Nesse momento, Lucinha pareceu ter se desarmado e a abraçou forte, passando a chorar próxima a seu peito. Enfim, parecia que a ficha dela estava caindo e eles pareciam ser os responsáveis por aquele entendimento. A noite mal havia começado, mas prometia forte emoções e revelações de verdades ocultas iriam mudar de vez minha forma de enxergar minha esposa.
(CONTINUANDO)
Fernanda olhou para o marido e notei que ele fez um gesto com uma das mãos, abanando-a para baixo, como se pedisse para ela ir com mais calma e ela acenou com a cabeça, concordando. Após um bom tempo chorando, Lucinha se desgrudou dela e se desculpou pelo papelão da choradeira. Fernanda assumiu:
- Só queremos ajudar vocês. Eu sei da história contada pelo Gervásio, mas também queria ouvir você para entender o que aconteceu e talvez dar algum conselho, explicação, sei lá… Queria partilhar com vocês a nossa história de vida e quem sabe dar uma luz.
Lucinha a pegou pela mão e foram para a sala de jantar, sumindo de nossas vistas. Convidei o Mark para nos sentarmos no sofá, mas logo a Fernanda gritou pela gente, chamando-nos para participar da conversa. Elas já estavam sentadas à mesa e assim que nos aproximamos, Lucinha avisou que tinha colocado dois vinhos para gelar. Entendi o recado e fui buscar um para as “madames”. Abri a garrafa e servi duas taças que já estavam sobre a mesa. Antes que pudesse falar alguma coisa, Lucinha se adiantou, brindando:
- Aos novos amigos! Que possam nos ajudar a sair dessa fria.
Brindamos também. Entretanto, o silêncio voltou a imperar naquela mesa. Mark olhava para as duas e pouco depois, comentou ao olhar para rótulo da garrafa de vinho:
- Vinho suave… - Sorriu para si mesmo e encarou a Fernanda, chamando sua atenção: - Nanda, vai com calma na bebida, hein? Sei que você adora um vinho e sei bem o que ele causa.
Ela sorriu para ele, primeiramente de uma forma dúbia, mas parecendo ter entendido o recado, depois levantou suavemente a sobrancelha e sorriu imensamente, brincando:
- Estamos acompanhadas de nossos maridos, não há perigo algum.
O Mark assumiu a conversa e começou a elogiar a decoração de nossa casa, tentando aliviar um pouco o clima. Fernanda seguiu pelo mesmo caminho. Logo, conversávamos diversos assuntos, mas nada relacionado ao fatídico dia. Eu e ele decidimos continuar no uísque e fui buscar a garrafa. Entretanto, ele consumia bastante lentamente, mesma situação da Fernanda, que parecia distrair a Lucinha, enquanto a servia com frequência.
Finalizada a primeira garrafa, Lucinha já ria alto, brincando, leve e solta com a Fernanda, inclusive com o Mark. O interfone tocou e Lucinha me avisou que havia encomendado um assado, porque não haveria tempo dela preparar um. Fui buscar a carne enquanto ela seguiu para a cozinha, seguida pela Fernanda. Assim que retornei e acondicionar a carne sobre a mesa, Mark que não perdeu tempo:
- Deixa ela beber. Um pouco de álcool serve para destravar as engrenagens da língua. Se você quer a verdade, vamos obtê-la.
- Eu imaginei isso quando vi vocês diminuírem a quantidade.
Ele só acenou positivamente com a cabeça. Logo, elas voltaram, trazendo arroz à grega, salada, purê de batatas e um tutu de feijão. Servimo-nos e abri uma nova garrafa de vinho para elas, servindo-as. Lucinha, como se já os conhecessem de longa data, foi direta:
- Parabéns pelo marido, Fernanda. Difícil encontrar um homem assim… classudo, charmoso e cheiroso nos dias atuais.
- Ah é… Realmente eu dei muita sorte. - Fernanda concordou, dando trela para minha esposa: - Mas o Gervásio também não é de se jogar fora, né?
- Não! Claro que não! Amo o meu marido de paixão. Só que ele anda bravo comigo, até pensando em se divorciar…
- É… - Fernanda concordou e aproveitou a brecha: - Ele me contou o que aconteceu. Você não gostaria de se abrir também? Quem sabe abrindo o coração e falando tudo o que aconteceu, o que você sentiu, o que você achou no dia, ele não te entende e perdoa…
- Será!? Eu… Eu tenho medo dele nunca mais olhar na minha cara…
- Você gostaria de conversar comigo primeiro, papo de mulher para mulher?
Lucinha ficou pensativa por um instante e olhou para todos os presentes, dando uma especial atenção para o meu semblante e falou:
- Não! Acho que… Não! Eu sei que o melhor a fazer é falar já na presença dele. Prefiro contar tudo de uma vez só.
- Tem alguma coisa que eu não saiba? - Perguntei, assombrado com a forma que ela falou.
Ela só balançou afirmativamente a cabeça, suspirou fundo, virou sua taça de vinho que eu havia acabado de encher de uma única vez e encarou o Mark, perdida em pensamentos. Depois de um tempo em silêncio, virou-se para mim, com os olhos vermelhos e marejados:
- Eu realmente não fui honesta com você.
- Você já era amante do Roger, é isso? - Perguntei, sem conseguir dominar minha ansiedade.
Lucinha se surpreendeu, arregalando os olhos e se explicando:
- Não! Não. Não… - Olhou para todos os presentes de relance e voltou a me encarar: - Claro que não! Eu só fiquei com ele naquela maldita noite, só lá naquele hotel.
- Então, não estou entendendo… - Resmunguei.
Ela suspirou fundo novamente, olhando para mim e sorriu, mas de uma forma que mais transpirava chateação:
- Lembra daquela festa de despedida de solteira que fui convidada a participar no ano passado?
- Da Solange?
- É.
- Tá. Lembro. O que é que tem?
- Então, eu… eu conheci a Alícia lá no clube.
Não gostei como ela começou a conversa e devo ter feito uma péssima cara naquele instante, tanto que o próprio Mark chegou a me dar um toque na perna, chamando minha atenção. Eu já imaginava que o buraco poderia ser bem mais fundo do que eu imaginava e isso me deu um aperto no peito, certamente espelhado em minha cara. Suspirei fundo e voltei a encarar a Lucinha, tentando dar forças para ela prosseguir:
- Ok! Prossiga…
Ela suspirou fundo também e passou a me contar o que havia acontecido naquela festa. A princípio, não teve nada demais, apenas brincadeiras com a noiva, bebedeira, show com stripper, mas tudo dentro do que já imaginávamos que iria ter. Ela até me relatou que num certo momento, foi convidada a interagir com o stripper e dançou com ele, com um “esfrega-esfrega”, mas que nada demais aconteceu:
- Ué! Então, não estou entendendo… - Falei.
- A Alícia… quando a Alícia me viu ali, me divertindo com o stripper, ela… Bem, depois que voltei para a mesa, ela veio conversar comigo. Daí começou a me fazer um monte de perguntas, principalmente se eu era liberada, afinal, viu a aliança no meu dedo e, como eu estava interagindo sem vergonha alguma com o stripper, ela disse que imaginou que fôssemos liberais.
- Mas não somos. - Falei.
- Não mesmo e eu falei isso para ela. Só que ela ficou acesa e começou a me contar que ela era, que ela tinha liberdade, que saía com quem queria, etc. e tal, enfim, ela me fez uma puta propaganda de como é a vida de um casal liberal e como pode ser prazerosa.
- E isso foi suficiente para você me trair?
- Não, calma. - Ela pediu e suspirou fundo, sem tirar os olhos de mim: - Como eu já estava meio alta, acabei levando tudo o que ela falava na brincadeira e ficamos papeando boa parte da noite. Depois trocamos telefone e passamos a conversar por WhatsApp. Daí ela começou a me mandar fotos dos caras com quem saiu. Eu não acreditou no início, mas logo ela me mandou fotos dela com alguns desses caras, então não tive mais como duvidar. Ah, Gê, a carne é fraca…
Eu suava frio ouvindo como eles haviam envolvido minha esposa, mas ainda assim fazer o que ela fez não se justificava. Não havia sido um erro, mas sim uma escolha consciente dela; errada, mas uma escolha livre e aparentemente premeditada. Ela continuava:
- Comentei com ela que eu não conseguiria fazer aquilo com você, mas um dia, tentando mostrar para ela que também éramos modernos, caí na besteira de falar que chegamos a fantasiar sexo com uma terceira pessoa. Então, ela me disse que, se eu tivesse vontade e para garantir o sigilo e a minha saúde, ela me emprestaria o seu marido para a minha primeira vez.
- Lucinha de Deus! Não estou acreditando que você caiu nessa… - Falei, enxugando o suor que já brotava de minha testa.
- Não foi questão de cair ou não, você sabe que a gente fantasiava, isso você não pode negar. Mesmo depois que a gente discutiu quando você quis fantasiar uma mulher, ainda chegamos a incluir homens em nossas transas. Foi ou não foi?
- E isso te deu o direito de fazer o que fez, sem ao menos me colocar a par de tudo o que acontecia, Lucinha!? - Bufei.
- Por favor, calma, deixa eu contar tudo…
Respirei fundo novamente, mas não sem antes olhar para o Mark que balançou afirmativamente a cabeça para mim. Voltei a encará-la e ela retomou o assunto:
- Eu disse que isso não mudaria nada, afinal, eu não conhecia o Roger. Daí ela teve a ideia de criar um grupo para nós três nos conhecermos melhor. Foi lá que eu conheci e conversei algumas vezes com o Roger. Eles chegaram a fazer vídeo chamada para mim transando algumas vezes e eu… eu… - Suspirou, baixando os olhos: - Eu cheguei até a me masturbar assistindo eles.
De repente um silêncio tomou conta e vi que havia chegado a uma encruzilhada que poderia significar o tudo ou o nada para nós. Como ela se calou e eu também não falava, o Mark tomou a dianteira:
- Gente, gente, gente… Cadê a cumplicidade de vocês, hein? Porra, vocês são marido e mulher. Estão casados há quanto tempo, um mês? Vocês precisam aprender a conversar, falar um com o outro…
- Mas não é fácil confessar um desejo para outro quando se é mulher, mor. Eu tive sorte de ter um marido com mente aberta, mas nem todas têm. - Fernanda o interrompeu.
- Não, sem essa, Nanda! Cumplicidade e honestidade é tudo num casamento. Eles já fantasiavam, ela tinha que ter chegado nele e contado o que estava acontecendo. Daí se eles iriam dar o passo seguinte, seria uma decisão do casal e as consequências seriam de ambos.
- Tá, e se ele falasse não para ela, hein? - Fernanda o interpelou, objetivamente.
- Então ela teria que decidir se prefere ficar casada com um homem tradicional, conservador, talvez frustrando-se sexualmente, ou se prefere ser honesta com ele e se divorciar para depois procurar alguém que pensasse igual a ela.
Fernanda balançou negativamente a cabeça e falou:
- Você é homem, mor, e além disso é advogado. Você pensa racionalmente e acha que as coisas são “um mais um igual a dois”, mas nós mulheres não somos assim. Nós vemos, ouvimos e sentimos as coisas de uma forma bem diferente e, às vezes, por medo, ocultamos coisas de vocês, só para não decepcioná-los.
- É… Isso é verdade, não é mesmo, Nanda!? - Mark falou, encarando-a, chateado.
A Fernanda o encarou meio entristecida com alguma lembrança e falou para todos nós:
- Mesmo eu, apesar da idade, também cometo os meus erros e também estou pagando por isso.
Lucinha olhou um, depois o outro e perguntou:
- Credo, gente, está tudo bem?
- A gente está meio que brigados, Lucinha… - Fernanda explicou.
- Quase divorciados. - Mark a corrigiu.
- Não! Você aceitou suspender o processo e me dar uma chance de te reconquistar. Então, estamos divorciados é o caralho! - Ela o rebateu, mas contemporizou: - Mas o que ele disse é a pura verdade, Lucinha, você nunca poderia ter ocultado do Gervásio essas suas conversas com a tal Alice…
- Alícia… - Eu a corrigi.
- Alícia, ok… com a tal Alícia e principalmente quando o Roger entrou no meio. Para você ter uma ideia de como o meio liberal é sério, normalmente a mulher conversa com a mulher, um homem só chega numa mulher se ela estiver acompanhada do marido. - Falou e deu um sorriso depois: - A não ser quando seja uma noite temática, né, mor? Uma “Cuckold Night”, por exemplo.
Vendo que a Lucinha a encarava sem entender, ela complementou:
- Uma noite para corninhos. Daí é normal homem chegar na mulher, sozinha ou acompanhada, mas isso é história para outro dia, mocinha, afinal, não viemos falar sobre isso. - Explicou e voltou a falar de uma forma séria: - Se você tivesse sido honesta desde o início, quem sabe ele não teria aceitado a possibilidade real de vocês incluírem uma terceira pessoa na transa de vocês? Afinal, vocês já fantasiavam isso.
Após um breve silêncio, Lucinha perguntou:
- Então, vocês acham que eu errei?
- Claramente sim! - Mark falou numa entonação meio rude.
Fernanda o encarou incomodada com o tom, mas ele não esmoreceu, encarando-a também invocado. Ela então, logo ela, assumiu um tom mais cordial e perguntou para a Lucinha:
- E voce, Lucinha, o que você acha?
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