Desperto com a disposição de quem não dormiu bem, levo Otto para o nosso passeio matinal, tomo um rápido banho, pego minha marmita e corro para a parda de ônibus, pego o ônibus e o metrô, trabalho em uma editora, leio rascunhos e verifico o interesse da editora no material.
Ao chegar a minha mesa verifico as mensagens e vejo que ela me mandou algo, abro e posso ler: amei nossos dias, quer vir aqui na próxima? Respondo com entusiasmo: eu adoraria conhecer sua cidade, seja minha guia.
Trabalhei muito a manhã toda, tirei uma pausa rápida para almoçar e fiquei focada nas leituras até 18h, os dias de trabalho são mais corridos, meu único momento para relaxar era ouvindo meu podcast de crimes na volta para casa.
Continuei a conversar bastante com ela, de preferência no transporte ou no trabalho para evitar ficar de sorrisinho bobo em casa, já que eu havia prometido. Eu sentia meu marido distante de mim, eu não falaria mais sobre ela em casa e manteria nossa rotina.
Mas ele nem me tocava, não conversava comigo como antes, eu sentia nosso relacionamento se esvaindo. Eu tentava me aproximar, conversar com ele, contudo nada surtia efeito. Eu sabia que poderia estar o ferindo com meus novos desejos, quando contei a ele pela primeira vez esperava continuar nosso relacionamento ou, infelizmente, nos separarmos.
Quando ele me afirmou que não havia problema e que eu poderia explorar minhas descobertas confiei fielmente que iríamos continuar juntos e muito bem. Mas até agora estou vendo meu marido ferido e isso não pode continuar.
Num dia após o trabalho, sentei para conversar com ele sobre isso e esperava que fosse uma conversa definitiva para definir o futuro.
- Queria conversar com você, podemos?
- Sim, sim.
- Estou com dificuldade de ler você, percebi claramente que você não está feliz e quero conversar com você.
- Não estou feliz, de repente você veio cheia de ideias que não me agradam, mas que eu aceitei para ver você feliz.
- Não consigo lidar com a pressão de ter sua felicidade em minhas mãos.
- Para mim é difícil saber que você é feliz com outra.
- Eu compreendo, porém não consigo voltar ao que eu era antes.
Um silêncio tomou conta de nossa casa, não falamos mais. Perto da hora de dormir, disse para ele: eu não quero te machucar, nunca quis. Ele se virou com muita raiva para mim, não disse nada e me sacudiu, por cerca de alguns segundos e eu fiquei apavorada, me jogou na cama e eu só consegui dizer, bem baixinho: cuidado, por essas e outras que você pode nunca mais me ver.
Levantei rápido e fui ao banheiro, fechei a porta, me olhei no espelho, estava branca como uma folha de papel, eu não podia acreditar no que estava acontecendo. Eu jamais esperaria uma atitude dessa vinda dele, ele nunca havia sido violento comigo, essa era a primeira vez.
Decidi, enquanto lavava mãos, que aquele casamento poderia acabar, eu iria ter alguns dias para pensar porque se eu fosse decidir naquele momento seria separação na certa. Naquele dia demorei muito para dormir, tive um sono sobressaltado, e acordei algumas vezes com medo dele.
No dia seguinte acordei mais cedo que pequeno Otto, demos um passeio onde eu não conseguia pensar em outra coisa a não ser o que havia acontecido. Estava exausta e muito irritada pela forma como fui tratada, num relacionamento de tantos anos ele agora me vem com agressões. Ele que me aguardasse.
Peguei o celular e mandei mensagem de bom dia para ela, que me respondeu prontamente e muito feliz, contei para ela que o clima lá em casa não estava bom e que queria vê-la, poderia viajar nos próximos dias já que era sexta-feira. Ela me retornou com a proposta de nos vermos no mesmo dia. Sem pestanejar respondi que iria, perguntei se ela poderia me buscar no aeroporto e iria ver passagens. Ela disse que faria o que precisasse, que bom tê-la na vida.
Fui para casa, me arrumei rapidamente, fiz uma pequena mala, falei para ele que iria viajar no final de semana e que voltaria domingo. Ele não esboçou nenhuma reação e eu não fiquei lá esperando que ele reagisse. Somente sosseguei quando sentei no ônibus e estava procurando passagens, encontrei com certa facilidade, comprei e coloquei uma música instrumental para relaxar no caminho a empresa.
Chegando lá não conseguia me concentrar no trabalho, minha sorte é que estava tudo bem adiantado, sentei na minha cadeira pensando muito triste que aquilo não podia estar acontecendo, era muito irreal. Mas eu sabia que não merecia ser tratada desta forma e iria em frente.
Sai um pouco antes das 18h, peguei um carro para o aeroporto, fiz check-in, fui até o embarque para aguardar, passei por lojinhas de doces e cafés, contudo não tinha fome alguma. Eu podia sentir o peso do mundo em minhas costas, saí de meu devaneio quando chamaram meu voo, levantei rapidamente e entrei na fila que se moldava no portão.
Encontrei facilmente meu assento, me aninhei e encostei observando a janela, sem perceber adormeci, somente acordei com o balançar da aterrissagem. Aguardei paciente as pessoas se retirarem para pegar minha bagagem e poder ir ao encontro dela. Liguei o celular e mandei uma mensagem avisando que já tinha chegado, ela respondeu rapidamente com entusiasmo.
Fiquei satisfeita por ter dormido já estava mais descansada, logo que saí do desembarque a vi, completamente arrumada com roupas de trabalho, estava linda. Nos abraçamos assim que nos vimos, seu abraço me dava mais energia.
Pagamos o estacionamento e fomos até seu carro, estava completamente relaxada, nem parecia que tinha passado pelas últimas 24 horas. Depois de um pouco de trânsito chegamos em sua casa. Era um apartamento grande, bem maior do que o meu apartamento dois quartos. Ela:
- Você deve estar cansada, que tal um banho enquanto eu adianto o jantar?
- Você vai cozinhar para mim? Que delícia.
- Vou cozinhar se a senhora for para o banheiro.
- Não precisa falar duas vezes.
Tomei um banho longo, fiquei alguns minutos embaixo do chuveiro pensando em como contar para ela o que havia acontecido e resolvi falar tudo porque queria ser verdadeira com ela.
Como era quente, resolvi colocar um vestidinho longo para combinar. Saí do quarto pronta para jantar, estava um cheiro maravilhoso, parecia alguma massa. E eu estava certa, era um fettuccine com um molho vermelho chamativo. Ela:
- Linda fiz esse molho do zero, espero que você goste.
- Se você cozinhou estou mais do que satisfeita.
Dei um pequeno beijo nela que sorriu acariciando minha bochecha.
- Estou morrendo de fome, podemos comer?
Ela acenou afirmativamente e me serviu. Comemos quase que em silêncio porque eu não queria falar na hora da refeição e tão pouco conseguiria pois estava com fome, estava comendo mais rápido do que de costume. Quando percebi ela estava me observando atentamente enquanto comia. Fiquei levemente ruborizada e comecei a rir incontrolavelmente.
- Por que está me observando assim?
- Você estava com fome, parece que não comeu direito hoje.
- E não comi mesmo, não como nada desde o almoço.
- Estou começando a achar que essa sua briguinha foi séria.
- Foi o fim, ele foi muito grosseiro comigo, no final me sacudiu e jogou na cama. Digo diminuindo a voz a cada palavra.
- Eu não acredito nisso.
- É verdade, não contei isso para ninguém, não consegui. Falo quase chorando e me segurando de verdade.
Ela me abraça apertado, ficamos assim por alguns segundos.
- Você precisa decidir o que vai fazer daqui pra frente.
- Não quero chorar na sua frente, mas tenho uma ideia do que irei fazer, acho que estou precisando tomar um decisão que eu não queria.
- Linda, não se preocupe. Você vai ter tempo de pensar. Fique aqui comigo e podemos conversar ou não sobre isso.
- Estou pensando seriamente em me separar, nosso relacionamento não pode ser a coisa mais importante da minha vida, preciso pensar em mim e o que aconteceu me assustou muito.
- Eu não consigo nem imaginar o quanto.
Minhas lágrimas começam a rolar, deixei que caíssem sem suprimi-las. Ela me abraçou e afagou meu cabelo.
- Não quero que você sofra, já está beirando o que posso suportar.
- Não quero que você me veja assim, chorando por quem não merece. Quero estar feliz assim como estávamos no nosso fim de semana.
- Exatamente. Aos poucos ela seca minhas lágrimas, me dá uma série de beijinhos e pega um copo d’água para mim.
Bebo todo o conteúdo do copo de uma única vez. Respiro fundo:
- Já sei o que irei fazer, já me decidi, podemos partir para a parte em que não há sofrimento e eu estou aqui perfeitamente feliz com você aqui?
- É o que eu mais quero, linda. Desde a hora que você chegou.
- Estou cansada podemos dormir um pouquinho.
- Estava esperando você pedir.
Deitamos juntinhas e eu adormeço quase que instantaneamente. Acordo depois de algumas horas, sinto cheiro de lavanda e ela está adormecida ao meu lado. Fico observando seu semblante sereno, o movimento suave em que seu peito sobe e desce, sinto muita gratidão por estar nesse momento.
Passei longos minutos naquilo, senti vontade de ir ao banheiro, me levantei calmamente para não a despertar. Quando volto ela está de olhos abertos sorrindo pra mim. Deito calmamente e ficamos nos olhando, toco seus cabelos, estão mais curtos do que no nosso fim de semana. Percebo como senti sua falta. Passo meu nariz no seu para que ela se lembre de que gosto muito dela e a quero bem.
Chego bem pertinho dela e lhe beijo com ternura, mordisco seu lábio inferior. Ela passa a mão pelo meu vestido e o levanta um pouco, fico com a coxa a mostra. Percorro meus dedos pelos seus botões, vou abrindo um a um, seu sutiã vai ficando mais exposto a cada segundo.
Tiro meus óculos e coloco a cabeceira de cama, levanto com agilidade e retiro as almofadas de cima da cama, ela me ajuda, tiro sua blusa e a deixo cair no chão, ela puxa meu vestido e assim vamos até não ter mais roupa nenhuma.
- Não vá dormir depois dessa, linda.
- Pretendo ficar acordada, meu amor.
Quando retorno para minha cidade planejo calmamente meus passos, tomo um café no voo só pensando no que irei fazer. Rapidamente vou saindo do aeroporto, pego um carro de aplicativo e me dirijo até em casa. Chegando o peito aperta, mas não é momento de fraquejar.
Abro a porta e Otto pula em cima de mim, com tudo, quase me derruba, mas abaixo para cumprimentar meu pequeno, quando olho vejo que meu marido está sentado no sofá, assistindo televisão. Coloco minha mala num cantinho e sento no sofá:
- Precisamos conversar.
- Sim, precisamos.
- Aquilo que aconteceu na quinta não pode rolar, eu sou sua esposa, contudo diante de tudo eu sou uma pessoa que merece seu respeito, você tem todo o direito de estar chateado comigo, querer se separar, mas não pode me bater, usar sua força contra mim.
- Me desculpe por aquilo.
- Eu vou perdoar porque te amo, mas me senti uma merda.
- Eu estava muito chateado por causa dela e não medi nada.
- Vamos nos lembrar que antes dela tinha eu e você. Eu te contei tudo para que você tivesse ciência do que eu queria viver e se era bom para nós.
- Sim, eu concordo. Parecia que só ela existia para você.
- Eu estou apaixonada, nunca escondi de você, mas eu te amo e não queria ter que me separar.
- Nem eu quero isso.
Nos abraçamos, quando eu vejo uma mulher sai do quarto, olho para ele e pergunto quem é, ele me fita e bebe minha reação.
- Você trouxe uma mulher para nossa casa?
- Igual você fez.
- Ela nunca veio aqui e eu pretendia manter assim, mas já que você quer se adiantar pode arrumar uma mala sua e ir embora com ela. Eu espero.
Em alguns minutos, sem resistência, ele foi embora, ele bateu o pé e quis levar Otto, eu sabia que ele amava o cachorro e tinha acabado de perder a casa, então eu deixei. Me sentei chocada com o que eu acabara de ver, coloquei a roupa de cama para lavar, organizei a casa e peguei o telefone, liguei para ela:
- Tudo resolvido. Me sinto mais leve.
- Que bom, linda.
- Ele levou Otto, não pude evitar. Falo triste.
- Escuta quando você vem ou eu vou primeiro?
Ela vem me trazendo uma bebida, água de coco já que eu estava me exercitando. Ela está elegante de biquini com uma saída de banho que parece uma blusa social. Com ela sou feliz e pretendo continuar.