Depois de deixar Igor em sua casa, fui para a minha, tomei um bom banho e me joguei na cama. Minha cabeça estava a mil; pensei várias vezes no que havia acontecido, no que eu tinha descoberto até ali, na história da Fernanda, sobre a qual ainda tinha um pouco de dúvida se era verdade ou não.
Uma coisa que me deixou meio receosa é que eu não a conhecia direito; só sabia o que ela havia me contado. Outra coisa que Igor disse me deixou ainda mais desconfiada: ele mencionou que provavelmente Alexandre estava recebendo ajuda de dentro da empresa, e ela trabalhava lá. A história dela poderia ser apenas uma cortina de fumaça e, se fosse o caso, eu estaria ferrada, pois contei tudo a ela. Ela só não sabia o que eu tinha descoberto no escritório.
Nem sei quanto tempo fiquei ali viajando com meus pensamentos, mas fui interrompida por uma ligação do Hugo. Atendi e ele disse que estava me enviando o processo da Fernanda por PDF no meu e-mail, mas que, ao olhar por cima, parecia que tudo o que ela havia falado era verdade.
Ele também comentou que já era quase certo que conseguiria informações sobre o processo em que Daniel estava envolvido, ou pelo menos saber os detalhes. Agradeci e disse que aguardava novas informações.
Liguei meu notebook e fui verificar o e-mail. Abri o arquivo e comecei a ler; era muita coisa, mas me foquei no depoimento da Fernanda, da mulher e do marido dela. Quando li o depoimento da mulher, tive certeza de que Fernanda não mentiu; a mulher praticamente confessou tudo. Tenho certeza de que ela fez um acordo com a justiça. Bom, acho que Fernanda estava mesmo limpa, pelo menos não havia mais nada que me fizesse desconfiar dela.
Liguei para meu pai e disse que precisava ter uma conversa séria com ele. Perguntei se ele estava em casa; ele respondeu que não, que tinha acabado de sair da sala do advogado. Se eu quisesse, poderia passar na minha casa. Eu disse que queria sim, despedi-me dele e fiquei esperando sua chegada. Não demorou 20 minutos e vi o carro dele entrando pelo portão.
Fui recebê-lo e, ao sair, ele estava conversando com Dona Ana. Assim que me viu, veio até onde eu estava, me abraçou e disse que eu tinha roubado a melhor empregada que ele já teve e uma boa amiga. Eu apenas sorri e chamei-o para irmos à sala conversar.
Disse a ele para não se preocupar, mas que o que eu iria contar com certeza o deixaria com raiva e muito preocupado, mas que estava tudo sob controle e eu resolveria o mais rápido possível. Mas, para fazer isso, eu precisava da ajuda dele e, principalmente, que ele mantivesse a calma. Vi que ele já ficou mais atento à conversa.
Contei tudo o que havia acontecido, claro que omiti algumas coisas que não eram necessárias contar para meu pai, mas no geral não escondi nada. Jurei que ele ficaria muito puto com Alexandre, mas não; ele ficou preocupado comigo. A primeira coisa que ele perguntou foi se eu estava bem.
Eu disse que sim, que estava bem na medida do possível, mas que ficaria totalmente bem logo que resolvesse isso. Ele disse que eu poderia resolver do jeito que achasse melhor, que ele iria ajudar no que eu precisasse. Agradeci. Ele perguntou se Dani estava sabendo, e eu disse que sim, que não escondia nada da minha filha. Ele quis saber como ela reagiu e eu disse que ela ficou com muita raiva do Alexandre, mas que eu a acalmei.
Meu pai disse que o mais importante era eu cuidar dela, dar muito carinho, atenção, amor e, principalmente, passar segurança a ela, que ela era meu bem mais precioso, assim como eu era o dele. Ele me disse que a empresa não iria quebrar, mesmo se Alexandre tivesse roubado todo o dinheiro do caixa dos últimos meses. Os maiores bens que eu tinha eram as propriedades e, mesmo que Alexandre tivesse feito um rombo muito grande na empresa, havia como recuperá-la financeiramente.
Eu disse que ele tinha razão, que meu maior tesouro era mesmo Dani, que eu cuidaria para que ela passasse por isso da melhor maneira possível, mas que também tentaria resolver o problema da empresa. No máximo até a outra semana, eu teria tudo resolvido. Meu pai disse que confiava em mim e perguntou no que poderia ajudar.
Perguntei a ele como era o contato de Alexandre com o dinheiro da empresa e como funcionavam as coisas lá. Meu pai explicou que todos os empreendimentos tinham um gerente ou diretor responsável. Esses responsáveis faziam o balanço todo mês e enviavam o balanço e o dinheiro do lucro para o escritório central. Ali, todo balanço era conferido por um tesoureiro responsável, que fechava o balanço geral do mês e o encaminhava para a diretoria. A diretoria conferia o balanço e os lucros eram depositados na conta principal da empresa.
A diretoria era composta por cinco pessoas: um responsável pelas lojas de móveis, um responsável pela rede de supermercados, um responsável pelos prédios, apartamentos, galpões e qualquer imóvel de aluguel da empresa, e um responsável pelo marketing. Alexandre, como presidente, era responsável por tudo, além de cuidar de qualquer compra e venda da empresa. Porém, nada era comprado ou vendido antes de ser aprovado pelo diretor responsável pelo setor. Alexandre também era o único que tinha acesso à conta principal, que, por sua vez, era monitorada pela diretoria.
Alexandre era o único com carta branca para promover, rebaixar, contratar e despedir qualquer funcionário. Na verdade, já fazia quase um ano que ele fazia esse papel; depois da morte da minha mãe, ele deixou tudo nas mãos de Alexandre. Mesmo sendo vice-presidente na época, já fazia as funções de um presidente. Meu pai disse que, quando Alexandre era vice, ainda podia mudar qualquer decisão dele; agora, ninguém podia, a não ser eu, que era a dona.
Perguntei ao meu pai se ele confiava na diretoria. Ele disse que sim, que escolheu cada diretor a dedo ao longo dos anos, e que os atuais eram de total confiança dele e estavam na diretoria há muito tempo. Ele comentou que os quatro, exceto Alexandre, iriam ficar mais alguns anos lá, porque antes de deixar a presidência, ele fez um contrato de cinco anos com eles, com uma multa altíssima. Ele resolveu fazer isso depois da conversa que teve comigo na casa dele, achando melhor garantir que teria pessoas confiáveis na diretoria, pelo menos por alguns anos.
Eu disse que ele fez bem em fazer isso e perguntei se Alexandre tinha um contrato assim. Ele disse que não, que o dele tinha uma multa menor e que, caso qualquer um deles fosse demitido por justa causa, o contrato seria quebrado. Assim, a multa só funcionava para uma demissão sem justa causa. Eu disse a ele que tinha entendido; ele falou que, qualquer coisa, era só eu falar com Gabi, porque ela sabia de cada detalhe desses contratos e tinha uma cópia, já que foi ela quem resolveu tudo para ele, já que o advogado dele estava ocupado com as transferências de seus bens para o meu nome.
Fiquei ali conversando com meu pai por um bom tempo, e ele me explicou muita coisa. Quando percebi, já eram quase 20 horas. Chamei meu pai para jantar comigo e Dani; ele aceitou. Jantamos e tivemos uma conversa bem leve durante o jantar. Depois, meu pai disse que precisava ir para casa e que, qualquer coisa, eu poderia ligar, mas confiava em mim para resolver tudo. Agradeci a ele e disse que o manteria informado. Dei um abraço bem apertado nele, e Dani fez o mesmo antes de ele ir embora.
Dani foi comigo para meu quarto. Eu contei a ela, sem muitos detalhes, o que eu e meu pai conversamos. Ela perguntou qual seria meu próximo passo e eu disse que era conseguir os balanços, notas e documentos da empresa dos últimos seis meses para tentar achar onde estava o vazamento. Eu disse que Igor iria ajudar, mas que precisava da ajuda de outra pessoa e não sabia se ela iria topar. Minha filha perguntou quem era essa pessoa; eu disse que era a Fernanda.
Dani achou muito arriscado, mas disse que, se eu confiava, ela também iria confiar. Perguntei se ela e Igor estavam mantendo contato; ela disse que sim, que estavam trocando mensagens. Pedi para ela pedir a ele para preparar o pen-drive e trazê-lo para minha casa antes das dez do outro dia, além de trazer seu equipamento, porque iríamos fazer o serviço aqui mesmo. Ela nem respondeu e já começou a digitar no celular.
Mandei uma mensagem para Fernanda dizendo que precisava muito encontrar com ela no dia seguinte, na hora do almoço, para falar algo importante. Ela logo respondeu que não tinha problema, que eu podia escolher o local e o horário. Eu disse que poderia ser às onze e dei o nome de um restaurante que ficava perto da empresa e em um local bem discreto. Ela confirmou que estaria lá às onze e quinze sem falta. Agradeci e desejei boa noite.
Dani recebeu uma mensagem e, assim que leu, disse que Igor tinha avisado que tinha que ser no meu escritório, pois o computador da minha casa não era muito bom e o do escritório era melhor para ele fazer o que precisava. Eu disse a ela para dizer a ele que, às nove, eu estaria na minha sala. Perguntei a Dani se ela tinha olhado o rastreador do celular de Alexandre; ela disse que sim, que ele só esteve em três lugares até a hora em que ela foi jantar comigo. Em dois desses lugares, ele ficou pouco tempo; no outro, ficou praticamente o dia todo.
Pedi para ela conferir de novo antes de ir dormir. Ela falou que poderia deixar, que iria olhar sim. Fui tomar um banho rápido e Dani foi para seu quarto. Quando saí do banho, deitei na cama e nem percebi quando apaguei. Estava com algumas horas de sono atrasadas e muito cansada mentalmente; dormi direto até o dia seguinte, às oito da manhã.
Dani já tinha ido para o colégio com o pai de uma amiga. Deixou um bilhete avisando que deixou o computador ligado, já com o mapa aberto, e a bolinha azul era o Alexandre. Eu ri ao ler o bilhete. Fiz tudo que precisava e fui para o escritório. Logo Igor apareceu, me explicou que era só colocar o pen-drive em uma entrada USB de qualquer computador da empresa que estivesse ligado, que em no máximo dez minutos ele já teria acesso a tudo que houvesse no sistema da empresa.
Eu disse que tentaria pedir ajuda a Fernanda, mas se ela não aceitasse, eu mesma faria uma visita à empresa do meu pai.
Quando estava saindo do escritório para ir ao restaurante encontrar Fernanda, Hugo me ligou. Ele disse que, infelizmente, não conseguiu o processo para mim, mas conseguiu algumas informações. Eu pedi para ele me mandar um áudio explicando ou então me ligar depois do meio-dia, porque estava saindo para encontrar Fernanda e não podia me atrasar. Ele disse que não havia problema, que me mandaria em áudio e que eu poderia ligar se tivesse alguma dúvida. Agradeci e fui para o almoço com Fernanda.
Cheguei ao restaurante com dez minutos de antecedência. Pedi uma coca zero para beber até ela chegar. Os minutos demoraram a passar, mas finalmente a vi entrando no restaurante. Terninho social, salto agulha, óculos finos e cabelo em coque preso com um palito japonês. De repente, meu mundo começou a passar em câmera lenta. Eu estava cansada de saber que Fernanda era uma mulher muito bonita, mas naquele estilo executivo, ela ficava extremamente linda!
Assim que ela chegou à mesa, sorriu e disse para eu fechar a boca e parar de dar bandeira. Só então voltei ao meu estado normal, sorri e disse que a culpa era dela. Ela se abaixou, me deu um beijo no rosto e se sentou. Escolhemos algo para comer e, assim que o garçom saiu, ela perguntou o que era tão urgente que eu precisava falar com ela.
Eu disse que, na verdade, precisava de um favor dela, mas que entenderia se ela não quisesse me ajudar. Ela perguntou o que era. Eu disse que antes precisava saber se poderia confiar nela. Ela pensou um pouco e disse que sim, eu podia confiar nela, mas que a resposta dela não iria mudar nada na minha decisão, porque, se ela fosse uma pessoa de má índole, daria a mesma resposta. Não havia como ela me provar que era confiável apenas falando algo, e eu com certeza sabia disso. Então, se eu estava ali, era porque, no fundo, já confiava nela o suficiente para pedir esse favor.
Pensei um pouco e disse que ela tinha razão; realmente já confiava nela para pedir o que iria pedir, mas que antes contaria o que aconteceu depois que saímos do apartamento dela. Contei de forma resumida o que havia acontecido até o momento em que decidi ligar para ela. Falei até do processo dela que eu tinha olhado, mas disse que já havia apagado o PDF, pois precisava ter certeza de que ela tinha me falado a verdade. Aproveitei e já disse o que queria que ela fizesse por mim.
Ela disse que não achou ruim eu ter ido atrás do processo dela, que eu não a conhecia direito e, para me pedir o que eu pedia, tinha que tomar certos cuidados. Disse que eu podia avisar ao Igor que, ao meio-dia e meio, o pen-drive estaria conectado em um computador ligado. Perguntei como ela iria fazer isso; ela respondeu que era secretária do Alexandre, tinha acesso à sala dele e entrar lá para ligar o computador era normal aos olhos dos outros. Que isso não era um problema, até porque quem mexia no computador geralmente era ela, já que Alexandre só usava o notebook que carregava para cima e para baixo. Ela tinha razão; Alexandre não desgrudava do seu notebook.
Ela disse que precisava de um favor meu também. Perguntei qual e ela disse que, se o lance de eu arrumar outro trabalho para ela ainda estivesse de pé, ela iria aceitar. Ela comentou que não queria mais trabalhar na empresa, que queria pelo menos a chance de trabalhar em um lugar onde pudesse crescer mais na carreira, pois como secretária era complicado. Disse que, se eu conseguisse colocá-la em alguma outra empresa em um cargo que ela pudesse mostrar seu valor, estaria me devendo muito e que eu não me arrependeria de ajudá-la.
Eu disse que iria ver isso para ela, que com certeza conseguiria algo melhor, até porque conhecia alguns empresários que me deviam favores. Ela disse que tudo o que queria era apenas uma chance de poder subir na vida, porque tiraram a que havia conquistado honestamente e ainda deixaram as coisas muito difíceis para ela conseguir outra chance sem a ajuda de alguém. Eu disse que entendia e que iria ajudar, não por causa do que ela iria fazer, mas sim porque ela realmente merecia isso.
Ela me agradeceu e disse que, no sábado, iria entregar sua carta de demissão na empresa.
Depois, ela me perguntou quem iria me ajudar a olhar os documentos da empresa caso Igor conseguisse mesmo hackear a empresa. Eu disse que não sabia, mas que iria dar uma olhada e Gabi também, mas provavelmente eu teria que pedir a ajuda de alguém mais experiente com isso, talvez meu pai. Ela perguntou onde eu iria fazer isso. Eu disse que no meu escritório. Ela pediu para eu mandar a localização e, assim que Igor conseguisse os documentos, era para eu avisá-la, porque ela queria ajudar. Eu disse que não precisava, mas ela insistiu que era o mínimo que poderia fazer e que entendia do assunto, podendo ser bem útil. Eu disse que tudo bem, iria aceitar a ajuda dela.
Terminamos nosso almoço, entreguei o pen-drive para ela, expliquei que dez minutos, mais ou menos, com ele conectado seriam suficientes. Ela disse que estaria em contato comigo quando fosse conectar o pen-drive no computador. Eu disse que seria uma boa ideia. Nos despedimos e cada uma seguiu seu caminho.
Cheguei ao escritório e avisei Igor que tudo havia dado certo. Ouvi os áudios do Hugo, mas não havia nada que eu já não soubesse ou imaginasse, a não ser por uma novidade. Daniel roubou a empresa da irmã, foi descoberto e a irmã denunciou-o. A novidade é que esse processo estava em Brasília. Ele foi condenado, mas o advogado dele recorreu da sentença; o processo estava no último recurso. Ele estava solto porque pagou fiança e responde em liberdade, mas logo sairia a decisão final. Hugo disse que era quase impossível que a pena dele fosse diminuída. Essa notícia era boa; se eu conseguisse qualquer prova de que ele estava envolvido com o desvio da minha empresa, ele estaria ferrado. Eu iria para cima dele com todo o prestígio e conhecimento que adquiri ao longo dos anos de profissão.
Quando deu meio-dia e vinte, Fernanda ligou. Eu atendi e ela disse que estava na sala e já tinha ligado o computador, que em dois minutos Igor já poderia começar. Avisei Igor e ele correu para o computador com um sorriso de satisfação no rosto. Ele realmente amava aquilo.
Antes de passar dois minutos, Fernanda disse que estava tudo pronto. Coloquei no viva-voz, Igor ouviu e começou a teclar no computador.
Não passou nem dez minutos e ele levantou os braços para cima, dizendo que tinha conseguido entrar. Parecia que estava comemorando um gol! Ele disse que ela já poderia retirar o pen-drive e pediu para eu avisar a ela para não o perder de jeito nenhum. Avisei a ela e ela disse que em uma hora o pen-drive estaria nas mãos dele. Ela não queria passar o resto do dia sentada, ia apenas mandar uns fax e vir encontrar a gente no escritório. Eu disse que a aguardava, agradeci pela ajuda e nos despedimos.
Perguntei a Igor se estava dando certo. Ele disse que sim, que estava fazendo cópias dos documentos e que, depois, era só imprimir ou abrir no computador. Mas ele achava melhor imprimir, porque era muita coisa. Ele disse que fez uma varredura no sistema da empresa e que, com certeza, Alexandre não tinha ajuda de nenhum hacker; provavelmente ele fez isso usando notas frias e uma empresa fantasma. Igor iria investigar a empresa fantasma com calma e, por via das dúvidas, dar mais uma olhada se havia algo estranho no sistema da empresa do meu pai; talvez ele pudesse descobrir mais.
Nessa hora, lembrei de algo que ele provavelmente não sabia. Disse a ele que, se olhasse com muito cuidado, poderia descobrir que a empresa não era mais do meu pai, mas ninguém sabia disso além da Gabi, Dani e provavelmente do Hugo, e que preferiria que continuasse assim. Ele pensou por um tempo e depois disse que entendeu e que eu poderia ficar tranquila, que ninguém iria saber.
Tudo estava dando certo; com os documentos, balanços e notas em mãos, com certeza iríamos descobrir tudo. As horas de farra do Alexandre e do Daniel estavam se esgotando e iriam acabar rapidinho, no que dependesse de mim.
Continua…