Foi minha vez de correr pela mata.
Essa era a segunda vez em menos de dois anos que ele arrancava meu coração fora e o transformava em pó...
Correndo, nem percebi que tinha voltado até a mesma pedra onde eu conversei com a Marília.
Foi ali que eu dei um grito, um urro de dor.
Só consegui pensar em uma coisa:
“Nós havíamos nos perdido um do outro para sempre!”
E do nosso amor só havia restado um grande vazio e uma dor suprema!
Eu fiquei sentado naquela pedra por alguns minutos.
Vi quando o garoto que estava com ele saiu do mato e ele veio atrás, chorando alto como uma criança.
Ele começou a vir na minha direção, mas quando percebeu que eu também estava em prantos, hesitou, ficou parado por um tempo a uns três metros de mim e não deu nem mais um passo na minha direção.
Se ele tivesse dado, teria que se preparar pra apanhar!
Depois, ainda chorando, ele foi andando meio cambaleante para a festa.
Eu continuei ali, tentado lembrar de como respirar...
A dor moral que eu estava sentindo era muito grande.
Foi então que a Marília saiu de entre as árvores, mais tonta do que quando entrou... E disse:
- Re... Renato... Eu te ouvir gri...
Mas ela não terminou a frase porque começou a vomitar. Corri até ela e passei as mãos nas suas costas tentando aliviar as suas náuseas.
Depois disso ela não conseguiu mais andar e só não caiu no chão porque eu estava ali.
Eu a carreguei então até o ponto de encontro com os meninos.
As pessoas na festa estavam muito interessadas com a própria diversão para perceber um garoto de dezesseis em prantos carregando uma garota da mesma idade e desmaiada.
Ninguém me ofereceu ajuda!
Quando cheguei no ponto de encontro só estava o Matheus.
Eu não ia esperar pelos outros, a Marília precisava de um médico!
E eu de um transplante de coração.
O Matheus decidiu ficar e aproveitar a festa com os outros, afinal só eu queria ir embora.
Eu e o Alex, que passou por ele e só disse que já ia.
Pelo menos ele me ajudou a carregar a Marília até a pista fora do parque, onde eu peguei um táxi e toquei para a Urgência e Emergência do plano de saúde dela.
O lugar estava cheio, mas ela foi atendida até rápido. Eu estava muito preocupado, ela não acordava. Aquela preocupação com ela me fez esquecer um pouco minha própria dor.
Tentei ligar pra minha mãe, mas ela não atendia. Tentei ligar pra casa da Marília, mas não tinha ninguém.
O médico disse que ela estava quase em coma alcoólico, mas que ficaria bem com a reidratação e a glicose endovenosa.
Fiquei mais tranquilo, porém não saí do lado dela.
Eu estava muito angustiado, arrasado pelo o que o Alex fez, pela indiferença dos nossos amigos com a situação da Marília...
Eu já ia começar a me atormentar e a buscar a minha parcela de culpa na coisa toda.
Foi então que me lembrei de rezar!
Fechei meus olhos e, com as mãos segurando as mãos da Marília, eu pedi ao Pai celestial, serenidade, tranquilidade, que ele pudesse acalmar a dor do meu peito, que me mostrasse o melhor caminho a seguir dali por diante, que me orientasse através dos bons espíritos para que eu não voltasse a cometer erros por impulso como os que eu cometi no passado, erros esses que determinaram minha situação presente.
Pedi pela Marília, para que ela se recuperasse logo; pedi por aqueles corações ainda endurecidos que não conseguiram ajudar a duas pessoas que precisavam; pedi pelos meus amigos que ainda estavam naquele ambiente que só me trouxe infelicidade.
Foi então que comecei a chorar e me lembrei fortemente do Carlos, do seu sorriso, do seu carinho e preocupação com todos que ele amava e lembrei-me da sua última promessa:
“Eu sempre vou estar com você”.
Essa lembrança repentina me acalmou, diminuiu minha dor, me fez pensar menos em mim e pensar no outro lado da história.
Eu jurei que ia trazê-lo de volta, eu jurei que ia ajudá-lo e eu fiz tudo o que pude, tudo que estava ao meu alcance.
Mas só ele pode se libertar.
Ocorreu-me que eu fiz o certo negando-me a satisfazer os instintos dele e ele, pelo visto, não entendeu isso e provavelmente foi buscar saciar o vício com qualquer um.
A busca por qualquer tipo de satisfação, mesmo que isso o suje, mesmo que isso o machuque.
Esse vício é a forma dele se satisfazer e se punir. Não é que ele não me ame. A questão é que ele não ama a si mesmo.
Não tenho certeza, mas algo me diz que o Carlos estava do meu lado nesse momento.
Fato é, que depois disso, eu consegui analisar a situação com um pouco mais de calma.
Primeiro eu precisei responder algumas perguntas para mim mesmo:
P: Será que eu ainda amava o Alex, mesmo depois do que eu vi?
R: O amor não é como um pouco de água que eu coloco em um balde, uso e depois digo que acabou. Não. O amor é uma construção e depois que é edificado nada o destrói... Ele pode até mudar de forma, mas acabar nunca! Então Sim! Eu ainda o amava, mesmo depois de tudo.
E isso me trouxe outra questão à mente:
P: O que eu faria com esse sentimento?
R: Bom, eu o amava e isso era fato! Mas será que eu conseguiria perdoá-lo? Eu aceitei as coisas que ele fez nos EUA, coisas nojentas, mas eu disse que tudo bem “porque ele estava doente”, mas eu não consegui aceitar quando vi acontecer na minha frente!
Bom, eu jurei que o traria de volta, mas será que eu estava pronto para uma relação onde eu estivesse sujeito a ser traído o tempo todo até que ele se recuperasse totalmente? Será que eu estava pronto pra viver uma relação onde talvez eu tivesse que ceder e satisfazer os impulsos dele? Será que eu estava pronto para ver essas coisas mancharem nosso amor?
A resposta era não.
Eu não estava pronto para isso. Por mais que eu o amasse, por mais que o quisesse ao meu lado, naquele momento eu soube que precisava seguir adiante.
Eu sempre guardaria esse amor com muito carinho no meu peito, cada momento feliz, cada conversa; sempre que ouvisse “More Than Words”, “This Land is Mine”, Anywhere But Here, Blind e outras tantas, eu lembraria dele.
Sempre que olhasse para as minhas prateleiras de livros, sempre que folheasse um mangá, sempre que tocasse um violão eu me lembraria dele.
E nesses momentos eu ainda o amaria... Porque um amor como esse nunca morre. Mas eu não poderia tê-lo ao meu lado nunca mais. Eu não suportaria ver o mais puro dos meus sentimentos manchado por uma relação desequilibrada e viciosa.
A noite terminou e eu vi o dia primeiro de janeiro nascer, das janelas do hospital.
A Marília já estava melhor, mas só acordaria bem mais tarde e com uma super ressaca.
Consegui falar com a mãe dela e lá pelas oito da manhã ela veio nos buscar.
Quando cheguei em casa minha mãe ainda não havia chegado. Consegui me arrastar até minha cama e finalmente dormir.
Acordei quase quatro da tarde, mas também pudera, eu não preguei o olho a noite toda.
Cambaleei até a cozinha e preparei um sanduíche. Mamãe estava no sofá. Perguntei se alguém tinha me procurado e ela disse que não.
Lá pelas 21:00 h a Marília bateu na porta de casa e nós fomos caminhar um pouco.
- E aí, como está a ressaca?
- Ai, nem me lembra que minha cabeça já começa a doer.
Eu sorri e ela continuou:
- Nunca mais vou beber.
Eu e ela caminhamos até a praça dos ipês e sentamos em um dos bancos mais distantes do lugar onde o Carlos faleceu.
Nós conversamos sobre o caso dela com meu primo.
Aparentemente eles transaram no próprio dia vinte e seis, na casa dela. E ela me disse que fez um teste e agora tinha certeza que não estava grávida.
Eu contei a ela toda a história sobre o Alex desde o que se passou nos EUA e ela teve a mesma sensação de nojo que eu tive.
Eu contei a ela que estava decidido a seguir em frente.
- Sabe, eu acho que você está conseguindo lidar bem com a coisa toda. O Renato que eu conheci uns anos atrás, estaria chorando até agora e talvez quisesse até morrer.
- Pior é que você tem razão.
- Só tem mais uma coisa que você precisa decidir.
- O quê?
- O voo do Alex sai amanhã às nove e meia da manhã e ele, diferente de você, não mudou. - ela fez uma pausa e continuou. - A última coisa que você disse pra ele foi para que ele nunca mais voltasse a te procurar e eu te entendo e acho que ele também entende. Mas acho que a vida dele vai se tornar muito pior se essas realmente forem as últimas palavras que você disse a ele. Isso se ele não fizer nenhuma bobagem!
Eu travei. Ela estava certa...
Então eu tenho uma pergunta pra você:
- Você vai deixar ele ir embora sem uma última conversa?
Esse pergunta ressoou dentro de mim como um eco que nunca acaba. Eu o amava muito e ficaria bem, mas ele também me amava muito e estava completamente desequilibrado.
Será que ele ia conseguir sair do poço onde estava?
Será que eu ia conseguir seguir em frente sabendo que a vida dele estava sendo destruída?
No dia seguinte eu teria a resposta.
Acordei cedo e fui para o aeroporto. Cheguei lá às oito e meia e procurei o portão de embarque internacional.
Ele estava parado em uma fila com a mala do lado. Ele estava com um aspecto horrível; os olhos fundos e vermelhos, olheiras que me diziam que ele não conseguia dormir desde a nossa briga.
Eu tomei fôlego caminhei até perto dele e chamei:
- Alex!
Ele se virou e pareceu não acreditar no que estava vendo. Abandonou a sua mala e deu vários passos apressados em minha direção e me abraçou muito apertado.
Parecia que ele queria ter certeza de que eu realmente estava ali. E sem me largar ele disse “achei que nunca mais fosse te ver”.
Ele demorou algum tempo até perceber que, embora ele estivesse me envolvendo completamente com seus braços, eu não estava retribuindo o abraço.
Foi então que ele deu um passo atrás e disse:
- Eu não sei por que você está aqui, mas não importa... Poder ver você mais uma vez... - ele começou a lacrimejar e depois disse:
- Eu não... Não tenho nem coragem de pedir perdão...
- Alex, eu estou aqui cumprindo uma promessa. Eu disse que estaria aqui quando você fosse embora, lembra? Eu disse que te daria um abraço de despedida e disse também que estaria aqui quando você voltasse. E eu vou estar! Mas eu preciso que você saiba uma coisa...
- Renato, eu te amo! Te amo muito... Você precisa acreditar em mim! Eu não posso ir embora sem ter certeza de que você sabe disso! Por favor, diz que você sabe! Diz que você sabe que eu te amo!
Eu respirei fundo... Afinal, estava sendo muito, muito mais difícil do que eu esperei que fosse.
Reuni toda a coragem que existe em mim e disse:
- Eu sei que você me ama! Mas eu também sei que você não se ama o suficiente para amar alguém! Quando você aprender a se amar, então vai estar pronto para fazer alguém muito feliz! Como você já me fez! - eu não aguentei, comecei a chorar um pouco...
- Eu não quero fazer ninguém mais além de você, feliz...
- Alex, eu vim aqui pra te dizer que eu te amo, te amo muito e sei que você me ama. E por isso eu vim te pedir pra partir sem nenhuma culpa... Eu te perdoo pelo o que aconteceu e eu quero que você fique bem!
Minhas lágrimas não paravam de cair da minha face. Tomei fôlego e continuei:
- E assim como eu quero que você fique bem, eu também quero que você saiba que quando você voltar eu vou estar aqui, porém eu vou ter seguido adiante! E eu espero que você faça o mesmo.
Dessa vez fui eu que corri e o abracei forte. E ele retribuiu, mas entre lágrimas, me perguntou:
- Por que tem que ser assim, se a gente se ama!
- Porque o verdadeiro amor não espera nada em troca, tem no ato de dar a sua essência de existir e na renúncia o seu maior pilar! Hoje, renunciar a esse sentimento é a única forma de não nos machucarmos mais ainda! Eu quero poder sorrir e cantar ao seu lado quando você voltar e a agente não vai conseguir se nos machucarmos como fizemos ontem.
- Você se tornou alguém muito melhor que eu.
- Não. Eu só estou tentado ser uma pessoa melhor pra ser mais feliz e felicidade é tranquilidade de consciência, não é ter tudo que queremos nem é ter satisfação. E tudo que eu te desejo é que você possa também aprender a mostrar o melhor de você mesmo.
Continuamos abraçados por alguns minutos e então eu disse:
- Preciso ir!
- Espera, o voo ainda não vai sair...
- Não posso... Boa viagem, Alex! Tudo de bom...
Comecei a me afastar e não olhei para trás. Já era difícil demais sem olhar.