No dia seguinte Diego ligou me convidando para participar de uma festinha para comemorar sua despedida. Eu não gosto muito dessas coisas, mas acabei aceitando o convite.
A festinha seria no sábado, véspera de sua viagem, segundo ele seria para poucos convidados, apenas seus amigos mais chegados.
Depois que Diego desligou o telefone fiquei triste, perderia a convivência com meu melhor amigo. Ele era meu confidente, sabia me entender e nunca se negou em me ouvir. Convivemos pouco tempo e no início confundimos nossa relação de amizade, mas ainda bem que compreendemos e soubemos contornar a situação, eu sentiria muita falta dele.
Juliano não me ligou mais, enquanto isso João seguia muito carinhoso comigo e até voltou a seguir o tratamento com determinação.
No sábado era a festa do Diego, os convidados eram os amigos dele mais próximos. Foi muito bacana e o mais importante, ver a felicidade no rosto do Diego.
Nesse período antes da viagem ele se preparou para o momento da despedida e deu para sentir que tão cedo ele não voltava ao Brasil.
Depois da festinha ele me deixou em casa. Eu tentava não transparecer que estava triste, não pelo fato da viagem, mas pelo afastamento do amigo e ele percebeu.
Não fica assim, existem momentos na vida da gente que é necessário mudar de direção.
- Eu tenho certeza que essa viagem vai te fazer bem.
- E aquela proposta ainda está de pé?
- Antes eu estava bem empolgado, mas agora penso que é uma mudança radical demais.
- E uma decisão que difícil de tomar.
- Isso não quer dizer que vamos perder o contato, né?
- É claro que não, vamos continuar nos falando nem que seja uma vez por semana.
- Sabemos que não vai ser assim, além do fuso horário eu tenho minhas obrigações e você também vai ter que batalhar e se dedicar aos estudos.
Ele apenas sorriu e seguiu dirigindo e prestando atenção no trânsito. Quando chegamos a republica foi um momento muito difícil para nos despedir, pois eu sabia que seria a última vez que estaríamos a sós para falar à vontade.
Comecei a chorar e dessa vez até Diego que estava forte também chorou, mas logo depois ele se controlou e enxugou as lágrimas.
- Você vai ao aeroporto amanhã?
- Eu não vou te prometer porque não sei se vou conseguir.
- Eu gostaria muito que você fosse.
Ele me olhou com uma carinha tão carente, parecia que estava precisando do meu apoio naquele momento e não tive como resistir.
- Eu vou.
Ele me deu um abraço, dessa vez não choramos, mas é muito triste despedir-se de um amigo que vai viajar sem data de retorno, era como se ele levasse um pedaço de mim e eu ficasse com outro dele.
Entrei em casa meio desorientado, uma sensação estranha que não tinha explicação. Olhei para a cama do Rafael e ele dormia tranquilamente. Decidi tomar um banho para ver se melhorava, mas ao contrário, aquela angústia só aumentava.
Dormi mal à noite e foi assim até o momento de ir ao aeroporto me despedir do Diego.
Ele queria que eu fosse até sua casa e de lá o acompanhasse até o aeroporto, mas lembrei da minha última conversa com Paulo e não estava a fim de passar por outro interrogatório, além de ser um momento intimo para a família já que o filho estava partindo sem data certa para voltar.
Fui direto para o aeroporto, tão logo cheguei eles chegaram e Diego veio me dar um abraço antes de fazer o check in. Ele estava sorridente demonstrando estar muito feliz com a viagem.
- Eu sabia que você vinha.
- Eu disse que vinha, você é um amigo muito especial.
- Vou fazer o check in, você vem comigo?
- Vou ficar aqui, acho que esse momento é mais para a família.
Fiquei com vergonha, pois seus familiares e amigos estavam ali e todos queriam sua atenção.
Depois do check in ele ficou com os pais, a mãe dele falava muito, o orientando como proceder assim que chegasse. Fiquei apenas observando e achei estranho que Roger e Aline não apareceram para se despedir dele.
Chegou a hora da partida e ele veio se despedir. Dessa vez nosso próximo encontro seria algo improvável e só o futuro poderia dizer.
- Quando se sentir sozinho dê uma volta de bike e pense que estarei com você em todos os momentos.
- Obrigado por tudo.
Trocamos um longo abraço, tentamos disfarçar as lágrimas, mas foi inevitável. Depois ele abraçou os pais, pegou a mala e entrou na área de embarque.
Saí do aeroporto com a sensação de vazio, peguei um ônibus e fui para a lagoa. Sentei no mesmo lugar onde paramos para descansar no nosso último passeio e fiquei pensando na vida e o quanto ele estava certo se dando uma nova oportunidade.
Pensei no Juliano que mesmo se dizendo arrependido eu já não sentia a mesma confiança nele ao ponto de voltar e também existia o João, ele tinha uma determinação que me contagiava e me impedia de me afastar dele, talvez pelo fato de sentir que estava sendo sincero comigo e não encontrei essa sinceridade nas outras pessoas que me envolvi.
De repente senti uma vontade imensa de estar com ele e fui procurá-lo, ao chegar a casa dele tive uma decepção, neste dia ele tinha cheirado.
Depois que passou o efeito chorei junto com ele, pois até então João estava evoluindo no tratamento. Procurei seguir as orientações da mãe dele por recomendação da psicóloga, não o adverti, muito menos briguei, o apoiei e ele prometeu se dedicar mais.
Agosto de 2010 fazia quase dois meses da partida de Diego, neste período falei poucas vezes com ele, nossos horários não combinavam, João continuava na luta pra se livrar das drogas. No seu aniversário em 18 de agosto estávamos apenas sua mãe e eu, o pai dele ficou de ir, mas não apareceu, fiquei muito triste apesar de João levar numa boa, porém senti que ele ficou magoado.
- Você está chateado por causa do seu pai?
- Ele nunca deu importância pra mim, porque ficaria chateado?
- Porque você tem tanta raiva do seu pai, João?
- Ele me odeia e eu também o odeio.
- O que aconteceu entre vocês?
- Eu não gosto de falar sobre a chatice que é minha vida, me faz mal e me aborrece.
- Eu queria muito saber pra poder te ajudar.
- Vou contar, mas depois esquece esse assunto.
- Eu prometo.
- Quando eu era pequeno, tinha uns dez, numa das brigas de minha mãe com meu pai, o ouvi dizer que só casou com ela porque o pai dele o obrigou e que eu nem deveria ter nascido.
- Ele pode ter falado na hora da raiva pra ofender sua mãe.
- Essa não foi à única vez, na verdade meu pai teve que me suportar por causa do meu avô.
- Eu acho que existe um grande equivoco e uma mágoa entre vocês que precisa ser superada.
- No dia em que saiu de casa, ele não foi ao meu quarto nem pra dizer que estava indo.
- Ele nunca saiu com você?
- Nem quando estava em casa, vivia ocupado e sem tempo pra nada, mas isso era desculpa pra encontrar com as amantes.
- Seu pai tem outros filhos?
- Tem uma filha de dois anos.
- Ele vive com alguém?
- Agora ele vive com a mãe da filha dele, mas enquanto esteve com minha mãe, sempre teve amante.
- Não consigo entender porque seu pai não te dá atenção?
- Eu sempre fui um estorvo na vida dele, primeiro eu era o filho que o impedia de ser feliz, depois passei a ser o adolescente problemático e é isso.
Fiquei sem saber o que dizer. Fui ao encontro dele e o abracei, quando João ia falar alguma coisa calei sua boca com um beijo, foi algo espontâneo e assim que nos afastamos ele estava com um sorriso diferente.
- Namora comigo?
- O que?
- Eu quero te namorar.
- Vamos com calma, você acabou de ter uma recaída.
- É por isso que você não quer namorar comigo?
- Não é só por isso, somos dois adolescentes imaturos.
Ele fez uma carinha triste, me cortou o coração.
- E desde quando tem idade pra namorar?
- Tenta me entender, faz pouco tempo que estou com você, vamos devagar.
- Você tem razão, me desculpe, acho que me empolguei.
- Eu gostei muito do pedido, você é lindo.
- É... Mas não o suficiente pra você namorar comigo.
- Nós estamos juntos, não estamos?
- Estamos.
- Então, porque namorar se assim estamos bem.
- Vou fingir que você me convenceu.
Os dias passaram e setembro chegou, meus amigos e familiares combinaram de comemorar meu aniversário numa pizzaria, foi então que tive a ideia de convidar alguns de meus colegas.
Quando cheguei ao colégio a primeira pessoa que avistei foi Adriana que veio ao meu encontro e me cumprimentou.
- Oi Sandro!
- Oi Adriana, tenho um convite pra te fazer.
- Não brinca?
- É sério, quero te convidar para o meu aniversário.
- Já comprei seu presente e até já ia entregar.
- E não vai mais?
- Agora é diferente, com convite preciso caprichar no presente. – disse ela rindo.
- Não precisa, você sabe que o que importa pra mim é nossa amizade e sua presença me fará muito feliz.
- E eu pensei que você não fosse me convidar.
- Por que não?
- Pensei que o João Pedro não ia deixar você me convidar.
- Que isso Adriana, ninguém me influencia e somos amigos bem antes de minha aproximação com o João.
João chegou com Christian e se juntou a nós, no mesmo instante, Adriana se fechou e já não foi mais a mesma.
Eu pensei e decidi dar um basta naquela situação.
- Adriana, você se importa de dar uma volta comigo?
- Agora? Daqui a pouco vai iniciar a primeira aula.
- É rápido e o primeiro período não é tão importante.
Saí com Adriana em direção à quadra de esportes, João e Christian ficaram nos observando sem entender nada.
- Porque você me trouxe aqui?
- Aqui na quadra é tranquilo e nós precisamos conversar.
- Ai Sandro, nós vamos perder aula.
- O que está acontecendo com você?
- Não está acontecendo nada.
- Está sim, você não consegue esquecer que detesta o João.
- E daí, você sabe que não gosto dele, porque vou mentir.
- Eu entendo você, mas essa raiva por ele vai além e interfere na nossa amizade.
- Você mudou muito depois que se aproximou dele.
- Continuo sendo o mesmo nunca me afastei de você e do Christian e nem poderia, pois os dois foram os únicos que me ofereceram amizade quando cheguei aqui.
- Não Sandro, antes nós estávamos sempre juntos, éramos unidos e agora você nem frequenta mais a minha casa e a do Christian. Antes formávamos grupo para fazer os trabalhos, agora já não existe mais, o seu melhor amigo é ele.
- Estou dando uma força pra ele, Adriana.
- Até demais, não é Sandro?
- O que você está insinuando?
- Não estou insinuando nada, vamos voltar pra aula.
Ela ia saindo e eu a puxei pelo braço.
- Antes eu quero saber o que está acontecendo?
- Você quer saber, disse ela alterada mudando o tom de voz.
- Quero.
- Eu te falei que ele estuprou uma garota e mesmo assim isso não foi o suficiente para afastá-lo.
- Eu já sei da história, não foi estupro e a garota era sua prima, coisa que você não me falou.
- Não estou dizendo que ele fez uma lavagem cerebral em você.
- Ele me contou tudo que aconteceu e sua prima não é uma garota tão inocente quanto parece.
- Será que você não percebe que foi por influência dele.
- Ele me disse que conheceu as drogas através dela.
- E você acredita em tudo que ele fala?
- Acredito até você me provar o contrário.
- Eu mal tenho contato com a Ana, como vou provar o contrário?
- Viu como você está errada.
- Não estou errada, ele não presta.
- Fica chato você acusá-lo sem provas.
- Minha tia nos contou tudo, você acha que ela mentiu?
- Ela contou que a filha era envolvida com drogas?
- Por influencia daquele desgraçado e agora quero voltar pra aula.
- Espere, eu não acabei e puxei-a pelo braço novamente.
- O que você quer?
- João me disse que você é apaixonada por mim, é verdade isso Adriana?
- Estúpido!
Ela falou alto quase gritando e começou a chorar. Depois que perguntei me arrependi, não queria perder a amizade dela por algo que pra mim não tinha relevância.
Adriana estava sentada num banco, fui até ela e sentei ao seu lado.
- Desculpe.
- Você é um idiota Sandro, não entende nada das pessoas e se acha importante demais.
As palavras de Adriana me afetaram, Juliano já havia dito a mesma coisa e até mesmo Roger, será que eu estava tão errado assim?
- Eu te considero uma grande amiga e não quero perder sua amizade.
- Eu também te considero um grande amigo, só isso e não pense que sou tão ingênua que não percebo as coisas.
- De que você está falando?
- Da sua aproximação com João Pedro, eu sei que você é gay, já tinha notado desde o primeiro dia de aula, mas tive a certeza quando vi aquele cara que te esperava em frente ao colégio.
- Você já sabia e nunca me disse nada a respeito?
- Porque, havia alguma necessidade?
- Não, é que geralmente as pessoas não aceitam.
- Você não precisa ficar preocupado que eu não vou sair espalhando como João tentou fazer logo que te conheceu, mas me surpreendeu, pois você esqueceu tudo que ele te fez e agora não sai da casa dele a ponto de trocar seus verdadeiros amigos.
- Eu não troquei vocês e minha aproximação com ele apenas mudou algumas coisas.
- Foi por isso que cheguei à conclusão que vocês são amantes.
- Não é bem como você está pensando.
- É Sandro, você não sai mais de perto dele, se Christian e eu te convidamos para alguma coisa, primeiro você verifica com João.
- Ele está com problemas.
- Você vive em função dele e se é por isso eu também estou com problemas.
- Você?
- Sim, sou sua amiga, mas você não se interessa em nada que não seja o João.
- Desculpe Adriana, que problema você tem?
- Ah... Não interessa mais.
- Eu quero saber, quem sabe posso te ajudar?
- Meus pais estão se separando.
- Oh minha amiga, me desculpa, fiquei pensando coisas erradas de você.
- Christian tem me ajudado bastante, tem sido um grande amigo, ainda bem que ele não me virou as costas.
- E nem eu, te considero uma grande amiga e me desculpe pela minha ignorância.
Puxei-a ao meu encontro e lhe dei um abraço, ela chorou um pouco, mas depois se acalmou.
- Esse é o Sandro, o meu amigo verdadeiro.
- Posso te pedir uma coisa?
- Se for pra eu me aproximar do João Pedro, esquece!
- Eu queria pedir pra você não implicar com ele quando estivermos juntos.
- Você gosta dele, né?
- É um grande amigo que precisa de ajuda.
- Cuidado Sandro, minha prima já fez loucuras por causa desse garoto.
- Quando ele não está sob o efeito de drogas é um amor de pessoa.
- Você está apaixonado por ele e não consegue ver os problemas que te cercam. Cuidado pra não perder os amigos.
- Eu sei que você não gosta dele e respeito, mas vamos tentar viver em harmonia.
- Por mim tudo bem, eu tentei te dar um toque, mas siga seu coração.
- E nossa convivência aqui no colégio?
- Eu vou tentar ficar mais calma.
- Obrigado Adriana!
- Deixe pra me agradecer quando acordar dessa paixão, apesar disso nossa amizade continua como antes.
Trocamos um longo abraço e depois voltamos pra sala.
Depois dessa conversa Adriana se tornou pra mim uma espécie de confidente, contei a ela toda minha historia com Roger, a inimizade com minha irmã, a rasteira do Juliano e minhas dúvidas em relação ao João Pedro.
Meu aniversário foi tranquilo, estavam meus colegas de republica, meus tios, papai, Tiago, Paula, Breno, Poliana, Fernanda, Christian, Adriana, João Pedro e a mãe dele.
Gostei por ter meus amigos e minha família, por perto, mas não estava feliz, era como se alguma coisa ruim estivesse para me acontecer.
Durante o jantar meu telefone começou a chamar olhei na tela e tive uma bela surpresa, levantei da mesa e saí para atender.
- Oi amigão, saudade de você.
- Vou falar rápido porque a ligação é caríssima, parabéns pelo aniversário irmãozinho!
- Nossa, virei irmão.
- Aquele que eu nunca tive.
- É por isso que eu te amo.
- E eu também, estou com muita saudade.
- Quais são as novidades?
- Por enquanto não tenho muitas, ando estudando muito.
- Não esquece o coração.
- Tenho novidades pra te contar quando entrarmos no bate-papo.
- Sério?
- Que sério nada, mas encontrei uns ingleses bem legais e tem um que e uó.
- Pintou um clima?
- Por enquanto é flerte.
- Eu quero conhecê-lo
- Você não presta, agora tenho que desligar, manda um beijo pra galera.
- Um beijo pra você também, morro de saudades.
Ele desligou, fiquei feliz por Diego ter se lembrado de mim mesmo estando tão longe. Voltei pra mesa e alguns minutos depois meu celular deu sinal de mensagem, era do Juliano.
Abri a mensagem e dizia “Feliz aniversário, e mais um ano que estamos afastados, acho que dessa vez é em definitivo”.
Fiquei mal depois que li a mensagem dele, foi como um toque, um alerta para angustia que eu já sentia há algum tempo.
Na saída João Pedro insistiu para que dormisse na casa dele, mas eu não estava bem e acabei não indo.
Vamos dormir lá em casa.
- Hoje não dá estou cansado e não me sinto bem.
- O que você tem?
- Quero ficar sozinho.
- Eu te fiz alguma coisa?
- Não, o problema sou eu mesmo.
- Então me diz por que você não quer vir comigo?
- Estou triste.
- Triste, no dia do seu aniversário?
- Você nunca ficou triste no dia do aniversário?
- É claro que fiquei e você já viu.
- Então tenta entender.
- Eu queria comemorar com você.
- Hoje eu não consigo, quero deitar na minha cama e descansar.
- Então, me deixa ficar com você?
- Não dá, é contra as regras da republica, nos vemos amanhã.
- Poxa fiz tantos planos para essa noite.
- Fica pra outro dia.
- Fomos ao encontro da mãe dele no estacionamento que nos aguardava, ela me deixou em casa, mas eu senti que João ficou desapontado.
Entrei em casa, tomei um banho e me atirei na cama, estava exausto, mesmo assim me entreguei à tristeza que tomava conta do meu peito.
Chorei muito, Rafael não estava, deveria estar em algum motel com a Letícia.
Acordei pela manhã com uma dor de cabeça infernal, papai tinha combinado comigo de almoçarmos no shopping.
Antes de sair, fui até a cozinha tomar um remédio e encontrei o bilhete do Rafael dizendo que não ia dormir na republica.
Pedro estava estudando na mesa de estudos, achei estranho, pois era domingo.
- Oi Pedro, estudando?
- Tenho uma prova muito difícil amanhã.
- Boa sorte.
- Obrigado Sandro.
- Pedro?
- Oi.
- Você tem visto minha irmã?
- Não, por quê?
- Achei estranho, ela não foi à pizzaria.
- Eu não tenho mais tanto contato com ela.
- Vocês tiveram algo, não tiveram?
- Ah Sandro, não vale a pena, sua irmã é doente pelo Roger.
- Pena, pois você é um cara legal.
- Quem é aquela gatinha que estava perto de você na pizzaria?
- Minha colega de aula, Adriana.
- Acho que vou ter que te levar algumas vezes no colégio, disse ele rindo.
- Ah Pedrão, você não presta mesmo.
- Ela é linda, mas é novinha demais pra mim.
- Ela tem 18 anos.
- Não acredito?
- Às vezes as aparências enganam.
- Achei que ela tinha uns quinze.
- Adriana é uma garota legal, vale a pena investir, mas vá com calma, eu acho que ela nunca namorou.
- Valeu pela dica, mas eu preciso pensar se estou a fim de investir em alguém nesse momento.
- Está curtindo a fase de solteiro?
- É muito bom não ter que dar satisfações a ninguém.
- Tudo é uma questão de escolha, mas eu acho que você está certo, não vale a pena brincar com o sentimento das pessoas.
Cheguei ao shopping, papai, Tiago e Paula já me aguardavam. Eu tinha quase certeza que o almoço seria mais uma tentativa de me reaproximarem de Aline.
- Fiquei muito feliz que você veio meu filho.
- Eu já sei o que o senhor pretende papai.
Ele soltou um sorriso tímido, típico de quando estava arquitetando algo que nos contrariasse, mas que com seu jeitinho carinhoso acabava nos convencendo.
- Pai, eu não tenho nada contra a Aline é ela que não me procura, tanto é que ontem nem apareceu no meu aniversário.
- Eu conversei com ela e sua irmã não está bem.
- O que ela tem?
- Ela nos culpa por tudo que acontece de errado na vida dela.
- Como sempre Aline se fazendo de vítima, o senhor já parou pra pensar que ela só se sente bem quando tem as pessoas sob controle.
- Sua irmã precisa se tratar, ela está com depressão.
- Que depressão? Aline pisa nas pessoas, acha que devem estar submissas a ela.
- Pai, o Sandro tem razão, por exemplo, eu nunca fiz nada pra ela e, no entanto Aline mal me procura.
- Eu sei Tiago, mas não podemos deixar Aline desamparada.
- Eu tenho certeza que ela detestaria que eu me aproximasse, seria capaz de achar que é por causa Roger.
- Pois eu discordo e a convidei para almoçar conosco.
- E ela vem?
- Disse que vem.
- Duvido que ela venha sem o Roger.
- Ela me afirmou que eles não estão juntos meu filho.
- Não estão juntos e estavam na festa de casamento do Tiago?
- Eu já conversei com Aline algumas vezes, e ela sempre reclama que o Roger não lhe dá a mínima atenção.
- Eu sei Paula e Aline sempre soube disso, inclusive quando aceitou se casar com ele.
- Tenho vontade de ajudá-la, mas não sei até que ponto ela aceita uma cunhada dando palpite em sua vida.
- Aline não mede esforços pra humilhar as pessoas, essa é a verdade.
- Oi Sandro.
Paula e Tiago me olharam assustados e quando eu vi Aline estava atrás de mim.
- Oi Aline, bom que você chegou já estou com fome.
Ela foi até Paula e Tiago e os cumprimentou, perguntou como estava o casamento, depois deu um abraço no papai e sentou.
- Pode continuar Sandro.
- Acho que agora podemos almoçar.
- Não vai me perguntar por que Roger não veio?
- Eu não me interesso na vida do Roger, pra mim tanto faz o que ele anda fazendo e até mesmo porque não está aqui.
- Aline, por favor, respeite seu irmão.
- Ah esqueci, parabéns pelo aniversário.
- Muito obrigado, e como está a Sabrina, porque não a trouxe?
- Roger a levou para visitar a vó.
- Então vamos almoçar que depois eu tenho um compromisso.
- Que compromisso é esse meu filho?
Vou sair com um amigo.
- Amigo? Sei bem o tipo de amizade você anda metido.
- Eu não te devo satisfações.
- Parem os dois, por favor, respeitem o papai, disse o Tiago tentando nos acalmar.
- Você já contou a eles que seu compromisso de logo mais é com um drogado?
- O que você sabe da minha vida sua idiota?
- Eu sei mais do que você imagina e olha que eu nem investiguei.
- E pensar que eu ainda me questionava porque você não apareceu no meu aniversário, que perda de tempo.
- Se deu a esse trabalho?
- Você é uma cobra por onde passa destila veneno.
- Pensou que ia fazer coisas erradas sem papai e Tiago ficar sabendo?
- Do que Aline está falando, Sandro?
- Não é nada Tiago.
- Ele está saindo com um viciado em drogas, eu sou amiga da mãe do garoto e sem querer ela acabou me contando.
- É verdade isso meu filho?
- É verdade, mas não é da maneira distorcida que Aline está falando.
- Eu não acredito que isso está acontecendo com minha família. – disse papai chateado.
- Você está se drogando, mano?
- Não Tiago, eu nunca me droguei e nem pretendo.
- O garoto já esteve internado várias vezes, é um revoltado e não dá a mínima pra família.
- É mentira, sua venenosa.
- Se afaste desse rapaz meu filho.
- Pai, ele precisa de mim e a história nem é como Aline está contando.
- É uma ordem Sandro, enquanto eu for vivo você deve me obedecer.
- E o senhor acha que ele vai fazer isso, o Sandro é maior de idade, por isso eu era contra ele sair de casa com a desculpa de estudar.
Pra mim foi o fim, perdi a calma, já estava praticamente gritando no shopping de tanta raiva que eu estava de Aline.
- Porque você me odeia tanto, Aline?
- Você pensa que só porque está estudando em outra cidade pode fazer o que quer, vê se cresce garoto.
- Você não entendeu minha pergunta, eu quero saber por que todo esse ódio por mim?
- E quem disse que eu te odeio.
- Parem com isso, onde já se viu dois irmãos brigando como inimigos.
- Agora não pai, o senhor me desculpe, mas eu preciso saber.
- Eu não te devo explicações.
- É por causa do Roger, não é?
- Você se acha muito importante, não é mesmo?
- Eu não tenho culpa se ele gosta de mim.
- Não vim aqui pra ser humilhada, eu vou embora.
- Ah não vai, levantei e fui até ela.
- Me solta.
- Você me odeia porque não suporta ver seu marido insatisfeito, ele pode não estar comigo, mas nunca será seu completamente.
- Sandro pare com isso, vocês estão chamando atenção das pessoas.
- Me deixa Tiago, eu não aguento mais, toda vez que encontro Aline ela não mede esforços em me ofender.
- Vocês querem me matar, eu não estou passando bem.
Quando olho em direção ao papai, ele estava pálido, segurava a mão no peito com dificuldade de respirar, até que caiu sobre a mesa. Foi muito rápido, Tiago correu para atendê-lo e logo se formou um aglomerado de pessoas na volta.
Um médico que estava entre os presentes tentou reanimá-lo ali mesmo até que chegou à ambulância e o levaram para o hospital.
Paula foi com ele na ambulância e Tiago chamou Aline e eu pra dar o seu recado que não foi nada amigável.
- Até quando vocês vão se comportar como crianças?
- A culpa é do Sandro, quando cheguei à mesa ele já estava me provocando ou vocês acham que sou boba.
- Se acontecer alguma coisa ao papai eu não vou perdoá-los.
Tiago saiu sem ouvir explicações, Aline pegou suas coisas e foi saindo, mas eu fui atrás dela.
- Não vai responder minha pergunta?
- Some da minha frente, você é o desgosto da nossa família.
- Faz tempo que não tenho nada com Roger, porque toda essa mágoa?
- Eu tenho nojo de você.
Ela saiu e eu fiquei perdido, sem saber o que fazer. João me ligou, mas não atendi, estava preocupado com papai.
Saí caminhando em direção à saída do shopping pra pegar um ônibus em direção ao hospital. No trajeto até chegar a Santa Casa de Misericórdia, passou um filme em minha cabeça, lembrei-me de mamãe e pedi que nada de pior acontecesse ao papai, senão eu me sentiria culpado pelo resto da vida.
Cheguei ao hospital e liguei para o Tiago pra saber onde eles estavam. Fui ao encontro deles e Paula me disse que papai havia infartado e estava em atendimento.
Entrei em desespero e comecei a chorar ali mesmo na emergência. Eu só pensava porque o papai? Era um dejavú ao qual já havia passado com minha mãe e isso era mais assustador ainda.
Paula me trouxe um copo com água pra eu me acalmar, Tiago, muito nervoso tentava arrancar alguma informação a mais e saber o que estava acontecendo, enquanto isso, eu me sentia impotente pra fazer qualquer coisa.
Passaram duas horas sem sabermos notícias, cada minuto era desesperador. A única coisa que poderia fazer era pedir a Deus que nada de pior acontecesse ao papai e foi o que fiz, fechei os olhos e comecei a rezar.
Eu estava tão perdido que nem notei quando Aline e Roger chegaram ao hospital, dessa vez ela me deixou em paz, mas ele veio ao meu encontro e me deu um abraço.
- Seu pai é guerreiro e vai melhorar, acredite!
- Obrigado!
- Vou ficar com Aline, ela está muito abalada.
Olhei pra Aline e ela estava sentada numa cadeira chorando. Roger foi ao encontro dela e sentou ao seu lado, mas eles não ficaram muito tempo e saíram porque Sabrina estava na casa da vó.
Eram quase 18 horas quando tio Carlos chegou ao hospital acompanhado de Juliano. Meu tio foi conversar com Tiago para entender o que aconteceu e Juliano sentou ao meu lado.
- Como você está?
- Eu sou culpado de tudo.
- Hoje pela manhã ele estava bem, o que aconteceu?
- Foi na hora do almoço, Aline estava conosco e ela vive me provocando, acabamos brigando e ele passou mal.
- Não se culpe Sandro, isso aconteceria independente da briga.
- Você diz isso pra me consolar.
- Estou sendo sincero com você.
- Como você soube?
- Estava na casa da tia quando Tiago ligou, ela achou melhor eu acompanhar o tio, ele está muito nervoso.
- Faz tão pouco tempo que perdi minha mãe, não quero perder o meu pai.
- Ele está sendo bem cuidado. Os médicos daqui são ótimos.
Juliano ficou conversando comigo por muito tempo, ele falava com tanta calma que até conseguiu me acalmar.
Depois de uma espera interminável veio à notícia que papai ficaria internado e naquele dia não poderia receber visitas.
Tio Carlos ficou com ele no hospital, Tiago e Paula retornaram pra casa. Ainda me ofereceram uma carona, mas Juliano fez questão de me levar e acabei aceitando.
- Vamos para o meu apartamento?
- Estou cansado, quero ir pra casa.
- Você pode descansar lá em casa se quiser.
- É só pra isso mesmo?
- Também quero conversar com você.
- Estou sem cabeça pra nada.
- Não estou te cobrando nada, só quero te fazer companhia, você não está bem é perceptível em sua aparência.
- Está bem, mas sem brigas, por favor.
Fomos para o apartamento dele, mas estava inquieto, pois tinha prometido que não voltaria mais naquele lugar.
- Seu pai vai melhorar, não precisa ficar preocupado.
- Não sei o que faria se eu o perdesse.
- Não pensa em coisas negativas, você vai ver que logo ele estará em casa.
- Você foi muito legal comigo, obrigado pelo apoio.
- Está com fome?
Ele olhou pra mim de um jeito que me trouxe de volta o Juliano de tempos atrás, logo que nos conhecemos. De repente viajei no tempo e quando me dei conta ele sorria pra mim, me chamando atenção.
- Vamos comer alguma coisa?
- N-não.
- Não, o que?
- Estou sem fome.
- Você passou um dia tenso, precisa se alimentar, vamos fazer um lanche.
Ele parou o carro em frente ao Mcdonald's, liberou o cinto e ajeitou-se no banco. Seus olhos estavam fixos em mim e de repente começou a acariciar meu rosto, mas o afastei.
- Você está magrinho precisa comer alguma coisa.
- Está me achando anorexo?
Ele sorriu e passou a mão na minha barriga como se tivesse me examinando.
- Está charmoso, mas tem que ter mais consistência. – disse rindo.
- Não achei graça. – falei brincando com ele.
- Estou feliz porque consegui um sorriso seu.
- Eu queria que você fosse sempre assim.
- Se apaixonou? – disse rindo, mas eu não achei menor graça e mudei de assunto.
- Você venceu, vamos comer. Agora me deu fome.
- O que você vai querer?
- O mesmo que você.
Ele chamou a atendente e pediu dois x-burguers grandes, duas vitaminas de morango e duas batatas-fritas médias.
- Ficou maluco, não precisa tudo isso.
- Você disse que queria o mesmo que eu e também senti sua barriga roncando.
- Esqueci que você come o triplo que eu.
- Está me chamando de comilão?
- E não é?
- É bom pra ter consistência.
- Vamos parar com essa brincadeira.
- Você é lindo, mesmo quando tenta se afastar de mim.
- E você é muito bom com as palavras.
- Estou sendo sincero.
Fiquei pensativo, sem saber o que dizer e só voltei à realidade quando meu celular vibrou no bolso da calça, tinha quase certeza que era o João, mas lembrei da ordem do papai e não atendi. Fiquei todo atrapalhado, Juliano percebeu e agradeci mentalmente quando a garçonete trouxe os pedidos.
Lanchamos e já na saída no estacionamento pedi pra ele me levar pra casa.
- Já está ficando tarde, acho que daqui eu posso ir pra casa.
- Não está gostando da minha companhia?
- Você está sendo muito legal comigo, mas eu sinto que espera mais desse encontro e não estou a fim de pensar em nada que não seja a saúde do papai.
Juliano não disse nada, apenas entrou no carro e seguiu para o seu apartamento. Não gostei da atitude dele, mas o segui, pois senti que a conversa que ele queria era importante.
- Desculpa a insistência, mas eu preciso muito falar com você. – disse ele assim que entramos no apartamento.
Olhei aquela sala que me trazia lembranças amargas, pensei que tivesse superado, mas lembrei nitidamente da mala de augusto em cima do sofá e nossa briga
- Não fique ai parado, entre.
- Eu jurei que não viria mais nesse apartamento.
- Eu também já prometi muitas coisas a nosso respeito e voltei atrás.
- Tem coisas que não tem volta.
- Orgulho não nos leva a nada.
- O que você quer falar comigo?
- Você ainda não entendeu?
- Fica com o Augusto ele gosta de você, percebi isso no dia do casamento do Tiago.
- Não diga coisas que você não sabe.
- Ninguém vai numa festa sem ser convidado e uma pessoa só se humilha assim quando ama de verdade.
- Eu não gosto dele.
Se você não gostasse não me largaria do nada para ficar com ele.
- Eu já gostei muito, mas acabou e agora minha realidade é outra.
- Então porque você me deixou pra ficar com ele?
- Nossa situação estava complicada, você vivia confuso e também está exigindo que eu seja perfeito.
- Isso não é desculpa para justificar o que você fez comigo.
Ficamos em silêncio e ele deu um longo suspiro.
- Eu errei em te entregar para o mundo novamente, mas admita Sandro, você gostou de ficar livre, tanto é que está junto com esse garoto do colégio.
- Você me humilhou na última vez que estive aqui e no aniversário da minha tia, esqueceu?
- Você é perfeito por acaso?
- Não.
- Então porque está exigindo que eu seja perfeito?
- Não é questão de perfeição, você me disse uma coisa e fez outra bem diferente.
- Só porque eu me encontrei algumas vezes com Augusto? E seus encontros com Roger? Eu tentava entender, mas a cada sinal que ele dava você me deixava inseguro.
- Eu sei que errei em relação ao Roger, mas você errou bem mais em relação ao Augusto.
- Vamos esquecer o que passou e pensar no agora.
- Esquecer como? Eu poderia jurar pra qualquer um que Augusto fazia parte do seu passado e, no entanto, você fez exatamente o contrário. Foi um tapa na minha cara, uma traição sem tamanho.
- Traição? Você não sabe o que diz.
- Eu me senti traído.
- Se for pra falar em traição, também fui traído, ou esqueceu as mensagens do Roger no seu telefone, os encontros escondidos? Eu passei por cima disso e estou aqui abrindo meu coração.
- Eu sempre fui honesto com você e te contava tudo.
- E você acha que isso não me machucava?
- Era você que pedia pra eu ser sincero.
- Eu pensei que era forte o suficiente pra suportar, mas não fui, errei me aproximando do Augusto, porém você não pode achar que fui o único culpado.
Fiquei em silêncio, não sabia o que falar, ele estava certo, mas eu não queria me iludir mais uma vez, perdi a confiança que tinha nele e ainda tinha o João que me amava e estava me fazendo bem.
Eu preciso ser honesto com você, estou gostando do João.
- Você está namorando aquele garoto?
- Ele me ama e tem demonstrado que quer algo bom comigo.
- Porra, mas não é ele que você ama, se fosse o Roger eu até aceitaria.
- A minha relação com João Pedro vai muito além de amor, é cumplicidade, carinho, ele pode fazer burradas, mas me respeita e me entende, coisa que nem você e Roger conseguiram.
- Você acha que eu nunca te entendi?
- Se tivesse me entendido não teria agido como agiu.
- Realmente, isso pra mim foi bem feito, sempre fui um idiota, abri mão de coisas e pessoas que me faziam bem, porque eu acreditava em seus sentimentos mesmo sempre me deixando em duvida.
- Me leva pra casa não estou bem.
Ele não disse nada, apenas pegou as chaves do carro e saímos em direção a republica. Durante o trajeto notei que toda descontração do Mac foi desfeita. Juliano nem parecia o mesmo, estava chateado e quando ficava assim, usava a lei do silêncio como meio de defesa.
Entrei em casa e encontrei meus amigos que estavam preocupados, a notícia correu rápido, Laura havia falado pro Giovane e ele contou para os demais.
Conversei um pouco com eles e fui para o quarto, estava cansado, preocupado coma saúde do meu pai e com muita raiva de Aline, se não fosse nossa briga papai estaria bem.
Tomei um banho e quando retornei ao quarto, meu celular estava chamando, era o João Pedro, pensei e decidi que não era justo deixá-lo sem retorno.
- Oi.
- Onde você estava?
- No hospital, tive um dia péssimo.
- O que aconteceu?
- Meu pai enfartou e está internado.
- Desculpa amor eu fiz mau juízo de você.
- Eu vi que você estava me ligando, mas não consegui atender, fiquei péssimo.
- Não tem problema e como está o seu pai?
- Eu não sei ainda, porque não temos muitas notícias.
- Como isso aconteceu?
- Foi durante uma briga entre minha irmã e eu, mas agora não quero falar sobre isso.
- Você não precisa me contar se não se sente bem.
- Hoje não, mas eu preciso conversar com você outra hora com mais calma.
- Acalme-se, amanhã conversamos antes da aula.
Desliguei o telefone e caí na cama, mas o sono não veio, pensei no papai, em tudo que aconteceu com minha mãe, a doença, nosso sofrimento e Aline? Como era diferente nossa relação até surgir o Roger em nossas vidas, tínhamos algumas desavenças que eram superadas. Nossa inimizade só surgiu quando nos envolvemos com o mesmo homem e nem o meu afastamento foi capaz de superar as mágoas.
No intervalo da aula conversei com João sobre o que aconteceu. Não disse a ele que o motivo da discussão com Aline foi sobre nossa relação, eu tinha certeza que essa notícia seria um retrocesso em seu tratamento que estava evoluindo.
Papai ficou uma semana no hospital e recebeu alta, Tiago tentou convencê-lo a ficar na casa do tio Carlos, mas ele não aceitou, disse que queria voltar pra casa.
Aproveitei que era fim de semana e fui pra casa. Tiago comentou que por recomendação médica papai não poderia fazer esforço e nem se aborrecer, pois seu coração estava muito fraco.
Domingo pela manhã Tiago me chamou cedo para dar uma volta pela cidade, achei estranho, mas aceitei.
- Mano, eu te convidei para sair porque quero conversar com você longe do papai.
- Eu imaginei que o motivo desse passeio seria esse.
- O que Aline falou é grave, por isso eu preciso saber de você o que está acontecendo.
- Aline não gosta de mim e ela faz isso pra me provocar.
- Eu sei que ela aumenta muita coisa, mas você confirmou, então é porque existe algo.
- Existe.
- Então me conta, nunca tivemos segredos.
- Você tem outras preocupações e precisa pensar no seu casamento.
- Eu tenho outras preocupações, mas também tenho você e não é porque casei que deixei de me preocupar contigo.
- O que você quer saber?
- Você gosta desse cara?
- Gosto.
- E o Juliano? Achei que você estava interessado nele.
- Nossa relação esfriou depois que ele se envolveu com o ex.
- Isso já faz tempo, achei que vocês tinham se acertado.
- Ele tem tentado, mas o João é importante pra mim.
- Em que sentido?
- Ele me entende e foi a única pessoa que não me sacaneou.
- Esse não é aquele cara que você tinha medo logo que entrou no colégio?
- Sim é ele, mas o João mudou bastante.
- Tem problemas com drogas e você acha que ele é uma pessoa legal?
- Ele tem muitos problemas, mas é uma pessoa muito legal e tem me mostrado um lado da vida que eu desconhecia.
- Me explica melhor.
- Ele me ama sem cobranças, quando estou com problemas tenta me ajudar, é compreensivo, carinhoso e não vive escondido atrás de um ex como o Juliano ou indeciso em relação à sexualidade como o Roger.
- Você está gostando dele?
- Acho que sim e só não me entreguei mais nessa relação por causa dos problemas dele.
- Pela primeira vez eu não sei o que dizer, mas peço que tenha cuidado, pois droga é um labirinto sem saída.
- Se não fosse às drogas eu estaria namorando firme com ele.
- Está tão sério assim?
- Ele já me pediu em namoro, mas eu desconversei por causa dos problemas dele.
- Eu nunca te vi falando assim, nem mesmo do Roger que era uma doença pra você.
- No início eu tentei não me envolver, mas as coisas aconteceram numa intensidade que foi impossível.
- Não comenta nada com o papai, você viu como ele ficou quando soube.
- Ele só ficou sabendo por que Aline não podia perder oportunidade de tentar me atingir.
- Nem pra mim você pretendia contar?
- Eu não sabia como seria sua reação e também agora além do papai e dos negócios, você tem a Paula pra se preocupar.
- Nisso você tem razão, mal casamos e já estamos cheios de problemas.
- Por isso mesmo que eu estou te dando esse toque.
- Mano, voltando ao assunto anterior, eu posso ser sincero com você?
- Claro, sempre fomos sinceros um com outro.
- Tenho receio de seu envolvimento com esse cara, cuidado pra não sair machucado nessa relação.
- Não vou sair mais machucado do que saí em relação ao Roger e o Juliano.
- E eu pensei que você estava a fim do Juliano, me enganei feio.
- Eu me decepcionei muito com ele.
- Será que isso não é mágoa misturada com orgulho?
- Pode ser, mas meu momento é outro e tem sido maravilhoso.
- Se eu souber que você anda se drogando, juro que te deixo internado nessas clinicas particulares sem direito a saída por uns três anos.
- Você não confia em mim?
- Se eu não confiasse não te daria oportunidade dessa conversa.
Tiago me surpreendeu e foi muito legal comigo. Conversamos longamente, contei tudo que eu sabia sobre o João Pedro e no final voltamos pra casa.
No domingo à tarde voltei pra Belo Horizonte decidido a dar uma oportunidade ao João, mas não contei pra ele sobre a conversa com Tiago pra não lhe dar falsas esperanças, pois eu também estava receoso quanto ao seu comportamento em relação à evolução do tratamento, principalmente quando tinha as recaídas.
O mês de setembro passou, papai havia melhorado. Neste período fui todos os finais de semana pra casa e passei com eles, fiquei feliz, pois finalmente as coisas começavam a entrar no ritmo novamente.
Desde a briga com Aline mantive o João afastado. Ele foi muito compreensivo e entendeu que estava passando por um momento difícil e mais uma vez me surpreendeu, pois não me fez cobranças:
- Oi amor!
- Eu já disse pra você não me chamar assim?
- Estou com saudades do meu namorado.
- Namorado?
- O convite ainda está valendo!
- Você tem caprichado no tratamento acho que está merecendo uma chance.
- Sério?
- É de se pensar.
- Então que tal sairmos pra comemorar esse momento?
- Quando?
- Hoje à noite, quero conhecer um local que nunca fui.
- Que local é esse?
- Você vai rir então só vai saber quando chegar à hora.
- Como vou rir se não sei qual é o lugar.
- Na hora eu te falo e agora preciso organizar tudo.
- Conta logo, João.
- Não senhor, é surpresa.
- Então eu te vejo mais tarde?
- Sim, beijos!
João não quis me contar, mas eu sabia que era algo bom e estava feliz. O dia passou rapidamente e por volta das oito da noite ele apareceu na república num táxi, achei estranho porque a mãe dele sempre o carregava ou então andava de ônibus.
Entrei no carro e o taxista deu partida sem dizer nosso destino e só fui me dar conta quando entramos num motel. Olhei para o João e não acreditei que ele foi capaz de tomar aquela atitude. Ele apenas sorriu pra mim, pagou o cara, depois pagou a moça da portaria e entramos.
Fiquei orgulhoso e feliz por sua coragem em quebrar barreiras, João era uma caixinha de surpresas.
- Como é minha primeira vez num motel, quero que seja especial porque estou com a pessoa certa pra curtir esse momento. – disse ele me abraçando.
- Você tem sido especial pra mim, compreensivo, carinhoso.
- Quero ser mais que isso.
- Vamos com calma.
- Você quer mais calma ainda?
- Nossa aproximação aconteceu de forma inesperada, não imaginei que seria nessa intensidade.
- Achou que seria uma relação convencional como qualquer outra?
- Nem isso, no inicio eu achava que você apenas um garoto problemático e precisava de ajuda.
- E agora?
- Vejo um homem com problemas e dificuldades e ao mesmo tempo um guerreiro que está me mostrando coisas lindas e me fazendo acreditar em algumas coisas novamente.
- Que coisas?
- Me apaixonar, por exemplo.
Ele me abraçou forte, me deu um beijo e depois sentamos na cama.
- Esperei tanto por esse momento, será que estou sonhando?
- Sou um cara complicado pra tomar decisões, tenho medo de fazer escolhas erradas.
- Você só vai saber se tentar.
- Eu já tentei outras vezes e foi frustrante, mas quero muito viver esse momento, essa sensação gostosa que estou sentindo.
Ele segurou minhas mãos junto as suas, foi acariciando seu rosto e depois nos beijamos por um longo tempo. Cada toque se tornava intenso, estávamos nos curtindo de forma espetacular.
Nossa noite foi especial, intensa, transamos a noite inteira, brincamos, nos divertimos, foi algo muito simples, mas o suficiente pra eu tomar uma decisão e já arriscava a dizer que o amava.
- Eu te amo. – disse ele enquanto trocávamos selinhos.
- Eu também te amo!
- Estou ouvindo isso de você ou é sonho?
- Não é sonho.
- Então namora comigo?
- Assim, rapidinho?
- Você ainda tem duvida?
- Não, eu aceito.
Ele me abraçou e nos beijamos, a noite foi longa, passamos no motel e quando saímos éramos namoradosAproveitamos que era domingo e fomos almoçar no shopping. Eu estava muito feliz com o inicio da nova fase que minha vida estava se encaminhando, mas não sabia que ao chegar a republica teria uma das notícias mais tristes da minha vida.
Ao colocar os pés na porta notei que a galera estava reunida inclusive Breno e Poliana.
- Nossa, temos uma reunião de amigos e ninguém me avisou.
Todos se olharam entre si e ninguém falou nada.
- O que está acontecendo?
Todos se olharam novamente e finalmente Rafael começou a falar.
- Estávamos esperando você chegar porque aconteceu uma coisa muito triste.
- O que aconteceu?
- Seu pai não passou bem.
- Não passou bem? Ele está hospitalizado, onde?
- Tenta se acalmar você está nervoso.
- É claro que estou nervoso, você disse que meu pai está hospitalizado e eu quero saber onde?
- Ele passou mal, Tiago o levou até o hospital, mas...
- Mas o que? Fala Rafael.
- Ele faleceu.
Entrei em choque, minhas pernas perderam as forças e só acordei quando estava numa clinica com Rafael e Breno ao meu lado e logo as imagens do que aconteceu antes voltaram a minha mente.
- Rafael, diz pra mim que é mentira.
- Eu queria muito que fosse mentira, mas não é.
- Breno... – não consegui falar e comecei a chorar.
- Estamos com você para o que for necessário, somos seus amigos e vamos te ajudar a superar esse momento.
- Eu não quero isso, Breno, Rafael, por favor, diz que é mentira.
- Você precisa ficar calmo, Tiago precisa de você.
- Nós temos que ir pra sua cidade, o enterro é amanhã.
- Não me dopem, por favor, quero poder me despedir do meu pai sem nenhum remédio.
- Será como você quiser, mas tem que ficar calmo.
- Podemos ir? – perguntou Breno
- Vamos? Os meninos já foram. – disse Rafael.
- Vamos.
Viajamos durante a noite, foi uma das piores viagens que já fiz na vida, pois não acreditava que estava passando por tudo novamente, fazia tão pouco tempo que havia perdido minha mãe, não era justo.
- Você está bem? – Rafael me perguntava a todo instante.
- Falta muito pra chegar?
- Estamos longe ainda, tenta descansar. – disse Breno ao volante.
- Sandro, nós estamos com você, tenha forças. – disse Letícia ao meu lado.
- Quero o cara aguerrido sendo forte quando chegarmos. – disse Poliana
Mesmo transtornado, me senti protegido por meus amigos, senti que poderia contar com o carinho deles.
Chegamos à cidade por volta das seis da manhã e fomos direto pra capela funerária.
- Você tem que ser forte irmãozinho. – disse Rafael sempre ao meu lado.
Eu só chorava, não tinha forças para caminhar, era como se o chão me faltasse, Rafael e Breno me apoiaram e só assim consegui entrar na capela.
Uma das piores visões que eu tive na minha vida, pois não esperava passar por aquilo novamente, quando foi minha mãe eu estava mais forte, ela me preparou para aquele momento, mas o meu pai foi como uma pancada na cabeça.
Breno e Rafael me conduziram até o caixão, meu pai parecia estar dormindo ali dentro. Aproximei-me dele e beijei seu rosto gelado, tentei abraçá-lo para ver se ele reagia até que Tiago veio ao meu encontro e me deu o abraço que precisava naquele momento.
- Eu nunca vou te deixar sozinho. – disse ele abraçado a mim.
Tiago me levou até uma cadeira e ficamos sentados até eu me acalmar, foi um dos momentos mais tristes que passei na vida, várias pessoas queriam me dar calmante, mas ele não deixou.
As horas do dia foram passando, volta e meia um amigo vinha me abraçar, inclusive meus amigos do colégio Cristian e Adriana.
Juliano veio me dar um abraço, ele esteve quase o tempo todo ao lado do meu tio que não estava bem.
Quando estava quase na hora do enterro, João chegou com a mãe dele e me deu todo apoio, fato que marcou muito, para a decisão que mais tarde viria a tomar.
No final da tarde do dia 18 de outubro de 2010 meu pai foi enterrado ao lado da minha mãe como era o desejo dele.