Aí eu subia, ligava a banheira e descia pra fazer qualquer coisa pra ele comer. Ele ficava esparramado no sofá, morto de cansaço e sono, aí nem dava pra eu me animar muito porque sabia que o mar não estava pra peixe.
Depois da banheira cheia e do prato pronto, esperando dentro do forno, eu levava-o até o banheiro, tirava o resto da roupa e o colocava na banheira. Ele ficava tão cansado que parecia um morto vivo e acabava por obedecer aos meus comandos.
Pena ele estar tão cansado, eu pensava.
Enquanto ele se banhava, eu esquentava o que tinha feito, colocava uma cueca limpa em cima da cama e gritava que o jantar estava pronto. Ele saía da banheira, vestia a cueca, colocava um roupão preto que ele costumava usar quando estava em casa e ia pra cozinha.
Eu ficava na sala enquanto isso e esperava ele comer, enquanto lia alguma coisa. Acho até que foi nessa época que eu li O Manifesto Comunista.
Depois que ele comia, ele vinha pra sala, arrastando os pés, quase dormindo enquanto andava e desabava no sofá, colocando a cabeça dele nas minhas pernas.
Eu lia com uma mão e fazia cafuné com a outra.
- Não quero que trabalhe, B.
- Já está decidido.
- Você decidiu sozinho isso aí.
- É porque é algo que diz respeito a mim.
- A mim também, não?
- A você também, claro; mas é algo que só eu posso decidir.
O clima estava estranho entre a gente. Esse papo de ele me sustentar, de não querer que eu trabalhe, estava chato.
Ele estava se comportando de forma diferente da que eu estava acostumado.
Saí no dia seguinte e fui procurar emprego. Encontrei um que se encaixava com o meu horário na faculdade.
Aceitei a oferta sem consultar o Henrique antes. Essa história ainda ia render.
O emprego era nada mais, nada menos que de garçom!
Eu gostei de início. Era um salário legal, pagava pequenas contas, era um restaurante novo, de uma família tradicionalíssima na minha cidade. - já deu pra perceber como eu dou importância às famílias tradicionais da minha cidade, né? Pois bem, não é à toa.
Liguei pro Henrique, mas ele estava em aula, então liguei pro Vagner contando a novidade.
Fui pra casa olhando a aliança que se encontrava no meu dedo anelar, rindo como nunca.
Mas aí eu pensei na minha mãe.
Já fazia três dias que estava fora e eu não tinha notícias dela e nem ela de mim, eu acho. Mas achava que o tempo fosse curar essa mágoa que barreirava a gente. Tinha esperança de que ela aceitasse.
Se pra mim era e às vezes continua sendo difícil aceitar, imagina pra ela!
Cheguei em casa e fui fazer umas coisas do trabalho sobre os homossexuais. Liguei pra associação que a gente iria visitar e fui fazendo perguntas sobre estatísticas e coisas que interessassem mais ao estudo.
Bateu uma curiosidade de saber como realmente era a vida dos associados. Sempre tenho tão pouco contato com outros gays que é inevitável eu não me sentir só, às vezes.
O Henrique chegaria umas vinte e uma, então eu fui preparando uma comidinha qualquer pra receber o maridão.
Pão, azeite, um bife temperado, algumas rodelas de tomate e estava pronto o super-prato!
Ele chegou e eu, como bom esposinho que sou, fui recepcioná-lo, claro.
- E como foi o dia?
- Ah, o de sempre. Vem cá e me recebe direito!
Ele arremessou tudo no sofá, me agarrou pela cintura e me deu um beijo suculento. Parecia que a força dele aumentava cada dia mais e eu não conseguia mais acompanhar o ritmo do beijo, depois de um tempo.
Isso me deixava louco, cheio de desejo.
Ele prendeu os braços em mim e não mais largou. Senti o ar faltando e o tórax dele me sufocando e quando eu tentava puxar ar pela boca, ele não deixava, ocupava a minha boca toda com a língua e eu ficava desesperado, apertado pela cintura, sufocado pelo tórax e impedido de respirar pela boca.
Eu não poderia ficar mais excitado.
Um ano havia se passado e ele sabia todos os meus pontos fracos. Mas pra ele não bastava só saber, ele tinha que explorar isso da forma mais intensa possível.
Fomos andando, enquanto ainda nos beijávamos, pro sofá. Ele jogou tudo o que ele havia jogado no sofá, no chão. Me empurrou e veio pra cima.
Como eu já disse aqui antes, a mão dele é grande o bastante pra pegar o meu saco na palma. Pois bem, ele fez isso por cima da cuequinha que eu vestia, enquanto me sufocava com o beijo. Ele movimenta muito a cabeça enquanto beija. Remexe os quadris, me fazendo abrir as pernas. Ele ficava com a cintura entre as minhas pernas e a única coisa que eu conseguia tocar eram as costas dele.
O suor começava a surgir nos nossos corpos, afinal, era uma pegação muito forte e nós nos esfregávamos muito.
Ele arrancou rapidamente a camisa e voltou ao beijo, só que agora estávamos ambos já ofegantes.
O meu pintinho já estava pronto para o que viesse e estava úmido.
Ele estava de jeans e como ele se esfregava muito em mim, principalmente entre as minhas pernas, fazia com que o tecido da minha cueca ficasse friccionando na minha cabecinha. Nossa! Fico louco com isso.
Ele se esfregava entre as minhas pernas e eu soltava suspiros.
Ele já estava abrindo o zíper da calça e nem tinha tirado os sapatos ainda. Foi um sufoco só. Ele beijando e tentado abrir o zíper emperrado. Prendeu de uma forma que, ou ele abria o zíper, ou me beijava.
Como a gente não ia ficar só no beijo, ele começou a fazer força. A situação já estava cômica: um grandalhão daquele, suando pra abrir o zíper.
Eu não me aguentei e comecei a rir. Ele parou de tentar abrir e perguntou:
- Tá rindo do quê?
- Haha... Aí; tá sem força. Ai que moleza! Haha...
Eu não me continha... era mais forte que eu!
Estava muito engraçada a situação, até que ele...
- Ah é? Corre!
- Hã?
- Corre! Se eu te pegar você vai se arrepender do que fez.
Eu comecei a correr dentro do apartamento, só com aquela tanguinha enterrada no rabo, de pano branco finíssimo e meio transparente...
E ele como um louco atrás.
Fui em direção ao quarto e ia entrar no banheiro e trancar a porta, mas ele chegou antes e me puxou de lá.
- Não foge! Você sabe que você não pode comigo.
- Ai, Rique; eu parei de rir. Haha... Tá bom, você venceu.
- Hã? Não me contento só com você venceu. Você me paga, já disse.
- Não Rique, eu não aguento as suas brincadeiras.
- HAHA... Pensasse nisso antes de rir de mim... você me paga!
Aí eu continuei fingindo que não iria aguentar, que ele era forte demais, bla,bla,bla...
Ele me jogou na cama, puxou a minha cueca de uma vez só, que eu nem vi.
Veio pra cima, se ajoelhando em cima da cama e ficou tentando desemperrar o zíper, na minha cara.
- Se você rir, você vai ver!
Eu ficava com mão na boca e ele tirava...
E já sabia que ele ia enterrar a vara.
- Não, de cara limpa, ri pra você ver o te acontece!
Eu não me contive. Ri pra me acabar.
- Ah, é?
E caiu com tudo em cima de mim. Um peso enorme. Se agarrou na minha cintura e me deixou sem fôlego. Eu tentando puxar ar pela boca e ele não deixava. Eu ficava esquivando o rosto da língua dele, que ele queria enfiar goela a dentro!
Claro que eu não podia com ele e acabei me rendendo.
E o dedo enterrado no meu cu, indo e vindo, entrando e saindo muito rápido.
E eu louco de tesão...
O beijo dele me pegou de jeito e como num passe de mágica, ele conseguiu desemperrar o zíper.
- VIVA! Haha...
- Olha só; ele ainda debocha! Espere, seu Benjamim!
Arrancou a calça e ordenou que eu fosse pegar uma camisinha no guarda-roupas.
Quando eu estava voltando pra cama, eu vejo ele em pé, do meu lado. Aí ele me pressiona contra a porta do guarda-roupas e me beija forte.
- Não foge, garoto, não foge... - falando isso de forma ofegante.
Ele vem me arrastando, enquanto me beija, pra cama. Nos deitamos e o que parecia que ia ser uma transa selvagem, foi na verdade um amorzinho gostoso. Ele pôs a camisinha e veio por trás; abraçou a minha cintura e colocou as coxas dele entre as minhas.
Estávamos de conchinha, mas logo depois ele deitou de costas sem me largar e eu fiquei em cima, só que de costas pra ele. Foi muito gostoso porque eu pude sentir ele por inteiro por trás e ainda podia ouvir as sacanagens que ele soprava no meu ouvido.
Mesmo por baixo, era ele quem comandava os movimentos. Ele fazia uma forcinha com as pernas e me elevava. As sacanagens ao pé do ouvido foram ficando mais picantes e os movimentos foram de suaves pra rápidos.
- Você gosta disso, seu fdp? Hein?
Logo, eu pude sentir que as bolas dele subiam e se chocavam com as minhas.
Quando ele não fazia o vai e vem, ele rebolava dentro de mim.
Ele tem quadris largos e essa rebolada movimentava meu corpo inteiro. Eu só conseguia gemer e botar a mão na boca. Eu ficava mordendo o meu dedo indicador, meio que prendendo os gemidos, mas isso me dava muito tesão, pois as reboladas que ele dava fazia com que a vara enterrasse com tudo no meu cu e ia me arreganhando com força mesmo.
Eu sentia a cabeça do pau dele lá dentro, quase que no meu intestino.
E sabe aquelas nervurinhas duras que tem ao longo do pau? Eu sentia uma por uma passando no meu anelzinho, me abrindo e me arranhando ali.
É a sensação mais gostosa do mundo...
Ele ficou mais agressivo e já começava a gritar dentro do quarto. Eu fui contagiado com a empolgação dele e comecei a gritar também.
Éramos os dois gritando e sentindo aquela sensação de que aquilo seria a ultima coisa que faríamos.
É agora ou nunca! Senti o quentinho preenchendo a camisinha e os gemidos dele de satisfação.
Mas ele acabava de sair dentro de mim e já me pôs de outro jeito, deitado na cama e começou a me masturbar, enquanto olhava pra minha cara. Ele fazia bem lentinho e como eu já estava mega excitado, eu implorava pra ele acelerar, mas ele ficava naquela lentidão propositalmente. Eu sentia mais prazer daquela forma, mas quando a gente está no clima, é como se ficássemos desesperados pra conseguir gozar logo.
Eu implorava pra ele ir mais rápido, mas ele fazia não com a cabeça com a cara maliciosa e me deixando desesperado de tanto desejo. Eu ia com a mão lá ele dava um tapa com a outra. Ele parava e me beijava.
Óbvio que o beijo era bom, mas aí eu suplicava pra ele não parar.
- Não Rique... vai mais rápido, vai!
- Hum, meu lindo, me beija.
Mais cedo ou tarde eu acabei gozando e ficamos ali nos beijando.
A barriga dele roncou e aí eu lembrei do banquete que eu tinha preparado.
Desci, voltei com o prato, mas quando voltei ele estava com a minha carteira de trabalho na mão.
Merda, deixei ela em cima do criado-mudo, pensei comigo.
- O que é isso? - com a cara séria.
- É...
- O que é isso, Benjamim?
- Rique, eu... não fique chateado...
- Você faz as coisas sem me consultar e não quer que eu fique chateado?
- Mas eu tinha que fazer isso...
- Nós tínhamos decidido que você não ia trabalhar, lembra?
- Não lembro disso, não.
- Como não lembra dessa conversa?
- Eu lembro da conversa sim.
- E então?
- Você que decidiu que não queria que eu trabalhasse.
- Achei que estava decidido.
- Não Rique, eu disse que eu ia trabalhar.
- Que droga, Benjamim; eu não quero isso, você não vai trabalhar e ponto!
- Ah, Rique, deixa de besteira.
- Você está pensando que eu estou brincando? Eu não gostei disso; vai lá amanhã e peça demissão.
- Como é a história aí?
- Isso que você ouviu... vai voltar lá e sair do emprego.
- Não... não farei isso.
- Garoto, não me faz perder a paciência...
Eu não estava entendendo por que ele estava tão bravo comigo por causa disso. Não entendia os seus motivos e o papo cheirava a briga... e quase nunca brigamos.
- A propósito, é trabalho de quê, mesmo?
- Garçom.
Ele me olhou com uma cara como se tivesse estranhado. Bastou eu dizer garçom que ele mudou a cara de bravo pra desentendido.
- Hã? Garçom? Você não tá falando sério, tá? Haha... Isso é pegadinha, né?
- Não, Rique; eu vou trabalhar de garçom mesmo.
- Putz! Haha... Garçom? Caraca! Haha... você é maluco, sabia?
- Não entendi.
- Eu que entendi agora; você tá fazendo pegadinha, né? Só pode ser.
- Não, Rique; é garçom, sim, no Giordano.
A cara dele mudou do riso para uma cara fechada. Ele amarrou mesmo a cara e esbravejou apontando o dedo no meu rosto.
- Você não vai trabalhar de garçom e ponto final; tá decidido, Benjamim.
- Não tá nada!
- Como é que é?
- Não quero mais falar...
- Mas vai! Você não vai trabalhar, eu não vou deixar, você tá me escutando bem? Não vai Benjamim, não vai...
Tudo tinha tomado um rumo que eu nunca poderia prever.
Ele nunca tinha elevado tanto a voz pra mim. Ele estava transtornado,
como um pai brigando com um filho que tivesse pego o carro escondido ou coisa do tipo.
Ele apontava o dedo no meu rosto diversas vezes, ou botava a mão na cintura com uma pose autoritária. Berrava, apertava os olhos de raiva e eu estava assustado porque nunca havia presenciado algo assim vindo dele.
- Não sei o que dizer.
- Não diga nada, só aceite.
- Isso eu não aceito.
- Se eu tivesse falado antes você aceitaria?
- Não! Você não vai trabalhar.
- Rique...
- Leia os meus lábios: V-O-C-Ê---N-Ã-O---V-A-I---T-R-A-B-A-L-H-A-R
- Não estou entendendo você, Rique.
- Não é pra entender, só obedeça.
- Agora eu virei seu escravo?
- CHEGA BENJAMIM; SERÁ QUE VOCÊ NÃO PERCEBEU QUE VOCÊ NÃO TEM VOZ NESSA DISCUSSÃO? VOCÊ NÃO VAI TRABALHAR DE GARÇOM, DE FAXINEIRO, DE LAVA CHÃO, DE SORVETEIRO... O QUE FOR; VOCÊ NÃO VAI TRABALHAR, CARALHO!
Eu comecei a chorar.
Chorar como uma criança!
Eu não estava entendendo, mas uma coisa era certa: eu não ia deixar o emprego e viver às custas dele. Não ia deixar ele me sustentar.
Comecei a perceber como ele era mimado.
Ele sempre teve tudo o que quis; nunca precisou se esforçar para conseguir o que quer que seja.
Sorte ter se tornado uma boa pessoa.
Mas eu não estava acostumado a receber tudo de mão beijada. Eu tinha que trabalhar, ganhar o meu dinheiro, não depender dele.
Eu tinha que fazer isso.
- Olha só, Henrique; você está se alterando já. Tá gritando comigo, sendo grosseiro, me maltratando, me destratando...
- Você que me deixa assim, me desobedecendo.
- Eu não sou uma coisa pra você dar ordens. Você passou dos limites hoje.
- Tá bom, tá bom, você vai pedir demissão e vamos dormir.
- Não Henrique, eu vou trabalhar.
- Servindo o povo? Servindo mesas? Trazendo sopa para os outros? Lavando pratos? Se rebaixando? Não, não, não... isso nem pode ser chamado de emprego, você vai descer a esse nível?
O tom foi de desdém. Ele estava sendo altamente preconceituoso e extremamente arrogante.
Eu comecei a perceber que não era o fato de eu trabalhar que o incomodava, mas é que desde o início desse papo no dia anterior, ele sabia que eu, com o meu pobre currículo, só conseguiria esse tipo de emprego. Se fosse numa grande empresa, um grande cargo, ele não faria objeções.
Mas era desse nível; ele não quis...
- É um emprego digno como outro qualquer.
- Não disse que não era digno; só não é pra você. Se fosse uma outra coisa... quem sabe?
- Isso é muito preconceituoso.
- Ah, que se foda! Isso é emprego de ralé.
- Não acredito que você falou isso.
- E não é mesmo?
- Nossa! Nunca pensei escutar isso de você. Você vive no seu mundinho de muros altos e de chão de mármore. Realize! Estamos na vida real.
- Isso não serve pra você, você é tão inteligente, espere um pouco, eu sustento você e depois você encontra um emprego à sua altura.
- Como você é esnobe!
- Você é que sempre foi pobre, a vida toda e fica aí se lamentando! Não quero brigar...
- Como é que é?
- AH, QUER SABER? VOCÊ NÃO VAI TRABALHAR LÁ PORQUE EU NÃO VOU NAMORAR UM MÍSERO GARÇONZINHO!
Pronto! Se na minha cabeça restava algo do Henrique doce e romântico que eu conhecia, esse algo não existia mais. Ele disse isso como se dissesse “acho que vai chover" ou coisa do tipo. Pra ele falar isso, ele não teve papas na língua, disse como se o conteúdo de suas palavras não
expressassem nada grave.
Gente, eu faço Serviço Social.
Vocês têm ideia de como isso soou grotesco pra mim? Foi nojento, eu olhava pra ele, principalmente pra pele dele e senti asco, nojo, algo indescritível, algo que me impedia de estar no mesmo lugar que ele.
Um amor que eu venerava... que eu larguei tudo pra estar ao lado dele...
Parecia que o meu sacrifício de me assumir pra minha mãe tinha sido por alguém que não merecia o meu amor!
[...]
Antes de eu entrar na universidade, eu já tinha uma cabeça encaminhada para o social. Via como o sistema em que vivemos é famigerado com os que mais precisam. Eu sempre fui assim, só não tinha argumentos para defender aquilo que acredito.
Quando eu passei no vestibular, vi que tudo aquilo que eu defendia era justo. Desde que não se avance sobre o direito do outro, todo mundo tem o direito de ir e vir e ser feliz.
Eu sei que eu merecia coisa melhor e que poderia desempenhar um bom trabalho num emprego melhor. Mas tudo aquilo que eu defendia com palavras: igualdade, dignidade, honestidade, tolerância... eu aplico na prática. Não sou desses falsos moralistas que dizem que é contra isso e contra aquilo, mas não conseguem viver sem, não enxergam um palmo à frente do nariz. Eu sei que o Henrique queria o meu bem, queria me proteger, me amava muito... não duvido disso. Só que eu acho que eu não consegui passar como foi essa briga de fato, mas nem posso explicá-la agora.
Eu fiz uma observação sobre como eu demarco bem quando aparece na história uma família importante na minha cidade. Pois bem, lá na frente talvez se possa ter a dimensão do que foi essa briga e o porquê de eu falar tanto nas famílias tradicionais da minha cidade. Falo tradicionais para não falar endinheiradas.
À primeira vista, essa discussão pode ter parecido que foi somente entre a minha dignidade e a intolerância do Henrique. Mas pra mim, principalmente com o passar dos anos, eu vi que eu lutava contra o sistema em que ele vive... ou vivia, pois só devo falar no presente com a história que está se passando, senão eu vou antecipar coisas que não devo por agora.
Se existe tradição familiar no sul e sudeste, imagine isso no nordeste!
Talvez eu possa estar exagerando - já me perguntei muito isso - por ter dado dimensões grandes a uma simples briga de casal... mas, sei lá, eu vejo o mundo com os olhos da coletividade e quando ferem o direito e a dignidade de uma só pessoa, pra mim é ferido também o direito de muitos.
Ser garçom é digno sim! Eu sei que eu estudei muito e dou valor, mas eu não tinha pretensão de um grande emprego, até porque eu só estava no inicio do segundo ano de faculdade... e era muito novo, então como eu poderia ter um emprego grandioso? É claro que se tivesse surgido a oportunidade, eu não pensaria duas vezes... eu aceitaria, mas era o que tinha pra mim, então não tinha porque eu recusar.
Na vida, se começa de baixo. Apesar de eu não ser rico, sou filho único e tive todas as atenções voltadas pra mim, pra minha formação.
Fui uma criança bonita, sem arrogância, e todos me paparicavam muito.
Quando cheguei na adolescência vi que o mundo não era o mar de rosas que pintavam pra mim.
Mas eu vivia na bolha de cristal que me puseram desde criança.
Foi difícil servir mesas. Eu chorava muito quando eu pensava que poderia ter um emprego melhor, porque dignidade há em todo emprego, mas sem dúvida há empregos melhores que outros.
Definitivamente, ser garçom não era o que eu queria, mas o meu orgulho, e tenho que admitir isso, foi maior.
Talvez eu tivesse pedido demissão no dia seguinte, se ele não tivesse usado de argumentos nojentos para que eu fizesse isso.
Vi que tudo o que eu defendia estava correndo pelo ralo nas palavras dele.
Não gostei da forma como ele classificou as pessoas que trabalham servindo as outras, independente do gênero dessa serventia, garçom, diarista, balconista... Senti repulsa e arrogância e pra demonstrar que eu talvez tenha pecado em dar dimensões maiores a essa briga de casal, vi nas palavras, não o discurso dele, mas o discurso de pessoas ricas, porque não são todos os ricos que menosprezam o seu servinte ou servidor.
Vi nas palavras dele não ele, mas a sujeira do mundo que eu repudio.
Mas o mundo é feito por quem? Por pessoas, logo, se o mundo é do jeito que é, é porque existem pessoas que fazem dele um lugar pior.
Pode-se ver agora como eu dimensionei mal essa simples briga de casal.
O pior de tudo é que eu sabia o quão bom era a pessoa dele, afinal ele sempre foi gentil e honesto, nisso ele nunca pecou. Ele não teve culpa de nascer em um círculo social que tem essa arrogância como característica própria e, apesar de ele já ser grandinho o suficiente para se guiar por ele e não pelos outros, eu sei que velhos hábitos nunca mudam e que ele não tem culpa de pensar um pouco quadrado desse jeito.
Mas não foi justo o que ele disse a respeito do emprego.