Mal mudei para a casa do João e solicitei ao Breno os dias de folga que havia me prometido. Eu estava firme no propósito de passar no vestibular.
João e eu aproveitamos a folga para estudar e nos dedicar a prova que seria no final do mês. Estudamos muito, nos dedicamos, em minha cabeça não tinha outro pensamento que não fosse passar na federal, era um sonho que finalmente estava realizando.
Eu fiz para arquitetura e ele para administração, Adriana fez para farmácia e Christian economia.
Adriana e Christian conseguiram passar, mas João e eu não conseguimos, fiquei triste, decepcionado, pois me dediquei, fiz o cursinho preparatório e mesmo assim não consegui.
Aparentemente eu estava conformado, mas a derrota para o vestibular me deixou pra baixo, era como se todos os problemas do passado viessem à tona e gritassem pra mim que eu não era capaz de superá-los.
Foi demais pra mim, senti o peso da derrota, foi doloroso demais, pois era um sonho que infelizmente tive que adiar. No dia que soube do resultado eu não resisti e mais uma vez as lágrimas e a tristeza me venceram.
- Porque você esta chorando? – perguntou João sem entender.
Eu não falei, permaneci como estava inerte sobre a cama.
- O que aconteceu amor, eu fico angustiado em ver você desanimado desse jeito.
- Tentei falar, mas não consegui, ele veio ate mim e me abraçou,
- Me fala o que foi? Eu fiz alguma coisa que você não gostou?
- O problema sou eu mesmo.
- Você é sempre tão calmo, por favor, me fala o que aconteceu?
Ele estava visivelmente agoniado, fiquei triste por isso, não queria desabar na frente do João, logo agora que fazia meses que não se drogava e assim como eu estava decepcionado pela reprovação. Fui respirando fundo e tentei me acalmar.
- Não é nada.
- Como não é nada, eu nunca vejo você chorando e de repente faz mais de uma hora que está assim.
- Eu vou melhorar, fique tranquilo.
- Vou pegar um copo de água pra você.
Ele saiu e depois retornou com a água e me deu, João tinha um olhar tão atencioso que me comoveu.
- Bebe amor, vai te fazer bem.
Enquanto bebi a água ele ficou alisando meus cabelos, estava preocupado.
- Agora me conta o que está acontecendo?
- Eu não posso errar.
- Porque não?
- Eu não quero ser um peso na vida do Tiago, tenho que conseguir sobreviver sozinho.
- Você está assim porque foi reprovado no vestibular?
- Existe decepção maior que esta, eu tinha que ter passado.
- Do jeito que você fala parece que não represento nada em sua vida.
- Desculpa João, não foi nesse sentido que falei.
- Eu entendi. Você não quer ser dependente do Tiago financeiramente, mas eu estou aqui.
- Não misture as coisas.
- Nós estamos juntos e eu quero te ajudar. Se agora não deu certo, nós tentamos depois, mas não vamos desistir.
- Você tem razão, mas eu estou mal, não sei o que vou dizer ao Tiago.
- Pare de se cobrar como se devesse algo a ele.
- Você não entende, quando eu preciso é ele que me ajuda, devo isso ao Tiago.
- Você não é uma máquina, por favor, respeite seus limites, assim você vai ficar doente.
João com sua doçura conseguiu me acalmar, ele tinha razão, de nada adiantava eu me desesperar.
- Eu jamais poderia imaginar que você me falaria coisas tão lindas.
- Não vou permitir que se sinta derrotado porque não passou numa prova que muita gente não consegue passar em várias tentativas.
- A Adriana e o Christian passaram na primeira tentativa.
- Eles fizeram vestibular pra particular, olha a diferença amor, por favor, não pensa assim.
- Com que cara eu vou olhar para os meus amigos, estão todos na expectativa da minha aprovação.
- Como sempre olhou, por acaso está escrito no manual da amizade que você era obrigado a passar no vestibular pra continuarem sendo amigos?
João me fez sorrir e de repente achei minha preocupação muito egoísta. Tomei coragem, levantei da cama e tomei um banho. Quando retornei ao quarto já me sentia melhor.
Fui ao encontro do João e o beijei. Empurrei-o e ele caiu deitado. Fui por cima dele sem interromper o beijo e deixei-o excitado, até que ele inverteu as posições ficando no meio de minhas pernas.
- Só porque vai sair você está me provocando, e se eu te prender nessa cama safado?
- Tenho que trabalhar João, agora não dá. – disse rindo.
- Poxa que namorado é você, provoca e depois arrega.
- Oh amor, depois eu te compenso, mas agora preciso trabalhar. – virei na cama e tratei em levantar.
- Você me paga.
- Resolve na punheta. – disse rindo e saí antes que ele saísse atrás de mim.
João tinha razão, alguns amigos me apoiaram outros nem falaram nada, mas eu não estava bem, me cobrava por não ter conseguido, mesmo depois de nossa conversa e o Tiago dizer que estava tudo bem.
Passou alguns dias e aquela sensação de derrota foi passando, minha vida continuava na mesma, trabalhando na academia, morando com João e a mãe dele e às vezes eu visitava a galera da república.
Teve um dia que retornei pra casa e encontrei João e Marta brigando.
- Meu filho você precisa entender a minha situação.
- Mãe eu não vou sem o Sandro.
- Não vou ir tranquila se deixar vocês sozinhos.
- O que está acontecendo?
- Pronto, agora a senhora conseguiu o que queria. – disse o João alterando a voz com a mãe dele.
Marta apenas sentou no sofá e começou a chorar, fui até ela e sentei ao seu lado.
- O que aconteceu, Marta?
- Minha mãe está muito doente e me pediu ajuda.
João viu que ela ia se abrir comigo e saiu irritado rumo ao quarto.
- O que ele tem?
- Tem horas que o João parece criança e não entende as coisas.
- Vocês brigaram?
- Minha mãe está muito doente e eu preciso ajudá-la.
- E porque você não vai visitá-la?
- Não posso sair e deixar vocês sozinhos, seria uma temeridade para o tratamento do João.
- Quantos dias você pretende ficar com ela?
- Dependendo de como ela está eu nem volto.
- Como assim?
- Já estava pensando nisso, só não tive coragem de voltar derrotada pra casa da minha mãe, mas eu não estou bem aqui, o João vive esse problema com as drogas, o pai dele sempre distante, me sinto muito só pra cuidar de tudo sozinha.
- Você está querendo ir embora e levar o João?
- Estou com vontade, mas eu não posso te mandar embora da minha casa e não quero isso, gosto de você como um filho.
- Eu tenho minha vida aqui, meus amigos, família.
Tenta entender a minha situação, eu preciso ir, fazia anos que estava esperando essa oportunidade.
- O João não vai aceitar.
- Eu não posso ir e deixá-lo aqui, seria arriscado demais para o tratamento dele.
- Você está me pedindo pra eu me afastar dele, é isso Marta? – falei chateado com ela.
- Porque você não vem conosco?
- Eu não conheço nada fora de Minas.
- Está na hora de você pensar em conhecer.
- Aqui eu tenho apoio do meu irmão, mas se sair ele não vai me ajudar.
- Você é meu segundo filho, será que não sirvo pra nada?
- Eu não sei o que pensar. Tenho meu trabalho com Breno e quero fazer faculdade.
- E você vai fazer junto com o João.
- Marta, isso é uma loucura.
- Eu jamais faria algo que prejudicasse você e o João.
- Eu preciso pensar.
- Converse com o João e tente convencê-lo a ir comigo.
Entrei no quarto e ele estava deitado parecia estar chorando. João não gostava de demonstrar suas fraquezas, era mais fácil vê-lo esbravejando do que demonstrando qualquer sentimento de tristeza.
Fui até ele e deitei ao seu lado, João nem se mexeu, permaneceu calado.
- Sua mãe conversou comigo e me explicou a situação.
João seguia calado parecia que nem era com ele que estava falando.
- Ela me pediu pra convencê-lo.
Ele deu um pulo da cama e já saiu esbravejando.
Ela está pensando em nos afastar e você pelo visto já aceitou a proposta dela?
- Ela me falou que sua vó está doente e disse também que faz tempo que queria voltar, mas não tinha coragem.
- Eu não saio daqui sem você.
- Vamos conversar com calma, você está muito nervoso.
- Eu já disse Sandro, só saio daqui com você.
- Ela me fez o convite.
- Então quer dizer que você vai conosco? – disse mais calmo.
- É difícil pra mim, tenho minha vida toda aqui, mas também tenho que pensar que vocês não estão em minha vida por nada.
- Se ela fez esse convite é porque vai nos ajudar.
- Eu não gosto de depender dos outros, mas também não quero me afastar de você.
- O que você pretende fazer?
- Eu preciso pensar, tem meu irmão, meu trabalho, não estava preparado pra uma decisão tão repentina.
Eu estava dividido sem saber o que fazer. Decidi que no próximo final de semana iria conversar com Tiago.
No sábado pela manhã avisei o João e fui pra minha cidade. Cheguei já passava do meio dia, fui direto ao mercado onde eles estavam trabalhando.
A primeira pessoa que encontrei foi Fernanda, estava sorridente e parecia feliz quando veio me abraçar.
- Sandrinho, eu tenho uma novidade pra te contar.
- Deve ser algo muito bom, está empolgada.
- Empolgadíssima.
- Então me conta qual o motivo de tanta felicidade?
- Lembra do Fernando?
- Fernando... Não me lembro de ninguém com esse nome.
- Como não, o primo do Rafa.
- Ah... O que tem ele?
- Fazia tempo que ele vinha me paquerando e no sábado passado nós fomos numa festa e ficamos.
- Fernanda, você não está fazendo isso pra provocar o Rafael?
- Foi o Rafa mesmo já me disse pra cuidar da minha vida, é o que estou fazendo.
- Eu fico feliz que você está tentando refazer sua vida amorosa, mas cuidado pra não magoar o Fernando, ele me parece ser um cara legal.
- Eu não posso te dizer nada ainda, mas ele mexe comigo.
- Ainda bem, pois eu não aguentava ver você chorando pelo Rafael toda vez que nos encontrávamos.
- E você, soube que mudou e está morando com o carinha lá, me diz como está a vida de casado?
- Estou morando com ele, mas não sei se estou casado.
- Quem vive junto é casado.
- Se é assim, estamos bem.
- Então aproveita.
- Cadê o Tiago?
- Está no escritório.
- Vou subir e falar com ele.
Subi a escada e encontrei meu irmão falando com um fornecedor, esperei ele terminar e o abracei.
- Mano, que saudade eu estava de você seu safado.
- Eu também, fazia tempo que não vinha aqui, a última vez papai ainda estava conosco.
- Não vamos pensar em coisas tristes.
- E como vai a Paula, o casamento, o mercado?
- Estamos nos adequando as mudanças, o mercado vai bem e sobre ele preciso conversar com você.
- Sobre o mercado?
- Sobre a partilha de bens.
- Eu não gosto de pensar nisso.
- É necessário, senão eu não consigo trabalhar com o mercado em nome do papai.
- Você já falou com Aline?
- Falei e ela quer me vender à parte dela.
- E você?
- Vou comprar, já estou fazendo a papelada com advogado.
- Era isso que você quer falar comigo?
- Quero saber o que você pretende fazer da sua parte?
- Eu não pretendo trabalhar no mercado, já tinha te falado isso.
- Eu não tenho dinheiro pra comprar sua parte agora.
- E o que você me sugere?
- Queria pedir se você aguarda até eu ter condições de comprar.
- Por mim tudo bem. Não vou vender o que nossos pais construíram com tanto trabalho pra pessoas que nem conheço.
- Obrigado mano. Aline não abriu mão de receber a parte dela.
- Aline como sempre egoísta, só pensa nela.
- Com você eu me sinto mais confortável em fazer essa proposta. Tenho medo que Aline venda a parte dela pra estranhos.
- Fica tranquilo mano, eu jamais vou criar problemas pra você.
- Enquanto isso eu vou te ajudando afinal 33% de tudo que nossos pais tinham é seu.
- Eu sinceramente não penso nisso.
- Está na hora de você começar a pensar no que vai fazer, vai dar um bom dinheiro.
- Aline te falou o que vai fazer com o dinheiro dela?
- Disse que quer montar uma escola.
- Desejo sorte pra ela.
Estou te achando um pouco abatido, você está com algum problema?
- Eu tomei uma decisão, mas não sei se você vai gostar.
- Que decisão?
- Vou me mudar pra Argentina.
- Você está de brincadeira, né?
- É sério mano.
- Ficou maluco, Sandro.
- A mãe do João vai de mudança pra cuidar da mãe que está doente.
- E daí, o que você tem a ver com isso?
- Eu gosto do João e não vou abandoná-lo.
- E seus projetos, seu trabalho, os amigos?
- Quanto aos meus projetos não muda nada, só vou perder o trabalho e ficar longe dos amigos, mas isso não quer dizer que não possa visitá-los, assim como você.
- Você vai quebrar a cara, mas já é adulto e eu não posso te impedir.
- Eu sabia que você ia ficar chateado.
- Como você quer que eu aceite uma loucura dessas?
- Você diz isso porque não quer que eu fique longe.
- Também, não está sendo fácil superar a morte do papai e ai você vem com essa notícia.
- Estou dividido, não sei o que fazer.
- Você tem que aprender a tomar suas decisões e arcar com elas.
Meu final de semana com Tiago foi complicado, ele não gostou da minha decisão. Com o Breno não foi diferente, ambos acharam que estava cometendo uma loucura, mesmo assim segui meu coração.
A saída da academia foi complicada, fiz muitos amigos e antes de sair eles me entregaram um presente, era uma agenda com uma caneta e também uma camiseta da academia pra eu guardar como lembrança.
A minha despedida do Breno foi triste.
- Acho que depois da minha mulher essa é a despedida mais triste da minha vida.
- Com uma diferença, eu não morri.
- Vou ficar sem ter alguém pra dar carona depois do expediente.
- Eu já falei pra você arranjar alguém.
Ele sorriu, interrompeu uma lágrima e voltou a ser o velho Breno de sempre.
- O que você vai fazer lá?
- Talvez vá trabalhar na loja da mãe do João, não sei ainda.
- Vou te deixar meu telefone, qualquer coisa que acontecer e se não der certo, você me liga.
- Obrigado por tudo.
- Liga mesmo, promete?
- Prometo.
- Como eu fui me apegar tanto a você garoto?
- Talvez porque aqui dentro (bati no peito dele) existe um coração tão grande que você nem imagina.
- Isso é bom pra eu aprender a ser bondoso demais.
- Tenho direito a última carona? – falei enquanto descíamos as escadas para sair da academia, mas antes que Breno me dissesse alguma coisa alguém me chamou.
- Sandro!
- Oi Juliano!
- Posso falar com você?