Rodrigo jogou praticamente todo o seu closet fora. O pouco que sobrou das roupas antigas ele conversou com Rose, sua secretária na clínica, para que doasse. Ela havia destinado a pessoas carentes de alguns bairros. Seu closet estava cheio de roupas novas, coloridas, que o valorizam. Rodrigo adorava laranja, vermelho, branco além de tons de azul e verde.
Ele tomou essa iniciativa no dia seguinte ao beijo. Porra e que beijo... Rodrigo não parava de pensar se devia ter agido de forma diferente. O que ele deveria ter dito? Poxa, mas era uma chamada do hospital. Ele realmente precisava ir. Será se deveria ter mandado mensagem mais cedo?
Rodrigo trocou mensagens com Davi nos dias seguintes sempre se preocupando em apagar tudo logo após. Ele sentia que agora tinha um segredo enorme. Um segredo obscuro mas ao mesmo tempo excitante. Rodrigo sabia que aquilo não era certo mas não podia evitar. Ele nunca foi o tipo de cara que considerava trair a esposa, prova disso é sua fidelidade em 7 anos, mas naquela manhã ele havia beijado Davi. Pronto. Ele aceitou esse fato porque afinal não adiantava se martirizar por isso.
Nas mensagens eles conversavam sobre tudo, menos sobre o beijo. É como se nenhum dos dois tivesse coragem para tocar no assunto e riam bobos tentando só protelar isso. Talvez a sensação do segredo seja a mesma para os dois, pensou Rodrigo.
Em casa, Paula notou a diferença em Rodrigo. Rodrigo estava apático. Não respondia a brigas. Se dedicava apenas a cuidar de Matheus. Agora andava com seus cartões na carteira e ela mesmo foi surpreendida a não achar um deles no closet. Outro dia notou Rodrigo rindo ao responder mensagens e para uma pessoa ciumenta como ela aquilo era um crime. Isso a deixava ainda mais sem paciência.
Rodrigo voltou a jogar futevôlei 3x na semana. Sempre nas noites livres de segunda, quarta e sexta quando saía da clínica. Apesar de nunca terem mencionado o primeiro beijo de forma direta, Rodrigo e Davi trocavam carícias íntimas sempre que podiam. Era como beliscar uma sobremesa sabendo que aquilo era proibido para o horário. Sejam os tradicionais abraços nas comemorações do futevôlei ou como outro dia em que uma piada aleatória no banheiro do clube os fez rir tanto que Rodrigo prendeu o rosto de Davi com as duas mãos e o beijou rápido.
- Eu não aguento você! - Davi ria desconsertado após aquele beijo.
- Eu adoro você. - Rodrigo ria saindo do banheiro.
Outro dia Rodrigo vasculhava as gavetas do closet e achou impresso um plano alimentar de quando fazia musculação há muito tempo atrás prescrito por Paula. Ele decidiu seguir, era melhor que nada. Ele se empenhou muito e começou a perder a pequena camada de gordura no abdômen que tanto o incomodava. O peito e braços fortes de Rodrigo saltavam em suas camisas facilmente.
Uma outra semana Rodrigo levou Matheus até o parque da cidade para dar uma volta. Paula ficou com amigas num bar. Fazia muito tempo que ele não sentia isso. Satisfação em simplesmente sair de casa ao fim de semana para espairecer. Matheus fazia perguntas normais de criança sobre os patos no lago e ele ficava impressionado em como perdeu tanto tempo desperdiçando momentos como esse.
Sua "relação" com Davi, se assim ele podia dizer, estava bem. Era incrível como os dois estavam próximos. Jogavam 3x na semana. Almoçavam mais algumas vezes juntos. Estar com Davi era novo e Rodrigo temia que se se apressasse as coisas poderia dar errado. Eles era como... Amigos com benefícios? Rodrigo se sentia um adolescente. Davi por outro lado começou a evitar algumas das carícias.
- Você pega muito pesado. - Davi disse saindo das mãos de Rodrigo no banheiro do clube outro dia.
- Qual é? Vai dizer que não gosta... - Rodrigo disse se sentindo a pessoa mais safada do mundo. Sua auto estima estava a mil.
- Você anda muito safado cara... - Davi se curvou sobre o banco amarrando o tênis.
- É mas sou o TEU cara. - Rodrigo o abraçou por trás e cheirou seu pescoço recém lavado.
Davi se desvencilhou desconsertado.
- Vou indo. - Davi anunciou mandando um beijo no ar deixando Rodrigo para banho no clube.
Rodrigo banhava satisfeito no clube. Era tão bom viver aquilo com Davi. Apesar de que... Bem, Davi as vezes parecia incomodado. Eles tinham sim os seus momentos de "descontração" como Rodrigo chamava mas as vezes temia que estivesse forçando Davi a algo. Alguns pensamentos vinham como: Sera se Davi não estava mais curtindo "aquilo" que eles tinham? Ou será se Davi estava gostando de alguém? Uma sensação de pavor vinha no peito de Rodrigo só em pensar nessa possibilidade.
Mas infelizmente ele precisava admitir: ainda era um homem casado e com um filho. Não poderia sair por aí beijando um cara. Davi parecia entender isso porque eles não se pressionavam sobre nada. Rodrigo queria Davi mais que tudo, queria estar com ele mais vezes na semana. Queria dormir com ele. Era isso. Rodrigo queria dormir com ele! Ter a sensação de estar na mesma cama. Só que a dualidade que isso causava em sua mente era assustadora.
Outro dia, após o futevôlei Rodrigo foi deixar Davi em casa. Ele estava sem carro aquela noite pois havia emprestado o veículo para o irmão que estava de passagem pela cidade. Ao parar em frente a obra de Davi ele destravou as portas.
- Obrigado pela carona irmão. - Davi falava catando sua bolsa com seus itens e passando a alça no ombro.
- Quando quiser. Você sabe.
Os dois se olharam por um momento em silêncio. Estavam suados e sem camisa. Os olhos claros de Davi brilhavam e Rodrigo se perguntava se devia tentar algo. Havia uma segunda intenção no olhar de ambos. Mais uma vez cada um com seus motivos para não avançar.
Davi avançou e deu um selinho rápido em Rodrigo. O rosto de Rodrigo queimou imediatamente. Ao voltar para seu banco percebeu que Rodrigo estava paralisado.
- Eu quero muito. - Rodrigo confessou.
- Eu também... - Davi falou e desviou o olhar. Ele estava... Triste?
- Ei, o que foi?
Davi olhava para os pés pensativo e voltou a olhar para Rodrigo.
- Nada... Curto muito você. - Davi olhou Rodrigo usando um short da sua loja e pôs a mão na sua perna. Sentiu Rodrigo retesar o corpo.
- Eu também curto você. - Rodrigo preferiu repetir a frase porque ele nem sabia o que deveria ser dito. Como se declarar para outro homem? Céus, ele nem sabia como fazer isso e nem imaginava que naquele dia seria o momento.
- Preciso ir. - Davi desviou o olhar e abriu a porta. - Até... Depois de amanhã. Bom plantão amigo.
Amigo????? Davi bateu a porta mas Rodrigo abaixou o vidro imediatamente.
- Davi! - Chamou Rodrigo.
- Hum?
- Tá tudo bem?
- Tá sim. - Davi disse de costas destravando o portão com dificuldade na obra.
Quando conseguiu, Davi apenas sorriu e entrou em casa. Rodrigo voltou pra casa preocupado. Na sua cabeça estava claro como se desejavam mas se sentiam presos. Cada um a suas questões.
Rodrigo perdeu 7kg nos meses seguintes. 4 deles quase de imediato ao seguir o protocolo alimentar já que eram fruto de estresse e retenção líquida. Uma dieta equilibrada e exercício regular fez efeito instantâneo. A auto estima de Rodrigo nunca esteve tão bem.
A felicidade que Rodrigo estampava no hospital agora foi trazida para casa. Os risquinhos ao lado da boca que tinha ao sorrir estavam mais marcados que nunca. Também pudera. Ele era todo bom humor ultimamente. Paula continuava sendo ignorada nas brigas e Rodrigo a tratava até que bem melhor que antes. Não sentia raiva dela. Pelo contrário. Era cordial com ela como era com qualquer pessoa mesmo sabendo que aquele ainda não era um tratamento de marido e mulher. Matheus fez 4 anos e estava muito inteligente.
As semanas se passavam e o futevôlei com Davi virou um momento prioritário na rotina de Rodrigo. Ele acreditava que além do momento de descontração e esporte, suar aquela testosterona deixavam os dois mais a vontade para qualquer programa após. Era como homens que se entendem só por serem homens. Só por se olharem. A comunicação era diferente. Tudo era mais simples e... irresponsável? Rodrigo afastava esse pensamento.
Rodrigo estava radiante e era notável como abraçava e fazia carícias em Davi de forma aleatória. Os outros caras dos demais times levavam tudo na zoação. Rodrigo estava com fogo nos olhos. Marcou vários pontos e mandava as bolas perfeitas para Davi também marcar. Naquela noite eles ganharam a maioria das partidas. Todas as vezes que alguma brincadeira acabava eles se olhavam sorridentes como se passassem uma mensagem íntima e criptografada de um para outro. Na de Rodrigo com certeza estava escrito: Eu. Quero. Você.
No banheiro Davi estava pulando em frente o espelho para tirar água e areia que entrou em seu ouvido. Rodrigo observando que ninguém estava ali o abraçou por trás e beijou seu pescoço de forma estalada. Adorava como suas costas eram firmes moldadas a uma cintura fina e o cheiro pós banho era demais pra ele.
- Voce mandou bem demais hoje!
- Você tá doido? Os caras podem entrar aqui. - Davi saia do seu abraço dessa vez com até uma cara de incômodo dobrando a toalha e olhando para a porta.
- Relaxa... - Rodrigo falava tranquilo tirando a mochila das costas e pondo no banco.
- A gente vai jantar depois daqui? - Davi perguntou.
- O que você quiser. Até meia noite eu sou todo seu. - Rodrigo disse tirando a camisa suada e sorrindo de volta.
Rodrigo entrou na área do chuveiro e tirou parte da areia do corpo. Seu short molhado grudou definindo todo seu corpo. Fez aquilo de propósito para chamar atenção de Davi como se fosse um convite mas achou estranho quando Davi o olhou pelo espelho e balançava a cabeça em negação.
- Tô lá fora te esperando. - Davi saiu do banheiro.
- Só um instante.
Jantaram num barzinho do clube onde era bem comum os caras irem após jogar, todos bem suados e sujos, mas os dois já limpos. Tomaram duas cervejas e foram saindo para ir embora. Rodrigo teve uma ideia. Ao passarem novamente pelos banheiros puxou Davi pelo braço e ao chegar lá dentro vendo que não havia ninguém o beijou. Os dois sorriam como adolescentes, os corpos colados e tímidas ereções surgindo involuntariamente.
- Você é doido, Rodrigo! - Davi dizia com dificuldade preso por Rodrigo. Só que Rodrigo não parou por aí.
Rodrigo colou o corpo de Davi na parede. Mãos firmes em sua cintura esguia. Ele esfregava o seu corpo no de Davi como se quisesse absorver cada gota de suor dele. Enfiou a língua pela primeira vez na boca de Davi e o sugou com tanta volúpia que o fez gemer. As ereções antes tímidas cresceram e Rodrigo sentiu o pau quente de Davi por baixo dos shorts pulsando contra sua barrida.
Ele baixou a mão e o agarrou sobre o short. Davi gemeu alto em sua boca e ameaçou sair daquele aperto mas ele não deixou. Davi olhava com os olhos enormes quase assustado. Rodrigo usou força e conteve Davi alí. Ele estava louco? Estavam no clube. Qualquer um poderia entrar mas Rodrigo estava tomado por uma vontade enorme de provar mais de Davi. Há muito tempo na verdade. Só um selinho não era suficiente aquela noite. Talvez as duas cervejas estavam mais fortes do que ele imaginava.
Davi conseguiu tirar sua boca da de Rodrigo. Rodrigo estava vermelho, sorria divertido com os olhos em luxúria. Davi empurrou Rodrigo de leve.
- Sai fora cara! - Davi disse limpando a boca com a mão. - Assim não dá. O que foi isso?? Tá doido?
- Cara... - Rodrigo não conseguia se declarar. Respirou recuperando o fôlego. - Eu tô viciado nisso de te beijar. Puta que pariu. Isso é muito gostoso.
Davi olhou pra baixo ajustando o pau na bermuda com o olhar vago.
- O que foi? - Rodrigo perguntou sem entender ainda rindo de tudo. Afinal foi só mais um beijo. Quer dizer, foi um super beijo com pegada que Rodrigo estava super orgulhoso de ter dado.
- Rodrigo... Você é casado cara. Eu não sei bem o que é isso que a gente tá fazendo. Eu acho que não quero isso... Acho melhor a gente parar.
Rodrigo paralisou. Paralisou tamanho o medo de perder Davi. Como assim parar? Tudo bem que ele era casado. É verdade mas... Ah droga. Não, Davi! Não! Tudo menos parar! Rodrigo buscava as palavras e não conseguia. Se sentia amedrontado mas ao mesmo tempo com vergonha do que tinha acabado de fazer. Vergonha por ter achado que dois homens de 30 anos podiam se comportar como adolescentes irresponsáveis.
- Davi cara... - Rodrigo percebeu que o semblante de Davi não era nada agradável - Sinto muito.
- Rodrigo... Eu curto você cara. Não vou mentir não. Tá óbvio aqui entre a gente... - Ele disse vestindo a camisa. - Curto... Demais até. Só que isso avançou muito pow. Do selinho e tal... Avançou MUITO, entende? - Davi falava confuso olhando pro chão como se procurasse as palavras. - Me sinto culpado. Fui eu quem iniciei isso.
- Como assim? Você tá ficando com alguém? Você tá gostando de alguém? - Rodrigo perguntou com a voz falhando. Um medo súbito da resposta de Davi.
- Não cara... - Davi fechou os olhos e negou com a cabeça. - É sobre isso aqui que acabou de acontecer. Não tá certo. Você é casado!
Rodrigo abaixou a cabeça envergonhado.
- Olha, a gente é amigo, eu gosto muito de você pow. Tô pensando nisso já há tempos... Mas eu não vou ficar beijando um cara casado no banheiro do clube. Onde a gente vai parar? - Davi olhava para Rodrigo pedindo alguma resposta.
- Mas eu pensei que... Não sei... A gente...
- Rodrigo, você é um pai. Casado. Não tá certo. Não quero ter problema com sua família. Eu não mereço isso. Você não merece isso. Nos últimos meses... A gente deixou isso avançar demais. O que era só uma zoação virou... Outra coisa. - Davi olhava pro chão como se procurasse as palavras nos azulejos brancos.
Aquelas palavras cortaram Rodrigo ao meio e ao meio de novo. O peito de Rodrigo queimou mas dessa vez de uma forma ruim. Davi estava... "terminando" com ele? Porque era assim que ele se sentia. O pior de tudo é que Davi tinha razão. Ele tinha um grande ponto. Aquele era claramente o pensamento racional mas Rodrigo estava embriagado pelo seu sentimento a ponto de achar que o seu casamento também seria algo insignificante para Davi.
Isso também se dava porque pra ele nada do que ele vivia em casa era um casamento. Talvez inconscientemente Rodrigo já estivesse separado. Ele se sentiu envergonhado porque agora era óbvio que não era assim que Davi via as coisas. Davi estava certo. Nada justificava aquilo.
- Eu que comecei isso. Eu te beijei lá em casa. Não devia ter feito aquilo e agora a gente tá assim... Eu tô há semanas querendo falar e não consigo. Não quero me sentir culpado não... Mas já me sinto. Olha o que a gente acabou de fazer! - Davi falava com a voz fraquejando. - Diz alguma coisa... - Davi pediu.
- O que você quer que eu diga? Eu sou mesmo casado. - Rodrigo falou e seus olhos marejaram. Era a mais pura verdade em alto e bom som. Ele estava rendido. Era horrível admitir. Era horrível dar ouvidos a realidade. Era horrível ter esse peso sobre os ombros.
- Que merda... - Davi virou de costas para Rodrigo. - Sinto muito. Vamo continuar como sempre. Só... Sem essas coisas. Não faz bem pra gente.
- Ok. - Rodrigo disse pensativo dando passos de costas e encostando num dos boxes.
- Eu já vou indo. Vejo você depois. Me desculpa qualquer coisa. Eu tô tentando fazer a coisa certa. Você sabe.
Davi se virou, deu um abraço em Rodrigo e saiu do banheiro olhando em volta.
Instantaneamente Rodrigo desabou em choro. As lágrimas saltaram sem controle dos seus olhos. Tudo então havia acabado e só restava ele voltar para a prisão de vida de sempre.
Rodrigo havia acabado de perder Davi.
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Feliz ano novo a todos ♥️
Abraço.
Igor.