Fiquei surpreso e até assustado com sua proposta, aliás, ver um advogado praticamente recusar dinheiro para ajudar duas pessoas a continuarem juntas era coisa nova em minha forma de ver as coisas:
- Olha, Mark, eu não sei…
- O que te custa tentar? O doutor Galeano é uma pessoa espetacular e se ele não puder ajudar vocês a se entenderem, ninguém mais poderá.
(CONTINUANDO)
Fiquei pensativo por um instante e não tinha uma resposta certa para nada mais na minha vida, até mesmo o divórcio havia se tornado uma incerteza. Entretanto, ele não estava errado, eu já estava perdido, aceitando o fim, não haveria nada que me impedisse de tentar consertar aquilo. Ele pareceu antecipar minha hesitação:
- Olha… Não estou te obrigando a fazer nada. É somente uma proposta, uma tentativa de, sei lá, encontrar uma resposta mais certa para o incerto, porque… - Ele me encarou, enquanto parecia escolher melhor as palavras: - Vou ser bem sincero, acho que você não tem certeza se quer se divorciar dela. Ainda tem muito sentimento envolvido.
Eu o ouvia atentamente e balancei afirmativamente minha cabeça para ele que me olhou em dúvida e eu expliquei:
- Bem… Não vejo porque não tentar.
- Ótimo! - Ele sorriu, dando-me um leve tapa no ombro: - Vou chamar a Nanda, porque ela vai gostar de participar da chamada...
- Chamada!? Mas como? Para o terapeuta? Agora!? - Perguntei, surpreso e titubeando.
- É, uai! Eu tenho o celular dele e não vejo porque delongar ainda mais. - Ele me falou, já pegando seu celular e ligando para a Fernanda no viva voz, explicando o que iria fazer.
Ela vibrou do outro lado da chamada e disse que já estaria conosco. Mentiu. Demorou alguns bons minutos, enquanto nós nos olhávamos curiosos com sua demora e quando entrou em nossa sala, estava gargalhando. Nós a olhamos sem nada entender e ela já foi se explicando:
- A esperta aqui esqueceu qual era o escritório. Então, acabei de atrapalhar três reuniões e na última ainda me perguntaram se eu não queria permanecer para tentar acalmar um pouco os ânimos exaltados dos presentes.
- Fernanda!? - Mark a repreendeu.
- Ah, mor, eu sou eu! Não adianta, não vou mudar nunca.
Ela se sentou ao seu lado e entrelaçou seu braço no dele, colhendo um olhar de surpresa dele próprio, eu diria até um certo ar de reprovação que ela ignorou completamente. Ele respirou fundo e acabou aceitando o contato. Logo, ele discava um número em seu aparelho e o colocava no ouvido:
- Põe no viva voz. Também quero falar com ele. - Fernanda resmungou.
- Xiiiiiu! - Mark resmungou mais alto ainda.
- Não faz “xiu” pra mim… Ara! - Ela resmungou novamente, mas agora sorrindo.
Ficamos olhando para ele que logo começou a conversar com alguém:
- Alô!? Doutor Galeano? É Mark. Isso, o Mark. Por enquanto, o Mark da Nanda…
- Por enquanto nada! É para sempre! - Ela falou em voz alta, ao pé do ouvido do Mark, bem próximo ao celular para que o outro pudesse ouvir também.
Mark virou na direção dela e parecendo ouvir alguma solicitação, ativou o viva voz em seu aparelho e o colocou sobre a mesa. Ouvimos então uma gostosa e debochada risada masculina do outro lado da ligação:
- A Nanda não muda mesmo, né, Mark? - Disse o interlocutor.
- Não mudo mesmo, doutor. Até acabei de falar isso para eles. - A própria Fernanda falou, rindo: - Tô só tentando melhorar em alguns aspectos para o Mark voltar a ter orgulho de mim e… Ah, e oi para o senhor também!
- Olá para você, minha querida Fernanda Maria…
- Como é que é!? - Fernanda o interrompeu, interpelando, quase pegando o aparelho celular.
- Estou brincando, minha querida. - O interlocutor da chamada respondeu, rindo: - Oi para você, Nandinha do meu coração.
- Melhor assim! - Ela resmungou, agora sorrindo.
Mark assumiu a conversa e fez um breve resumo, bem resumido mesmo da situação em que meu relacionamento com a Lucinha se encontrava, inclusive dizendo que eu ouvia toda a nossa conversa, e perguntou se ele poderia ajudar. O tal “doutor” aceitou de imediato e pediu para falar comigo a sós. Como isso era desnecessário, afinal, eles já sabiam de tudo, apenas pedi para o Mark desativar o viva voz e comecei uma breve conversa com ele. Praticamente tudo o que eu havia contado para os dois, repeti e a conclusão dele foi a mesma da Fernanda, ou seja, de que o erro havia sido da Lucinha, mas foi uma observação dele que me deixou preocupado:
- Como assim ela errou e pode não ser culpada? - Perguntei.
- Não totalmente, pelo menos. - Ele explicou, tentando conter minha irresignação: - Pense assim, meu caro Gervásio, ela é tão iniciante quanto você nesse meio de relacionamentos liberais. Ela pode ter realmente falado a verdade quando, na visão inocente dela, disse que achava que você estava de acordo. Aliás, veja bem, a sua falta de ação pode, direta ou indiretamente, ter validado a conclusão que ela tomou, prematura e bastante frágil, é verdade; mas factível. Claro que isso que eu estou te falando é somente uma conclusão preliminar, baseada rapidamente na história que você me contou, nem seria correto eu estar concluindo nada neste momento. O correto seria eu atender vocês dois, separadamente e depois em conjunto, para melhor aquilatar os fatos, as interpretações pessoais e conclusões que ambos tomaram, além de poder também criar condições de traçar um caminho para poder ajudá-los a superar esse momento difícil.
- Tá! Eu… Eu acho que entendi. Mas será que tem volta?
- Você a ama, Gervásio, e isso digo sem ter olhado sequer em seus olhos. Não fosse isso verdade, você não estaria conversando comigo agora, tentando entender e buscar outra saída que não o divórcio. Afinal, se o divórcio fosse uma solução certa em seu coração, você não precisaria de um terapeuta, mas sim de um advogado e isso eu acho que você já encontrou no Mark, não é mesmo?
- Sabe que o Mark me disse a mesma coisa sobre eu não ter certeza? E isso apesar dele estar passando por uma situação parecida…
- E ele está certo! Entenda: dificuldades todos temos em nossas vidas e buscar um melhor entendimento para tomar uma decisão livre da precariedade da pressa, é fundamental. Quer um exemplo? Olhe agora para o Mark e a Nanda. Aposto que os dois ou estão conversando entre si, ou estão abraçados, mas de uma forma ou de outra e mesmo depois de tudo o que já passaram, ainda estão lado a lado, tentando entender melhor o sentido de tudo para não tomarem uma decisão equivocada e acabar prematuramente com uma linda história de amor.
- É… - Disse ao confirmar que eles continuavam grudados e Nanda conversando alguma coisa com ele ao pé do ouvido: - Acertou em cheio, doutor!
- Me dê essa chance de ajudá-los. O que vocês têm a perder? Alguns dias de vida em comum? Mas pense no que tem a recuperar. Será que não vale o esforço?
Esse terapeuta sim passava uma imagem forte, equilibrada e bastante justa. Mark e Fernanda agora me olhavam, curiosos e decidi:
- Tá! Eu… Eu vou tentar, mas como a gente faria? O senhor não é daqui de São Paulo, não é?
- Não, meu caro, não sou. Posso atendê-los a distância, virtualmente, ou pessoalmente em minha clínica. Fica a critério de vocês decidirem como preferem.
- Certo. Eu vou falar com a Lucinha… Ah, doutor, a Fernanda me aconselhou a não ficar em casa enquanto eu estivesse decidindo o divórcio para evitar discussões, brigas e etc. O que eu faço agora?
- Volta para casa, desde que você me prometa manter a calma e cordialidade. Acredito que sua esposa irá adorar recebê-lo de volta e mais ainda quando souber que você ainda não desistiu da terapia, apenas prefere mudar de terapeuta.
- Mas e se ela…
- Gervásio! - Ele me interrompeu: - Não tem “e se”. Lute pelo seu relacionamento, não desista por antecipação. Me dê a chance de ajudá-los. Eu próprio, se entender que o seu relacionamento está fadado ao fracasso, irei aconselhá-los a partirem para o divórcio, mas de uma forma que não machuque nenhum dos dois. Só não crie nenhum bloqueio agora. Você está casado com a… a Lucinha. Então, volte para a sua casa e reforce seus vínculos.
Recebi mais algumas orientações e ele me pediu para ativar o viva voz, pois queria conversar com o casal que não se desgrudava mais:
- Mark e Fernanda, quero lhes pedir um favor.
Mark arregalou os olhos, surpreso e eles se entreolharam curiosos. Mark se adiantou:
- Uai, diga, doutor.
- Quero que vocês acompanhem o Gervásio até a casa dele e que expliquem que ele tomou a decisão de tentar a terapia, somente trocando de profissional.
- Mas por que a gente? - Mark perguntou novamente.
- Porque vocês já tem maturidade e cicatrizes suficientes para ajudar a orientar esses dois, além de que são liberais…
- Doutor, nós estamos quase divorciados, não sei se o senhor se lembra. - Mark falou e Fernanda o encarou, invocada.
- Não estamos não! O processo está suspenso. Você concordou com isso. Você me deu o direito de lutar por você e pela minha família. - Ela resmungou em seguida.
Mark a encarou e pela primeira vez vi aquela mulher, imponente e forte, fraquejar. Seus olhos marejaram de imediato e entendi que o que unia aqueles dois era um sentimento tão verdadeiro e forte que dificilmente a maior das muralhas conseguiria mantê-los separados se eles próprios não quisessem. Mark que ainda a encarava, sorriu e soltou uma pérola:
- Olha a pamonha! Pamonha, pamonha, pamonha… Pamonha quentinha do interior de Minas Gerais. Olha o mais puro suco do milho e…
- Ah, vai se foder, mor! - Falou a Fernanda em voz alta, rindo e enxugando uma lágrima que escapou rosto abaixo.
Mark ria também, aliás, todos nós, inclusive o doutor Galeano do outro lado da chamada:
- Tudo bem, doutor, a gente vai, apesar de que eu continuo achando que não somos as melhores pessoas para aconselhar ninguém nesse momento.
- Mark. - O doutor Galeano chamou sua atenção: - Acredite em mim, você não imagina o milagre que uma conversa franca e sincera pode fazer, tanto para eles como para vocês mesmos.
Encerramos a chamada e o clima que havia começado soturno, negro, opaco, ganhava novas nuances. Pedi licença para eles e liguei para a Lucinha que me atendeu após dois toques:
- Gervásio, amor… Onde você está? O que aconteceu? - Ela falava, claramente nervosa.
- Calma, Lú, calma. Estou bem. Aliás, muito melhor agora depois de conversar com um casal de amigos e com um terapeuta.
- Você ligou para a Leila? Ela te convenceu?
- Não. Conversei com outro terapeuta e queria conversar com você.
- Ué!? Vem pra casa então!
- Ótimo! Já estou indo, aliás, estamos, eu e o casal de amigos.
- Amigos!?
- É. Você vai adorá-los…
- Mas como? Assim, sem nada? Não tenho nada para oferecer agora, Gervásio!
Tranquilizei a Lucinha, explicando que seria bom apenas estar próximos de boas pessoas e ela se acalmou, pelo menos um pouco. Conversamos mais algumas questões e deixamos outras tantas para conversar pessoalmente. Assim que desliguei Fernanda falou:
- Se quiser, podemos ir em um outro dia, Gervásio.
- Não, não… Vamos hoje! Conversamos um pouco, aliviamos a tensão, e assim não fico alugando demais o doutor Mark.
- Mesmo porque “time is money, is not, Nanda?” - Ele falou de uma forma séria.
- Mark, que grosseria! - Ela rebateu, dando um tapinha em seu ombro.
- Isso é verdade! - Concordei com ele e perguntei: - Precisamos falar sobre os seus honorários…
- Bem… Como somente te orientei, fica o jantar por sua conta e estamos quites…
- Mark!? - Fernanda o interrompeu.
- Ara! O quê? - Ele a encarou, sorrindo.
Não sei o que seria desse encontro, mas conhecendo um pouco a Fernanda, eu imaginava que ela não deixaria passar uma oportunidade de passar a Lucinha a limpo: passar, dobrar e, se brincar, encaixotar também.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
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