Não sei o que seria desse encontro, mas conhecendo um pouco a Fernanda, eu imaginava que ela não deixaria passar uma oportunidade de passar a Lucinha a limpo: passar, dobrar e, se brincar, encaixotar também.
(CONTINUANDO)
Após isso, levantamo-nos e me despedi deles, mas antes que saíssem do saguão do hotel em que eu estava hospedado, Fernanda falou:
- Mas você é muito mané mesmo, né, Gervásio! Caramba, cara, você bem que podia ter evitado dizer que era um casal.
- Ué, mas por que, Fernanda?
- Porra, cara, imagina você chegando comigo na sua casa, o choque que iria causar na sua esposa. Seria uma forma de você mostrar para ela que você também tem bala na agulha e que se quiser, arruma outra “facin”, “facin”...
Eu ainda não havia entendido direito e ergui os ombros em dúvida. Fernanda deu uma leve bufada e depois de olhar para o marido como se dissesse “esse cara é muito burro mesmo”, encarou-me novamente e soltou:
- Pra ela sentir na pele o que é ficar com outra pessoa sem a permissão do parceiro, meu caro. Chumbo trocado, entende?
- Mas não foi isso que a gente falou naquele dia e você me negou? - Perguntei, lembrando-me do nosso primeiro reencontro.
- Só que naquele dia você queria me comer, cara, achando que estaria fazendo justiça, seu babaca! Agora seria só um teatrinho…
- Comer!? Cê tava querendo comer a minha mulher, Gervásio? - Perguntou o Mark, encarando-me com um olhar frio e sério.
Um silêncio repentino surgiu e durou aproximadamente uns trinta segundos. Ele só foi rompido por uma risada gostosa da Fernanda que não aguentou e foi aporrinhar o marido:
- Ah! Então, eu sou sua mulher, doutor Mark? - Disse e riu novamente, comemorando e agarrando o braço dele num abraço intenso: - Ai, que delícia… Adorei!
Ele pareceu se dar conta de que havia falado demais e tentou corrigir, gaguejando:
- Não somos, mas ainda estamos. Mais ou menos isso… Sei lá…
- Não, não, não! Sou sim, adorei a surpresa e não vale voltar atrás. Gente, hoje eu vou dormir tão bem… - Disse, suspirando e cochichou no ouvido dele, mas numa altura que era praticamente impossível que eu não escutasse: - Ou podemos não dormir “nadica de nada”. Fica a seu critério.
- Não é nada disso, Nanda! Você pode dar para quem você quiser, tô nem aí com isso! A questão é que…
- A questão é que você ainda me ama e mesmo eu sendo liberada, você ainda sente um ciuminho de mim, né não? - Ela o interrompeu, eufórica.
Ele a encarou meio encabulado e ela piscou um olho, com um sorriso estampado na cara que seria suficiente para iluminar todo o saguão do hotel. O Mark só teve tempo de resmungar um “Meu Deus…” antes de tomar um selinho estalado na boca. Como eu havia combinado o jantar com a Lucinha por volta das 21h, havia tempo para eles se prepararem e combinamos de nos encontrar em minha casa no horário combinado.
Subi para meu quarto e organizei minhas poucas coisas. Liguei para a recepção, solicitando meu “check out” e em minutos já estava de saída, rumo à minha casa. Assim que entrei, Lucinha veio correndo com um olhar apreensivo em seus olhos levemente inchados, sinal de que havia chorado. Não tive tempo de abrir a boca e ela me metralhou:
- Gervásio, amor, o que aconteceu? Eu pensei que a terapia fosse para a gente se entender, mas você, de repente, despanou e saiu quase que correndo. O que foi aquilo?
Eu ainda queria dizer um monte para ela e talvez o que mais me doesse fosse justamente ela não reconhecer que havia errado comigo. Entretanto, eu sabia que se fizesse isso, haveria uma grande chance de tudo desandar. Então, respirei fundo e preferi aguardar a chegada de nossos convidados:
- Lucinha, a gente tem muito o que conversar. Só posso te adiantar que andei conversando com um casal de amigos que me orientou a insistir com um terapeuta e eles próprios me indicaram um muito bom. Aliás, esse sim, me passou bastante confiança, porque aquela doutora Leila… - Falava enquanto me dirigia ao meu quarto, com ela me seguindo, lado a lado.
- Foi o Roger que a arrumou para mim. - Ela me interrompeu.
- Oi!? - Parei para encará-la.
- A nossa situação estava horrível, eu… eu… eu estava te perdendo. Então, liguei para ele e disse um monte, culpando-o por ter acabado com a minha vida. Ele então me sugeriu ser atendido por uma ótima terapeuta e me passou o seu contato.
Eu apenas a encarava, irado com o fato de saber que ela havia entrado em contato com aquele salafrário, bem como aceitado um novo favor dele, sabe-se lá a que custo. Ela continuou:
- Pensei que ela pudesse nos ajudar e… - Parou por um instante, pensando no que dizer: - Bom, enfim, quando você saiu da sessão, ela me olhou e disse que a situação seria mais difícil do que ela imaginava e pediu para eu aguardar enquanto ela fazia uma ligação urgente. De onde estava, não pude entender todo o contexto, mas consegui entender que ela falava com o Roger.
- E entendeu como?
- Ué! Pela forma como ela falava, se referindo a nós e sua saída repentina. Daí quando ela voltou para conversar comigo, eu a pressionei até ela confirmar que ela tinha ido falar com o Roger. Então, quando ela começou a explicar quais seriam seus próximos passos para te convencer a aceitar tudo o que havia acontecido, eu me senti mal e saí de lá também.
Eu a encarei até com um certo orgulho, mas uma outra parte minha desconfiava de cada palavra que ela havia dito. Preferi dar um voto de confiança:
- Acho que você fez o certo. Não dá para confiar numa pessoa que foi indicada por aquele canalha…
- Você nunca vai perdoá-lo mesmo, né?
- E eu deveria?
Ela deu de ombros sem responder minha pergunta, indo até o closet e pegando uma muda de roupa casual para mim. Depois de me entregá-las, perguntou:
- Eu também preciso de um banho para me arrumar. Quer tomar comigo?
Querer, eu queria, era óbvio, pois além de ter um sentimento muito forte por ela, também tinha um tesão absurdo na minha esposa, mas naquele momento achei melhor ser prudente:
- Agora não, Lucinha. Hoje, você deu um grande passo para reconquistar minha confiança, mas ainda assim acho melhor irmos devagar.
Ela se aproximou de mim, colocando uma mão sobre o meu peito e me encarou com um misto de satisfação e tristeza:
- Posso, pelo menos, te abraçar? Eu pensei que a gente tivesse terminado de vez. Juro…
Eu não respondi e a abracei apertado. Não era o ideal, mas servia bem como um prêmio de consolação para aquela atitude dela, caso fossem verdadeiras todas as informações que havia acabado de me passar. Depois de um bom tempo, separamo-nos e cada um seguiu para um banheiro diferente. Banho tomado, arrumei-me e fui esperá-la na sala. Como eu já a conhecia, ela deveria demorar um pouco até ficar pronta. Demorou mais, tanto que o Mark e a Nanda acabaram chegando antes que ela própria estivesse pronta.
Fernanda vestia um vestido floral longo, mas sua altura e certamente sapatos de salto alto, a deixavam extremamente imponente e sedutora. Minha cabeça de baixo no ato quis dar sinal de vida, ainda mais sabendo que ela era uma mulher liberal e liberada, mas a entrada do Mark, agora vestido um traje que eu definiria como “esporte fino” abortou qualquer possibilidade mínima de meu desejo se tornar realidade.
Convidei-os a se sentarem e servi uma generosa dose de uísque para o Mark, sem gelo a pedido dele. Fernanda disse que preferia bebericar com o marido até a Lucinha chegar para decidirem o que tomariam juntas. Servi-me também de uma boa dose de uísque e passamos a conversar assuntos aleatórios, sobre nossas profissões, família, enfim, sobre tudo o que pudesse não ser relacionado ainda ao que seria tratado naquela noite.
Decidi ir atrás de Lucinha, mas assim que me levantei, ela entrou na sala. Nossos convidados se levantaram e apresentei a Fernanda como sendo minha ex-colega de faculdade e depois seu marido, o Mark. Fernanda a abraçou fraternalmente, dando três mineiríssimos beijinhos em sua face. Depois, o Mark fez o mesmo, mas não pude deixar de notar que antes de lhe beijar a face, a encarou de uma forma como se buscasse a verdade de sua alma através de seus lindos olhos verde-acinzentados. Minha esposa ficou vermelha com a abordagem dele, mas ele pouco se importou, apenas dando um beijo em sua face de uma forma tão lenta e intensa que muita mulher molharia a calcinha de imediato. Coube a Fernanda dar a primeira pedrada:
- Então, você é a Lucinha que traiu o meu amigo Gervásio, não é?
Lucinha arregalou os olhos e me olhou sem saber o que dizer. Eu não a culpo, porque eu mesmo a encarei de olhos arregalados, sem também saber o que dizer. Um silêncio inundou a sala naquele momento, quebrado apenas pela intervenção do Mark:
- E depois você ainda reclama dizendo que eu sou o grosso do casal.
- Só falei a verdade. - Fernanda insistiu e se voltou novamente para a Lucinha: - Pelo menos, você já entendeu que errou, né? Ou ainda achava que o que fez foi certo?
Lucinha ainda gaguejou alguma coisa, mas depois pareceu ter se invocado e ficado disposta a enfrentar a Fernanda. Nesse embate, eu apostaria facilmente na mineira, porque minha esposa era um cisco de mulher perto dela:
- Que… Que… Mas que… que… o que é isso? - Gaguejou a Lucinha: - Você vem na minha casa e se acha no direito de me… de me…
- De te jogar a verdade na cara! - Fernanda a interrompeu: - Sim! Eu me acho totalmente no direito de te jogar a verdade na cara, porque você errou sim. Agora, engole o choro porque nós vamos ter uma conversinha bem séria, de mulher para mulher.
Lucinha ficou branca e o Mark fez até um ar de sorriso, orgulhoso da abordagem e a olhou curioso:
- Só quero conversar com ela, mor, nada mais! - Fernanda falou para ele ao notar a forma como ele a encarava.
Lucinha me encarou, assustada e se saber o que dizer, mas eu sabia o que falar:
- Eles são meus amigos. Foi a Fernanda que conversou muito comigo e me convenceu a procurar um terapeuta, o que foi corroborado pelo Mark depois, mesmo eu o tendo procurado para cuidar do nosso divórcio.
- Divórcio!? - Lucinha agora me encarava assustada e com olhos já levemente marejados.
- Calma! Depois de conversar com o Mark e ele me falar também da terapia, conversei com um terapeuta indicado por eles. Inclusive, foi ele que me convenceu a tentar novamente e também foi ele que pediu que eles viesse aqui hoje, para conversar com você.
- Mas conversar o quê? Se eles ainda fossem terapeutas, tudo bem, eu entenderia, mas eles são… - Lucinha os encarou e falou com uma voz trêmula: - Seu advogado e sua amiga!
- Somos liberais antes de tudo, sua boba. - Fernanda voltou a falar: - E deve ser por isso que o doutor Galeano quis que viéssemos conversar com você, para te mostrar que você estava fazendo tudo errado.
- Mas eu não fiz na… - Resmungou Lucinha sem terminar a frase.
- Você quer conversar comigo, com a gente, ou prefere que o meu marido resolva o problema do seu? Eu te garanto que se o Mark colocar a mão nesse caso, não vai sobrar nem pó seu para ser varrido embaixo do tapete depois.
- Porra, Nanda, vai com calma, mulher! - Mark a repreendeu e assumiu a frente: - O doutor Galeano pediu que viéssemos conversar com vocês para mostrar que tomaram decisões erradas, apesar de que eu acredito que vocês já tem plena ciência disso, não é?
Lucinha o olhava atenta, pois apesar de tudo, ele sabia ser bastante convincente. Diferentemente da Fernanda, ele sabia dominar a palavra dita e a usava com uma propriedade única, colhendo a atenção e concordância dela. Ele continuou explicando:
- Olha só, a Fernanda…
- Nanda, Nanda! - Fernanda o interrompeu.
- Tá… Ok! A Nanda é meio explosiva, mas é justa e poderá te dar uma visão de como as coisas deveriam ter sido. Você não precisa ter medo. - Falava de uma forma bastante calma, com uma voz quase hipnotizante: - Agora, se você quiser que conversemos todos à mesa, também não vejo problema algum. Acho até melhor porque poderemos complementar e melhor entender os fatos…
- Não vou poder falar nem um minuto a sós com ela? - Fernanda perguntou e brincou a encarando: - Só quero amaciar a carne um pouquinho…
Lucinha a olhava como se visse um fantasma. Fernanda então começou a rir e foi para cima dela, a abraçando forte enquanto dizia:
- Deixa de ser boba, Lucinha, errar todos erram. A questão aqui é entender que você errou e se arrepender para ter a chance de ser perdoada. Eu só quero o melhor para vocês dois. Só isso.
Nesse momento, Lucinha parece ter se desarmado e a abraçou forte, passando a chorar próxima a seu peito. Enfim, parecia que a ficha dela estava caindo e eles pareciam ser os responsáveis por aquele entendimento. A noite mal havia começado, mas prometia forte emoções e revelações de verdades ocultas iriam mudar de vez minha forma de enxergar minha esposa.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
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