamos ficar lá depois das 21:00 h sem acompanhantes maiores e responsáveis diretos por nós. Um dos baixistas não tinha acompanhante, então nós não poderíamos tocar muito tarde e acabamos sendo a segunda banda da noite.
Tocamos várias músicas clássicas do nosso grupo e agora nosso tempo estava acabando, mas ainda tínhamos duas músicas pela frente.
Foi então que eu ouvi as primeiras notas da minha música favorita do Ash - Shining Light (vocês lembram, né?).
Eu cantei muito feliz por estar tão perto do final da nossa apresentação que tinha sido aplaudida por muitos naquela noite.
Nesse momento eu procurei minha mãe e o tio João na plateia e minha voz quase travou quando vi aquela pessoa parada ali.
Ele estava diferente. O cabelo meio comprido, sem óculos...
Felizmente, a essa altura da minha vida, não seria ele que me faria perder a voz. Continuei a cantar como se não tivesse visto nada. Ninguém percebeu minha hesitação. Enganei a todos; menos a mim mesmo...
Como me senti bobo com o choque que tive ao vê-lo.
“A constellation once seen,
Over Royal David’s City
An epiphany you burn so pretty
Yeah, you are a shining light”
Terminei a música.
E continuei evitando olhar para aquele lugar onde eu sabia e sentia que ele estava parado.
Agradeci a Deus por não ter ficado vermelho do jeito que eu ficava quando ele chegava perto.
Se eu ficasse corado, ele teria certeza que ainda tinha muito efeito sobre mim e isso era a última coisa que eu queria.
Na verdade só o que eu queria dele era conversar e esclarecer o passado de vez.
É incrível a quantidade de coisas que eu consegui pensar em tão poucos segundos entre uma música e outra.
Me ocorreu que alguma coisa estava muito errada ali.
Ele só deveria voltar ao Brasil no dia vinte e três de dezembro e nós ainda estávamos no dia dezoito.
Aquilo estava muito errado...
Então eu ouvi as primeiras notas de “We’ll Never Know” - Lifehouse.
Me ocorreu que essa música poderia soar como uma indireta.
Mas que se dane o que ele pensar; eu nem sabia que ele ia chegar antes do dia esperado..
Eu não resisti e dei mais uma olhada com o canto do olho.
A pele dele estava mais branquinha do que eu me lembrava.
E o estilo tinha mudado... Estava vestido com um típico garotinho americano de classe alta (cara influenciável - eu pensei) e definitivamente ele devia ter gasto cada segundo nos Estados Unidos se embelezando...
Cantei com toda a empolgação que a última música da banda merecia.
Animei muito a galera que começou a pular ao ritmo de “And we're not gonna live forever” – “Can you tell me is it now or never” –“ I'm not gonna make up your mind” .
Para mim estava sendo mágico viver aquele momento e a salva de palmas e assovios no final...
Ouvi as pessoas pedindo mais para uma banda de moleques completamente desconhecida...
Nossa! Nunca vou me esquecer desse momento, nada, nem mesmo o retorno inesperado “dele” poderia interferir nessa alegria.
Na hora em que toda a banda foi pra frente do palco, para retribuir o carinho da plateia, o Alex foi varrido da minha mente completamente.
Quando tudo acabou, mas ainda no palco, corri para abraçar a Marília.
Aquele era um momento muito especial para toda a banda, mas eu e ela começamos tudo aquilo na tarde em que nos conhecemos, debaixo da árvore das Luzes. Aquele momento de sucesso era nosso. Fruto da nossa amizade e desse estranho amor de amigos irmãos que sentíamos um pelo outro.
Ela pulou no meu pescoço como costumava fazer antigamente e nós fizemos uma coisa que pareceu a coisa mais certa a se fazer naquele momento: nos beijamos.
Não foi um beijo apaixonado, mas foi um beijo de carinho, de afeto.
Juro por tudo que é mais sagrado que nem sequer pensei no Alex que estava na plateia e poderia estar vendo aquilo.
Talvez vocês pensem que fiz a mesma infantilidade de dois anos atrás quando queria beijar o Carlos na frente dele, mas a verdade não era essa.
Esse beijo não tinha nada a ver com o Alex; não era uma provocação.
Esse beijo não tinha nada a ver com mais ninguém além de mim e ela.
Desde a morte do Carlos eu e ela ficamos mais próximos ainda. Eu sempre tive por ela um carinho muito especial que sempre ultrapassava um pouco os limites da amizade e como vocês todos que acompanham aqui desde o começo devem saber, sempre houve uma estranha química entre eu e ela.
Aquele beijo ia acabar acontecendo algum dia e aconteceu em um momento muito especial para nós dois e por isso foi muito bom.
Definitivamente eu não estava apaixonado pela Marília e não queria que aquele fosse o início de uma história ou a complicação de outra (se é que vocês me entendem).
Esse beijo, embora muito bom, foi uma gesto de carinho múltiplo.
Eu sabia disso e ela também.